Relações amorosas: o luto afetivo após o rompimento de um vínculo significativo e uma análise social das relações atuais.

O luto trata-se não apenas da morte, mas também da perda de um elo significativo, que sofre rupturas psíquicas e sociais.  

Vitória Cardoso Figueira – vitoriacardoso@rede.ulbra.br

Podemos dizer que desde sempre somos pegos com a idealização do amor romântico, ou melhor, que é necessário a vivência de uma relação afetiva. Na literatura, música, cinema, televisão e, também, na internet existe a pregação de um amor ideal. Sabendo que as relações fazem parte do desenvolvimento humano, sejam elas de amizade, familiar, trabalho e amorosa/afetiva, entre outras, pode-se dizer que se trata de um ciclo, é possível dizer que as relações possuem um começo, meio e fim, na maioria das vezes. Então, falando de uma ruptura, dentro das relações amorosas, é possível dizer que vivemos um luto após o fim de um relacionamento? E como os aspectos sociais podem  influenciá-lo? 

Ferreira (2004) diz que, o amor é como um drama criado com a intenção de tentar preencher uma falta vivente no inconsciente, de tal modo, o mesmo seria tão idealizado que acaba levando o sujeito a acreditar que por meio da experimentação haverá uma sensação de completude. A fantasia e imaginação alteram as cobiças dos homens e mulheres em relação aos desejos de seus companheiros, visto que a fantasia ocupa um lugar indefinido (HAN, 2017). 

Quando ocorre de a liberação da libido no objeto amado seja perturbada ou interrompida, o sujeito conecta-se com a identificação interior sobre o objeto, então, no processo de perda, a pessoa precisa (re)analisar as vivências que passou entre ela e o outro, então dessa forma, mergulha dentro de si fazendo contato consigo mesma. Sendo assim, necessita-se que o luto seja vivido, para que se possa visualizar a perda do objeto e com isso iniciar a elaboração da perda (ROSA; DE CASTRO VALENTE; DE OLIVEIRA, 2013).

O rompimento de uma relação pode ser sentido de várias formas e que tem um cunho individual, cada ser vivencia tal evento de maneira particular. Pelo fato do processo ser   sentido como uma perda, o fim de um relacionamento caracteriza-se como luto, o luto após o término ou luto afetivo, já que, segundo Cavalcanti, Samczuk e Bonfim (2013) o luto é atribuído a perda de um vínculo significativo entre uma pessoa e seu objeto, sendo assim, um evento natural e frequente durante o desenvolvimento humano. O conceito do luto não é exclusivo apenas à morte, mas também da sequência de perdas reais e simbólicas no decorrer da vida, podendo ser sentido por perdas que percorrem entre a dimensão física e psíquica, como os vínculos importantes e de significados pessoais, profissionais, sociais e familiares.

Casal sáfico
Fonte: Imagem de Victoria_Watercolor por Pixabay

Com o passar do tempo, as estruturas conjugais e a forma de se relacionar sofre mudanças, atualmente as relações são firmadas pelo compromisso, mas compromisso esse que pode ser rompido sem muitas delongas caso a relação não caiba mais para algum dos sujeitos que estão nela, ou até mesmo para os dois. É possível visualizar que, hoje, o cansaço, o desinteresse, a incapacidade de sustentar os compromissos advindos de uma relação, entre outros, podem levar à ruptura de um casal (ROSA; DE CASTRO VALENTE; DE OLIVEIRA, 2013).

Bauman (2004) retrata as relações atuais como frágeis e de amores líquidos, então,  os sentimentos e relações para com o outro estão cada vez mais  morredouro, impertinente e superficiais, gerando um maior individualismo e desapego. Em razão dessas novas relações, é notório que os jovens e adultos sofrem com dificuldades em relação a términos, alguns acabam engatando relacionamentos, o que pode não ser caracterizado como luto à antiga relação, e outros entram em um processo profundo de sofrimento (ENÉAS, 2021). 

É comum que os indivíduos busquem em seus parceiros satisfação de seus desejos e prazer. Na atualidade, encontra-se frequentemente a lamentação por se estar sozinho interligada com queixa de superficialidade, visualizando que o amor romântico continua a ser uma idealização de uma possível completude (FERREIRA, 2010). 

Contudo, é importante destacar que tais fatos aqui tratados, que dizem respeito ao luto afetivo e a análise social perante as relações atuais, é cabível a quaisquer conjuntura de relação. Sendo assim, podemos compreender que um passo para melhor elaboração do luto e resiliência nas relações, é buscar sentido em si próprio, com intuito de humanizar-se e também o outro (BERALDO; ARANTES, 2018). 

Não existe uma bula ou descrição que ensina como vivenciar o fim de um relacionamento, o luto afetivo. Compreender que as relações podem ser cíclicas, com um início, meio e fim, possibilita uma melhoria no enfrentamento desse processo, também, desvincular da ideia de que o outro exerce um papel de completude e buscar em si o que tanto procura no outro.

Casal homoafetivo
Fonte: Imagem de Alessandro Alle por Pixabay

 

REFERÊNCIA

BAUMAN, Z. Amor líquido. Sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Zahar, 2004. 

BERALDO, Fabiana De Matos; ARANTES, Ana Claudia Yamashiro. Amor líquido: uma reflexão sobre amar na modernidade. 2018. Disponível em: <https://repositorio.faema.edu.br/handle/123456789/2328> Acesso em 17 de março, 2023.

CAVALCANTI, Andressa Katherine Santos; SAMCZUK, Milena Lieto; BONFIM, Tania Elena. O conceito psicanalítico do luto: uma perspectiva a partir de Freud e Klein. Psicólogo informação, v. 17, n. 17, p. 87-105, 2013. Disponível em: <https://www.metodista.br/revistas/revistas-ims/index.php/PINFOR/article/view/4552>. Acesso em 13 de março, 2023. 

ENÉAS, Clara Vittória Costa. O luto nas separações amorosas na perspectiva psicanalítica. 2021. Disponível em: <http://186.251.225.226:8080/handle/123456789/263> Acesso em 15 de março, 2023.

FERREIRA, N.P. A Teoria do Amor na Psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 2004

FERREIRA, E. P. A Separação amorosa: uma abordagem psicanalítica. Psicanálise & Barroco em revista. 56-97. 2010. 

GIACHINI, Tradução de Enio Paulo; HABOWSKI, Adilson Cristiano; CONTE, Elaine. Byung-Chul Han (2017). Agonia do Eros. Petrópolis: Vozes. ISBN: 8532655181. 2020. Disponível em: <https://www.researchgate.net/profile/Adilson-Habowski/publication/344825912_Resenha_da_obra_Agonia_do_Eros_de_Byung-Chul_Han/links/5f9207b2299bf1b53e3d7ccc/Resenha-da-obra-Agonia-do-Eros-de-Byung-Chul-Han.pdf>  Acesso em 14 de março, 2023.

ROSA, Helena Rinaldi; DE CASTRO VALENTE, Maria Luísa Louro; DE OLIVEIRA, Mônica Martins. A vivência do luto em decorrência do término de relacionamentos amorosos. Revista Estudos, v. 17, n. 17, p. 173-194, 2013. Disponível em: <http://ojs.unimar.br/index.php/estudos/article/view/861> Acesso em 13 de março, 2023.