Transformações no âmbito laboral e a terceirização

Com a globalização da economia e a ampla concorrência, as organizações cada vez mais vislumbram formas de flexibilização como uma alternativa para reduzir os custos organizacionais.

As grandes mudanças ocorridas no capitalismo impactaram diretamente no mundo do trabalho. Um conjunto de medidas constituído de velhas e novas formas de exploração do trabalho passou a redesenhar a divisão internacional do trabalho, após vários obstáculos impostos ao processo de acumulação ocorridos na década de 1980, alterando de forma significativa a composição da classe trabalhadora em escala global (ANTUNES; PRAUN, 2015).

Com a globalização da economia e a ampla concorrência, as organizações cada vez mais vislumbram formas de flexibilização como uma alternativa para reduzir os custos organizacionais. Dentre as formas existentes de flexibilização do trabalho, a terceirização é uma das mais difundidas e expressivas nas empresas, especialmente no setor de serviços (PICCINI; ALMEIDA; OLIVEIRA, 2011). Conforme Antunes; Praun (2015, p. 423):

A terceirização tornou‑se um dos elementos centrais do atual processo de precarização do trabalho no Brasil, constituindo‑se num fenômeno presente praticamente em todos os ramos, setores e espaços do trabalho, pois é uma prática de gestão/organização/controle da força de trabalho que discrimina, ao mesmo tempo em que flexibiliza os contratos, eximindo‑se da proteção trabalhista.

É importante ressaltar que, apesar do processo de terceirização apresentar diferentes características quanto a relação de trabalho com a empresa contratante, os trabalhadores terceirizados são, antes de qualquer forma de labor experimental, seres humanos passíveis de necessidades, portanto, para que haja o movimento qualitativo desses sujeitos é essencial que suas necessidades primordiais sejam atendidas. Nesse sentido, Robbins, Judge e Sobral (2010) lembram que um trabalhador satisfeito é mais propenso a falar bem da organização, ajudar os colegas e ter um desempenho acima do esperado.

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Para que se possa compreender o contexto dos trabalhadores terceirizados faz-se necessário entender o significado do trabalho pela sociedade contemporânea e pelos indivíduos. Segundo Cardoso, Silva e Zimath (2017) o trabalho tem um importante papel na construção da identidade do sujeito. A forma como o indivíduo trabalha e o que produz interfere diretamente no modo como pensa e percebe sua independência e liberdade. “O trabalho, como parte do mundo externo ao sujeito e do seu próprio corpo e relações sociais, representa uma fonte de prazer ou de sofrimento, desde que as condições externas oferecidas atendam ou não à satisfação dos desejos inconscientes” (MENDES, 1995, p. 35).

O sentimento que o trabalhador tem em relação ao trabalho está vinculado às exigências incluídas no processo, nas relações e na organização do trabalho e muitas vezes esses fatores que incluem competitividade, produtividade, carga horária exaustiva, pouco intervalo para alimentação e descanso favorecem o sofrimento do trabalhador, acompanhado de sintomas específicos transformando o trabalho em uma necessidade para garantir a subsistência ao invés de ser uma fonte de prazer.

Contudo, os sintomas apresentados podem ser físicos ou psicológicos que se diferem entre si pois o físico é visível e o psicológico é considerado invisível, tornando mais difícil fazer a relação do nexo causal entre adoecimento e trabalho.

Então é de suma importância a significação do trabalho para cada sujeito, e a desqualificação profissional também pode gerar sofrimento para o trabalhador.

Mesmo trabalhos socialmente apontados como não qualificados necessitam de reconhecimento em termos psicossociais e processos saúde-doença. Pode-se dizer então que o não reconhecimento gera frustração e desmotivação nos trabalhadores, tornando-se por vezes patológico, visto que o trabalhador espera que suas tarefas sejam julgadas pela utilidade, ou seja, que ele seja útil econômica, científica, tecnicamente, entre outros aspectos (CARDOSO, SILVA E ZIMATH apud MERLO, 2017, p. 702).

Cabe refletir também sobre as transformações que vêm ocorrendo no mundo do trabalho a partir do século XX. Antes os empregos eram permanentes e duradouros com a força de trabalho especializada para a função, agora com o surgimento de novas tecnologias, começam a se desenvolver formas inovadoras de organização do trabalho. Assim, as concepções de trabalho mudam porque elas resultam de um processo de criação histórica, sofrendo influência de interesses econômicos, ideológicos e políticos (NEVES, et al. apud BORGES, 2018.)

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Para Marx segundo Neves et al (2018), o trabalho na lógica de produção capitalista leva à alienação, pois muda a visão de liberdade do homem quando faz com que ele venda sua força de trabalho para garantir a sobrevivência. O produto (resultado final do trabalho) e o processo de produção estão centralizados na mão de quem detêm o capital, então o trabalhador subordinado não tem controle sobre essas variáveis, está submetido à lógica do consumo e do descartável, onde por um lado existe uma cobrança exacerbada por produtividade que leva a sobrecarga do trabalhador e por outro lado existe uma parte da sociedade que acumula bens.

A introdução de máquinas no processo de trabalho também contribuiu para a mudança nesse contexto já que permite produzir mais e em menos tempo, desenvolvendo essa necessidade de produtividade cada vez maior, o que repercute na exploração da força de trabalho. Essa lógica da produção começa a interferir também nas relações interpessoais onde a ética individualista, a insegurança e a competitividade são intensificadas:

Os trabalhadores submetidos à ameaça constante da demissão e a insegurança em relação à permanência no emprego concorrem entre si para que possam “garantir” sua permanência nele. Assim, o desejo de vencer e obter sucesso se torna uma “obsessão”, requisitando do trabalhador uma dedicação extra sem limites, que se estende para além dos muros das organizações (NEVES, et al. apud ANTUNES, 2018).

Nesse contexto de transformação no mundo do trabalho e mudanças nas estratégias gerenciais surge a terceirização, em que serviços considerados auxiliares pela organização como limpeza, vigilância, manutenção e transporte são realizados por empresas contratadas e não mais por funcionários ligados à própria organização. Essa contratação feita através de uma empresa fora da instituição cria uma diferença entre as classes, fazendo com que os trabalhadores estáveis e terceirizados não se sintam parte de um mesmo coletivo, o que acarreta a não construção de solidariedades e estranhamentos entre as duas categorias.

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Como relata Lima (2010) os terceirizados são percebidos como menos qualificados e envolvidos na empresa, e os estáveis com direitos legítimos, mais capacitados, entre outras. O mesmo se reproduz no acesso a benefícios da empresa como serviços, clubes e até eventos, no qual os terceirizados não participam. Essa disparidade entre os funcionários reflete no não reconhecimento do trabalho e invisibilidade desse tipo de profissional que como já vimos interfere na significação do trabalho e saúde e doença do trabalhador.

REFERÊNCIAS

ANTUNES; Ricardo, PRAUN; Luci. A sociedade dos adoecimentos no trabalho. Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 123, p. 407-427, jul./set. 2015. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/sssoc/n123/0101-6628-sssoc-123-0407.pdf> Acesso em: 16 jun 2019.

CARDOSO, P. S.; SILVA, T.; ZIMATH, S. C.; Todo mundo olha, quase ninguém vê: a percepção de trabalhadores operacionais com relação à invisibilidade social de seus trabalhos. Cad. Bras. Ter. Ocup., São Carlos, v. 25, n. 4, p. 701-711, 2017. Disponível em: < http://www.cadernosdeterapiaocupacional.ufscar.br/index.php/cadernos/article/view/1608/905>. Acesso em: 01 jun 2019.

CARDOSO, J. A. L. Na terceirização selvagem, retrato de um projeto. 2017 Disponível em: <https://outraspalavras.net/sem-categoria/na-terceirizacao-selvagem-retrato-de-um-projeto/>. Acesso em: 17 jun 2019.

Ideal Marketing. Vantagens da terceirização: como seu negócio pode se beneficiar com parceiros personalizados. 2018. Disponível em: <https://www.idealmarketing.com.br/blog/vantagens-da-terceirizacao/>. Acesso em: 17 jun 2019.

LIMA, J. C. A terceirização e os trabalhadores: revisitando algumas questões. Cad. psicol. soc. trab. v.13 n.1 São Paulo 2010. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-37172010000100003>. Acesso em: 04 jun 2019.

MENDES, M. B. Aspectos Psicodinâmicos da Relação Homem-Trabalho: as contribuições de C. Dejours. Rev Psic ciência e profissão, 1995. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/pcp/v15n1-3/09.pdf>. Acesso em: 15 mai 2019.

NEVES, D. R. et. al; Sentido e significado do trabalho: uma análise dos artigos publicados em periódicos associados à Scientific Periodicals Electronic Library. Cad. EBAPE.BR [online] vol.16, n.2, pp.318-330; 2018. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S1679-39512018000200318&lng=en&nrm=iso&tlng=pt>. Acesso em: 01 jun 2019.

PICCININI, V. C.; ALMEIDA, M. L.; OLIVEIRA, S. R. Sociologia e administração: relações sociais nas organizações. Rio de Janeiro: Elsevier. 300 p., 2011.

Pumariega, Y. N.; Paganini, S. S. Trabalho: entre o prazer e o sofrimento. 2017. Disponível em: <http://psicologiaaplicadaets.blogspot.com/2017/06/trabalho-entre-o-prazer-e-o-sofrimento.html>. Acesso em: 17 jun 2019.

Resistência Anti Socialismo, A alienação do trabalho. 2013. Disponível em:<https://resistenciaantisocialismo.wordpress.com/2013/11/01/a-alienacao-do-trabalho/>. Acesso em 17 jun 2019.

ROBBINS, S. P.; JUDGE, T. A.; SOBRAL, F. Comportamento organizacional: teoria e prática no contexto brasileiro. 14. ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, p. 633, 2010.