A saúde mental do Profissional de saúde

Um dia viajando, passei pelo aeroporto de Brasília e havia uma atração muito interessante, uma exposição, onde se entrava em uma pequena cabine e com um fone ouviam-se os relatos de profissionais médicos que fizeram um trabalho chamado Médico Sem Fronteiras. Esse é um trabalho em que os profissionais vão até países de extrema pobreza ou que passaram por catástrofes recentes com o intuito de tentar diminuir a dor e o sofrimento da população.

Interessei-me pelos depoimentos das pessoas que puderam de alguma forma, mudar a realidade de um povo com solidariedade, dedicação e muito suor e amor ao próximo. Porém um dos depoimentos eu jamais consegui esquecer, foi à história de um médico de 37 anos, residente em Belo horizonte, que passava por problemas pessoais, estava insatisfeito com seu trabalho, não estava se relacionando bem com a esposa, com os filhos e com os pais. Depois de muitas tentativas com remédios ansiolíticos e nenhum resultado prático ele viu a oportunidade de fazer algo diferente que lhe daria prazer e uma grande satisfação pessoal: inscreveu-se no programa e embarcou para a África, mais precisamente para Windhoek, capital da Namíbia, cidade de 250 mil habitantes.

No início da história ele contou da chegada ao país, da precariedade do transporte, da infra-estrutura, da pobreza e da fome que assolam o país. Chegando ao único hospital público da cidade ele foi apresentado a outro médico que também veio através do programa, um croata que lhe deu boas vindas e o alertou das dificuldades que ele encontraria, pois os dois eram os únicos médicos do único hospital público da capital do país.

Certo dia veio, à emergência, uma criança, no colo de um pai aos prantos, com dificuldade respiratória devido a um trauma; o médico agiu rápido, desobstruindo as vias aéreas e salvando a vida do garoto, que, por coincidência, tinha a mesma idade do seu filho. O pai da criança não cansava de agradecer ao médico, repetia gestos carinhosos e o abraçava insistentemente.

Após esse episódio todos os dias que o médico brasileiro chegava ao hospital, o pai desse menino estava lá, recebendo-lhe com um abraço e falando em voz alta para que todos que estivessem por perto ouvissem que aquele homem era um grande profissional! E sempre ao final dos cumprimentos ele chorava dizendo que ele era um enviado de Deus que lhe concedeu a oportunidade de conviver por mais muitos anos com seu filho.

Ao final do relato o médico disse que simplesmente fez o seu serviço corriqueiro, nada além do trivial, mas que aquilo havia mudado a realidade de uma família.

Ao voltar para o Brasil, ele fez uma reflexão sobre o que acontecia na sua vida antes da viagem em relação à sua saúde mental e em como os profissionais médicos o estavam tratando. Ele disse que o que ele realmente precisava era saber que seu trabalho era valorizado por alguém, que naquela sociedade cercada de correria e de stress era preciso saber tratar cada pessoa como ser humano, que tem sentimentos e que, assim como ele, muitas vezes estava carente e precisava de atenção. Seus problemas não eram tão graves a ponto de precisar de um tratamento a base de medicamentos, afinal ele era bem casado, era um profissional bem sucedido, seus filhos gozavam de boa saúde e conseguia trabalhar naquilo que era seu sonho de infância.

Acontece que existe um processo de medicalização que a cada dia dita o ritmo de vida e o cotidiano das pessoas, tornando-se necessário a opinião médica em qualquer conflito no meio social, fazendo com que cada vez mais os problemas comuns do dia a dia passam a ser resolvidos com um fármaco. Porque tomar remédios ansiolíticos pra tratar um sofrimento que é natural do homem?  Problemas afetivos poderiam ser resolvidos de outra forma, com diálogo franco com a esposa e quem sabe uma viagem com a família pra discutir as relações interpessoais e ter uma reflexão melhor do seu contexto atual de convivência seriam mais úteis do que medicamentos.

Precisaria esse médico ter que passar por esse circuito de remédios para descobrir de fato onde estavam seus problemas e como resolvê-los? Certamente não precisaria, se ele não fosse considerado o único problemático em questão. Dando ênfase à importância do indivíduo em relação ao grupo familiar e social, assim não é apenas o sujeito e sua dimensão de indivíduo que será observado, mas também a família e o grupo social serão agentes das mudanças buscadas.

Dessa forma, o cuidado implicaria posicionar o paciente de certo modo que ele esteja inserido nos conflitos e contradições que o acometem, porém reposicionando-o de tal forma que, ao invés de apenas sofrer os efeitos desses conflitos, ele consiga reconhecê-los e saber que além de deter o sofrimento, ele é um agente da possibilidade de mudanças, mesmo sabendo que mudar vários fatores não depende de sua ação imediata e sim de uma série de etapas a serem cumpridas.

Até os profissionais de saúde, muitas vezes precisam melhorar sua saúde mental para poder exercer com eficiência e plenitude o seu ofício. Movimentos já existem, porém precisam ganhar forca, somos parte dessa mudança! E como a capa da revista da Veja mostrou há uns anos atrás: MENOS PROZAC E MAIS FILOSOFIA!


Nota: o texto é resultado de uma atividade da disciplina de Psiquiatria do curso de Medicina do ITPAC – Porto.