Sonhos em forma de balões no CAPS-AD

“Os doentes mentais são como beijaflores:
nunca pousam,
ficam sempre a dois metros do chão.”
Arthur Bispo Rosário

PREFÁCIO

Mais um dia na vida de um acadêmico de Psicologia em visita a um CAPS AD …

Esse parece ser o início mais provável para o diário de campo de um universitário.

E tem mesmo tudo para ser.

Melhor dizer: Tinha!

NOTA DE APRESENTAÇÃO

Como um CAPS comemora Dia Mundial da Saúde Mental?

Sinceramente eu não sei.

Mas no CAPS AD de Palmas – TO, o dia 10 de outubro não é tão diferente dos demais.

Lá a instituição tem o objetivo de proporcionar aos usuários do serviço algumas atividades diferenciadas, mas a rotina deles já é tão cheia de novidades e reviravoltas diárias, que a programação teve um impacto mais significativo para um grupo de acadêmicos de psicologia que ali estavam.

PRÓLOGO

Atividades como: Artesanato; Oficina de Literatura; Oficina de Arte; Oficina de Reciclagem; Oficina de Beleza; Massagem etc., eram algumas das atividades – dentre as várias – de menu que era oferecido os usuários, familiares e acadêmicos presentes.

Por mais que possa parecer o contrário, essas atividades não eram encaradas como algo novo para aqueles usuários. Que não se engane quem pense que houve desinteresse por parte deles, pelo contrário, eles e seus familiares estavam plenamente engajados em todas as oficinas, de acordo com os gostos e interesses particulares, sem nenhum descontentamento.

OS SONHOS EM BALÕES

Havia um grupo de acadêmicos de psicologia, que intimamente pouco se conheciam, mas traziam juntos toda a inexperiência da vivencia dentro de um serviço de atenção psicossocial.

A propósito, este é um velho desafio da acadêmica: promover aproximação entre ensino e serviço, ciência e comunidade.

Para esse grupo de acadêmico sim, tudo ali era novidade!

E não era de surpreender o espanto deles em ver nesse público uma harmonia por poucos grupos experimentada.

O clímax das atividades do dia se deu com a participação dos acadêmicos, usuário, técnicos e familiares na dinâmica: “Um sonho no Balão”.

A dinâmica em grupo funcionava assim: um coordenador organizou todos os participantes em círculo. Em seguida, distribuiu um balão e um pedaço de papel onde todos deveriam escrever seu maior sonho. Este sonho deveria ser depositado dentro do balão que seria enchido e amarrado.

O objetivo do grupo era caminhar em círculo dentro do espaço preestabelecido pelo coordenador, jogando o balão para cima evitando que ele estourasse e que o sonho se esvaísse.

A primeira parte da atividade foi executada com algum esforço, e, por mais que neste momento alguns balões foram estourados, seus respectivos donos puderam recuperar seus sonhos enchendo um novo balão.

Terminado esse momento da atividade o grupo se reuniu para uma reflexão em torno da dinâmica.

Dentre os relatos colhidos, em geral, os usuários relataram a estrema dificuldade que foi ter que sustentar seus próprios sonhos no ar sem deixar eles caírem. Algumas vezes, eles precisavam da ajuda uns dos outros para prosseguir com a tarefa e não deixar seus sonhos se esvaírem.

Lembro-me de uma fala que dizia: “meu sonho sempre passa pelo sonho dos outros. Não posso prosseguir sozinho”.

O próximo passo foi cada um amarrar seu sonho no calcanhar e caminhar pelo espaço novamente, agora evitando que o balão fosse pisado e que o sonho estourasse junto com o balão.

Aqui deu-se a confusão. O próprio chão com pedras (as mesmas e velhas pedras no caminho) acabava estourando o balão.

Todos estavam preocupados em preservar seus sonhos. Os semblantes – sisudos – demonstravam um claro descontentamento quando seus balões estouravam.

Num determinado momento, em meio a tantos murmúrios de desagrado e insatisfação pelo sonho estourado, uma das participantes começou a resgatar do chão os pedaços de papeis que carregava os sonhos de cada um, como se catasse o sonho dos outros para si. Já outros participantes se isolavam.

OS SONHOS QUE RESTARAM

No final uns poucos sonhos restaram.

E seus donos orgulhosos sustentavam o balão como quem carregava um troféu. O sonho almejado que persistiu até o final.

A mensagem foi simples e clara: É difícil carregar seu sonho. Por menor que ele possa parecer, ele é seu tudo. Vale todos os esforços para mantê-los intactos. E, ainda assim, quando ele – por algum motivo – exaurir, não significa que tenha chegado o seu fim.

Mesmo que seja o instante final, você pode escolher um novo sonho, ou mesmo lançar mão doutro antigo, e persistir. Continuar.

A SUPRESA

Veio quando o coordenador da atividade não entendeu o motivo de os usuários do CAPS não sabotarem uns aos outros.

O esperado era que eles estourassem seus balões entre si.

Mas aconteceu o inesperado: os integrantes do grupo se ajudaram mutuamente, e juntos, preservaram seus sonhos.

Qualquer outro grupo se sabotaria, mas aquele grupo.

As perdas, dores, recaídas e desafios que aqueles usuários e seus familiares enfrentam dia a dia para enfrentar a dependência química os ensinaram – a duras perdas – que para conseguir alcançar seus objetivos, eles precisavam contar uns com os outros.

A coesão grupal daqueles usuários estava no esforço mutuo que eles fazem diariamente para manterem-se (eles e suas respectivas redes de apoio) livres da dependência química.

CAPÍTULO FINAL: UMA LIÇÃO DE VIDA

Aquele grupo dos loucos, desajustados, anormais, dependentes químicos, tinham muito mais a ensinar a nossa sociedade hipócrita, preconceituosa e amoral do que nosso orgulho nos permite aceitar.

Não havia nada de novo no que os usuários daquele serviço nos mostraram.

Amizade, gratidão, humildade, serenidade, companheirismo e respeito, são valores tão humanos como outro qualquer. Mas é que, quando expressados de modo tão sincero, tira da posição de conforto qualquer pessoa.

EPÍLOGO

Se nós permitirmos olhar além do que esperamos, veremos o inimaginável.

 


Fotos: Hudson Eygo

Nota: Todas as atividades foram realizadas no CAPS AD de Palmas/TO em 10 de outubro de 2014.