Hermann Von Helmholtz: apercepções e alpinismo

 

É interessante como Immanuel Kant é abordado na história da Psicologia. Ele não será o nosso personagem de hoje, mas merece, ainda por se fazer, uma pesquisa mais detalhada e artigos a respeito. Em torno dele gira uma polêmica crucial à história da Psicologia. Ferreira (2010), no expressivo e brasileiro livro “História da Psicologia: rumos e percursos”, intitula o capítulo 4 da seguinte maneira: A psicologia no recurso aos vetos kantianos. Para o autor, Kant afirmava, peremptoriamente, que a Psicologia não era, em sua época, uma ciência uma vez que não cumpria três condições:

1- Possuir um elemento fundamental, como a química;

2- Possuir um método em que se separa o sujeito do objeto, diferente, portanto, do método introspectivo da Psicologia e;

3- Criar uma matemática avançada para conseguir explicar a consciência.

Goodwin (2010), em seu livro também expressivo para o estudo da história da Psicologia, é também da posição que a Psicologia não possui lugar no mundo da ciência pensado por Kant.

Já Fulgêncio (2006) intitula seu artigo assim: “O lugar da Psicologia empírica no sistema de Kant” e defende a tese de que a psicologia empírica tem o mesmo lugar, na ciência, que a física empírica dentro do sistema proposto por Kant acerca das coisas que são possíveis de se conhecer.

Mas, o personagem de hoje não é Kant e nem quero tão pouco resolver o problema acima, é de tamanho maior que esse texto. A questão é que a história da Psicologia, como contada por Ferreira (2010), desenrola-se tendo em vista os vetos kantianos. Os três vetos são superados, quase que paradigmaticamente, por três personagens: o biólogo alemão Johannes Peter Müller, o físico e médico alemão Hermann von Helmholtz e o físico e filósofo Gustav Fechner, também alemão. Dos três, é Hermann von Helmholtz o personagem desse texto.

Filho (1995) é uma referência que iniciei para conhecer o alemão Helmholtz.  De acordo com esse autor, o alemão nasceu em 1821. Seu pai foi professor de literatura e filosofia. Cresceu em meio às discussões filosóficas entre Imanuel Hermann Fichte e seu pai, Gottlieb Fichte, dois proeminentes filósofos da Alemanha. Foi cursar medicina, em Berlin, em 1838. Foi excelente cirurgião e física com ideias inovadoras.

Estudou fisiologia com Johannes Peter Müller. De seu mestre discordou acerca da indivisível “força vital”, elemento que, juntamente com os químicos e os físicos, compõe os sistemas fisiológicos. A discordância entre Müller e Helmholtz traduziu a discordância que existiu, durante o século XIX, entre os vitalistas e os materialistas.

Desenvolveu não só a medicina, mas também a física e a psicologia. Na física, desenvolveu as bases sobre a lei de conservação de energia em sistemas mostrando que as contrações musculares geram calor. O seu trabalho de maior expressão foi sobre a velocidade dos impulsos nervosos. Seu amigo Du Bois Reymond já havia demonstrado a passagem de impulso elétrico na contração muscular. Helmholtz isolou um nervo motor e um músculo associado ao nervo da perna de um sapo e concluiu que, em média, a depender da distância entre o nervo e o músculo, a velocidade do impulso era de 95Km/h, colocando em xeque a ideia de vontade e de “Força vital”, conceito que tinha uma base teológica.

Inventou o “oftalmoscópio”, que permite o exame direto da retina. Estudou a percepção de cores e sobre a captação auditiva. Em suas dissecações, descobriu que o trajeto da luz até os seus receptores era recheada de camadas de vasos de sangue e fibras nervosas, dentre outras “falhas” no mecanismo do instrumento óptico.

Desenvolveu o conceito de “inferência consciente”. Conclui que a experiência afeta a percepção a partir da descoberta que, na retina, a imagem aumenta ao passo que uma pessoa se aproxima, mesmo que falamos que ela se aproxima e não cresce. A inferência inconsciente é o processo pelo qual se chega à conclusão.

Em 1860, desenvolveu sua teoria sobre o surgimento das representações psicológicas (as apercepções). De acordo com essa teoria, a experiência passada imprime um registro que formam premissas maiores de um silogismo. Tais premissas funcionam ordenando inconscientemente as informações oferecidas pelos sentidos o que resulta na representação psicológica. O método de análise necessário para se compreender tais premissas é chamado de “introspecção experimental”. Trata-se do caminho inverso ao caminho que as premissas construídas pelo registro da experiência passada fazem na produção das apercepções. A introspecção experimental é uma análise consciente adquirida por treino para se “reconhecer o aspecto mais bruto e selvagem de nossa experiência” (Ferreira, 2010, p.87) e o sujeito treinado só poderia, portanto, ser um fisiólogo, pois somente ele sabe “distinguir o joio da experiência passada do trigo das sensações” (Ferreira, 2010, p.87). Querendo ou não, essa compreensão está também no pensamento da psicologia experimental e da psicologia descritiva, que nascia, nesse mesmo tempo, nas aulas de Brentano.

Helmholt era alpinista. Usou uma metáfora sobre escalar montanhas e o pesquisar muito bonita:

Um alpinista que deseja escalar os Alpes: sem conhecer o caminho, ele sobe devagar e com grande esforço, sendo muitas vezes obrigado a retroceder porque vê seu progresso impedido. Ás vezes com ajuda do raciocínio; Às vezes por acaso, ele encontra indícios de uma trilha recém-aberta que o leva um pouco mais longe até que, finalmente, quando atinge seu objetivo, descobre para sua irritação uma esplêndida estrada, pela qual poderia haver subido se tivesse sido inteligente o bastante para encontrar o ponto de partida certo logo no início. Em minhas memórias, naturalmente não dou ao leitor o relato das minhas errâncias, mas sim o caminho batido, pelo qual ele pode chegar ao cume sem problemas. (Helholtz citado por Warren citado por Goodwin 2010, p.90).

O processo de passagens frases a serem analisadas a despeito do conjunto da obra é um mal da peste. Mas, enquanto não acesso fontes mais diretas, tenho apenas para dizer que a ideia exposta na citação me leva a associar à ideia de um método de trabalho que transcende a divisão do conhecimento entre o válido e o não válido, como se vivêssemos mais integrados na medida em que a fronteira entre as nossas formas de conhecer esse mundo são misturadas de forma que acabamos por ter uma só para os nossos diversos saberes e que se resume ao interesse e à bulinação com o tema. De qualquer maneira, as frases de Helmholtz me trazem bastantes esclarecimentos acerca da inter e da transdisciplinaridade e dos métodos criados na mistura do conhecimento técnico-acadêmico e artístico regionais. Além disso, nos remete também ao conceito de integralidade muito trabalhado pela Saúde Coletiva.

Referências:

FERREIRA, Arthur Arruda Leal. A psicologia no recurso aos vetos kantianos. In: História da Psicologia: rumos e percursos, organização Ana Maria Jacó-Vilela, Arthur Arruda Leal Ferreira, Francisco Teixeira Portugal. – Rio de Janeiro: Nau Ed. 2010.

FILHO, Osvaldo Melo Souza. A física de Helmholtz e suas bases filosóficas, In: Revista da Sociedade Brasileira de História da Ciência, n.13, p.53-64, 1995.

FUGÊNCIO, Leopoldo. O lugar da Psicologia Empírica no sistema de Kant. Kant e-prints. Campinas, Série 2, v. 1, n.1, p. 89-118, jan.-jun. 2006.

GOODWIN, C. James. História da Psicologia Moderna; tradução Marta Ross; – 4° ed. – São Paulo: Cultrix, 2010.