Capitão Fantástico: entre a paixão e a ilusão

Com uma indicação ao OSCAR: 

Melhor Ator

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O que seria do mundo sem os revolucionários, capazes de viver e morrer por uma causa?
Que força move uma revolução se não uma grande paixão?
E o que é a paixão senão uma grande ilusão?
Paixão e ilusão, a partir da psicanálise, são fenômenos indissociáveis e radicalmente ligados ao narcisismo primário.[1]

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Em Capitão Fantástico, Ben (Viggo Mortensen) e Leslie (Trin Miller) não apenas se apaixonaram, mas decidiram viver uma realidade alternativa, criando seu próprio mundo ideal. Acreditaram que era possível e o fizeram. A história não revela muito do passado de Ben, mas Leslie deixou uma carreira jurídica bem sucedida e seguiu com marido e os filhos para viver uma experiência única, conforme descreveu em uma carta para a mãe:

“O que eu e Ben criamos aqui pode ser único em toda a existência humana. Criamos o Paraíso fora da República de Platão. Nossos filhos serão reis filósofos. Isso me deixa tão indescritivelmente feliz. Eu vou melhorar aqui, sei que vou, porque somos definidos por nossas ações, não palavras.”

Na floresta, longe do contato com a cultura dominante, eles criam os filhos, estabelecem regras e limites próprios, com rituais de passagem, divisão de tarefas, disciplina rígida, educação de alta qualidade direcionada pelos pais, e muita liberdade de expressão. A família é a busca do sonho utópico relatado por Platão em sua obra A República[2], onde as paixões são controladas, o egoísmo superado e as pessoas agem racionalmente.

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A racionalização, aliás, se mostra como o principal mecanismo de defesa dos membros quando os sofrimentos aparecem. É através dela se explica a vida e a morte e se lida com qualquer dificuldade. Mas esse mecanismo mostra falhas quando a realidade externa começa a se impor e toda a dinâmica de funcionamento, até aquele momento voltada para dentro, para o núcleo familiar, precisa se adaptar às relações exteriores. As crianças foram criadas para serem fortes física e emocionalmente, e preparadas intelectualmente para qualquer situação. Entretanto, fora da proteção do lar, situações triviais começam a expor as fragilidades desse sistema e trazer à tona conflitos internos.

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É através dos traumas, das dores e perdas que, passo a passo, a realidade vai se impondo no seio daquela família utópica. A felicidade vivida até então se mostra muito mais um sonho dos pais projetado nos filhos, ou conforme a história vai revelando, muito mais o sonho de um homem sobre seu mundo ideal que encontrou na bipolaridade de sua parceira a possibilidade desrealização.

O posicionamento de Ben revela uma personalidade narcisista, com filhos que se tornam uma extensão dos seus sonhos e de suas crenças. Através de seus próprios dispositivos, Ben e Leslie acreditam estar criando humanos perfeitos em um mundo especialmente formatado para eles, mas na verdade tudo é voltado apenas para si mesmos, realidade com a qual Ben se depara ao “provocar” o acidente de uma filha.

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Durante toda a sequencia de acontecimentos percebemos como as crises são importantes para nos confrontar com nossos erros, mesmo quando o mundo parece estar perfeito. Esta perfeição aliás só existe na cabeça de Ben, desde o início é possível perceber na personalidade de cada filho, alguns traços que podem se mostrar problemáticos para o futuro daquela estrutura familiar.

Um dos adolescentes é revoltado com o pai e a mãe, questiona seus valores e demonstra muita agressividade, algo que se explica no decorrer da história. O mais velho, que parece ter internalizado mais as influências de Ben, vive um conflito interno entre satisfazer os desejos do pai ou se lançar para o mundo. Zaja, uma das menores, demonstra frieza frente a qualquer situação, não parece demonstrar muitas emoções, gosta de desossar animais e expor seus troféus.

 

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Capitão Fantástico é, enfim, um enredo que questiona da sociedade capitalista às utopias libertárias, num confronto constante entre realidades e ilusões que se entrelaçam permanentemente. O filme expõe a dualidade entre o autoritarismo e a liberdade, o bom e o ruim e tantas outras presentes no mundo interno e externo de cada um.

Uma história que exibe as contradições internas individuais, familiares, sociológicas e filosóficas, mostrando que nada é perfeito, nem totalmente ruim, mas que tudo o que acreditamos precisa ser questionado. Mostrando ainda como todas as dores, perdas, crises ou conflitos são necessários para que as transformações ocorram e nos aproximemos do equilíbrio.

REFERÊNCIAS:

[1] ROCHA, Zeferino. O papel da ilusão na psicanálise Freudiana. Ágora (Rio J.), Rio de Janeiro ,  v. 15, n. 2, p. 259-271,  Dez.  2012.   Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-14982012000200004&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 12  Fev.  2017.

[2] PLATÃO. A república. São Paulo, Martin Claret.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

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CAPITÃO FANTÁSTICO

Diretor: Matt Ross
Elenco: Viggo Mortensen, George MacKay, Samantha Isler, Annalise Basso
País: EUA
Ano:2016
Classificação: 14