A minissérie americana de drama intitulada- Inacreditável (Unbelievable) de 2019, conta uma história em volta de três mulheres: duas investigadoras e uma jovem de 18 anos que se chama Marie. Ela cresceu em vários lares adotivos e por ser muito introvertida, não tem muitos amigos. Esta minissérie é baseada em fatos reais e na reportagem de 2015 “Uma inacreditável história de estupro”.
A vida de Marie muda completamente quando ela passa por uma situação de violência, pois um homem invade seu apartamento e a estupra. Ela foi submetida a passar por constrangimentos e foi fotografada durante o ataque.
Marie resolve dar queixa da violência sofrida, mas não foram recolhidas provas da agressão e durante o interrogatório Marie começa a apresentar algumas falas inconstantes que fazem com que os investigadores comecem a desconfiar se ela estava mesmo dizendo a verdade. Essa dúvida não parte apenas dos policiais, mas também dos seus pais adotivos que suspeitam do discurso. Pois, segundo eles, ela estava apresentando poucas reações emocionais diante do fato que ela disse ter ocorrido e que poderia estar apenas chamando a atenção, já que Marie sempre foi considerada “problemática”.
Devido aos comentários das pessoas, à enorme pressão, sofrimento e medo que começou a vivenciar, Marie decide assumir que mentiu aos investigadores e que tudo foi apenas invenção da sua mente ou que poderia ter sido um sonho. Estes fatos remetem que a violência psicológica pode ser conceituada como a forma mais pessoal de agressão contra a mulher, através da qual as palavras provocam sofrimento, pressão, poder para ferir, fragilizar e impactar a autoestima da mulher (SIQUEIRA, ROCHA, 2019).
Siqueira e Rocha, (2019) mencionam que as causas deste tipo de violência podem ser ocasionadas por ciúmes, influência cultural, bebidas alcoólicas, políticas públicas, visão conservadora, histórico de violência familiar do agressor e interrupção do apoio da família.
Em Inacreditável, Marie não conseguiu apoio de seus pais adotivos que a pressionaram para contar o que realmente aconteceu, sempre remetendo ao seu comportamento do passado, o que a fazia se sentir culpada e até mesmo duvidar se ela mesma não teria inventado toda a história. Fonseca e Lucas (2006) afirmam que quando a mulher não consegue apoio dos seus familiares e tem a dinâmica familiar interrompida, ela entra em um estado de vulnerabilidade maior, pois se sente sozinha, contribuindo para que o agressor continue com os episódios de violência. E neste caso da minissérie os próprios pensamentos, sentimentos e lembranças da agressão sexual vivida se tornaram o motivo que a deixou muito vulnerável e mais retraída.
Enquanto os investigadores decidem arquivar o caso, já que Marie confessou que havia mentido, em Colorado outra investigadora chamada Karen Duvall investiga outro estupro e decide unir forças com Grace Rasmussen do Departamento de Polícia de Westminster ao descobrir que as duas estavam com um caso de estuprador em série em mãos, pois vários casos de estupro com as mesmas características do caso de Marie foram denunciados.
Em cada um dos casos, as vítimas foram submetidas a constrangimentos e também foram fotografadas. Ao finalizar a agressão, o criminoso conseguiu não deixar pistas para que fossem recolhidas provas do crime. Marie continuou sofrendo as consequências da agressão por três anos, e foi taxada de mentirosa pela sua família e amigos. Ela tentou seguir sua vida. As autoras Siqueira e Rocha (2019) citam que a mulher em situação de violência sofre consequências como o esgotamento emocional, se sente cansada, perde o interesse em cuidar de si mesma, isola-se e sofre perdas significativas na qualidade de vida. A minissérie retrata todas estas consequências na vida de Marie, onde ela se encontra completamente sozinha, amedrontada, e sem esperança de conquistar algo melhor na vida.
Em 2011, após reunirem pistas e provas, as investigadoras Grace e Karen conseguem prender Chris McCarthy, um ex-militar que estuprava mulheres que moravam sozinhas e na sua casa escondia provas das violências cometidas, inclusive fotos que comprovavam as agressões. Durante a análise das fotos, as investigadoras conseguiram encontrar a foto de Marie e dessa forma conseguiram reabrir o caso dela, que posteriormente foi inocentada da acusação de falso testemunho.
A minissérie finaliza com Marie agradecendo as investigadoras por terem contribuído para que voltasse a se sentir segura, mesmo que não tenha tido nenhum contato com as duas.
Esta história nos faz pensar em quantos casos acontecem em que as vítimas permanecem caladas por causa do medo e do sofrimento e tem que seguir a vida tentando esquecer. Em muitos casos o agressor é uma pessoa próxima, como pai, irmão, cunhado, tio, mãe, cônjuge ou um amigo.
Recentemente foi sancionada a Lei 14.188 que inclui ao Código Penal Brasileiro o crime de violência psicológica contra a Mulher.
A Lei 14.188/21, inseriu o artigo 147-B no Código Penal:
Causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação. (BRASIL, 2021, Art. 147-B)
A pena para este crime é de seis meses a dois anos e também tem uma multa. A violência psicológica contra a mulher tem crescido muito e esta lei surge como uma forma de proteger e trazer mais segurança para as mulheres. Mesmo com a lei em vigor, os danos à saúde mental das vítimas são muitos e faz-se necessário um acompanhamento psicológico e intervenções com as redes de apoio das vítimas que também sofrem com efeitos da agressão (SIQUEIRA, ROCHA, 2019).
Esta minissérie nos mostra como a violência contra a mulher está inserida culturalmente. Marie não teve o apoio de sua própria família pois por ela ter tido comportamentos “problemáticos”, não acreditaram no que ela disse. A história nos leva a refletir que muitas pessoas que passam por situação de violência sexual tem seu sofrimento intensificado quando não conseguem a confiança e credibilidade da família, cônjuge e amigos. Marie passou por momentos de tristeza e culpa por ter que ouvir as pessoas de sua rede de apoio não acreditarem no seu relato.
Ressalto que a culpa pela violência cometida não é da mulher e que existem redes de apoio para acolhimento de mulheres que estão nesta situação e que elas têm direito a assistência em saúde e que nos casos de violência sexual há medidas específicas para evitar gravidez indesejada e ISTs. As redes de apoio que mulheres em situação de violência podem procurar são o Centro de Referência Especializado em Assistência Social (CREAS), a Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher, através do número telefônico 180 e nas situações em que há agressão física, são resguardadas pela Lei Maria da Penha. A lei assegura que qualquer mulher, independente da classe, raça, etnia, orientação sexual, religião, cultura, devem ter direito, oportunidades e facilidades de viver sem violência familiar e doméstica e também o direito de preservar sua saúde física, mental, moral, intelectual e social. (BRASIL, 2006).
Faz-se necessário que os profissionais de saúde, assistência social e segurança pública sejam treinados para realizar um atendimento mais humanizado a fim de garantir acolhimento, direitos civis e a dignidade das mulheres.
FICHA TÉCNICA
Título: Inacreditável (Unbelievable)
Ano: 2019
Gênero: Drama/Crime
Emissora: Netflix
1 temporada
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição (2021). Lei nº 14.188, de 28 de julho de 2021. Define o programa de cooperação Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica como uma das medidas de enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a mulher previstas na Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), e no Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), em todo o território nacional; e altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), para modificar a modalidade da pena da lesão corporal simples cometida contra a mulher por razões da condição do sexo feminino e para criar o tipo penal de violência psicológica contra a mulher.. Lex. Diário Oficial da União, 28 jul. 2021. Disponível em: https://legis.senado.leg.br/norma/3462817. Acesso em: 04 set. 2021
BRASIL. Constituição (2006). Lei nº 11.340/2006, de 07 de agosto de 2006. Lex. Diário Oficial da União, 07 ago. 2006. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm. Acesso em: 04 set. 2021.
DA FONSECA, P. M.; LUCAS, T. N. S. Violência doméstica contra a mulher e suas consequências psicológicas. Disponível em: http://newpsi.bvs-psi.org.br/tcc/152.pdf. Acesso em 01 set. 2021
SIQUEIRA, C A; ROCHA, E S S. Violência psicológica contra a mulher: Uma análise bibliográfica sobre causa e consequência desse fenômeno. Disponível em: https://arqcientificosimmes.emnuvens.com.br/abi/article/view/107/63. Acesso em 01 set. 2021