Numa tarde de segunda-feira, chegou a um determinado serviço de saúde mental, uma pessoa, aos prantos, dizendo que não conseguia se desligar de um antigo relacionamento amoroso. Era recorrente esse sofrimento e a tática de acolhida: eu ou minhas colegas da psicologia, entrávamos, com ela, numa sala fechada, ofertando uma escuta, supostamente qualificada. Mas, nessa tarde, a assistente social, de forma singela, espontânea, disse, abertamente e em bom tom: “não se preocupe, dor de amor passa”. O silêncio imperou por alguns segundos quando a pessoa chorosa, abriu um sorriso, o clima se descontraiu. O curioso é que a recorrência do choro e do tema, extingue-se, no passar do tempo, como se a pessoa tivesse virado a página desse problema, leu-o de uma outra maneira e lhe produziu sentido, abrindo-se a outras páginas, a outras leituras, a outras relações.
A questão que trago é que a intervenção da assistente social foi, teoricamente falando, fora do setting, despreocupada com uma técnica específica. Contudo, foi tão resolutiva e tão acolhedora; tenho-a como um exemplo de um ato congruente com a ambiência. No campo da saúde, a ambiência se refere às possibilidades de relações num determinado espaço e tempo, normalmente um serviço de saúde, a dependerem, as possibilidades, dentre várias outras coisas, da estrutura física do espaço, de sua estética, das pessoas e seus vínculos e dos anseios de cada uma dessas pessoas, configurando-se, pois, como um espaço e um tempo marcado pela diversidade. Por essa característica, falar de ambiência, pressupõe extrapolar os muros dos referidos serviços e as travas de relações socialmente construídas e longamente reproduzidas; como já está claro, a “ambiência” é uma expressão que tece uma forma de o homem se relacionar com o seu meio, daí sua direta ligação com o Sistema Ecológico, o qual perpassa todos os campos da atividades humana. Isso já justifica a criação de espaços, como o blog (http://scdemello.blogspot.com/2010/12/tudo-comeca-por-um-ponto.html?spref=fb), feito para essa discussão específica.
Ressalta-se que a ambiência tece uma determinada forma relacional, pois é propositiva, não está apenas interessada em dizer sobre a relação do homem com o meio, afinal, a degradação do meio é uma relação, não só possível, mas cotidiana e pode ser, inclusive, poeticamente referida. A ambiência diz, pois, de uma ética das relações, pautada no coletivo, no democrático, no auto-sustentável, na diversidade; uma ética da importância do disruptivo, de linhas de fuga que nos reaproxima dos detalhes das expressões, dos sentimentos, do respeito, da leveza nas relações.
Voltando à primeira tese, de que a ambiência diz respeito às possibilidades de relações, deixo uma pergunta para suscitar o debate: o que facilita as possibilidades do surgimento ou da manutenção do democrático, do auto-sustentável, da diversidade, da solidariedade?