“Call me by your name” numa perspectiva gestáltica

Concorre com 03 indicações ao OSCAR:

Melhor filme,  Melhor ator (Timothée Chalamet), Melhor roteiro adaptado

Love my way it’s a new road
I follow where my mind goes”

(Psychedelics Furs)

Call me by your name (Me chame pelo seu nome), produzido pelo italiano Luca Guadagnino e como obra homônima do livro de André Aciman (2007), é o romance que abriu 2018 derretendo os corações dos cinéfilos. Ambientado no norte da Itália, nos anos 80, o filme mostra mais um verão que Elio (Timothée Chalamet), um adolescente de 17 anos, passa na casa rural de seus pais. Porém, dessa vez ele é abalado pela presença de um novo visitante, Oliver (Armie Hammer), um americano que vai para outro continente desfrutar dos saberes de seu hospitaleiro professor, o pai de Elio.

Inicialmente, percebe-se que o cotidiano dos personagens é recheado por conhecimento erudito. A família Perlman domina as línguas inglesa, italiana e francesa, além de terem afinidade com a literatura, gramática, música e dados históricos que o rodeiam. Toda essa dinâmica dialoga com o ambiente rural e ensolarado, onde são aproveitados intensamente espaço e tempo (aqui e agora) em que se perpassa o filme.

Caracterizado como filho único e como um garoto muito reservado, Elio sente diversos impactos ao receber Oliver como visitante em sua casa. Ele cede seu quarto; de certa forma, também cede o pai, pois sabe que o mesmo terá uma dedicação maior a Oliver em detrimento aos seus estudos; e ainda convive diariamente com os costumes diferentes do que está habituado, como o modo de se despedir “Até mais!”, os cuecas jogadas pelo banheiro que compartilham e os não comparecimentos de Oliver durante algumas refeições.

Além disso, o fato de Oliver ser um homem galanteador e que atrai atenções de todos, também contribui para que Elio se distancie e seja um pouco ríspido com o hóspede. Isto pode ser contextualizado segundo Perls, Hefferline e Goodman (1997) onde “O contato é awareness da novidade assimilável e o comportamento com relação a esta; e rejeição da novidade inassimilável. O que é difuso, sempre o mesmo ou indiferente, não é um objeto de contato”. Porém, com o passar dos dias ele toma consciência (awareness, na Gestalt-terapia) que também sente uma admiração pelo mesmo e, ainda mais, uma atração afetiva. E, assim, os dois estabelecem uma trégua entre si e começam a se aproximar.

Fonte: https://goo.gl/TXkBYB

Tal aproximação se deu através do estabelecimento de contato. Loffredo (1994, p.83) ressalta que “[…] Todo contato é, então, um processo dinâmico e criativo […] deve ser entendido não como um estado, mas como uma ação: o contato é feito na fronteira eu-outro”. Enquanto que Silveira (2007) traz a ideia de que a vida entre companheiros (casal) se torna mais plena quando o contato e a empatia elaboram um ambiente facilitador e é delimitado de forma adequada o espaço entre esses.

O romance desenrola-se com as demonstrações de afeto de Elio e, a princípio, a negação de Oliver em viver o lhe que estava sendo proposto naquela ocasião. Também conta com alguns encontros entre Elio e Marzia (Esther Garrel), uma amiga da sua idade, por quem aparentemente ele é apaixonado, mas não tanto quanto Oliver. E, depois, com este se permitindo demonstrar e viver afetos com o jovem Elio.

Fonte: https://goo.gl/NDVQ6i

Para além da percepção do drama como de caráter homoafetivo, o foco principal do autor do livro e do diretor é a fluidez da sexualidade (SOBOTA, 2018). Em decorrência a isso, no filme mostra-se como se dá o envolvimento amoroso de duas pessoas num curto período de tempo. Entretanto, não quer dizer que não possa ser admirado e usado pela militância LGBT.  Aciman afirma, em entrevista ao O Estado de S. Paulo, que:

A ambiguidade é problemática porque faz com que as pessoas se questionem mais sobre o que a sexualidade é de verdade. Temos um sistema em que as pessoas querem saber se estão ou não apaixonadas, se é ou não amor. É isso ou aquilo. Sempre odiei todo tipo de rótulo. Não uso a palavra gay nem a palavra amor no meu livro. Não quis especificar nada. Sempre tive um pressentimento de que se você nomeia as coisas, o que acontece é parar de pensar e de sentir (SOBOTA, 2018).

Sem rótulos e com o apoio de uma família culta, aberta às novas culturas e modos de afetos, Elio se permite viver uma experiência inovadora, numa interação organismo-meio, que acrescentará no seu modo de constituir-se como sujeito. Na gestalt-terapia, essa experiência é conhecida como fronteira de contato e implica em mudanças e transformações no indivíduo (CARDELLA, p. 49).

“Me chame pelo seu nome e eu te chamarei pelo meu”. Fonte: https://goo.gl/z3tEx7

De acordo com Melo (2008), na fase do contato os parceiros compartilham um encontro genuíno e intenso, de forma que um se inclui no modo de vida do outro e se compreendem e se aceitam na sua singularidade, agindo de forma conjunta para solucionar a figura formada a partir da fusão de seus desejos. No caso, a figura que se formou nessa relação foi de obter êxito numa experiência conjunta, uma comunhão de afetos, saberes, ou melhor, vivências.

A autora ainda afirma que a fase conseguinte ao contato é a de resolução/conclusão. Nessa etapa, o casal faz a reflexão e, depois, expressa tudo aquilo que vivenciou; tenta entrar em acordo unanimemente; seus integrantes contemplam a si próprio e ao outro ou se compadecem do que poderiam ter vivido. Dessa forma, se finda esse período com o retraimento, cujo atua como uma pausa para dar início a um novo período (MELO, 2008). A despedida entre Elio e Oliver demonstra que como um casal eles já entraram nesse momento de conclusão e partem, de certo modo, felizes com tudo o que lhes foi experimentado.

Fonte: https://goo.gl/AWGnri

 É importante fazer contato e se afastar, tocar e ser tocado, e depois deixar ir” (MELO, 2008).


FICHA TÉCNICA 

ME CHAME PELO SEU NOME

Direção: Luca Guadagnino
Elenco: Armie Hammer, Timothée Chalamet, Michael Stuhlbarg, Amira Casar;
Gêneros: Drama, Romance
Ano: 2017

Referências:

CARDELLA, Betriz Helena Paranhos. A construção do psicoterapeuta – uma abordagem gestáltica. Editora Summus, 2002.

PEARLS, F.; HEFFERLINE, R.; GOODMAN, P. (1997). Gestalt-terapia. 2ª edição. São Paulo: Ed. Summus.

LOFFREDO, A. M. A cara e o rosto: ensaio sobre Gestalt-terapia. São Paulo, Escuta, 1994.

MELO, Maria Luíza da Silvera. (Monografia) O contato na relação conjugal.  Faculdade de Ciências da Educação e Saúde – FACES. Brasília – DF, 2008.

SILVEIRA, T. M. (2007). O papel da criatividade nas relações conjugais: os limites do “eu” e os limites do “nós”. Revista IGT na Rede. 4. 7. 199-207. Recuperado em 15 out 2008: www.igt.psc.br/ojs/include/getdoc.php?id=1021&article=165&mode=pdf

SOBOTA, Guilherme. ‘Call Me By Your Name’ foi a primeira ficção da elogiada obra de André Aciman. O Estado de S. Paulo, 2018.  Disponível em: <http://cultura.estadao.com.br/noticias/literatura,call-me-by-your-name-foi-a-primeira-ficcao-da-elogiada-obra-de-andre-aciman,70002152818>. Acesso em 14 de fev de 2018.