Galpão Cultural: (Des)encontros

O que relato é fruto de um afeto comovido e de uma pesquisa às fontes virtuais do Galpão Cultural de Assis.

O Galpão Cultural é um espaço situado na Rua Dr. Teixeira de Camargo, nº 205, Vila Operária, e abriga diversos grupos culturais, os quais desenvolvem diferentes linguagens artísticas, realizam oficinas, espetáculos, ensaios, entre uma infinidade de atividades artístico-culturais gratuitas. Além disso, durante estes anos de desenvolvimento do Galpão Cultural, em parceria com grupos e associações da cidade e da região, foi premiado por alguns de seus trabalhos realizados, sendo os principais, o Ponto de Leitura (Ministério da Cultura), o Ponto de Cultura (Secretaria de Estado da Cultura/Ministério da Cultura), o Prêmio Arthur Bispo do Rosário (Conselho Regional de Psicologia), o Loucos pela Diversidade (Ministério da Cultura) e diversos Programa de Ação Cultural (Secretaria de Estado da Cultura), sendo que atualmente, há dois projetos em desenvolvimento, financiados por este Programa. (http://galpao-cultural.blogspot.com.br/)

O afeto comovido foi o de indignação, primeiramente. Depois de pena, sentimento bastante babaca e paralisante. A pena desfez-se rapidamente para dar lugar a um auto-xingamento, já bastante freqüente na idade dos 31 anos, que sabemos que somos sempre responsáveis por tudo, escolhemos sempre com o que nos envolvemos, o que falamos, quando falamos. De minha minerês fica sempre a fama de que sou calado. Com meu corpo estive presente em Assis, no Galpão Cultural, mirrado de sempre. Com sentidos talvez menos aguçados que os de hoje, mas certamente muito mais aguçados do que os da ignorância. Mesmo na distância do corpo, a notícia do fechamento do Galpão Cultural moveu minha indignação que fez aquele percurso inútil para chegar de volta à indignação e a essas palavras que aqui vão se tecendo. O caminho do afeto, que balança o corpo de um jeito, pra depois você criar as idéias, é longo para se integrar na brutalidade das palavras. De qualquer maneira, as idéias que me surgiram foram em forma de memórias. As memórias que tenho do Galpão Cultural é o de que ele deu-me ritmo musical no curto período em que freqüentei a Oficina de Maracatu e por várias vezes em que proporcionou Rodas de samba, nas festas, à noite, com gente bastante querida, com leveza e seriedade. Deu-me também formação profissional, na troca de experiências entre colegas de profissão, entre amigos, entre grupos de pessoas que se conhecem e que não se conhecem, pela música e pelos toques dados e recebidos. O Grupo que organizou o Galpão criou e até hoje mantém o Fórum Permanente de Saúde Mental da região de Assis, prestando-nos consultoria para abertura do Fórum Permanente de Saúde Mental do Tocantins. Tal experiência é suficiente para dizer da articulação que promovem esses colegas no campo cultural, no campo teórico-técnico e no campo afetivo.

Outra experiência promovida pelo Galpão da qual fui participante foi a ação para a pintura do Galpão. Tal ação consistiu numa Oficina de artes com um artista plástico de Londrina (se a memória não me falha), na convivência e na pintura, de fato, das paredes do Galpão, com almoço para todos e tinta angariada a muita custa. Foram, primeiramente, dois dias seguidos de trabalho intenso e, posteriormente, encontros de finalização da pintura se também, nesse caso, não me falham as memórias, duas já. De qualquer maneira a produção social desses encontros foi bastante importante juntamente com a produção em cada um dos presentes, uma produção que talvez não seja definível em palavras, chamo-lha vida e pronto, definida está. Algumas imagens talvez digam mais.

Tenho um conjunto de fotos que ora ou outra revejo por aqui em meio a outra vegetação, a outro clima, outros contextos. Partilhando, contudo, nas aulas que dou, tudo que aprendi com o que Assis, Cândido Mota e o Galpão ofereceram-me em pessoas e referencial práxico. Fotos de pessoas que talvez aqui não possa mostrar, por não ter pedido permissão aos que nelas aparecem; e a saudade é um sentimento que se atravessa em todos os outros.

Essas memórias servem para mostrar que O Galpão tratou-se de um acontecimento, um dispositivo, pelo menos para mim, provocou-me rupturas e compôs-me de outros relevos, de outros cheiros e de outros paladares e era assim tido por muitos que por nele passaram.

A irresponsabilidade do governo municipal de Assis, com o não cumprimento dos acordos feitos (o de não pagar as parcelas de aluguel), é a parte mais odiável do processo todo, a encomenda era bastante fácil e possível. Não dá para acreditar, na verdade, que isso seja fruto de desorganização ou ignorância. Resta apenas uma possibilidade e esta é a desarticulação de uma prática libertária demais para uma cultura atrasada demais. Intencional ou não, tem efeito desarticulante. O movimento chamado Galpão

Cultural deve incomodar gente importante em Assis. Sei lá. Não sei.

Só sei que experiência como o Galpão estimulou a criação do Festival de pipas de Cândido Mota, que tem edições anuais juntando grupos diversos de pessoas, agrupamentos e equipamentos, cada qual com suas próprias instituições, muitas transversais entre si. Dizendo de outra maneira, tecendo redes, objetivo inicial de quem quis fundar e fundou o Galpão. A rede nos pede uma atenção bastante diferente da atenção que andamos a desenvolver na correria do dia-a-dia. A atenção que andamos a dar nas coisas é a atenção rápida, pois aquilo que nos prende a atenção é a agilidade do desenvolvimento tecnológico e comunicacional, de disposição do conhecimento, do desenvolvimento da palavra; tal atenção, formada por pessoas que, por olharem a agilidade das coisas numa escala mundial, olham para longe e vislumbram apenas um horizonte embaçado, esfumaçado. Desenvolvem, portanto, uma visão superficial, de reconhecimento míope, que pula de coisa a coisa rapidamente, buscando experimentar cores, sons, odores, paladares, peles, sensações e sentidos diferentes, um pouco de cada…isso é o que pede os movimentos da diversidade. Contudo, nesse movimento de nossa atenção deixamos de olhar para práticas antigas que precisam de um tempo mais lento de atenção e uma visão mais detalhada do entorno, dos sujeitos próximos da gente como o é o cuidado com as relações afetivas. Isso sempre existiu, não precisamos inventar isso…o cuidado às relações afetivas, com culto ao Respeito e Solidariedade, não é tão inalcançável assim para o acharmos tão utópico. Tais relações não são difíceis de fazer, não custam caro. É por não custarem tão caro que são difíceis de manter. O que não movimenta uma quantidade grande de dinheiro, na relação entre movimento social e governo (de qualquer nível – lembrando que na relação interestadual discutem-se, preferencialmente, questões de ordem econômica e que as carreiras de administração e economia têm tomado bastantes cadeiras nas secretarias de saúde de todos os níveis do governo); retornando ao que estava falando, o movimento civil que não movimenta dinheiro e bens para o governo, tem a infeliz contra-força para se minguar; comparar o aparato de articulação (mídia e equipamentos) do governo ao dos movimentos sociais é injusto; ao aparelho do estado não interessa produzir relações que se justificam pelo o que de afetivo há nelas, pois elas não retornam o investimento em lucro de bens. Isso ocorre dentro da própria Política Nacional de Humanização, que por vezes é marginal nos níveis estadual e municipal, pelo fato de não levar verba a esses níveis de governo, ocorre também com os movimentos sociais de base.

Somos responsáveis por tudo isso. Mas tal responsabilidade não é dada e nem inata. Ela é buscada. A notícia do fechamento do Galpão Cultural, em seu blog, não foi comentada ainda nem sua NOTA DA OFICINA DE ARTES CÊNICAS – DA EXPRESSIVIDADE À CENA. Mas sei que o Galpão foi ocupado por pessoas envolvidas em sua criação, resistentes e cientes de sua importância para a vida cultural de Assis. Esse é o momento do Galpão: resistência contra um poder público que pratica o toque de recolher ou que há tempos vai sozinho para decisões que dizem respeito a muita gente. Por quantas vezes os CAPS de Assis, Cândido Mota e Maracaí ficaram sem o material básico de limpeza e de oficinas terapêuticas? Várias. O esforço do governo para repor tais estoques (próprios, diga-se de passagem) nem se compara ao esforço feito pelas pessoas envolvidas nos movimentos sociais e culturais do Galpão para conseguirem seus próprios materiais de limpeza e de oficinas terapêuticas. Sei lá também.

Que multipliquem experiências como o Galpão Cultural. Que fique expresso, nesse texto, o repúdio ao governo de Assis por ação tão irresponsável como essa.