Plasticidade cerebral na velhice à luz da vivência de Édson Gambuggi

Insight sobre a quebra de tabus a respeito da funcionalidade da vida idosa

O envelhecimento é um processo natural que pode ser encarado como uma fase de desenvolvimento humano rica e significativa. Este insight, fundamentado no documentário “Envelhescência”, gravado em 2015, destaca a história inspiradora de Édson Gambuggi, um médico que iniciou seus estudos de medicina aos 76 anos e concluiu o curso aos 82 anos.

Enfrentando desafios como a adaptação a um novo ambiente acadêmico e uma rotina de estudos intensa, Édson personifica a capacidade do cérebro humano de se adaptar e se regenerar, um fenômeno conhecido como plasticidade cerebral. Tal conceito é respaldado por teorias que indicam que o cérebro é capaz de reorganizar suas conexões e até mesmo criar novos neurônios, independentemente da idade.

A jornada de Édson ilustra vividamente como a plasticidade cerebral pode ser acionada mesmo em idades avançadas, permitindo que indivíduos continuem aprendendo, crescendo e se desenvolvendo ao longo da vida. Esse fenômeno é explorado aqui à luz dos estudos de Papalia e Feldman (2012), que abordam o envelhecimento do cérebro e os mecanismos envolvidos na sua adaptação às novas experiências e desafios.

O caso de Édson Gambuggi não apenas demonstra a capacidade de superação e resiliência dos idosos, mas também destaca a importância de reconhecer o potencial de crescimento e aprendizado em todas as fases da vida. O envelhecimento, longe de ser um declínio inevitável, pode ser uma jornada de descobertas e realizações profundamente enriquecedoras.

Plasticidade cerebral

A plasticidade cerebral encontra-se na possibilidade e capacidade do cérebro de se adaptar e remodelar ao longo da vida em resposta às experiências vivenciadas. Quando ocorre uma nova aprendizagem, os neurônios cerebrais estabelecem conexões entre si, formando uma rede neural que registra essa informação. Com cerca de 86 bilhões de neurônios, o cérebro humano é composto por células nervosas que captam, processam e transmitem informações aprendidas ao longo das experiências. Essas conexões entre os neurônios, chamadas sinapses, apresentam-se como fundamentais à comunicação no cérebro, e são fortalecidas através da prática repetida de uma atividade, o que significa que quanto mais uma habilidade é exercitada, mais intensas e consolidadas se tornam as sinapses relacionadas a ela. Por outro lado, comportamentos pouco frequentes não estabelecem conexões fortes e não solidificam hábitos.

A plasticidade cerebral ocorre de forma dinâmica e adaptativa. Quando uma parte do cérebro é afetada por um trauma externo, como lesão ou doença, o mesmo se reorganiza para compensar as funções prejudicadas, redistribuindo tarefas entre outras áreas saudáveis. Essa capacidade de reorganização contribui para a recuperação e adaptação do cérebro diante de desafios e mudanças ao longo da vida.

De acordo com Papalia e Feldman (2012, p.582), “as mudanças que ocorrem com o envelhecimento do cérebro de pessoas saudáveis são sutis e fazem pouca diferença em seu funcionamento.” Além disso, a plasticidade cerebral pode “reorganizar os circuitos neuronais para responder ao desafio do envelhecimento neurobiológico” (Park e Gutchess, 2006, p.107). É comum ao cérebro em envelhecimento que diminua de tamanho e perca parte de suas células nervosas. Todavia, “a perda neuronal não é substancial e não afeta a cognição” (Burke e Barnes, 2006; Finch e Zelinsky, 2005).

Apesar da realidade advinda do envelhecimento natural do ser, o caso de Édson demonstrou de forma impressionante o que Brayne (2007) afirmou: a deterioração cerebral não é inevitável e nem todas as mudanças são destrutivas. Conforme Papalia e Feldman (2012), cérebros mais velhos têm a capacidade de criar novas células nervosas a partir de células-tronco, e evidências de divisão celular foram encontradas no hipocampo, região relacionada à aprendizagem e memória.

Durante sua vida, Édson Gambuggi cultivou sinapses fortes, fortalecendo seus hábitos de estudo e trabalho. Após concluir sua segunda graduação e trabalhar por anos na área do Direito, Édson se aposentou conforme o prazo estabelecido. Sua esposa relatou:

“Quando ele se aposentou, eu nunca imaginei que ele fosse ficar sentado dentro de casa lendo jornal, porque ele nunca foi disso, nunca foi de ficar parado. Aí ele começou a correr atrás do sonho dele de fazer medicina, ele não parou. Eu nunca nem pensei que ele se aposentando fosse ficar em casa sem fazer nada.” (Arthemis Gambuggi, 2015).

Mesmo diante dos desafios impostos pelo envelhecimento natural do cérebro, que podem resultar em uma diminuição na rapidez da transmissão dos impulsos neuronais e afetar as funções cognitivas e motoras, Édson não experimentou danos significativos em suas habilidades executivas e sua idade avançada não o impediu de embarcar e concluir sua jornada acadêmica na Medicina, mesmo aos 76 anos. A dedicação contínua aos hábitos de estudo ao longo da vida, juntamente com sua boa saúde física e mental, mitigaram as limitações associadas à idade, permitindo que ele ampliasse suas capacidades e habilidades nesse período de sua vida.

Plasticidade cerebral no envelhecimento

Antigamente, a biologia afirmava que apenas o cérebro ainda em desenvolvimento teria capacidade de remodelação através da plasticidade – o adulto e o idoso estariam fadados aos eventuais desgastes cerebrais ocorridos no decorrer de sua vida. Todavia, o próprio Édson é um argumento vivo de que isso não procede. A plasticidade cerebral não é interrompida pela idade – é continuada enquanto hajam estímulos capazes de promover novas sinapses entre os neurônios. Muito embora o cérebro não seja capaz de se regenerar, ele possui a habilidade de reorganização, adaptação e modificação no processamento de informações. Este rearranjo forma novas sinapses forçadas.

“Assim, múltiplas possibilidades de respostas ao ambiente tornam-se possíveis, pois o cérebro é altamente maleável e com os estímulos adequados e intensos pode-se modificar a estrutura cerebral desenvolvendo habilidades e retardando o próprio envelhecimento natural.” (ABREU, 2020)

A história de Édson nos mostra como ele se afastou da rotina monótona e automática, buscando constantemente novos desafios para alimentar sua motivação. Seu desejo persistente de cursar medicina o levou a explorar oportunidades no Brasil, na Bolívia e na Argentina, mesmo enquanto equilibrava suas responsabilidades familiares e profissionais. Ao longo dos anos continuou a fortalecer essa motivação, independentemente do tempo necessário para realizar seu sonho. Assim como um músculo que é exercitado regularmente, sua determinação foi alimentada por suas experiências de vida. Seu cérebro se adaptou às mudanças e desafios do novo caminho que escolheu, desenvolvendo alterações funcionais para enfrentar os obstáculos que surgiam em sua jornada.

Aspectos cognitivos de Édson

“Declínios na força e na energia muscular resultam de uma combinação do envelhecimento natural, diminuição da atividade e doença.” (PAPALIA; FELDMAN. 2012, p.584).

 À medida que envelhecemos, é natural que ocorra um declínio no funcionamento do cérebro, resultando em uma diminuição na sua capacidade e proporção. No entanto, evidências científicas mostram que ainda é possível a divisão celular no hipocampo, uma região crucial para a aprendizagem e memória (Eriksson et al., 1998; Van Praag et al., 2002). Édson teve que encontrar novas estratégias para estimular seu cérebro e absorver as informações durante seus estudos na faculdade. Uma dessas estratégias foi o desenvolvimento de relacionamentos interpessoais com os jovens ao seu redor, que compartilhavam de seu sonho e experiências de vida.

Contextualizando Papalia e Feldman (2012, p. 584), a idade funcional destaca-se pela habilidade de se relacionar com pessoas de diferentes idades e adaptar-se a diferentes ambientes. A conexão entre o idoso e o jovem proporciona crescimento mútuo. Através desses vínculos, Édson teve a oportunidade de compartilhar conhecimentos e habilidades, o que resultou em um aumento de sua autoestima e crenças fortalecidas em sua capacidade de enfrentar desafios.

“O começo das aulas foi meio cansativo, mas a todo instante a graça da garotada enriquecia o meu espírito, (…) e acabei levando as coisas de maneira que, no fim fui sendo absorvido por tudo aquilo, sem me perceber que eu sou tão velho em relação a isso.” (Edson Gambuggi, 2015).

 

Retornar aos estudos na velhice trouxe a Édson um renovado sentimento de autoconfiança, experiência compartilhada por muitos idosos na mesma situação. Tal exemplo inspirador nos lembra que a idade não precisa ser vista como um obstáculo para alcançar nossos objetivos. A vida plena pode ser desfrutada em qualquer fase, e a velhice não tem que representar um caminho para a solidão ou desânimo – ela pode ser uma oportunidade de aproveitar o tempo de forma significativa. É um período de maturidade, libertação de amarras sociais e realização de sonhos adiados. A respeito, a plasticidade cerebral vem como potencializadora da capacidade do cérebro de se adaptar e aprender ao longo da vida, reforçando a ideia de que o tempo restante pode ser dedicado ao que antes era deixado de lado pela falta de tempo. A consciência da finitude da vida deve nos motivar a buscar o que realmente importa, vivendo com propósito, prazer e compromisso com nossa própria felicidade.

Referências

ALTMAN, Miriam. Envelhescência: um fenômeno da modernidade à luz da Psicanálise. Rev. bras. psicanál, São Paulo, v. 48, n. 1, p. 203-206, abr. 2014.

Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0486-

641X2014000100018&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 21/03/2024

PAPALIA, D. E. e FELDMAN, R. D. (2013). Desenvolvimento Humano. Porto Alegre, Artmed, 12ª ed.

ENVELHESCÊNCIA. Direção: Gabriel Martinez. Produção: Samarah Kojima.

São Paulo: Proac SP, 2015. 1 DVD (84 min). Disponível em: <https://goo.gl/YN2zQO>. Acesso em: 10/10/2021.

GAMBUGGI, Edson. Aos 82 anos, paulista realiza sonho e se forma médico, entrevista concedida a Giovana Sanchesz, G1, em São Paulo. 15/07/09-12h56.

GOLEMAN, Daniel,ph.D.Inteligência Emocional:Rio de Janeiro:Objetiva,2011.

MINOZZO, Leandro. Um novo envelhecer: Tempo de ser feliz. Porto Alegre: WS editor, 2012.