Pensamento Sistêmico e Perguntas Reflexivas: uma prática clínica ampliada

O princípio da complexidade se apresenta como resposta a dinâmica das coisas. No sentido de explicitar que não há uma lógica, causalidade ou verdade absoluta sobre os sistemas do universo

A teoria sistêmica se constituiu por meio da influência de vários movimentos, esses movimentos serviram para construir as noções do que não seria parte da composição da teoria sistêmica. Dentre eles tem-se o Mecanicismo Cartesiano, que defendia a ideia de que seria possível “compreender o todo a partir das propriedades das partes (GOMES; BUENO; CREPALDI, 2014, pág.5).

Em seguida surgiu o Movimento Romântico que acreditava que todas as coisas existentes se formavam e se concentravam em torno da forma orgânica, onde tudo seguiria um padrão e funcionaria de forma harmoniosa (JR. et al, 2000). Em contraposição às ideias até aqui apresentadas, se apresenta no cenário das ciências o Organicismo. Segundo esse, não seria possível entender um fenômeno apenas pelas propriedades das partes, mas somente a partir do entendimento do todo. Dessa forma, é necessário se entender a relação entre as partes na constituição do todo (GOMES; BUENO; CREPALDI, 2014). O Organicismo é o primeiro movimento que se aproxima do que a teoria sistêmica propõe.

Complementarmente, nascem a Ecologia e posteriormente a Física Quântica. A primeira focava na interconexão dos organismos, implementando o conceito de “redes que se formam dentro de outras redes (CAPRA, 2006 apud GOMES; BUENO; CREPALDI, 2014)” para explicitar que na natureza todos os sistemas vivos se relacionam entre si. A segunda, traz a ideia da interconexão e interrelação dos fenômenos subatômicos, alegando a impossibilidade da fragmentação das partículas como fim, já que estas estão interconectadas entre si (JR. et al, 2000).

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Finalmente em 1920, Ludwig Von Bertalanffy cria a Teoria Geral dos Sistemas. A TGS tem como premissa central a concepção de que “os fenômenos não podem ser considerados isoladamente, e sim, como parte de um todo (ESTEVES DE VASCONCELLOS, 2018).” Bertanlanffy distinguiu seis conceitos principais da sua teoria: globalidade, não-somatividade, homeostase, morfogênese, circularidade e equifinalidade. A globalidade diz que mudanças em uma parte do sistema acarretaram mudanças em todo o sistema devido a sua característica interrelacional. A não-somatividade defende que o todo não é a soma das partes, mas sim a interrelação, complexidade e organização das partes que o formam.

Continuamente, tem-se que a homeostase se caracteriza pela constante busca do sistema em manter sua estabilidade, praticando sempre a autorregulação. Em contraste, a morfogênese é o processo de incessante absorção de aspectos externos ao sistema, que provocarão mudanças em seu funcionamento. Por fim, a circularidade diz respeito ao comportamento não-linear dos sistemas, uma vez que existe uma relação de influência constante entre as partes, que vai para além da ideia de causa e efeito (ESTEVES DE VASCONCELLOS, 2018).

Cabe ainda destacar o conceito de retroalimentação ou feedback, sendo esse a capacidade do sistema de circular informações, uma vez que uma informação que sai, pode retornar para o mesmo e provocar mudanças (GOMES; BUENO; CREPALDI, 2014).

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Maria José Esteves de Vasconcellos (2018) define o pensamento sistêmico como o novo paradigma da ciência. Para ela, rompe-se com os pressupostos da ciência tradicional baseada na simplicidade, objetividade e estabilidade e passa-se a pensar ciência com base na complexidade, instabilidade e intersubjetividade.

O princípio da complexidade se apresenta como resposta a dinâmica das coisas. No sentido de explicitar que não há uma lógica, causalidade ou verdade absoluta sobre os sistemas do universo, mas que se faz necessário olhar para a natureza como incerta, acolhendo as contradições e entendendo que ela vai para além dos dualismos (ESTEVES DE VASCONCELLOS, 2018).

Nesse sentido Esteves de Vasconcellos (2018) chama atenção também para o conceito de realidade observada/percebida. Para isso ela questiona essa tal realidade, lançando o sujeito a se perguntar “Realidade de quem? Realidade em relação a que?”, uma vez que a realidade é aquela que é percebida pelo sujeito em singularidade, sendo dessa forma impossível estabelecer uma ideia única e irrefutável do que seja real ou não real.

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O princípio da instabilidade entende que o mundo não é estável e ordenado, mas está em constante desordem, produzindo assim fenômenos imprevisíveis e indeterminados. Nesse cenário, toda e qualquer teoria que se defina como exata e inabalável, se coloca alheia aos processos instáveis da existência, correndo risco de cair numa ilusão aparente (ESTEVES DE VASCONCELLOS, 2018).

Por fim, o princípio da Intersubjetividade que entende que não é possível pensar em um observador que não esteja inserido no sistema, defendendo assim que existe uma influência direta do observador no sistema e do sistema no observador (ESTEVES DE VASCONCELLOS, 2018).

Diante desses três princípios trazidos pelo novo paradigma da ciência, Maria José Esteves de Vasconcellos dá as ferramentas para a atuação de um psicoterapeuta pautado nessa nova forma de ciência. Esse psicoterapeuta será um especialista em relações humanas, uma vez que ele não terá um olhar limitado de causa e efeito, e não focará no conteúdo como norteador das suas práticas, mas sim nas relações que permeiam os sistemas envolvidos.

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O terapeuta sistêmico novo-paradigmático entende que os sistemas não “são”, eles “estão” e por isso ultrapassa formas de intervir baseadas em uma postura cristalizada que busca por ditar o que é certo ou errado, ou ainda querer decidir pelo sujeito. Pelo contrário, o terapeuta assume uma postura de colaborador, num processo de criação de contextos para mudanças que sejam desejadas/propostas pelo próprio indivíduo. Nesse contexto, ainda cabe ao terapeuta  entender que o sistema é autônomo, e que a sua postura não será instrutiva, mas coconstrutiva, na medida em que ele construirá junto com o cliente os caminhos que poderão ser tomados. Como recurso, ele poderá fazer uso de “Perguntas Reflexivas” que serão abordadas no próximo tópico.

O uso de “Perguntas reflexivas” auxiliará tanto o terapeuta como os sistemas a olharem o fenômeno com um foco ampliado, percebendo relações que formam “uma teia de fenômenos recursivamente interligados (VASCONCELLOS, 2018, pág.151)”. As perguntas reflexivas se apresentam como ferramentas ao terapeuta sistêmico nas suas “intervenções” clínicas ou para além da clínica. Tomm (1988) definiu duas dimensões em quatro tipos de perguntas.

A primeira dimensão se refere a intenção do entrevistador, que pode ser de orientação ou de influência. Quando o entrevistador deseja orientar-se ele faz perguntas que irão alterar sua percepção em relação ao fenômeno. Quando o entrevistador deseja influenciar ele faz perguntas que tem a intenção de mudar a percepção do cliente.

A segunda dimensão fala sobre os pressupostos do entrevistador. O pressuposto da linearidade, se baseia em perguntas que buscam entender a linearidade dos eventos e as relações de causa e efeito. O pressuposto da circularidade se baseia em perguntas que buscam entender a circularidade dos eventos, se atentando para as relações de relações.

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Em se tratando dos quatro tipos de perguntas tem-se: perguntas descritivas lineares, perguntas interventivas lineares, perguntas descritivas circulares e perguntas interventivas circulares. As perguntas descritivas lineares pretendem orientar o terapeuta sobre a situação do cliente buscando relações de causa e efeito. As perguntas interventivas lineares buscam influenciar o cliente usando de instruções que se baseiam em causa e efeito. As perguntas descritivas circulares buscam padrões de relações e contextos para orientar o terapeuta quanto a situação do cliente. E as perguntas interventivas circulares, almejam levar o cliente à reflexão através de uma visão circular dos fenômenos, que possibilite a perturbação do sistema culminando em uma possível mudança (VASCONCELLOS, 2018).

REFERÊNCIAS:

GOMES, Lauren Beltrão et al. As Origens do Pensamento Sistêmico: Das Partes para o Todo. Pensando Famílias, Santa Catarina, v. 18, n. 2, p.3-16, dez. 2014. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/pdf/penf/v18n2/v18n2a02.pdf>. Acesso em: 18 abr. 2019.

PHILIPPI JUNIOR, Arlindo et al. Interdisciplinariedade em Ciências Ambientais. São Paulo: Signus, 2000. 319 p. Disponível em: <http://www.unievangelica.edu.br/files/images/Interdisciplinaridade%20e%20Ci%C3%AAncias%20Ambientais%20(3).pdf#page=62>. Acesso em: 18 abr. 2019.

ESTEVES DE VASCONCELOS, Maria José. Pensamento sistêmico: o novo paradigma da ciência. 10. ed. Campinas: Papirus, 2013.