Cenas: Depressão e Alegria

Terra parada, água estagnada, depressão.

Tristeza profunda, dor, amargura, medo do sono.

Não havia magia, não havia loucura, não havia ação.

Devaneio, procura. Da dança, veio a imaginação. Não me impeça de ir.

Fui para lá porque acreditei, justifiquei a procura da terra, da água, das raízes.

Justificando pela morte, a água puxando, o corpo resistindo, fui.

Expliquei o por quê, dei satisfações ao público que olhava a cena

Quis a máscara de Don Quixote e na ansiedade comprei a de Sancho Panza

Paguei para olhar por trás dos meus olhos, gozar a vaidade do meu brilho em cena,
como se eu fosse mesmo D.Q.

       

Era 15 de agosto quando a terra tremeu, as paredes racharam,

os muros caíram e eu tive que ver.

       

A natureza em sua força não tinha dentro, não tinha fora.

Ela roncava baixo, trovões de pequeninos horrores dentro de mim

A obsessão do mistério insistia, arremessava forte, tudo caía.

Eu ouvia. E se eu soubesse compreender? E se eu soubesse ser?

       

Enquanto o cenário ruía, três minutos longos, eu via as frestas profundas no meu chão

mostrando-se e exibindo as minhas vergonhas.

Ainda assim, três anos depois eu diria a meus amigos do Equador: dar direitos jurídicos à Natureza?

Mas quem falará por ela?

Todos gritaram: ela fala por si mesma!

      

Eu esqueço fácil do dia seguinte.

Que era 2007, que da universidade e das indústrias saíam fumaças iguais, poeiras individuais, secas,

escorpiões impediam os trabalhadores de fugir,

os pés querendo ver as sementes, que em casa desesperadas, choravam.

              

Na minha casa eu queria arrumar o cenário, manter-me em pé sobre a mesma terra do vaso em que eu me plantara.

Aceitar o problema moral, de novo ofensas, desprezo, humilhações. Por que fácil assim?

De onde as profundezas da minha escolha?

Quatro anos depois eu sei que conheço algo da cultura interna, compreendo algo da cultura externa
e a escolha da pulsão.

        

Permitir-me surfar. A terra tremendo para cima, fazendo ondas,destruindo passagens por onde passei.

Pensei: não é só aqui, o mundo acaba e eu estou só, mas fiz, amei, lutei para amar.

Administrei as ondas. Deuses me deram a quem amar e eu amei a muitos mais.

       

Passados meses do terremoto, a vergonha de cozinhar na rua, a dor da humilhação frente ao clic da minha máquina.

Ao pai que prestáramos homenagens, marcháramos com as melhores roupas, cantáramos o desejo de nossos corpos,

do pai tão lindo eu tiro a máscara. Quer tirar a máscara?

Pergunto. Não. Elas tem vergonha. Como eu tinha.

       

Na areia do deserto não tem culpa, nenhuma mulher quer ser a favorita.

Como é que à beira do oásis nascem as frutas mais doces? Pergunto a meus alunos. Eles acordam.

E todos são os melhores frutos da terra, somos nós mesmos, insisto.  Eles me olham com desconfiança.

Eu digo: agora temos que reinventar-nos, viver a alma do ancestrais, dançar a dança dos espíritos, beber do melhor vinho, deixar-nos ser mensageiros, entregar o corpo à alegria e rir dos limites, viver a cura mais conhecida: ser.


Fotos: Janina Sanches. Registro realizado de 15 a 30 de agosto de 2007, durante e após o terremoto de 7.9 Graus Richter, em Ica, no Perú.