Nos últimos anos, as gigantes da tecnologia, como Meta, Apple e Google, têm enfrentado ondas de críticas e investigações devido ao impacto de suas práticas de mercado sobre os usuários, principalmente no que diz respeito à saúde mental, privacidade e autonomia. O caso mais recente envolve o Google, com o Departamento de Justiça dos EUA propondo que a empresa venda o navegador Chrome para reduzir seu domínio no mercado de buscas e publicidade digital. Esse episódio reforça como as BigTechs vem usando de artifícios como algoritmos, publicidade direcionada e design persuasivo para influenciar o comportamento humano, levantando questões éticas e regulatórias sobre quem, de fato, controla nossas escolhas. [1-3]
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Os algoritmos são os pilares desse novo ecossistema tecnológico. No caso de empresas como o Google, os algoritmos são a base da abordagem de personalização de serviços. Cada consulta, vídeo assistido e anúncio clicado é processado por modelos matemáticos, refinando a capacidade corporativa de prever e até influenciar as ações dos usuários.
No entanto, essa personalização tem seu preço. Ao moldar a experiência do usuário com base em padrões de comportamento passados, os algoritmos normalmente criam “bolhas de filtro”, que limitam visões alternativas, condicionando o internauta a se saturar daquilo que ele já consumiu. De fato, como Eli Pariser, autor de The Filter Bubble, detalhou, essas práticas podem amplificar vieses existentes ao isolar os usuários nessas realidades digitais altamente curadas. O caso contra o Google reflete justamente uma tentativa de mitigar os impactos nocivos desse controle algorítmico sobre a tomada de decisões dos usuários. [6]
Fonte: Beware online “filter bubbles” de Eli Pariser.
A publicidade direcionada – estratégia dentro do marketing digital – é uma das áreas mais lucrativas para empresas como o Google. Ao utilizar massivas quantidades de dados pessoais coletados dos usuários, as BigTechs podem entregar anúncios altamente detalhados e personalizados, aumentando significativamente as taxas de conversão. Segundo um relatório da Statista, o Google é atualmente líder global em publicidade digital, ocupando cerca de 28,8% da participação total no mercado.[5]
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Em outra análise, essa prática molda escolhas e comportamentos de consumo de maneira tão sutil que o usuário nem sente a influência. As preocupações sobre privacidade e manipulação nunca foram tão reais. Não é exagero dizer que, até certo ponto, o poder que o Chrome detém, juntamente com a integração que ele possui com outros produtos do Google, como Gmail e YouTube, realmente intensifica todos esses riscos, justificando os apelos por ações antitruste.
Outra estratégia importante de influência comportamental é o design persuasivo, o design de interfaces atraentes e altamente intuitivas para engajar os usuários por meio de princípios psicológicos voltados para ações específicas, como clicar em um anúncio ou permanecer mais tempo em plataformas. Por exemplo, o Chrome está repleto de serviços do Google que incentivam o uso do ecossistema da empresa.
Segundo Tristan Harris, fundador do Center for Humane Technology, esse tipo de design pode transformar plataformas em “máquinas de manipulação do comportamento humano”. A crítica é que essas técnicas não são aplicadas apenas para “melhorar a experiência do usuário”, como é argumentado a cada atualização de interface. Elas também limitam a autonomia do usuário, direcionando escolhas para beneficiar objetivos comerciais.[7]
Os casos contra o Google sinalizam preocupações globais contra os impactos dos monopólios tecnológicos. Enquanto algumas regulamentações buscam maior transparência nos algoritmos e na coleta de dados, outras, como a recente proposta de separação do Chrome, visam reduzir a concentração de poder. A União Europeia, por exemplo, lidera esforços nessa área, com legislações como o Digital Markets Act (DMA), que restringe práticas anticompetitivas. [4]
O DMA é uma iniciativa regulatória da União Europeia que busca estabelecer regras claras para limitar o poder de mercado de grandes empresas de tecnologia, conhecidas como “gatekeepers“. A partir de 7 de março de 2024, empresas como Alphabet (Google)[8] , Amazon, Apple, ByteDance (TikTok), Meta (Facebook, Instagram e WhatsApp) e Microsoft foi instituido que essas empresas se adequassem às normas, que somam mais de 20 serviços considerados essenciais no ambiente digital.
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Principais Obrigações do DMA:
- Proibição de autopreferência: As plataformas estão vedadas de favorecer seus próprios produtos ou serviços em detrimento de concorrentes, buscando assim assegurar maior equilíbrio no mercado.
- Interoperabilidade: Serviços de mensagens deverão permitir comunicação entre diferentes plataformas, promovendo mais liberdade de escolha para os usuários.
- Acesso a dados: As plataformas deverão garantir acesso aos dados gerados por suas atividades, beneficiando tanto empresas menores quanto consumidores.
- Proibição de combinações de dados sem consentimento: Empresas não podem combinar dados obtidos de diferentes serviços sem o consentimento explícito do usuário, protegendo a privacidade.
Em termos de penalidades, o descumprimento das regras pode acarretar multas severas, chegando a 10% do faturamento global da empresa. Em casos de reincidência, essa penalidade pode aumentar para 20%.
O DMA reflete o compromisso da União Europeia em construir mercados digitais mais justos, competitivos e inovadores, restringindo práticas anticompetitivas e dando aos usuários maior controle sobre suas escolhas no ambiente digital. Nos EUA, o movimento é mais fragmentado, mas as investigações do Departamento de Justiça sinalizam um grande passo para garantir maior equilíbrio no mercado. Além disso, especialistas defendem a prioridade da educação digital, onde o usuário será capaz de entender exatamente como está sendo influenciado e assumir o controle sobre suas escolhas.
O Brasil tem feito avanços em suas iniciativas para regulamentar as BigTechs, com o objetivo de prevenir práticas monopolistas e promover uma concorrência mais equilibrada no mercado digital. Em outubro de 2024, o Ministério da Fazenda apresentou um conjunto de 12 medidas legais e infralegais para regular economicamente essas plataformas e fomentar a competição no setor.[9]
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O caso do Google Chrome é apenas a ponta do iceberg em um debate muito maior sobre como os monopólios tecnológicos estabelecem nossa agenda. Em benefícios, são tecnologias convenientes e personalizadas; no entanto, as implicações éticas não devem ser ignoradas devido à inovação tecnológica.
É ótimo desfrutar das comodidades oferecidas pelos novos recursos tecnológicos, isso é um fato. Muitas dessas ferramentas são disponibilizadas gratuitamente, e, caso não fossem úteis para nós, consumidores, a adaptação a outros serviços seria apenas uma questão de tempo e esforço. Mas é preciso salientar que o que parece “grátis” tem um custo real – e, nesse caso, os nossos direitos são a moeda de troca.
Fonte: imagem gerada pela IA DALL-E do Chat GPT
Autonomia, privacidade e transparência. Esses e tantos outros direitos fundamentais estão sendo silenciosamente transformados e manipulados em favor do lucro de grandes empresas que já dominam seus setores. Por isso, é preciso ter uma postura crítica diante do que consumimos, dado o modo como nossas decisões estão sendo guiadas por forças quase imperceptíveis. A questão que ainda permanece é: quem realmente está no controle?
Referências
[3]https://www.nytimes.com/2024/11/20/technology/google-search-chrome-doj.html?searchResultPosition=1
[4]https://techcrunch.com/2024/03/07/europes-dma-rules-for-big-tech-explained/
[5]https://www.statista.com/statistics/539447/google-global-net-advertising-revenues/
[6]https://www.theverge.com/interface/2019/11/12/20959479/eli-pariser-civic-signals-filter-bubble-q-a