A psicologia social, ao integrar aspectos sociológicos e psicológicos, pode oferecer uma lente essencial para a compreensão e intervenção nos processos psicossociais enfrentados pela população neurodivergente.
Neurodiversidade é um termo que abrange condições neurológicas como o autismo e o TDAH, entre outras diferenças neurológicas, que desafiam o ritmo convencional de desenvolvimento e o comportamento humano. Dentro desse contexto, as relações entre pais e filhos, frequentemente, passam por um processo de ressignificação, especialmente quando envolvem a adaptação a novas realidades e revisão de expectativas, o que muitas vezes pode estar associado a um tipo de luto emocional.
Este luto, no entanto, não está restrito à perda física. Para muitas famílias, trata-se da perda das expectativas que foram idealizadas sobre o futuro dos filhos. Bock (2009) discute que o processo de luto nas famílias neurodivergentes pode incluir a necessidade de reconfigurar os papéis familiares e as expectativas para o desenvolvimento da criança. Essas famílias, portanto, enfrentam um desafio único: aceitar e adaptar-se às diferenças neurológicas de seus filhos, enquanto enfrentam as pressões sociais de conformidade com normas de desenvolvimento e comportamento social.
A psicologia social brasileira, com sua abordagem crítica e sociológica, nos lembra da importância de situar esses processos dentro do contexto cultural. Segundo Lane (1994), é necessário considerar o ambiente social e histórico que influencia diretamente as relações e interações humanas.
No caso das famílias neurodivergentes, isso significa reconhecer que as expectativas sociais e culturais sobre desenvolvimento infantil podem aumentar o fardo emocional, levando a uma reavaliação dos papéis tradicionais dentro da família e poderá elevar o sofrimento dos indivíduos que pertencem a um quadro como esse.
Uma intervenção psicossocial eficaz, portanto, precisa ser sensível a essas especificidades. As famílias neurodivergentes necessitam de apoio que não apenas aborde suas dificuldades, mas que promova uma aceitação mais ampla das diferenças neurológicas, tanto dentro quanto fora da família. O suporte emocional, a educação sobre neurodiversidade e a criação de ambientes coletivos que respeitem as individualidades são elementos fundamentais para esse tipo de intervenção psicossocial.
Como sugere Gonzalez (2020), é essencial que a intervenção também fortaleça os laços familiares, promovendo a inclusão social e ajudando os pais a entender e valorizar as características únicas de seus filhos. Além disso, a ressignificação das relações entre pais e filhos não é um processo automático ou simples. Ela envolve um esforço contínuo de adaptação e reconstrução das expectativas e dinâmicas familiares. Para a psicologia social, esse processo deve levar em consideração as influências culturais e sociais que moldam essas relações. Intervenções bem-sucedidas não apenas ajudam as famílias, os grupos e os indivíduos a enfrentarem os desafios, mas também promovem uma aceitação mais profunda da neurodiversidade, como um fenômeno natural que deve ser respeitado e compreendido para além de estigmas sociais.
No Brasil, a abordagem sociológica da psicologia social tem contribuído significativamente para uma visão crítica sobre como as normas sociais e preconceitos podem impactar as experiências de luto e as dinâmicas familiares. Como argumenta Lane (1994), a intervenção precisa ser sensível às particularidades de cada família e promover um ambiente de aceitação, que é fundamental para o bem-estar dos indivíduos e para a coesão familiar. Daí a necessidade de criação de rede de apoio por meio de políticas públicas capazes de dedicarem-se aos casos de neurodiversidade como forma de coletivamente amparar as famílias, seus processos de ressignificação de suas expectativas e o modo como podem atuar juntam aos filhos neurodivergentes de forma mais funcional.
Fortalecer essas relações é essencial não apenas para o desenvolvimento individual, mas também para a construção de um ambiente social mais inclusivo e acolhedor.
A psicologia social, portanto, oferece ferramentas valiosas para entender e intervir nos processos de luto e ressignificação nas famílias neurodivergentes. A intervenção deve ser ajustada às necessidades de cada família, buscando promover um ambiente que acolha e respeite a diversidade neurológica. É por meio dessa aceitação
que os laços familiares podem ser fortalecidos, contribuindo para o bem-estar dos indivíduos e para uma maior coesão social.
REFERÊNCIAS
BOCK, Ana Mercês Bahia. A dimensão social da psicologia. São Paulo: Editora Brasiliense, 2009.
BOCK, Ana Mercês Bahia; LANE, Silvia T. M. O que é psicologia social. São Paulo: Editora Brasiliense, 1994.
GONZALEZ, Lélia. Por um feminismo afrolatinoamericano. Rio de Janeiro: Zahar, 2020.
LANE, Silvia T. M. Psicologia social: uma nova concepção para um estudo de homem. São Paulo: Editora Brasiliense, 1994.
LIMA, Aluísio Ferreira de; CIAMPA, Antônio da Costa; ALMEIDA, Juracy Armando Mariano de. Psicologia Social como Psicologia Política? A Proposta de Psicologia Social Crítica de Sílvia Lane. Disponível em:
<https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=7918702>. 27 set. 2024.
SAWAIA, Bader. As artimanhas da exclusão: análise psicossocial e ética da desigualdade social. Disponível em:
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