Em 1980 a editora Abril Cultural lança em sua coletânea de Grandes Sucessos o primeiro romance de John Fowles, O Colecionador. A coletânea conta com obras muito conhecidas, como Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley e Carrie de Stephen King. O Colecionador conta a história Frederick Clegg e Miranda, seu objeto de amor e contemplação, que observou incansavelmente e pelo qual sente uma avassaladora paixão.
O livro é dividido em quatro partes e é iniciado pela narrativa do próprio Frederick, que conta sobre sua família devastada, o seu trabalho e seu amor por Miranda. Frederick é um entomólogo e para tanto, possui em sua coleção borboletas raras. Para com Miranda, segue o mesmo ritual daquele com as borboletas, pois fica a observa-la calmamente, aguardando pelo momento em que terá a chance de captura-la, valendo-se deste para admirar sua beleza.
Miranda é uma estudante de artes, inteligente e distinta e essas são razões pelas quais Frederick se vê apaixonado por ela, pois nutre um ódio às mulheres vulgares e busca se afastar de tudo o que seja indecente. Estes discursos de certo e errado, decente e indecente lhe foram herdadas de sua tia, que o criou após ser abandonado pela mãe e ter pedido o pai. O histórico de coibições pelo qual Frederick foi exposto é longo e diante disso, sua visão sobre o mundo e as coisas é distorcido a tal ponto em que ele captura Miranda e a considera como uma “hóspede”.
A repressão introduzida por Freud em 1915, salienta que “a sua essência consiste apenas em rejeitar e manter algo afastado da consciência.” (FREUD, p. 85) Frederick, com seu ego já enfraquecido por não receber narrativas paternas e maternas construtivas, possuía uma criação baseada em normas rígidas e severas que iam de encontro aos seus desejos, isto é, desejos que ele tinha de manter afastados.
Os discursos recebidos de sua tia com relação às mulheres é que elas constantemente se ofereceriam a ele, mas que ele teria de ser forte e se afastar disso. Não conseguindo lidar com esse conteúdo, Frederick toma o caminho oposto. Miranda não oferecer-se-ia a ele, mas sim ele a teria como sua hóspede. Os discursos que recebeu em sua infância foram tão introjetadas por Frederick que ele já não consegue distinguir o que é dele e o que é de sua criação e isso fica claro durante a narrativa.
O autor, durante a primeira parte do livro, faz um trabalho prodigioso em não nos dar detalhes físicos de Frederick, mas apenas os de Miranda. Cria-se então um ambiente livre para fantasias, pois o autor deixa alguns aspectos de Frederick à nossa imaginação. A captura e aprisionamento de Miranda se fizeram possíveis graças a uma grande quantidade de dinheiro que Frederick recebeu num sorteio.
A partir de então, todas as suas fantasias de poder estar com Miranda poderiam ser postas em prática. Comprou uma casa antiga afastada da cidade e a colocou no quarto no porão que decorou minuciosamente com o que era do agrado dela. Livros de arte, quadros, música clássica. Frederick tinha para si mesmo que era um homem muito forte e respeitoso pois sabia controlar seus instintos e nada fazer à Miranda, por outro lado, afirma em outro momento que lhe faltam instintos, demonstrando assim sua incoerência.
“Vê-la fazia-me sempre sentir como se estivesse capturando uma verdadeira raridade, como se me aproximasse com todos os cuidados, silenciosamente, de uma borboleta de cores difusas e muito belas.” (p. 5)
Com a convivência, Frederick começa a dissipar sua ideia primordial de que Miranda é um ser puro e maravilhoso. O ódio e desdém com que ela o recebe o afetam a tal ponto em que diz que “Miranda era como todas as mulheres. Impredizível.” (p.49) Claro está, se entristecia por perceber as discrepâncias presentes no que fantasiava e na realidade. Frederick é um ser submisso à Miranda, que não tem suas próprias opiniões formadas e não possui senso crítico além da distorção sobre certo e errado.
A segunda parte do livro é narrada pela visão de Miranda, num diário que construiu durante sua permanência enclausurada. Nesse ponto temos uma reviravolta na forma como concebemos um olhar sobre o livro e os personagens. Miranda até então nos parecia muito inteligente apesar de sua constante mudança de comportamento com Fred, e este, nos despertava curiosidade pela sua hora frieza e indiferença, hora por seu amor e dedicação à Miranda. Nos é apresentado os detalhes físicos e comportamentais de Frederick que ele não expunha e então a aversão ao personagem toma formas cada vez mais próximas ao asco.
O autor, que num primeiro momento soube dosar razoavelmente a quantidade de informações, agora torna a narrativa da cansativa e arrastada. Propositalmente ou não, somos apresentados ao mundo sufocante e entediante de Miranda, que é uma garota confusa e também incoerente nos seus pensamentos e atitudes. Dentro de sua perspectiva, sabemos de suas ambições, de seu posicionamento sobre a vida e principalmente a arte. É possível que o ambiente político e financeiro da década de 60 tenham algum impacto no comportamento dos personagens, pois possuem uma relação com a cultura, política e economia característicos da época.
Nos é apresentada na primeira parte do livro muito brevemente o que se passa fora da casa e ademais em momento algum. Também por esse aspecto o autor torna a narrativa enfadonha, pois se atém a detalhes triviais da vida de Miranda e não ficamos sabendo o rumo que toma as investigações sobre o seu desaparecimento.
A terceira e quarta parte são narradas por Frederick, deixando o final em aberto para a continuidade de sua obsessão. A obra de uma forma geral deixa a desejar no quesito de informações sobre o ato de colecionar borboletas e qual a relação de maneira mais ínfima o personagem possui com tal prática. Não existem referências às borboletas, espécies ou características mais elevadas que permitam que o leitor faça paralelos senão o próprio fato de Frederick ter Miranda como parte de sua coleção. O personagem nada deseja senão a presença de sua amada; ele não pode, mesmo se quisesse, viola-la.
De alguma maneira, esses desejos foram recalcados e a energia investida em outra área, que pudera, ser a de sentir prazer apenas no fato de possuir, de tê-la em sua coleção de espécimes tão raros. De todo jeito, está claro que apesar de ser um objeto substituto (Miranda) ele mesmo é uma fonte de angústia ao mesmo tempo que primordialmente venha com o objetivo de afastar do consciente um conteúdo que não é possível lidar no momento (FREUD, 1915). O conteúdo raiz que provocou tamanho desalinhamento não está claro e não podemos inferir mediante as poucas informações da infância de Frederick, mas é claro que o influenciaram sobremaneira.
FICHA TÉCNICA DO LIVRO
O COLECIONADOR
Editora: Abril Cultural
Gênero: Romance
Coletânea: Grandes Sucessos
Autor: John Fowles
Ano de lançamento: 1963
Idioma: Português
Ano: 1980
Páginas: 234
REFERÊNCIAS:
FREUD, Sigmund. Introdução ao narcisismo: Ensaios de metapsicologia e outros textos (1914-1916). São Paulo: Companhia das Letras, 2010.