Trabalho: saúde ou loucura?

O tema Saúde e Trabalho muitas vezes desperta em profissionais da saúde o foco no adoecimento, resultado do cotidiano de operar a saúde como doença. No entanto, a questão do trabalho em sua relação com a saúde constitui-se em ótimo elemento ordenador de uma concepção de saúde ampliada, compreendendo-a como potência de ação do ser biopsicossocial.

O trabalho possui uma positividade e uma negatividade, sócio-historicamente constituídas, tendo importância fundamental nos processos saúde-doença.

Por um lado, em sua positividade, o trabalho é valorizado socialmente tanto do ponto de vista do seu resultado – produção de coisas úteis e de capital – quanto, daí decorrente, dos sujeitos envolvidos, os trabalhadores – dignos, inseridos e reconhecidos socialmente.

Do ponto de vista da saúde mental, a atividade é fundamental na formação da subjetividade e manutenção de equilíbrio psíquico, pois é pela atividade que o homem relaciona-se objetivamente com o mundo, num processo de mútua transformação. E o trabalho é a principal atividade humana na conformação social em que vivemos.

O trabalho, assim, é elemento facilitador da sociabilidade, garante a inserção e reconhecimento social e, portanto, uma identidade social; e do ponto de vista subjetivo, possibilita o desenvolvimento e manifestação da criação, gerando prazer e satisfação pessoal.

Contudo, o trabalho tem também uma dimensão negativa; culturalmente já foi considerado como castigo, atividade “menor” a ser realizada por seres humanos tidos como inferiores, numa sociedade em que o ócio dos nobres era valorizado. Mas sua negatividade está presente também quanto aos seus efeitos para a saúde dos que trabalham; pode colaborar para a manutenção da saúde, mas em determinadas condições determina processos de sofrimento, adoecimento e morte.

Em relação à saúde mental, a negatividade do trabalho manifesta-se principalmente pelo desgaste provocado por determinados modos de trabalhar, ou seja, por aspectos da organização do trabalho, sobretudo aqueles que retiram da atividade o que ela tem de estruturadora, a possibilidade criativa.

O desgaste mental no trabalho está bastante associado à perda de autonomia do sujeito e à intensidade de exigências psíquicas, tanto quando ela é exagerada quanto nas situações em que há a subutilização das potências e capacidades específicas.

O mundo do trabalho tornou-se mais “limpo”, menos “insalubre”, principalmente como resultado dos avanços tecnológicos aplicados nos processos de produção e de segurança. Mas a “insalubridade” é considerada somente em relação à exposição a fatores de risco químicos, biológicos e físicos, geralmente.

Ao mesmo tempo em que há avanços no controle e eliminação de agentes nocivos à saúde [física], particularmente em processos industriais, outras mudanças no mundo do trabalho adicionam e intensificam cargas de desgaste mental para os trabalhadores.

Diversos são as cargas de desgaste mental presentes no trabalho no contexto socioeconômico atual, e podemos apontar três aspectos principais do trabalho que operam para essa situação.

O primeiro é o próprio contexto, o mundo do trabalho. As diversas mudanças que vêm ocorrendo, num processo iniciado nas últimas décadas, nos modelos de produção e nas relações socioeconômicas mundiais, trouxeram consequências para as relações de trabalho e para o emprego. Com a redução do emprego estrutural, o desemprego e a precarização de contratos e relações de trabalho, em linhas gerais, coloca os trabalhadores em uma situação de permanente incerteza e insegurança, que favorece a maior submissão. As consequências para a saúde mental são quase óbvias, nesse contexto, e tem sido estudadas por muitos autores.

Outro aspecto, imbricado com o contexto geral do mundo do trabalho, é o da gestão de pessoas e organização do trabalho, onde: a flexibilidade significa para o trabalhador a polivalência, portanto, a intensificação do trabalho; por trás do discurso de trabalho em equipe é estimulada a competitividade entre colegas de trabalho, tornando as relações interpessoais desprovidas de satisfação, caracterizando-se por relações de desconfiança, superficiais e sem sinceridade; a organização do trabalho estimula, aparentemente, a autonomia e criatividade do trabalhador, quando na realidade são conduzidas para os interesses produtivos. São exemplos de aspectos da organização do trabalho responsáveis pelo desgaste mental no trabalho.

Por último, a própria tecnologia, que é muito exaltada, mas que para a vivência subjetiva do trabalhador pode contribuir com o desgaste mental, como na automação de processo produtivo que gera a automação do trabalhador; a exigência de atividades cognitivas permanentemente em sobrecarga, como atenção/concentração; o distanciamento nas relações interpessoais no trabalho, dentre outros aspectos.

Em síntese, o trabalho pode operar como fator de proteção da saúde mental mas no contexto e cenário de trabalho da sociedade capitalista tem constituído-se muito mais – e cada vez mais – como “loucura”, para a maioria dos trabalhadores.