CAPS, cuidado e família

Há algumas semanas, como processo de reflexão do estágio no CAPS II de Palmas, têm-se pensado, têm-se desejado e visto a necessidade de se organizar um grupo com os familiares dos usuários. Esta possibilidade surgiu através das conversas, atendimentos, desabafos de alguns usuários em relação a sua família, no que diz respeito a possíveis maus tratos, a não acompanhamento da rotina, da vida e da evolução do filho, do irmão, da esposa que frequenta o CAPS.

Neste grupo, além de se discutir o acompanhamento, a forma de tratamento e cuidado do familiar para com o usuário, pode-se trabalhar também a demanda da própria família no que tange às dificuldade que têm na lida com o sofrimento mental. No sentido do CAPS tentar ajudar, articular com outras unidades de saúde e assistência social, a fim de amenizar as dificuldades que as famílias enfrentam, tanto em relação ao usuário, como no que diz respeito a outros fatores que prejudicam a saúde e o bem estar de tal família, como por exemplo, preocupações, fome, desemprego ou até mesmo alguma doença de caráter orgânico.

Com esse intuito, organizou-se, em outubro, um grupo mensal para acolher alguns familiares de pessoas que se tratam no CAPS. De acordo com a necessidade dos casos, alguns familiares foram avisados sobre o grupo, quando estes foram até o CAPS – para consulta médica, para conversa com a psicóloga ou para pegar medicação, assim como através de telefonemas e visitas domiciliares, sendo que algumas confirmaram presença, porém no dia determinado, não compareceram. Até o presente momento, ocorreu somente um encontro inicial, com apenas uma mãe de dois usuários que frequentam o CAPS. As explicações dadas pelos familiares para o não comparecimento ao grupo foram as seguintes: “Não poderei ir devido ser meu horário de trabalho”; “não tenho como ir”; “me liga mais tarde” e etc.

Diante disso, questiona-se do que adianta o profissional realizar um trabalho com a pessoa durante quatro dias da semana em um ou dois períodos do dia, sendo que quando este sujeito chega em casa, não há uma compreensão, não existe colaboração, não há paciência e carinho por parte do familiar em relação aos frequentadores do CAPS, segundo as falas de alguns usuários. Às vezes pode faltar até mesmo instrução, informação e conhecimento a respeito do diagnóstico, das vontades, das necessidades, das dificuldades e dos desejos do usuário, por parte de seus familiares. A partir deste questionamento surge a necessidade de se desenvolver um trabalho em conjunto com usuário e familiares, afinal de contas, não tem como fazer uma inserção social e lidar com o sofrimento mental intenso sem trabalhar com a família.

Existe uma importância em se implantar um grupo de apoio, com esclarecimentos, compartilhamentos e desabafos do familiar em relação a quem utiliza os serviços de saúde dos CAPS. Afinal não é nada fácil para quem cuida ter que arrumar forças, paciência e amor depois de um longo dia de trabalho, ou até mesmo só pelo fato de ser o único familiar, às vezes já idoso; em muitas situações faltam recursos financeiros e em outras o usuário nem mesmo possui um familiar por perto, ou os que moram perto, só criticam e agem com preconceito com relação às dificuldades diárias de seu familiar usuário.

“Em uma crise repentina ou sob estresse prolongado, a comunicação pode sucumbir – exatamente naqueles momentos em que ela é mais essencial para a resiliência familiar” (WALSH, 2005, p. 103). Grande parte dos ensinos e dos incentivos para se adquirir ou desenvolver a capacidade de superação frente às adversidades da vida, começa em casa, com um possível modelo, com um diálogo aberto e sincero entre familiares. Neste sentido, a comunicação se define como sendo uma “troca de informações, resolução de problemas sócio-emocionais e prática/instrumental” (EPSTEIN et al., 1993 apud WALSH, 2005, p. 103).

Após conversas e discussões, a psicóloga responsável pelo campo na parte da manhã, juntamente com a estagiária, chegaram à conclusão que seria importante trabalhar, com o grupo, assuntos como – transtornos mentais, angústias, aflições, medos, anseios, tanto em relação à pessoa que utiliza os serviços do CAPS, como também às necessidades e sonhos individuais de cada familiar, além de passar para o público em questão essa responsabilidade quanto a pensar e se expressar a respeito do tema proposto e abordado por todos, assim como o que eles gostariam que fosse trabalhado na próxima semana.

Neste grupo pretende-se respeitar as “relações entre iguais com diferentes saberes”, ou seja, utilizar uma “ética relacional” no que diz respeito à “singularidade” de cada indivíduo, de cada família, refletindo assim em cima da “construção do lugar de cada um nas relações humanas”, tanto profissionalmente como pessoal. (COLOMBO, 2012, p. 443). Pois dessa forma, pode ser que ocorra um externalizar do problema, o que é muito bom, porque assim o familiar saberá que ele pode contar com o apoio de uma equipe multidisciplinar e que existe um “equilíbrio entre os saberes e o poder” (Colombo, 2012, p. 443) de cada pessoa.

A proposta deste grupo vai ao encontro de um dos objetivos do CAPS, que é, por meio da “integridade”, da criatividade, da cooperação e das “relações horizontais”, modificar o sofrimento em algo que não seja exclusão, e sim uma promoção de “ampliações das possibilidades de viver” (COLOMBO, 2012, p. 444). Essa ideia parece um tanto complexa, já que trás uma responsabilidade sobre cada pessoa que irá participar, tirando de cima do terapeuta, do psicólogo ou do médico, por exemplo, aquela ideia que o profissional é o detentor de todo conhecimento. É preciso levar em conta, a cultura, a identidade, as condições socioambientais de cada família, assim como de cada paciente.

Assim como na sociedade matrística, definida como uma estrutura social, onde “o poder está distribuído entre os diversos seres, incluindo a natureza, em uma interação sistêmica. O poder surge da orquestração de todas as forças em direção à cooperação, à reciprocidade e ao desenvolvimento,” segundo Colombo (2012, p. 444). É difundido entre os participantes o poder para falar, se expressar, discordar, acrescentar, de forma recíproca, para, quem sabe, dessa maneira, modificar a forma de pensar e agir, sendo que por muitas vezes tanto o profissional como o familiar cuidador acabam por pensar e conseqüentemente agir de forma errada, prejudicando assim, ao invés de ajudar.

A fim de que cada pessoa, tanto o usuário como o profissional, assuma e concorde com seu papel de agente da sua realidade observada, como descreve o autor acima citado, pretende-se continuar com este grupo na última semana de todo mês. Nosso primeiro e único encontro até o dado momento, aconteceu no dia 31 de outubro de 2012, comparecendo somente uma familiar, como já foi dito. A mesma pôde falar das suas dificuldades enquanto mãe, já que em sua casa os seus três filhos possuem algum tipo de sofrimento mental, e ela já é uma senhora viúva que cuida sozinha de seus três filhos já adultos. Dona X, contou sobre o dia-a-dia dos irmãos, falou sobre algumas situações difíceis que já enfrentou e pediu um encaminhamento para uma avaliação geral de um dos seus filhos com um médico, pois o mesmo queixa-se de muitas dores.

Por fim, esta mãe pôde falar sobre o que lhe afligia, o que te traz medo, assim como os profissionais puderam entender como funciona as relações dentro da casa desta família, além de instruí-la em como proceder em relação aos mesmos e em algumas situações que lhe oferecem riscos.

Referências:

WALSH, Froma. Fortalecendo a Resiliência Familiar. Ed. 1. Editora ROCA. 2005.

COLOMBO, Sandra Fedullo. O Papel do Terapeuta em Terapia Familiar.  In: OSORIO, Luiz Carlos; DO VALLE, Maria Elizabeth Pascual & Cols (org.). Manual de Terapia Familiar. Porto Alegre: Editora ARTMED, 2010.