Bergson: o espírito pelo espírito

Henri Bergson foi um grande filósofo do século XX, nascido em 1859. Nessa época a filosofia se baseava em métodos positivistas e de cunho materialista. Ele tratou de temas tanto da psicologia como da neurociência, do evolucionismo biológico, da moral, da mística e da religião. No entanto, o que liga todos esses temas, apesar da diferença entre eles, é em termos bergosonianos a intuição, ou seja, o método intuitivo. Ribeiro (2013) enfatiza que na época em que os métodos da filosofia eram objetivos, positivistas e materialistas, Bergson mostrou-se um metafísico. Ao longo da sua carreira, de forma abrangente e eclética dedicou-se a temas e problemas diversificados da psicologia, da moral, evolucionismo biológico, religião e neurociências.

Contudo, aparentemente esses temas são desconectados, mas nos estudos de Bergson havia uma ligação entre todos, por isso esse grande filósofo se tornou conhecido como o filósofo da duração. Esta ligação foi denominada por ele, a intuição da duração, levando a criar um novo método de conhecimento filosófico: o método intuitivo. Para Bergson a intuição é a realidade sentida e compreendida absolutamente de modo direto, sem utilizar as ferramentas lógicas do entendimento: a análise e a tradução. Representa uma apreensão imediata da realidade por coincidência com o objeto. A intuição para ele é uma forma de conhecimento que adentra no interior do objeto de modo súbito. E pode ser compreendida como uma experimentação metafísica.

Dentre as inúmeras vezes em que Bergson se refere à intuição como uma faculdade e um modo de conhecimento que se opõe ao da inteligência ou, conforme os termos de L’évolution créatrice, (1991), as “duas faculdades” que “a teoria do conhecimento deve tomar em consideração” (EC, p.159), destacamos as que se relacionam a Kant. Bergson ratifica a caracterização que Kant faz da inteligência no que diz respeito ao seu modo de operação, seu campo legítimo de aplicação e aos seus limites, mas diverge ao postular a existência de “uma outra faculdade, capaz de uma outra espécie de conhecimento”  (COELHO, 1999, p. 154).

Fonte: https://goo.gl/GQ3sFE

A duração é o tempo bergsoniano, por isso é necessário comentar sobre ele. A duração tem como essência a própria mudança em si, sendo esta contínua, e sem fim. Para Bergson, a duração constitui a essência do ser, e tem identificação com o tempo não intelectualizado, é livre, imensurável e não é mediada, seja por intermédio dos símbolos, da linguagem ou da própria ciência. Não há possibilidade de o intelecto e a inteligência compreenderem a duração, pois ambas lidam com categorias espacializantes.

Frédéric Worms, em seu “Le vocabulaire de Bergson”, afirma:A duração se opõe […] ao tempo concebido como forma homogênea, sobre o modelo espacial;ela se opõe a toda decomposição em dimensões (passado, presente, futuro) ou em partes (momentos, instantes, etc.). […] Ela é um absoluto”. (WORMS, 2000, p.21). O método intuitivo foi criado pela necessidade que Bergson sentia de possuir uma técnica que apreendesse a duração. O que Bergson denomina como metafísica é o conhecimento do espírito pelo espírito, e a intuição que ele aborda, antes de qualquer coisa, é o instrumento da metafísica para assimilar o movimento, e a substancialidade espiritual que é móvel.

A intuição interior, que consiste no aprofundamento das coisas e objetos, os quais temos curiosidade de conhecer, é o primeiro passo para o entendimento do espírito pelo espírito. Visto que a intuição é a visão do espírito pelo espírito, o método intuitivo refere-se, principalmente, da duração interior, sendo essa, comentada mais detalhadamente em ‘’ A Evolução criadora’’ uma das
teses do ‘’Ensaio’’ de Bergson, retratando sobre a duração do eu profundo e da duração dos estados psicológicos de cada indivíduo. 
Sobre a duração da vida psicológica, Bergson afirma:

Se nossa existência fosse composta por estados separados cuja síntese tivesse que ser feita por um “eu” impassível, não haveria duração para nós. Pois um eu que não muda, não dura, e um estado psicológico que permanece idêntico a si mesmo enquanto não é substituído pelo estado seguinte tampouco dura. Assim sendo, podemos alinhar à vontade esses estados uns ao lado dos outros sobre o “eu” que os sustenta, esses sólidos enfileirados no sólido nunca resultarão na duração que flui. A verdade é que obtemos assim uma imitação artificial da vida interior, um equivalente estático que se prestará melhor às exigências da lógica e da linguagem, justamente porque o tempo real terá sido dele eliminado. Mas, quanto à vida psicológica, tal como se desenrola por sob os símbolos que a recobrem, percebe-se sem dificuldade que o tempo é o tecido mesmo de que ela é feita.” (BERGSON, 2005a, p. 4, grifos nossos).

                                  Fonte: https://goo.gl/5tBfM8

Bergson tem o cuidado de mostrar-nos que a linguagem e seus símbolos são os responsáveis pela estatização do eu, esse que na verdade é puro fluxo e duração. Então Bergson, se determina o dever de investigar esse ‘’eu espírito’’ mesmo que dura, pois: […] “A mudança pura, a duração real, é algo espiritual ou impregnado de espiritualidade. A intuição é o que atinge o espírito, a duração, a mudança pura. Sendo o espírito seu domínio próprio, ela desejaria ver nas coisas, mesmo materiais, sua participação na espiritualidade”. (PM, p. 235). Jean-Louis Vieillard-Baron (2007, p. 82) comenta que o espírito bergsoniano é “a temporalidade do tempo, ou duração, ele é a mobilidade do movimento. É a realidade movente em oposição à realidade inerte e sem matéria”. A intuição, para Bergson, é a simultaneidade com o objeto estudado, é o afeiçoar-se com as coisas, é a junção de objeto e sujeito, por um momento, para perceber o que é o objeto, nele mesmo, sem contribuição da linguagem, dos conceitos ou dos símbolos, adentrando assim, na duração real.

A definição geral do método intuitivo, dada por Léon Husson em seu livro “L’intellectualisme de Bergson”, o qual pretende explicar a gênese e o desenvolvimento do conceito de intuição no pensamento bergsoniano, é a seguinte: “O método […] consiste essencialmente em um esforço do espírito para ultrapassar os conceitos todos, a fim de se pôr em presença da realidade que eles exprimem.” (1947, p. 13). Ele também faz uma enumeração das características do método, baseando-se nas várias figuras usadas por Bergson, são elas: 1) de uma penetração; 2) de uma coincidência; 3) de um contato; 4) de uma visão; 5) de uma percepção; 6) de uma sondagem; 7) de uma simpatia; finalmente, seria o conhecimento que apreende seu objeto imediatamente, de dentro, como o conhecimento de um absoluto. (idem, p. 15). O método intuitivo, é essencialmente interior, internalizando-se, primeiramente, em direção ao espírito.

Na obra ‘’ Ensaio’’, Bergson afirma que a consciência seja voltada para duração interior existente em cada indivíduo, onde os estados interiores se penetrariam entre si, escapando à lei e a medida. Considerando os conceitos que se referem à intuição, foi possível observar que a intuição se dá por pensamentos que nos possibilitam a chegar ao limite do conhecimento e da experiência. É difícil entender os fatos do qual a consciência humana não consegue explicar, são eventos que acontecem de forma natural e útil. São conhecimentos adquiridos em tempo real que permite uma verdade dos fatos ocorridos na intelectualidade do indivíduo.

                                                                    Fonte:  https://goo.gl/68Ho9t

Então, é possível compreender que a intuição não se relaciona claramente com a linguagem, pois, existe uma dificuldade de compreensão entre elas. Para Soares, a linguagem provavelmente impossibilitaria uma essência favorável à intuição. “A função da intuição é captar o movimento inerente ao real, ou seja, resgatar sua essência temporal.” (Soares, 2013, p. 11). Contudo, a intuição promove uma força maior para tornar pensamentos contrários do seu habitual, ou seja, ela requer mudanças para que haja uma duração no estado real dos fatos. Sobre isto, o autor ainda acrescenta que: Se a intuição não pode ser comunicada por ela mesma, caberá a nova metafísica criar os conceitos capazes de atravessar esse impasse com estratégias próprias e sabendo se utilizar, por paradoxal que seja, da própria inteligência, através de conceitos novos, que sejam fluidos e flexíveis.” (Soares, 2013, p.13).

Ao contrário de alguns pensadores, Bergson acredita que necessariamente a linguagem é uma ferramenta chave da inteligência como meio de comunicação da intuição, e certamente da duração. Sendo que a intuição e a duração se aliam em um único sentido. Neste sentido, ainda tem muito que se estudar e teoricamente analisar os possíveis conceitos da intuição, pois a teoria estudada deixa muito vazia sobre a necessidade absoluta da linguagem em relação à intuição. Devido a isso, fica a desejar uma definição claramente conceituada da intuição.

A intuição é, sem dúvida, um tema bastante instigante que nos estimula a buscar mais informações para levar-nos a uma melhor compreensão do pensamento de Bergson. Conclui-se então que a intuição é uma forma de conhecimento que opera no objeto sem o ato de analisar ou traduzir, por esse motivo, para Bergson o método de intuição é filosofia em si, exatamente por ser um ato simples, sendo este criado pela existência de uma necessidade de apreender a duração. Ao considerarmos os conceitos que se referem à intuição, é possível observar que a intuição se dá por pensamentos que nos possibilita a chegar ao limite do conhecimento e da experiência.

Fonte: https://goo.gl/Pjauef

Ao contrário de alguns pensadores, Bergson acredita que necessariamente a linguagem é uma ferramenta chave da inteligência como meio de comunicação da intuição, e certamente da duração. Sendo que a intuição e a duração se aliam em um único sentido. Sabe-se que ainda tem muito o quê se estudar e teoricamente analisar para os possíveis conceitos da intuição, pois a teoria estudada deixa muito vazia sobre a necessidade absoluta da linguagem em relação à intuição. Devido a isso, fica a desejar uma definição claramente conceituada da intuição, tendo em vista que o filosófo não deixou uma definição exata do método, somente provando a existência.

Referências:

RIBEIRO, Eduardo Soares; 2013. Bergson, e a intuição como método na filosofia. Kínesis, Vol. V, n° 09, Julho 2013, p. 94-108. Disponível em: <filosofia<https://www.marilia.unesp.br/Home/RevistasEletronicas/Kinesis/eduardoribeiro.pdf>. Acesso em: 18 Mar. 2017

COELHO, Jonas Gonçalves. Bergson: intuição e método intuitivo. Trans/Form/Ação,  Marília ,  v. 21-22, n. 1, p. 151-164,    1999. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-31731999000100012&lng=en&nrm=iso>. Acesso em:  21  Mar.  2017.