Como a bifobia pode repercutir na saúde mental do adolescente

Lucilene da Silva Milhomem – damilhomem44@gmail.com

A adolescência é uma fase crucial e especial no processo de desenvolvimento físico, psicológico e social do indivíduo. Ela é considerada uma transição entre a infância e a idade adulta e é caracterizada por intenso crescimento e mudanças que se manifesta por marcantes transformações anatômicas, fisiológicas, psicológicas e sociais. É uma etapa na qual o indivíduo busca a identidade adulta, apoiando-se nas primeiras relações afetivas, já interiorizadas, que teve com seus familiares, ao observar a realidade que a sociedade lhe oferece.

É importante ressaltar que a identidade do adolescente ainda está em processo de construção. A identidade, segundo Erikson (1972), forma-se quando os jovens resolvem três questões importantes: a escolha de uma ocupação, a adoção de valores sob os quais vivem e o desenvolvimento de uma identidade sexual satisfatória. No entanto, a identidade sexual satisfatória é, às vezes, negligenciada pela família e pela sociedade que não aceita e nem acolhe a orientação sexual diferente daquela construída socialmente.

E quando o adolescente se apresenta como bissexual, surge um desafio ainda maior, porque, muitas vezes, enfrenta conflitos internos, especialmente as dificuldades familiares e sociais, quanto à aceitação de sua orientação sexual. Tal ponto pode traumatizar, adoecer e dificultar a transição do adolescente para a vida adulta.

Mas o que é a bifobia? É o ato de deslegitimar a sexualidade de alguém que é bissexual. É agredir verbalmente ou fisicamente por sua condição existencial de ser. É qualquer reação de ódio ou aversão contra a pessoa bissexual. É aquela pessoa que não sabe respeitar e acolher a orientação sexual de outrem.

Segundo alguns estudiosos, entre eles a sexóloga e psiquiatra, Dra. Carmita Abdo: a “sexualidade é o principal polo estruturante da personalidade e da identidade”. Dito isso, é oportuno diferenciar sexo de sexualidade. Ainda de acordo com a Dr. Carmita, sexo não necessariamente é atividade sexual, mas é libido. É a força que nos põe na cama e a energia que nos tira dela. A energia libidinal que nos faz ter interesse no sexo é a mesma que nos dá interesse pela vida. Tais referências são retiradas do livro “Sexualidade Humana e Seus Transtornos”.

Quando alguém age de forma desrespeitosa contra outra pessoa, em especial um adolescente, por causa de sua orientação sexual, como no caso em voga, os bissexuais, essa pessoa está corroborando com o adoecimento psíquico e ofuscando a identidade de daquele que está em processo de desenvolvimento psicossocial, trazendo consequências em sua autoestima, em sua autoconfiança. Em casos mais graves, tais atitudes desencadeiam depressão, ansiedade ou outros transtornos psiquiátricos, emocionais, psicológicos e até provocando o suicídio em alguém. Portanto, é grave o efeito do preconceito na vida de quem não enquadra nas crenças construídas culturalmente pela sociedade.

 E o que é o preconceito? É um pré-julgamento. Veja o prefixo “pré” que significa “antes de”. É um juízo de valor formulado de forma antecipada, baseando-se em estereótipos ou generalizações que podem resultar em atos de discriminação, agressões físicas ou verbais, psicológicas e emocionais. No caso em questão, a identidade do adolescente e sua personalidade também são afetadas por atitudes desrespeitosas. Há vários tipos de preconceitos em nossa sociedade como a condição social, nacionalidade ou de origem, orientação sexual, identidade de gênero, etnia, raça e sotaque.

A UNESCO em 2018 conceituou a sexualidade como uma dimensão do ser humano, incluindo: a compreensão do corpo e a relação com ele, além do apego emocional e amor, sexo, gênero, identidade de gênero, orientação sexual, intimidade sexual, prazer e reprodução. Sua complexidade envolve dimensões de ordem biológica, social, psicológica, espiritual, religiosa, politica, legal, histórica, ética e cultural, que evoluem ao longo da vida. Por consequência, o adolescente em processo de desenvolvimento, ao se afastar de si, de sua essência, de um dos pilares de sua existência humana, dificilmente seguirá com a saúde mental saudável.

Na prática clínica, como estudante de psicologia, em período de estágio, escutei casos em que o pré-adolescente, de determinada idade, passou por fases confusas tentando se encaixar, pois a sociedade adulta exige que se escolha apenas um sexo. E depois passou a viver em um relacionamento hétero afetivo porque era o “certo”, mas com o tempo foi tendo clareza de sua orientação sexual homoafetiva, embora a família preferisse o seu envolvimento com o sexo oposto. Na escuta clínica, escutei, também, discursos de pacientes em que a família prefere o relacionamento afetivo com sexo oposto a se relacionar com alguém do mesmo sexo ou com ambos os sexos, no caso os bissexuais.

Acredita-se que a informação e a educação sejam uma forte “arma” para combater a bifobia ou qualquer outro tipo de preconceito. A educação sexual é algo que deveria ser incorporado na grade curricular das escolas e faculdades, tendo em vista que é um dos pilares da personalidade e na consolidação da identidade do ser humano em desenvolvimento. A educação sexual previne diversos abusos, educa a sociedade quanto à diversidade sexual e reforça a saúde mental, em especial daqueles que estão em desenvolvimento. O respeito é ensinado desde o núcleo familiar primário e repercute em todas as espera da sociedade, sendo a escola e a universidade complementares nessa tarefa de educar o ser humano.

A Lei nº 13.431, de 4 de abril de 2017, estabelece que: “Art. 2º A criança e o adolescente gozam dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhes asseguradas a proteção integral e as oportunidades e facilidades para viver sem violência e preservar sua saúde física e mental e seu desenvolvimento moral, intelectual e social, e gozam de direitos específicos à sua condição de vítima ou testemunha. Art. 3º Na aplicação e interpretação desta Lei, serão considerados os fins sociais a que ela se destina e, especialmente, as condições peculiares da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento, às quais o Estado, a família e a sociedade devem assegurar a fruição dos direitos fundamentais com absoluta prioridade”.

Portanto, o adolescente vive as mudanças e transformações que lhes são próprias da faixa etária, mas os bissexuais que, por vezes, não se encaixam dentro do que esperado pela sociedade ou pela família, passam por inúmeros sofrimentos ou prejuízos em todas as espera da vida. Assim, por preconceito social ou pela interpretação equivocada da família, que acreditam que a pessoa que se atrai por ambos os sexos é indecisa ou promíscua, estão potencializando os danos à saúde mental. Além dos fatores externos, alguns se recolhem em si, por vergonha ou até mesmo autopreconceito e não conseguem se expressar, de forma pública ou privada, a sua orientação sexual, necessitando assim, de auxílio especializado para tanto.

Referências:

Aspectos da sexualidade na adolescência – disponível em: .https://www.scielo.br/j/csc/a/frXq7n3jXMmhzSmJqRWPwnL/?format=pdf&lang=pt. Acesso em 11 de outubro de 2023.

ERIKSON, Erik H. Infância e sociedade. Rio de Janeiro: Zahar, 1972.

PAPALIA, D. E. e FELDMAN, R. D. (2013). Desenvolvimento Humano. Porto Alegre, Artmed, 12ª ed.