A Psicóloga Ana Carolina Peixoto fala sobre programação da Luta Antimanicomial

Nessa última quarta-feira (09), ocorreu na Praça dos Povos Indígenas, em Palmas/TO, o evento Cine na Praça, dando abertura à programação em comemoração ao Dia Nacional da Luta Antimanicomial, que ocorrerá durante o mês de maio. Foram exibidos dois documentários que tratam a saúde mental e a luta antimanicomial, quais sejam “O Hotel da Loucura” e “Pedras, plantas e outros caminhos”. Essa programação foi elaborada por um coletivo de usuários, trabalhadores e gestores de Palmas.

Exibição do filme “Hotel da Loucura”

Entre eles, está Ana Carolina Peixoto, graduada em Psicologia pelo Centro Universitário Luterano de Palmas – CEULP/ULBRA. Atua em Psicologia Clínica (atendimento particular), com ênfase em atendimento de crianças, adolescentes e dependência química, e Psicologia Jurídica (credenciada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins). Psicóloga no Centro de Atenção Psicossocial em Álcool e outras drogas (CAPS AD III), de Palmas, Tocantins. Membro da Comissão de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas do CRP 23º região, e do Centro de Referência em Psicologia e Políticas Públicas do CRP 23º região (CREPOP/TO). Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ensino em Ciência e Saúde, da Universidade Federal do Tocantins (UFT). Tem como áreas de interesse/pesquisa: Saúde Mental, Psicologia Social, Redução de Danos, Arte e Clínica.

Roda de apresentação dos participantes

O (En)Cena entrevistou Ana Carolina, que fala da necessidade em quebrarmos nossos manicômios mentais.

 (En)Cena – De onde surgiu a ideia de elaborar esse evento?

Ana Carolina: A programação da luta antimanicomial acontece todo ano. Geralmente acontece uma caminhada na Avenida JK em que é feita uma mobilização, a galera leva músicas, cartazes para dar visibilidade para a saúde mental em Palmas. Esse ano a gente pensou em fazer essa programação ao longo do mês para dar mais visibilidade e para a gente pensar em integrar mais a rede de atenção psicossocial, no sentido de fortalecer mais os vínculos, tanto dos usuários quanto dos trabalhadores nos serviços e também no sentido de mostrar mais. Então a ideia também da gente fazer em vários espaços é para a gente ocupar a cidade. O usuário, tanto do CAPS II, que é a pessoa que está em sofrimento psíquico, quanto o usuário de álcool e outras drogas muitas vezes está marginalizado, então ele é excluído de diversos espaços da cidade, de vários territórios geográficos. É muito difícil, por exemplo, o usuário do CAPS II, que tem transtorno mental frequentar uma praça ou ir em um cinema. Então a ideia de a gente ocupar vários territórios geográficos é no sentido de proporcionar essas experiências para eles e também ocupar a cidade que é nossa, é deles, é de todos.

 (En)Cena – Quem são esses usuários, trabalhadores e gestores que participam da organização do evento?

Ana Carolina: A gente pensou em ações integradas, então estão aqui os serviços que compõem a rede de atenção psicossocial, além dos da atenção primária. Nós estamos articulando os dois CAPS, que é o CAPS II e o CAPS AD III, o Palmas que te acolhe, que não é um serviço de saúde, mas é um serviço de garantia de direitos que atua diretamente com usuários de álcool e outras drogas, com pessoas no sofrimento psíquico, o consultório na rua, que é uma equipe de saúde ligada à atenção primária que faz oferta de saúde no território para pessoas que estão em situação de rua, as pessoas da gestão, a gerência de saúde mental, o Gilberto que está lá na vigilância e saúde, a Marla que está fazendo o trabalho com grupo condutor da hanseníase, temos também a FESP (Fundação Escola de Saúde Púbica), então o programa de residência de saúde mental também está dando esse apoio para a gente, e também a ULBRA, com o curso de psicologia, além do trabalho do (En)Cena, de estar integrando a comunidade acadêmica nessas articulações, nessas ações. 

(En)Cena – Como se dá esse contato entre os usuários dos serviços com esses eventos? Qual o significado para eles?

Ana Carolina: A gente procura sempre levar algumas atividades para o território e levar eles para outros territórios, para sair dos muros. A luta antimanicomial é exatamente essa luta de sair das instituições, de quebrar as barreiras físicas, de quebrar os manicômios não só físicos, mas também os manicômios mentais, que estão na nossa prática diária de preconceito e de exclusão. Então a gente abre espaço para eles falarem da experiência para a gente também, não só no serviço do dia a dia, mas a nossa proposta inclusive dia 25 é fazer uma assembleia geral para todos os atores que participarem darem esse feedback do que foram essas atividades, do que significou, o que faltou, o que a gente pode fazer além. Então a ideia é dar esse espaço de posse para eles. Muitas vezes a gente tenta falar por eles em fóruns, congressos e seminários. Então quando a gente quer trazer eles também para essas ações, é eles falarem por eles.

(En)Cena – Porque a escolha desses filmes em específico?

Ana Carolina: São dois documentários que trabalham a questão da luta antimanicomial e da saúde mental. O Hotel da Loucura trabalha sobre o projeto em Bauru, em que eles trabalham com vivências artísticas. Então algumas imagens mostram eles fazendo dinâmicas de grupos, momentos artísticos, de trabalhar essa reabilitação psicossocial através do lazer, da arte e da cultura. Então o Hotel da Loucura é interessante por isso, ele vai pegar a loucura e vai brincar com esse termo, não a loucura como aquela coisa que gera exclusão, mas a loucura como parte do nosso dia a dia. E o Pedras, plantas e outros caminhos é um documentário que vem mostrar uma experiência no Rio de Janeiro, de um acompanhamento terapêutico de um usuário de álcool e outras drogas que não acessa o CAPS, tem um vínculo muito frágil com o serviço. E é como eu falei, a galera está na cidade e a profissional propõe sair da instituição, já que a pessoa não vai até lá e anda junto com ele pela cidade, habita o território junto com ele, porque esse movimento é o que cria vínculo e esse vínculo acontece quando a gente não quer atender as nossas expectativas, mas a gente quer entender o usuário, a necessidade dele, a demande dele, a gente cria vínculo com ele e promove saúde a partir disso. Então a gente trouxe esses dois documentários no sentido de debater sobre isso, sobre vinculação, território, estigmatização, preconceito.

(En)Cena – O que você pode dizer para os estudantes de psicologia que tem essa barreira, esse preconceito? Como desmistificar esse medo do usuário?

Ana Carolina: A gente tem medo daquilo que a gente desconhece, a gente cria pré-conceitos daquilo que a gente desconhece. Somos muito influenciados pela mídia, pelos meios de comunicação, e esses mostram o usuário de saúde mental louco, agressivo, totalmente descompensado e quando a gente vai para a vivência do serviço a gente vê que são pessoas como a gente, são pessoas que tem dentes, então precisam ir no dentista, são pessoas que quebram o braço, então também precisam enfaixar, são pessoas que tem problemas em casa, as vezes não conseguem conviver com a família, são pessoas que tem desilusões amorosas, são pessoas como qualquer outra e aí quando a gente consegue olhar para a pessoa como indivíduo dotado de tudo que a gente tem, a gente quebra uma barreira. A primeira vez que eu fui para o CAPS, quando eu ainda era estudante e fui pelo Pet-Saúde, eu tive muito medo. Eu fui para o CAPS-AD, porque eu tinha uma imagem do usuário de álcool e outras drogas daquele usuário agressivo. Eu participei do Pet durante um ano, eu fiz meu TCC no CAPS-AD e hoje eu estou no CAPS há mais de um ano e eu não tive nenhuma situação do usuário querer me agredir. Então isso foi um soco na cara, porque são pessoas. Então precisamos enxergar essas pessoas como pessoas que elas são, dotadas de tudo que a gente tem, as vezes dotadas de menos no sentido de uma estrutura familiar, uma estrutura financeira, mas são gente como a gente.

 (En)Cena – Você poderia falar um pouco sobre a RAPS?

Ana Carolina: A RAPS é a rede de atenção psicossocial, é a rede de serviços que integra a atenção psicossocial e as demandas de saúde mental, então são além de serviços especializados, que são os CAPS e os ambulatórios, são também os serviços de atenção primária, o postinho de saúde, as UPAS, tudo isso é de atenção psicossocial, porque isso lida com demandas de saúde mental. No entanto, os CAPS são serviços especializados para essas demandas, que vão ser demandas mais severas, mais complexas, mas demandas mais cotidianas, mais simples podem muito bem ser atendidas na atenção primária lá no postinho de saúde que é a porta de entrada do SUS. Então a primeira pessoa que lida com demanda de saúde mental é o agente de saúde, é a galera que está lá na ponta.

 (En)Cena – O que o público pode esperar dos próximos eventos?

Ana Carolina: Esse aqui é o Cine na Praça, esse momento de lazer, momento cultural, para a gente iniciar o debate sobre saúde mental, sobre luta antimanicomial. Na sexta-feira nós temos o primeiro torneio intersetorial de saúde mental, que também é uma proposta de lazer, uma proposta esportiva. Uma coisa que a gente procura estimular muito no CAPS é a prática de atividade física, porque ela vai liberar hormônios, que também é um sistema de recompensa e prazer. Então a pessoa vai melhorar a saúde clínica, a saúde psicológica e ainda vai ter a possibilidade de conviver com pessoas, então melhora o social. No sábado nós temos o almoço que é o dia do vínculo, em comemoração ao dia das mães e onde vamos estender o conceito de família, então vamos fazer o almoço para as famílias, não só para os usuários do CAPS-AD, mas de toda rede, quem quiser participar, vai ser um momento de lazer, de descontração. No dia 18 de maio, que é o dia que se comemora a luta, nós vamos fazer uma ação maior no Parque Cesamar. A ideia é que a gente debata sobre redução de danos, promoção de saúde, estamos querendo fazer testes rápidos (hanseníase, dst’s) e fazer um aconselhamento para essas pessoas. A gente quer fazer barulho, cartazes, mostrar para todo mundo que a saúde mental existe, está no território, está em Palmas, habita a cidade e isso não tem que ser uma exclusão. E para fechar, no dia 25 faremos uma assembleia geral para avaliar essas ações. A ideia é que não paremos no mês de maio, que sejam ações sistemáticas durante o ano.