A compreensão do tempo nas formações identitárias: uma síntese

Esta síntese procura evidenciar o conteúdo exposto em apresentação do Psicologia em Debate, pelo acadêmico Vitor Alexandre Lopes Lehnen, no dia 19.10.2016 nas dependências do CEULP/ULBRA, com o Tema: O Impacto da Compreensão do Tempo nas Formações Identitárias, conteúdo este extraído de capítulos do livro “O Tempo e o Cão”, de Maria Rita Khel (2009).

A autora Khel (2009) expõe que o tempo é uma construção social, conforme enfatizado pelo acadêmico Vitor no início de sua exposição, sendo uma espécie de ordem social marcada pelo controle do tempo; neste sentido, o sujeito está submetido às leis do “grande outro” (grifo nosso), regras essas que afetam o contexto da vida concreta e subjetiva do sujeito desejante. O acadêmico, inclusive, explicitou muito bem, que a amplitude do termo ‘o grande outro’ na teoria de Lacan, deve ser ilustrado como um lugar simbólico.

A espacialidade não define o psiquismo, mas o tempo sim, daí a dificuldade dos neurocientistas em localizar, no tecido cerebral, o inconsciente freudiano, conforme exposto por Vitor. Complementando, Khel (2009) enfatiza que a origem do sujeito psíquico, entra na condição temporal, pela subjetivação da espera da satisfação deste a tenra infância, conforme a visão psicanalítica. O psiquismo se institui a partir da espera do objeto de satisfação da amamentação, numa tentativa fracassada de eliminar a angústia do tempo vazio do intervalo desse cuidado. Essa representação “adquire, em primeiro lugar, a forma de uma substituição alucinatória do seio que tarda a se apresentar para saciar e tranquilizar o infans”, conforme Khel (2009 p 112).

A autora conclui o raciocínio teórico freudiano dizendo que esse fracasso irredutível da satisfação pulsional, vai transformando o trabalho psíquico, que aos poucos cria uma espécie de transmutação de identidade de percepção à uma identidade mental. No contexto da teoria lacaniana do “O Tempo Lógico”, aqui enunciado pela autora, como “O tempo e o sujeito”, foi relatado o sofisma contido nos Escritos de Lacan, onde esclarece a natureza da relação necessária entre o saber possível do sujeito do inconsciente e a experiência subjetiva do tempo.

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Fonte: http://migre.me/vs1TA

Para tanto, Khel (2009) cita Lacan apresentando um problema lógico, onde em um presídio é apresentado para três prisioneiros, um desafio cuja solução será permitida a liberdade de apenas um deles. Apresenta-se cinco discos, dois pretos e três brancos, cada prisioneiro terá um colocado em suas costas, onde não conseguirá vê-lo – mas os dos outros dois, sim. A liberdade ocorrerá para aquele que em primeiro lugar deduzir, a partir da observação dos outros, a cor de seu próprio disco.

O autor afirma que, salvo no caso em que um dos participantes do jogo enxergasse nas costas de seus companheiros dois discos pretos, é impossível deduzir a resposta correta sem levar em conta, além das cores dos discos que cada um enxerga, as reações e as hesitações dos outros dois. O problema lógico exposto resumidamente neste parágrafo é, portanto, construído em três tempos: o instante de ver, o tempo para compreender e o momento de concluir.

Desses três intervalos, o primeiro e o terceiro ocorrem instantaneamente segundo Lacan; somente o segundo supõe a duração de um tempo de meditação. Essa passagem precede a certeza do sujeito sobre si mesmo, isto é, sobre a cor de seu disco, que ele só pode deduzir ao se relacionar subjetivamente com as reações dos outros e refletir sobre elas. Com uma certeza jamais inteiramente garantida para a liberdade proposta, o tempo de concluir, é uma objetivação rápida que precipita o sujeito em direção à liberdade.

Khel (2009) explicita que não lhe parece de graça o fato de que a liberdade, na historinha de Lacan, seja o prêmio prometido àquele que primeiro conseguir apostar na cor do disco pregado às suas costas. O momento de concluir é o tempo em que o sujeito é convocado, onde tem que se desprender do registro da identificação com seus companheiros de cela para afirmar, por sua conta e risco, quem ele é; sendo que isso não garante ao sujeito nada sobre o dilema de quem ele realmente é.

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Fonte: http://migre.me/vs294

Para Lacan o ser é um efeito simbólico da certeza antecipada do sujeito desejante, sendo assim, a psicanálise lacaniana valoriza o tempo lógico, necessário à historização do sujeito inconsciente, onde a autora diz ser o tempo que faz existir a possibilidade da análise, ou seja, o tempo de compreender é o tempo apoiado em um “saber inconsciente” (grifo nosso). Há de se reconhecer que o acadêmico Vitor expôs, de alguma forma, o impulso ao consumo. A autora elucida a precipitação passagem ao “ato” (grifo nosso), como produtor pela urgência da demanda do outro, ou seja, a relação do sujeito com o objeto causa do desejo, ou de outra forma. O tempo de compreender sem um saber, como segue abaixo:

A temporalidade contemporânea, frequentemente vivida como pura pressa, atropela a duração necessária que caracteriza o momento de compreender, a qual não se define pela marcação abstrata dos relógios. Daí a sustentação periclitante do saber do sujeito, que o predispõe à queda na depressão, seja qual for sua estrutura neurótica. Por sua vez, o momento de concluir implica a conquista, durante o tempo de compreender, de alguma independência em relação ao tempo apressado da demanda do Outro. (KHEL, 2009, p. 117).

Neste sentido, trazendo a luz das relações da pós-modernidade, a temporalidade vivenciada no contexto da pressa, atropela a duração necessária que caracteriza o momento de compreender, a qual, não se define pelo tempo lógico enunciado por Lacan. Daí a sustentação vacilante desse sujeito consumidor, enunciado por Victor, fica comprometida como pré-disposição à depressão, seja qual for sua estrutura neurótica.

REFERÊNCIA:

KEHL, Maria Rita. O tempo e o cão. São Paulo: Boitempo, 2009.