Durante o semestre 2018/1, ao cursar uma disciplina do curso de psicologia do CEULP/ULBRA me deparei com uma proposta um tanto ousada feita pela professora que ministra a disciplina, a proposta era fazer intervenções em escolas e dessa vez com o olhar voltado para os professores, aqueles que sempre só recebem as cobranças dessa vez teriam a oportunidade de se expressarem, de serem ouvidos e receberem uma atenção. O tema a ser abordado com elas era “A MEDICALIZAÇÃO NA EDUCAÇÃO” por isso afirmo que foi uma proposta um tanto ousada.
Um pouco apreensiva e com medo das reações que poderiam surgir me dirigi a uma escola da região norte de Palmas, juntamente com dois colegas. Inicialmente fomos bem recebidos, a coordenadora pedagógica se mostrou bem aberta a nos receber, falou um pouco sobre os problemas que enfrentavam e as ansiedades que tinham em relação há alguns alunos. Ela relatou que as professoras apresentam muito comprometimento e amor a causa, porém, existe uma deficiência por parte do próprio sistema educacional na preparação delas para manusear de forma assertiva os alunos com dificuldade
Em uma visita posterior conhecemos as professoras com quem iríamos trabalhar o tema citado. Nesse momento iniciamos uma conversa com elas, e perguntamos sobre suas dificuldades acerca da medicalização no ambiente educacional, e logo elas citaram a importância do laudo, pois segundo elas se sentem resguardadas quando o aluno é laudado, pois se ele não desenvolve seu aprendizado a culpa não é delas. A insegurança e angústia em relação ao que fazer e como fazer eram evidentes na fala das professoras e por isso se sentem seguras com o laudo.
Apesar de já esperar ouvir algo parecido fiquei surpresa em ver que a realidade da educação é realmente esta, de que ter um laudo tira a responsabilidade do educador. O que torna isso muito pior é que além de o aluno laudado acabar sendo deixado de lado pela professora, ele ainda recebe um rótulo “meu aluno laudado”, “meu aluno TDAH”, “meu aluno autista” e assim por diante, tendo aquele aluno sua identidade perdida, ou até mesmo modificada devido aos rótulos que lhe foram impostos.
Durante os encontros com essas professoras, que totalizaram cinco encontros, presenciamos vários momentos de desabafos, de expressão de opiniões pessoais sobre os alunos e sobre o sistema que estão inseridas, bem como como opiniões de cunho profissional também. Uma das coisas que se destacou durante esse processo foi a imensa resistência delas para falar sobre assunto, e em todos os encontros tentavam sabotar o grupo e de algum jeito mudavam o assunto da conversa. Quando falavam algo relacionado ao tema logo proferiam sobre coisas que fizeram para “cortar as asas” dos alunos desobedientes.
De todas as formas que abordamos o tema encontramos muita resistência, por mais que participassem (geralmente duas ou três) sempre mudavam o foco e quando o tema era retomado pelos acadêmicos elas apresentavam muitos empecilhos para falar, como por exemplo as reuniões com pais, que surgiam de repente. Em um dado momento em que falávamos sobre o encaminhamento da queixa escolar e a produção do fracasso escolar uma professora que nunca tinha participado do grupo se aproximou após convidarmos ela. Essa professora fez uma pequena participação, pois foi apenas neste momento que ela se aproximou, mas com certeza foi a participação mais marcante de todo o processo de intervenção, pois ela trazia em si uma ira que era possível notar só de olhar.
De uma maneira bem agressiva começou a falar que não participaria “pois não ia perder seu tempo com esses alunos que só querem fazer um relatório sobre elas, e nunca trazem resultados nenhum”. “Não quero bater papo com ninguém, quero saber é se vocês vão fazer os laudos desses meninos, porque é isso que nós queremos” (SIC).
Com isso sendo expressado de forma objetiva e agressiva, percebi o quanto esse pensamento ao qual estávamos tentando desmistificar através de ações reflexivas às outras professoras, é realmente forte entre elas. Pude ver que essas professoras apresentam tanta resistência e desejo de sabotar o grupo, exatamente por não quererem mudar a si próprias e apenas “dá um jeito nos alunos “problemas””. Ficou evidente o pensamento de que os alunos devem se adequar a escola e às professoras, e que de forma alguma elas podem ou devem se adequar aos alunos e ao ritmo da turma.
Mesmo tendo sido um processo de intervenção repleto de dificuldades, pois a pouca adesão que tinha era cheia de resistência, foi um processo de muito aprendizado visto que as discussões em sala de aula, por mais que sejam ricas, não nos proporcionam uma vivência tão marcante quanto a que é possível obter indo a campo. Enquanto acadêmica atuante no processo, vivenciei, juntamente com meus colegas, momentos intensos de buscas por métodos e formas que tornassem os encontros mais leves e atraentes para elas,e dessa forma a proposta inicial fosse mantida.
Os aprendizados adquiridos por meio da vivência em campo foram muitos, e de forma geral compreendi como é essa realidade apontada por tantas pessoas. Foi possível observar que o processo de produção da queixa escolar e o dito “aluno fracassado” ainda permeiam as escolas. A necessidade de um laudo em que as profissionais de educação possam se resguardar, também evidencia a escassez de motivação para uma melhora em conteúdos de aula mais atrativas e que alcancem todos os alunos e suas individualidades.
Com isso vejo que não podemos deixar de falar sobre a medicalização na educação e de intervAir diretamente com os educadores, pois são eles que passam boa parte do tempo com essas crianças que são tão brutalmente rotuladas e estigmatizadas por quem devia se preocupar com o progresso dessas crianças. Crianças estas que os tem como espelho e os admiram, e a partir dessas vivências traumatizantes podem ter uma vida toda modificada.