Armas

Diálogo com a APSP

A reflexão feita pela APSP – Associação Paulista de Saúde Pública de que o ato de Wellington Menezes poderia ser prevenido mediante o vínculo que se faz nos serviços de saúde é pertinente. Mesmo assim, pergunto-me se há possibilidades, há vínculos e relações que nos permitem prevenir e/ou desviar comportamentos assim como o de Wellington Menezes. Prevenir comportamentos é uma prática incerta, certamente não comprovável e atravessada por uma discussão complexa com pontos acerca do biopoder e da Psiquiatria Comunitária que não cabe agora iniciar. Todavia, tem uma discussão que merece tão importância do que esta feita pela APSP – a questão da disponibilidade das armas e da cultura do armamento. Não se pode esquecer que o Realengo conta uma história de um século de um bairro militarizado, por nele ter se localizado Escolas militares e um comércio fortemente sustentado por apetrechos militares. Logicamente que isso não é a causa da tragédia, mas é importante ressaltar para se falar da questão da disponibilidade do armamento e da cultura do armamento.

Como num país em que é bem restrito o comércio de armas de fogo, o acesso a esse tipo de arma é tão fácil? O contrabando é uma resposta. O que complica a questão é que parte desse contrabando ocorre de dentro das instituições militares (não sei qual parte em números, mas, mesmo que pouca, o que não deve ser, já me deixa puto). Daí fica a pergunta: o não acesso a armas resolveria a bagaça? Lógico que não, afinal para se matar pessoas um estilingue bem usado é suficiente. Mas convenhamos que a arma de fogo facilita demais o trabalho de quem tem esse objetivo. E um agravante é que puxar um gatilho é, hoje, algo quase banal que se vê em muitos desenhos, em muitos games, todos eles da geração de Wellington Menezes…são esses os desenhos que as emissoras brasileiras passam diariamente. Além disso, a arma de fogo permite um distanciamento entre quem atira e quem é atingido o que deixa mais banal, pois fria, a relação de atirar em alguém.

Outra coisa é que uma das formas de se viver a instabilidade social (da sociedade líquida como define Bauman) é com atos impulsivos (não sei se foi o caso de Wellington por aquilo de premeditar e arquitetar o ato); mas há uma grande diferença entre eu ter acessível ou não uma arma de fogo num momento de impulsividade, como também há  uma grande diferença entre eu ter acessível uma grande quantidade de medicação em casa num momento como esse (aliás a medicação é também um assunto atravessado pela questão do contrabando…quantas pessoas não se mataram com medicações que o vizinho emprestou?? e que se configura como tráfico de drogas!!).

Na verdade, não consigo dar um desfecho a este meu comentário. O tema do Realengo ainda me é muito surreal, dentro do meu pequeno e restrito mundo. Acabei divagando, mas conclui: mesmo assim vou postar esse pensamento, pois estou certo que alguém pode me instrumentalizar nesta discussão, abrir-me os horizontes para uma discussão mais ampla, mais analítica, pois enfim não podemos apenas contemplar esses temas, esses atos. Que discutamos e mudemos os absurdos de nossa sociedade, de nosso coletivo. E para acabar de divagar, uma última reflexão, quiçá surreal: que a arte de forma geral, em especial a surreal, que os quadros de, por exemplo, Dali e a arte que todos nós fazemos, sejam distanciados da prática analítica e sirvam apenas para contemplação, prática quase findada na nossa sociedade (afinal quem tem tempo pra isso hoje em dia??????), mas extremamente salutar para os dias de hoje, até quem sabe para se evitar tragédias como essa.