Sem sombra de dúvidas uma das séries de comédia mais promissoras da atualidade é Rick and Morty (2013). Concebida pelas mentes de Dan Harmon e Justin Roiland, a série trata de um cientista super inteligente de nome Rick Sanchez, que inventou uma tecnologia que o permite viajar entre as dimensões, a qualquer momento que desejar. Ele acaba arrastando seu neto, Morty Smith para as mais surpreendentes aventuras nos confins das dimensões e nos cantos mais surpreendentes de um universo muito rico em personagens e cenários variados.
Até o presente momento o seriado segue com cinco temporadas, a quinta ainda se encontra em processo de lançamento, e a produção trata de diversos temas que transcendem a comédia escrachada que aparenta ser na superfície, como niilismo e algumas vertentes filosóficas, ciência e religião se confrontando, além de aspectos pessoais profundos da psique dos protagonistas.
Rick é um homem velho e que deseja viver sem consequências pois sua vida aparenta ser sem sentido e transitória, devido a sua capacidade de estar em qualquer lugar que desejar a qualquer momento; Morty por sua vez se encontra na adolescência e apesar de gostar da maioria das aventuras, passa por momentos de trauma extremos e se vê ao longo da jornada se questionando quanto de sua vida adolescente está perdendo por se dispor a estar sempre na jornada com seu avô.
O primeiro protagonista vive na dualidade entre dois aspectos de sua personalidade: um criador onipotente que pode alcançar qualquer objetivo através da ciência e sua inteligência e conhecimento quase que ilimitados no que diz respeito aos fatos que o seriado expõe ao espectador. Essas duas características de sua personalidade podem ser associadas a dois arquétipos propostos na teoria de Carl Gustav Jung: O Sábio e o Mago.
O Arquétipo da Sabedoria e da Inteligência
Em Carl Gustav Jung encontramos a definição para o Velho Sábio e sua função na simbologia e na psique humana. Em algumas literaturas também conhecido como Senex (termo latino para Homem Velho), Eremita, ou simplesmente sábio. Este como tantos outros é um dos arquétipos que acompanham a humanidade em seu desenvolvimento histórico e psicossocial, emergindo do Inconsciente Coletivo por meio de simbologia primeva e facilmente reconhecível, afinal, todos conhecem um velho sábio:
A figura do Velho Sábio pode evidenciar-se tanto em sonhos como também através das visões da meditação (ou da “imaginação ativa”) tão plasticamente a ponto de assumir o papel de um guru, como acontece na índia . O Velho Sábio aparece nos sonhos como mago, médico, sacerdote, professor, catedrático, avô ou como qualquer pessoa que possuía autoridade. (JUNG, 2018, p.213)
Ou seja, algum ser que representa sabedoria, inteligência e diligência, geralmente associado à imagem de um homem velho, um eremita, que vem auxiliar o herói de alguma jornada a trilhar seu caminho. No caso de Rick Sanchez, nos episódios que retratam seu passado é possível notar como isso já se encaixou melhor com sua persona; em “The Rickshank Rickdemption” (SE 03; EP 01), em um vislumbre de seu passado – mesmo que alegadamente inventado, mas as projeções da mente geralmente não enganam – Rick aprende da pior maneira possível os riscos de sua inteligência isso modifica sua maneira de ver o mundo e alterou essa representação de Sábio contida dentro de sí.
Ainda em Jung nota-se que:
O mago é sinônimo do velho sábio, que remonta diretamente à figura do xamã na sociedade primitiva. Como a anima, ele é um daimon imortal que penetra com a luz do sentido a obscuridade caótica da vida. Ele é o iluminador. o professor e mestre, um psicopompo (guia das almas) de cuja personificação nem NIETZSCHE, o “destruidor das tábuas da Lei”, pôde escapar. (JUNG, 2018, p.46)
Além de fisicamente ser um homem velho pois no seriado fica claro que sua idade ultrapassa os 70 anos, Sanchez é o mago que cria as coisas ao seu redor; é o professor que ensina tudo a seu neto; é o velho experiente com muito a contar sobre o mundo; mas também é o eremita bêbado que traz uma profecia de desgraça e destruição a tudo que o cerca; uma representação bem característica do desequilíbrio e desintegração do arquétipo com a psique.
A Síntese de Rick
As narrativas dos episódios vão girar em torno dessa trajetória de aprendizagem dos dois sobre si mesmos e das consequências que as aventuras vividas por eles – ou a falta destas – geram na personalidade de cada um. Morty vai progredindo e se tornando cada vez mais perspicaz e parecido com seu avô, Rick por sua vez lida com sua inteligência absurda e a faca de dois gumes que esta se torna para ele. Em certa medida é ela que proporciona sua capacidade de viver tudo o que se dispõe a viver, mas é também ela que o tortura pois como ele mesmo alega algumas vezes, todo esse conhecimento soa irrelevante perante a grandeza do universo. O personagem oscila entre se ver como um deus que sabe e pode tudo e um refém de sua própria mente, que se ancora no alcoolismo e nas drogas para viver em fuga de um passado trágico de decisões e escolhas que o perseguem.
E é nesse ponto da vida de Rick que ela esbarra no arquétipo do Sábio. Sua quase onisciência de conceitos científicos o coloca em um pedestal intelectual perante os personagens ao seu redor, porém, ele mesmo faz questão de pôr abaixo qualquer expectativa erguida sobre ele e sobre o mundo à sua volta. Ele é capaz de criar o que quiser com sua inteligência. Mas tudo isso sucumbe a seus conflitos humanos.
Em uma das temporadas mais sombrias, a quarta, Rick vive uma jornada de reencontro com sua Sombra. O fato de ter sido um pai ausente, um péssimo avô em determinadas ocasiões, até mesmo sua arrogância e incapacidade de fazer amizades o levam a experimentar os momentos mais tristes já exibidos no seriado (Se. 04 Ep. 02: The Old Man and the Seat).
Na terceira temporada no episódio Pickle Rick (SE 03, EP 03) ele tem um confronto com uma terapeuta familiar, que em uma cena magistral, demonstra toda a insegurança e soberba de Rick. Ali fica clara a necessidade de ajuste desses aspectos no personagem e a maneira nociva que isso atinge ele e as pessoas ao seu redor.
Rick Sanchez parece precisar integrar sua Sombra e também o Sábio que vive em sua psique com seus aspectos positivos e negativos, para que fique em paz consigo mesmo e possa com mais frequência não destruir universos inteiros apenas por conta de seus problemas pessoais e suas capacidades absurdas. Os seus vícios e comportamentos destrutivos, usando sua inteligência para ferir os que o cercam e mais o amam mostram esse desequilíbrio; o Velho não é mais tão sábio quando se encontra entorpecido em suas dores.
Referências
JUNG, Carl Gustav. Os arquétipos e o inconsciente coletivo Vol. 9/1. Editora Vozes Limitada, 2018.