Pedra no Céu, publicado em 1950 por Isaac Asimov, configura mais um de seus romances intergalácticos com reflexões pertinentes que ultrapassam as fronteiras de tempo e espaço. Temos aqui preconceito, ganância, intolerância, bondade, ódio e tantos outros sentimentos que permeiam a experiência humana.
O primeiro momento do livro se passa em Chicago, no mundo que conhecemos hoje. O alfaiate Joseph Schwartz passeia por uma ruela, concomitantemente é realizado um experimento num laboratório de pesquisas nucleares na cidade. Por algum incidente não compreendido relacionado à radioatividade no experimento, Schwartz é transportado de um passo para o outro, literalmente, para um mundo desconhecido.
A partir desse momento, somos apresentados a este novo mundo. Nele, Schwartz começa a questionar sua própria sanidade, uma vez que um segundo antes estava a caminho de sua casa. No intuito de procurar e reconhecer algo ou alguém, sai à procura pela vasta floresta até que encontra uma casa. Seu primeiro contato aturdido com aquelas pessoas o deixa devastado: ninguém fala sua língua, todos se vestem de maneira diferente, a própria casa parece ser feita de porcelana.
As pessoas nessa Terra vivem sob a tutela do Império, o qual dita os Costumes que as pessoas devem seguir e para qual todos devem prestar contas. Um dos Costumes é o Sexagésimo. Nele, quando qualquer pessoa completa 60 anos de idade, têm de ser morta, pois é considerado um peso que não pode produzir, devendo dar espaço no mundo aos jovens. A família que recebe Schwartz oculta do Império a existência de um idoso cadeirante em sua casa e, necessitando de um membro a mais para ajudar na produção, se aproveita do surgimento misterioso de Schwartz. Com esse objetivo em mente, eles o levam ao Dr. Shekt na cidade de Chica, capital da Terra, para se submeter ao Sinapsificador, um aparelho que diz poder aumentar as habilidades intelectuais das pessoas. As consequências dessa modificação mudarão o curso da galáxia.
Um dos problemas notáveis na Terra é a superlotação e Asimov se apropria dessa preocupação de forma muito inteligente. Considerando-se que o medo da morte é um dos temas centrais da existência humana, cabe esperar que as pessoas encarassem o Sexagésimo com temor, ansiedade, quem sabe horror. No entanto, a perspectiva é amplamente aceita por todos com certa apatia: entendem que morrer aos 60 anos é extremamente necessário para o mundo.
O Império presente neste livro é o mesmo da Trilogia da Fundação do autor e Asimov escreveu e editou seus livros posteriormente para que as linhas temporais e as referências pudessem estar presentes. Fruto de um Império ainda novo, vivendo no ano 827 da Era Galáctica, Bel Arvardan nos é apresentado como um arqueólogo e pesquisador imperial interessado em estudar a Terra e sua radioatividade, pois acredita que toda a humanidade se originara de um único planeta e que a radioatividade presente na superfície da Terra nem sempre estivera ali, mas fora fruto de atividade humana. É interessante a descrença que Asimov promove nas pessoas da Terra: é inconcebível que nós, que vivemos nesse mundo, utilizássemos de armas nucleares para com os nossos. A referência é clara, uma vez que em 1945, cinco anos antes da publicação do livro, os EUA atacam Hiroshima e Nagasaki e deixam milhares de mortos e afetados pela radiação. É de fato inacreditável para as pessoas da Terra que seja possível tamanha abominação contra a raça humana, mas a história nos diz o contrário.
Bel Arvardan, um personagem que vive suas próprias contradições durante o livro, tenta resolver o conflito de preconceito que vê em si mesmo e nos outros. Em Pedra no Céu, as pessoas são classificadas como terráqueos ou forasteiros e lidera um forte sentimento antiterrestrialista por parte desses últimos, pois a Terra agora é um lugar altamente radioativo, ridicularizado e seus descendentes sinônimos de perigo. Um dos objetivos de Arvardan é demonstrar a possibilidade de que, apesar de todo ódio e desdém com que os forasteiros tratam os terráqueos, todos tenham descendido de um único planeta e que as pessoas podem se tratar não por uma relação de medo e ódio, mas de cordialidade.
O personagem de Arvardan é claramente identificado com o Eterno Andrew Harlan descrito por Asimov no livro O fim da Eternidade, publicado cinco anos mais tarde. Os dois personagens vivem os próprios conflitos na sua personalidade austera, focada no trabalho e buscando a todo custo ignorar os seus sentimentos. Assim como o fracasso de Harlan se deu com o surgimento de Noÿs Lambent, uma não-Eterna, o de Arvardan se dá quando conhece Pola Shekt, uma terráquea, filha do inventor do Sinapsificador. A vida do Dr. Shekt, Pola, Arvardan e Schwartz se interligam de uma maneira surpreendente e cada superação de um obstáculo pessoal, seja de Arvardan a se entregar aquilo que sente, seja de Schwartz a processar o luto pela vida que vivia, converge para que o futuro da humanidade seja salvo.
Vivendo o eminente perigo de um vírus relacionado à radioatividade, Schwartz começa a desenvolver os vetores presentes nas contribuições de Pichón-Rivière sobre os grupos operativos, aqueles centrados na resolução de uma tarefa. Para que a tarefa seja realizada, devem ser elaborados dois medos básicos que surgem no processo de mudança: o medo da perda (quando existe o temor de perda pelo o que já se tem) e o medo do ataque (temor do desconhecido). Enfrentando a incerteza sobre tudo o que viveu e o que haveria de viver, com a esperança de rever sua família e angustiado pela perspectiva de que isso poderia não acontecer, Schwartz lida com o medo do ataque estando frente a situações radicalmente diferentes em sua vida, com pessoas das quais não conhece e em um mundo estranho para ele. Motivado pela tarefa de combater esse vírus, Schwartz passa pelo primeiro vetor de afiliação num processo mais demorado, pois implica o envolvimento do sujeito com a tarefa e com as demais pessoas do grupo. Guiado por tamanha desolação pela perda da família e seu mundo, um forte sentimento de raiva se apodera dele, o que dificulta tal envolvimento. Num processo mais rápido passa para o segundo vetor, chamado pertenência, em que pondera sobre sua participação, chegando então à pertinência e cooperação.
Nesse livro podemos observar aspectos mais cômicos se comparado aos livros posteriores do autor, o que torna a leitura muito agradável, além de reflexiva pelos pontos já citados. É comum nos surpreendermos rindo de algumas situações ou ficarmos apreensivos de tamanha imersão na psiquê dos personagens, fazendo com que repensemos conceitos que aplicamos à nossa vida cotidiana de maneira tão natural, sem nos questionarmos sobre. Uma obra que demonstra mais uma vez o talento de Asimov em nos fazer adentrar num mundo tão diferente e ao mesmo tempo tão próximo de nós.
FICHA TÉCNICA
Nome do livro: PEDRA NO CÉU
Editora: Aleph
Gênero: Romance, Ficção Científica
Autor: Isaac Asimov
Ano de lançamento: 1950
Idioma: Português
Ano: 2016
Páginas: 312