Rotatividade dos profissionais da saúde: uma experiência prática

A alta rotatividade da equipe do Sistema Único de Saúde (SUS) pode acarretar também em falta de profissionais qualificados, engajados e conhecedores do serviço.

A rotatividade profissional, para Tonelli et al. (2018), é definida como uma permanente entrada e saída de pessoas de uma organização, sendo estas voluntárias ou involuntárias. Dentro das organizações sempre há rotatividade, estas podem ser positivas, desde que sejam de funcionários não essenciais que estejam executando determinada atividade e venham deixar a organização. Portanto, é importante ressaltar que a rotatividade pode acarretar em perdas de pessoas estratégicas para determinada vaga, causando assim o fator de interrupção das atividades e consequentemente prejudicando no desenvolvimento da organização.

A alta rotatividade da equipe do Sistema Único de Saúde (SUS) pode acarretar também em falta de profissionais qualificados, engajados e conhecedores do serviço. Uma vez que o profissional que se encontra pertencente a instituição e conhece todo o funcionamento desta é afastado, a inserção de um novo profissional implicará em todo um processo de adaptação que poderá trazer consequências diversas para o serviço. De acordo com Gil (2006), a rotatividade dos profissionais de saúde resulta na perda de investimentos dos gestores que estão em processo de capacitação e qualificação dos profissionais para desenvolver novas práticas, como cursos de introdução aos princípios organizativos da saúde.

Outro fator que pode estar relacionado ao alto índice de rotatividade dos profissionais de saúde, pode estar interligado com a insatisfação relacionada a política da organização, pois se o profissional não acredita nesta política, o trabalho vai se tornar adoecedor e sem sentido. Para Medeiros et al (2010), os profissionais insatisfeitos com o trabalho podem apresentar maior probabilidade de fazerem parte da taxa de rotatividade. Na medida em que o profissional apresenta falta de realização e pouca motivação, começam a receber pouco reconhecimento no cargo, vivenciar constantes conflitos com a chefia e com os colegas, e ainda experimentam a incapacidade de realizar os objetivos do seu cargo.

Fonte: encurtador.com.br/hvCGR

Com o alto índice de rotatividade dos profissionais da saúde, os usuários do SUS podem apresentar dificuldade em construir novos vínculos e se dedicarem ao tratamento, devido a possibilidade da saída repentina do profissional que, por sua vez, colabora para um sentimento de insegurança. Campos e Malik (2008) acreditam que na saúde, a rotatividade pode gerar alguns impactos, como o comprometimento com os vínculos da equipe com os usuários, que pode afetar também no objetivo dos resultados esperados dentro do serviço, principalmente na Estratégia de Saúde da Família (ESF), pois o seu foco está na atenção à família na comunidade, onde valorizam-se os vínculos estreitos entre família e profissional.

A rotatividade dos profissionais dos SUS pode afetar também o andamento do tratamento do usuário, pois o profissional pode vir a iniciar uma atividade e deixá-la inacabada por conta de sua saída da organização, causando um desamparo no processo até a chegada de outro profissional, que pode ou não dar continuidade a esta atividade. Sendo assim, alguns profissionais optam por não planejar atividades que requeiram um longo período de execução, como demonstra Pialarissi (2017, p. 2)

Comprometendo a relação do sistema com os trabalhadores e prejudicando a qualidade e continuidade dos serviços prestados em razão de consequências tais quais o alto índice de rotatividade dos profissionais e a impossibilidade de se fixar projetos com processos de planejamento de médio e longo prazos

Fonte: encurtador.com.br/mqtGS

Para Guimarães, Oliveira e Yamamoto (2013), um dos aspectos que pode comprometer a continuidade e o andamento das atividades é a rotatividade dos estagiários, pois pode vir a  causar nos usuários um recomeço constante das atividades, além da necessidade de (re)criar novos vínculos entre usuários e estagiários.

Dentro do âmbito de saúde alguns projetos são colocados em prática, mas devido a rotatividade dos profissionais alguns projetos não são finalizados. Segundo Polejack et al. (2015), a descontinuidade das ações planejadas, a frequente rotatividade dos profissionais, a descontinuidade das políticas e da gestão das mesmas, podem acarretar em implicações severas para o serviço e para o papel de cada profissional.

Uma experiência de rotatividade vivenciada na prática

            O estágio em ênfase B se apresenta como um dos campos de estágio que o acadêmico do curso de Psicologia do Ceulp/Ulbra precisa cumprir, como matéria obrigatória para sua formação. Diante das muitas possibilidades de atuação que foram ofertadas, as estagiárias escolheram o campo do Centro de Atenção Psicossocial Álcool e outras drogas (CAPS AD 3).

Fonte: encurtador.com.br/LPQZ1

            As atividades no referido espaço foram iniciadas no mês de fevereiro de 2019, sob supervisão da psicóloga da instituição. Esse primeiro mês teve como objetivo principal a integração das acadêmicas ao campo, para que estas entendessem o funcionamento do serviço e acima de tudo pudessem estabelecer um bom vínculo com os usuários e com a equipe profissional.

            Diante da satisfatória integração, as estagiárias assumiram para si funções específicas, sendo: a condução de um grupo terapêutico sobre autoconhecimento, bem como a realização de atendimentos psicoterápicos individuais. Dessa forma, a inserção e atuação no campo começou a tomar forma e engajamento, e assim foi durante os meses de março e abril, até que o fenômeno da rotatividade acontecesse.

            A psicóloga supervisora tomou a decisão de não continuar mais trabalhando na instituição, por motivos específicos e pessoais. Como consequência da saída da Psicóloga, as estagiárias não puderam mais continuar na instituição, uma vez não permitida a permanência de estagiários atuando no campo sem um supervisor. Sendo assim, o abandono do campo ocorreu, e ocorreu de forma dolorosa para todos os envolvidos no processo: acadêmicas, supervisora, equipe e usuários.

            Tal abandono acarretou no desamparo dos usuários, que estavam sendo assistidos pelos grupos e pelos atendimentos individuais que eram conduzidos pelas estagiárias e pela supervisora. Além de implicar bastante nas relações de vinculação que haviam sido estabelecidas, fazendo com que todas experimentassem um sentimento de rompimento muito doloroso.

Fonte: encurtador.com.br/sFUY6

            O romper desse vínculo e suas consequências foram externalizadas na fala de alguns usuários, que ao saberem da saída das profissionais demonstraram inquietação e preocupação, questionando “por quem” e “como” eles seriam assistidos.

            Contudo, a nova realidade que se apresentava levou as acadêmicas a estagiarem em outro campo, agora a Secretaria Municipal de Saúde de Palmas (SEMUS), especificamente na área de gestão, sob supervisão da psicóloga Isabela Monticelli que se encontrava responsável pelo grupo condutor de Infectologia.

            Diante de todo o exposto, é possível perceber o quanto a rotatividade nos serviços de saúde existe e o quão nocivas elas são, tanto para os usuários dos serviços quanto para os profissionais envolvidos. Dessa forma, para as acadêmicas, ter vivenciado esse processo lhes fizeram perceber que, ao profissional da saúde pública é necessário sempre uma criatividade e expertise no que tange a sua atuação profissional, estando sempre atento para que o processo seja o menos prejudicial possível, para os usuários e para si mesmo.

            Tal expertise e atenção, pode se aplicar numa prática baseada num cuidado comprometido que seja efetivo enquanto o profissional estiver inserido naquele espaço de trabalho, tendo este a consciência de que fez o seu melhor dentro do tempo que lhe foi concedido. Além disso, entender que os usuários do serviço podem, por meio da sua atuação profissional alcançar um nível de autonomia que lhes façam ser os protagonistas de suas vidas, colaborando assim para a dissolução de vínculos de dependência não-saudáveis.

 

REFERÊNCIAS

CAMPOS, Claudia Valentina de Arruda  and  MALIK, Ana Maria. Satisfação no trabalho e rotatividade dos médicos do Programa de Saúde da Família. Rev. Adm. Pública [online]. 2008, vol.42, n.2, pp.347-368. ISSN 0034-7612.  http://dx.doi.org/10.1590/S0034-76122008000200007.

GIL, C. R. R. Práticas profissionais em saúde da família: expressões de um cotidiano em construção. 2006. 318 f. Tese (Doutorado) – Fiocruz – Fundação Oswaldo Cruz, Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Rio de Janeiro.

Guimarães, S. B., Oliveira, I. F., & Yamamoto, O. H. (2013). As práticas dos psicólogos em ambulatórios de saúde mental. Psicologia & Sociedade, 25(3), 664-673

MEDEIROS, Cássia Regina Gotler et al. A rotatividade de enfermeiros e médicos: um impasse na implementação da Estratégia de Saúde da Família. Ciência & Saúde Coletiva, Lajeado Rs, v. 15, n. 4, p.1521-1531, jun. 2010.

PIALARISSI, Renata. Precarização do Trabalho. Rev. Adm. Saúde, São Paulo, Vol. 17, Nº 66, Jan. – Mar. 2017.

POLEJACK, Larissa. Psicologia e Políticas Públicas na Saúde: Experiências, Reflexões, Interfaces e Desafios. (2015), Porto Alegre, 1 ed.

TONELLI, Bárbara Quadros et al. Rotatividade de profissionais da Estratégia Saúde da Família no município de Montes Claros, Minas Gerais, Brasil. Revista da Faculdade de Odontologia – Upf, [s.l.], v. 23, n. 2, p.180-185, 22 out. 2018. UPF Editora. http://dx.doi.org/10.5335/rfo.v23i2.8314.