Onde estão os Loucos?

Ainda como estudante da graduação em Psicologia tive meu primeiro contato com os loucos. Aconteceu em um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS). Ouvia falar que várias pessoas tinham medo de passar na porta daquela instituição.

Naquela época eu achava que era isso mesmo: tem que ter medo! Afinal, louco é louco, não é? A gente tem que correr deles… para que eles não corram atrás da gente.

Na minha primeira visita ao local fiquei esperando horas os loucos chegarem e nada de aparecerem. Haviam várias pessoas por ali: umas conversando e dando risada, outras pintando e fazendo artesanatos diversos, algumas sentadas sozinhas, um pessoal no pátio fumando cigarros, uma moça fazendo o almoço na cozinha. Comecei a conversar com as algumas pessoas, imaginando que todos fossem os funcionários do CAPS.

Após mais ou menos meia hora de conversa comecei a desconfiar que havia algo errado. Alguns supostos funcionários pareciam ser também usuários da instituição. Falavam de consultas com psiquiatra, com psicólogo, da medicação que estavam tomando, dos problemas familiares… Mas eles não eram loucos! Pelo menos nenhum ainda havia me atacado ou dito coisas sem sentido.

Até o final do dia já tinha descoberto o mistério: quase todos que estavam ali eram os tão temidos e malvados loucos. Sabia teoricamente, através das discussões nos bancos da acadêmica, que louco era uma pessoa comum, “gente como a gente”, mas continuava latente em mim o pensamento de que todo louco era perigoso, incapaz, erotizado demais e coisas dessa natureza que vigoram no senso comum. Neste dia voltei para casa me sentindo ridícula. Subi, então, o degrau inicial na desconstrução do preconceito com a loucura.

E fiquei dias me perguntando que loucura era essa que se parecia com a minha vizinha, com meu tio-avô, com minha prima mais nova, com meu melhor amigo e até com meus pais e irmãos?

Como eu nunca soube que as coisas eram assim?

Essa experiência foi produtiva para minha construção acadêmica, mas bem mais para minha evolução pessoal. Saí dali tendo a certeza que subestimar a capacidade de alguém sem antes conhecê-la é um engano, tendo em vista que, se não tivesse acontecido o contato com os loucos teria perdido a oportunidade de conhecer tantas pessoas interessantes, inteligentes e capazes. A partir daí, cada nova visita ao CAPS era uma conversa diferente com um louco diferente.

Eles me contavam histórias suas e eu contava as minhas. Rimos de tantas coisas! Mas também nos entristecemos e nos ressentimos… Falávamos de problemas e alegrias no trabalho, na família, na política, na saúde, nos estudos, com os amigos, com a religião.

Quantos problemas!

Quantas alegrias!

Mas ao final de tudo, refleti: não é assim que a vida de todo mundo é?