Se a rua Beale falasse: uma ode ao amor e à resistência

 

Concorre com 3 indicações ao OSCAR:

Melhor Atriz Coadjuvante (Regina King), Melhor Roteiro Adaptado (Barry Jenins), Melhor Trilha Sonora Original (Nicholas Britell)

Baseado na obra homônima de James Baldwin (1974), com roteiro adaptado por Barry Jenkins (premiado por Moonlight), o filme Se a rua Beale falasse se passa em Harlem, nos anos 70, época de forte opressão étnica por parte da polícia nos Estados Unidos. Entretanto, a sensação que cada cena do filme passa é a de que elas não estão distantes dos dias atuais e não caracterizam a realidade de apenas um lugar no mundo. Assim como o fez em Moonlight, Jenkins trabalha a realidade de forma poética e não apelativa, deixando para o espectador o trabalho de fazer maiores reflexões.

A história é contada por Tish (Kiki Layne), que ao longo do filme vai situando o espectador na jornada vivida por ela e por Fonny (Stephan James), trazendo lembranças da infância e da amizade entre ambos até o momento em que se apaixonam. Os detalhes dessas lembranças ganham um roteiro mais contido, entretanto, nada impede que o público se emocione com o que eles têm a contar. Os closes demorados das câmeras ajudam nisso, enfatizando os olhares e expressões faciais dos personagens.

Fonte: https://bit.ly/2DQKKzg

Há também uma narrativa lenta, com diálogos curtos e calmos, que enaltecem o sentimento puro e inocente vivenciado por Tish e Fonny. Assim, o filme entrega uma história de amor, não daquelas vistas em contos de fadas, mas daquelas que resistem a obstáculos colocados pela sociedade, incrustrados de preconceito e intolerância­. Essa história se passa em um cenário que tem como pano de fundo o preconceito étnico, trazendo à tona a cumplicidade, coragem e força de dois jovens negros que têm um sentimento recíproco entre si.

A narrativa de Tish nos apresenta a rotina dela e de Fonny, na qual tem de lidar com julgamentos pela cor da pele. Em um desses julgamentos, Fonny acaba sendo preso por um crime que não cometeu, tendo como base a palavra de um policial – branco – que representa toda a intolerância e racismo agindo como opressão na vida de quem não fez nada mais do que nascer negro.

Fonte: https://bit.ly/2DMhvxQ

Isso tudo parece muito clichê. Porém, clichês existem por uma razão. Essa mesma história pode ser vista em vários outros filmes e, como a arte imita a vida, sabemos que fatos assim são comuns na sociedade, como, por exemplo, um homem negro ser morto pelo segurança de um hipermercado, tendo como aparente justificativa o racismo deste.

Agora, além do sentimento mútuo de amor, o casal vivencia também a dor da prisão injusta. Ao descobrirem que Tish está grávida, passa a existir uma ambivalência de sentimentos: a alegria pela nova vida e a angústia por tentarem tirar Fonny da prisão antes do nascimento dessa nova vida.

Jenkins opta por focar as atenções nas repercussões que a acusação e prisão de Fonny tem em Tish e familiares, não perdendo tempo com as questões jurídicas. O drama pessoal e a injustiça social se apresentam como efeitos colaterais traumáticos, levando Tish e seus familiares a formarem um sistema coeso em função da gravidez e da tentativa de tirar Fonny da prisão.

Fonte: https://bit.ly/2BFJi2C

Um ponto interessante é que o filme não aborda o racismo de forma escancarada e utilizando-se de apelo. Não há a necessidade de brigas e violência, apenas cenas cotidianas, corriqueiras e fatuais que são complementadas pela narração de Tish e dos diálogos envolventes.

Focar a atenção no drama pessoal e injustiça social, tal como trazer isso de forma natural, foram escolhas acertadas de Jenkins. Não é pertinente, nesse contexto, entender a atuação jurídica na história. O principal objetivo do filme é mostrar o quão arcaica a sociedade de modo geral está, onde ainda é necessário haver conscientização sobre questões que nem deveriam precisar disso, nesse caso, questões étnicas.

Fonte: https://bit.ly/2BDRzUU

A poesia desse romance acompanhada por sua crítica social leva o espectador a se envolver com os personagens e a refletir sobre questões pertinentes nos dias atuais. Se a rua Beale falasse, com certeza estaria pedindo clemência e, principalmente, evolução nos modos de conviver em sociedade e das pessoas enxergarem o mundo e a si mesmas.

FICHA TÉCNICA:


SE A RUA BEALE FALASSE

Título original: If Beale Street Could Talk
Direção: Barry Jenkins
Elenco: Kiki Layne, Stephan James, Regina King;
Ano: 2018
País: EUA
Gênero: Drama