A afirmação do título é extraída da monumental obra de Victor Hugo, os Miseráveis – leitura obrigatória para quem deseja ultrapassar certas literaturas meramente comerciais de hoje em dia.
O bispo Muriel, personagem extraordinário e de breve passagem no livro, quando se coloca diante do protagonista, o jovem Jean Villejean, compreende que todas as contradições experimentadas pelo jovem são resultado do que foi “cultivado”, nele e por ele, ao longo de sua existência. Muriel conclui que, de fato, o espírito é como um jardim.
Embora seja uma afirmação saída da boca de um personagem que é bispo católico, a palavra espírito não está num contexto exclusivamente religioso. Ela significa, antes de tudo, aquele núcleo humano onde residem a delicadeza, a sensibilidade, a cortesia, a generosidade, a capacidade de apreciar o belo, de amar, enfim.
A afirmação, ontem como hoje, é acertada. Cultivar um jardim exige maestrias. É preciso estar atento a detalhes e alimentar paciências. Não se pode esperar que um jardim surja de um acaso, e nem que fique bonito de um dia para o outro. E, principalmente, não se pode esperar gerânios ou rosas, onde lançamos sementes de cravos ou jasmim.
O belo da vida é que somos permanentes jardins cultiváveis. Sempre há tempo. Mas cuido de chamar atenção aqui, especialmente, do nosso papel de jardineiros.
Como esperar que meu filho se interesse por leitura, se eu nunca plantei um livro em sua vida? Como pedir a ele fineza no trato com os mais velhos, se não consigo apreciar alguns minutos de convivência com meus pais? Como esperar uma vizinhança solidária, se eu jamais saí à calçada da minha casa? Por que reclamar da violência do trânsito, se eu me aproveito de qualquer chance para deixar o carro do lado para trás? A queixa pela corrupção faz sentido se eu sequer respeito a vaga reservada às pessoas com deficiência?
Jardins não nascem espontaneamente. Eles são cultivados. As belezas surgirão na medida em que as plantarmos, porque o espírito humano, como disse Muriel, é um jardim. Cultivemo-lo.