Considerado um dos grandes nomes do naturalismo e do transcendentalismo, Henry David Thoreau[1] pregou a paz, a liberdade individual e a verdadeira acepção de justiça durante toda sua vida, (JUNIOR, 2012, p 01), demonstrando-se voz ativa contra a escravidão racial, comum nos Estados Unidos na sua época, chegou a se colocar de frente contra o Estado, não pagando impostos durante seis anos e sendo preso, pois segundo ele a tributação era usada para financiar a guerra e a escravidão.
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A prisão serviu de inspiração para que Henry escrevesse o ensaio A Desobediência Civil (1849), sendo considerado um de seus escritos mais famosos. O ensaio que propõe o direito do cidadão à objeção através da resistência não violenta (BURNHAM; BUCKINGHAM, 2011, p 204), servindo inclusive, de inspiração para figuras como Martin Luther King, que conduziu os negros estadunidenses em uma campanha por direitos civis. Isso porque, embora a escravidão já tivesse sido abolida no país há muitos anos, os negros sofriam com as condições impostas pela sociedade branca norte americana. Da mesma forma, Mahatma Gandhi mobilizou a população da Índia para libertar seu país da exploração inglesa.
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A Desobediência Civil, segundo Thoreau (2015, p. 06) permite à sociedade intervir de maneira direta nas instituições públicas e defender os direitos que se encontrarem transgredidos, violados ou ameaçados, sendo literalmente uma forma de rebeldia e de protesto contra as leis ou qualquer decisão do governo que ponha em risco os direitos do indivíduo. Nesse sentido:
O cidadão deve mesmo que, apenas por um momento, ou no menor grau, resignar sua consciência para o legislador? Então por que cada homem tem uma consciência? Acredito que devamos ser homens primeiro, e indivíduos depois. Não é desejável cultivar o respeito pela lei, tanto quanto pelo direito. A única obrigação que eu tenho um direito de assumir é de fazer a qualquer momento o que eu penso que é certo. Verdadeiramente o suficiente dito, que uma corporação não tem uma consciência; mas uma corporação de homens conscienciosos é uma corporação com uma consciência. A lei nunca fez dos homens nem uma partícula mais justos; e, através de seu respeito por ela mesmo os bem dispostos são diariamente transformados em agentes da injustiça. (THOREAU, 2015, p. 06)
Por meio dessa abordagem, Thoreau apresenta a necessidade de resguardo à justiça e direitos legítimos, necessidade essa que não é apenas exclusiva e contemporânea a ele, pois conforme demonstrado anteriormente, esse era o cunho das ações de Gandhi e Luther King Jr. No âmbito nacional, destaca-se também Antônio Vicente Mendes Maciel, conhecido como Antônio Conselheiro[2],pelo episódio da criação do Arraial de Canudos, assumindo posição de líder religioso, fundou o vilarejo no sertão da Bahia que atraiu milhares de sertanejos, entre eles, camponeses, índios e escravos recém-libertos, em meio ao coronelismo Brasileiro. Por fim, mais recentemente, o conceito de desobediência civil[3] serviu como base legal e filosófica para o movimento Hippie pacifista e naturalista da década de 1970.
Nesse contexto, o cidadão deve ou não renunciar de sua consciência em favor do legislador? Thoreau (2015, p. 07) se refere ao assunto da seguinte maneira:
A massa de homens serve o Estado por conseguinte, não principalmente como homens, mas como máquinas, com seus corpos.(…) Na maioria dos casos não há exercício livre qualquer do julgamento ou do sentido moral.(…)é comum, no entanto, que os homens assim sejam apreciados como bons cidadãos. Há outros, tal qual a maioria dos legisladores, políticos, advogados, funcionários e dirigentes, que servem ao Estado principalmente com a cabeça, sendo bastante provável que eles sirvam tanto ao Diabo quanto a Deus – sem intenção -, já que raramente se dispõem a fazer distinções morais. Uma quantidade bastante reduzida há que serve ao Estado também com sua consciência: são os heróis, patriotas, mártires”, reformadores e homens, que acabam por isso necessariamente resistindo, mais do que servindo. Conquanto isso, o Estado os trata geralmente como inimigos.(…)Aquele que se doa inteiro a seus colegas parece para eles inútil e egoísta; mas aquele que se doa parcialmente a eles é pronunciado um benfeitor e filantropo. (THOREAU, 2015, p. 07 a 08)
Nesse contexto, o autor firmou que os homens que, de forma consciente, crítica, e não maquinalmente serviam o Estado, eram considerados inimigos, enquanto aqueles que se doam apenas fracionariamente são tidos como heróis.
A necessidadade uma ordem legislativa-social, normas externas e o anarquismo capitalista
Segundo Jean-Jacques Rousseau (2011, p. 23) para se manter a liberdade natural do homem e a paz na vida em sociedade é necessário um Contrato Social, através do qual deve predominar a soberania da sociedade e suas vontades políticas. O pacto social privilegiaria a segurança do indivíduo ao favorecer a comunidade, uma sociedade regida por leis, que beneficiaria a todos de maneira igualitária. Com base em deveres mútuos, e com o povo sendo agente da elaboração das leis, obedecer à lei que foi elaborada pra ele próprio seria um ato de liberdade.
De fato sempre fomos apoiados e “segurados” por normas externas. Em muitos momentos da história alguma ordem maior nos regia, e ao mesmo tempo em que nos amparava nos constrangia. Por exemplo, na idade medieval os dogmas da igreja deviam ser seguidos sem nenhuma discordância, e as pessoas que os contestavam eram punidas. Porém, seguir tais dogmas de alguma forma os livrava de tomar responsabilidades independentes. Com a chegada do Renascimento acredita-se que houve uma perda de referências, o homem se sentiu livre, mas, desamparado e inseguro. Pela a primeira vez o homem teve autônima nas suas escolhas, a única coisa que o impedia de tomar decisões, era sua própria subjetividade. Não podendo esperar pelo conselho de uma figura de autoridade, o homem viu-se obrigado a escolher seus caminhos e arcar com as consequências dessa opção (FIGUEIREDO; SANTI, 2002, p. 24). A sociedade virou um caos e as pessoas passaram a se reger por conta própria, o que culminou em uma sociedade defeituosa, onde era visado somente o ego pessoal e egocêntrico de cada cidadão.
Segundo a Ideologia Liberal, todos são iguais, mas têm interesses próprios, e segundo o Romantismo, cada um é diferente mas sente saudades do tempo em que todos viviam em comunidade (FIGUEIREDO; SANTI, 2002, p. 45). Podemos perceber então que a liberdade individual não foi aprovada, pois, as pessoas passaram a sentir-se inseguras em relação ao que aconteceria, e mais uma vez na história, foi criado um método para “acalmar os ânimos” dos inconvenientes. O Regime Disciplinar veio com a intenção de domesticar e docilizar os indivíduos, controlando condutas, pensamentos, sentimentos, e desejo pessoais, nos tornando novamente, totalmente a par dos governantes (autoridades).
Para haver uma homogeneização na sociedade o Regime Disciplinar é funcional, pois com ele, é possível a uniformização do cidadão. Através de um sistema de domesticação e docilização diminui-se os inconvenientes da liberdade e das diferenças individuais. Esse sistema pode ser facilmente encontrado nas práticas de grandes agências sociais, como escolas e igrejas. De alguma forma o Legislador com esse regime nos coloca no lugar de cidadãos com direitos, sendo a liberdade um direito fundamental, nos influencia para o bem da organização social, mesmo que para isso sejamos obrigados a vivenciar um conceito de liberdade dualista.
Muitos teóricos consideram Thoreau um Anarquista[4] individualista, devido as suas declarações a favor da resistência individual ao governo civil. Segundo Sousa (2012) o Anarquismo individualista é uma tradição filosófica do anarquismo com ênfase no indivíduo, e sua vontade, argumentando que cada um é seu próprio mestre, interagindo com os outros através de uma associação voluntária. Além disso, seu pensamento original teria se baseado nas ideias do anarquismo ecologista, ou seja, com ênfase na experiência do indivíduo com o mundo natural em uma rejeição à vida materialista e consumista, podendo ser interpretado como uma rejeição ao progresso. Ele também foi um dos precedentes do Anarquismo Pacifista, uma vertente do individualismo anarquista com base no princípio de não agressão e na autoridade individual. A grande questão do individualismo de Thoreau é não tratar sobre a economia, mas do direito de separação do indivíduo do Estado e a eliminação do Estado por meio da evolução social. Seu anarquismo rejeita todas as associações organizadas de qualquer tipo, defendendo a completa autossuficiência individual.
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Em uma análise mais detalhada da posição de Thoreau podemos contextualizar esta postura, demasiadamente simplista para um pensador complexo como Thoreau. Ele usa essas proposições apenas para revelar o defeito tradicional, e ainda não solucionado, da democracia como sistema de governo: o fato de que um governo, estando eleito, pode agir sem o consentimento do povo (ainda que, em teoria, deve sempre executar a sua vontade). Atualmente presencia-se tal situação na política brasileira, a falta de consentimento dos cidadãos em relação aos atos governamentais, atos esses que foram um dos motivos das manifestações que ocorreram em Junho de 2013.
Os altos gastos com obras para possibilitar a realização da Copa das Confederações no Brasil foram motivo de revolta para muitos brasileiros que juntamente com o aumento na tarifa do transporte público em muitas cidades, serviram de estopim para que milhões de pessoas fossem às ruas reclamar das condições de vida no país.
Os protestos permearam por vários dias em muitas cidades do país, alguns envolvendo minorias violentas chamadas de ‘Black Blocs’, causaram confusão, destruição de patrimônio público e privado além de várias pessoas feridas. Ao discursar na abertura da Copa das Confederações, a presidente Dilma Rousseff foi vaiada enquanto muitos torcedores presentes lhe deram as costas. Porém somente em 17 de junho, milhões de saíram às ruas em 12 capitais do país. Sem coordenação, a questão do transporte e dos gastos começou a sair da pauta e os manifestantes pediam coisas muitas vezes antagônicas, alguns clamavam pela educação, saúde, e pela saída da Presidente Dilma Rousseff e do governo do Partido dos Trabalhadores.
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Depreendeu-se algo que há alguns anos não se via na sociedade brasileira: o papel ativo do cidadão na política nacional. Mesmo que muitos dos cidadãos que foram às ruas não tinham ciência da verdadeira situação política econômica do país (alguns baseados apenas em conhecimentos empíricos ou na sua própria subjetividade) tais reivindicações significam uma insatisfação de grande parte da população com o governo atual, uma parte das pessoas também com a democracia, sugerindo a intervenção militar. Segundo Irisarri Vásques (2010), Thoreau tinha ideias visivelmente antidemocráticas, criticando as falhas da moderna democracia representativa, se posicionando mais perto de uma democracia direta[5], ainda que não aceitando essa forma de governo como uma solução definitiva, mas defende, sobretudo, a ação individual.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Cristina Faga de. Protestos em São Paulo. UOL Notícias. 2013. Disponível em: http://noticias.uol.com.br/album/2013/06/20/protestos-em-sao-paulo.htm#fotoNav=36. Acesso em: 02 de abril de 2016.
BURNHAM, Douglas. BUCKINGHAM, Will. O Livro da Filosofia. São Paulo. Ed. Globo. 2011.
CUNHA, Euclides da. Os Sertões. Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro. Disponível em: http://futuro.usp.br/portal/website.ef;jsessionid=83FEB92E1CC42BC9A59EA0783828A8E9. Acesso em: 02 de abril de 2016.
DEPARTAMENTO de conservação e recreação em massa da reserva Walden Pond State. Walden Pond Photos. Celebrate Boston. 2012. Disponível em: http://www.celebrateboston.com/day-trip/walden-pond-photos.htm. Acesso em: 02 de abril de 2016.
DEVANEY, Erik Alan. Why Henry David Thoreau Would Have Hated Social Media. The bard of Boston. 2011. Disponível em: http://www.thebardofboston.com/2011/02/why-henry-david-thoreau-would-have.html. Acesso em: 02 de abril de 2016.
FIGUEIREDO, Luis Claudio Mendonça. SANTI, Pedro Luis de. Psicologia. Uma (nova) introdução. São Paulo: Ed. Educ, 2002.
IRISARRI VÁZQUEZ, Javier. Actas das jornadas de jovens investigadores de filosofia. PRIMEIRAS JORNADAS INTERNACIONAIS: H. D. Thoreau: uma aproximação à Resistance to Civil Government. São Paulo: Ed. Oliver Feron, 2010. Ebook. Disponível em: http://www.krisis.uevora.pt/edicao/actas_vol1.pdf, Acesso em: 02 de abril de 2016.
JOHNSON’S, Deborah. RWU Law’s Martin Luther King, Jr. Celebration. Roger Williams School of Law. 2015. Disponível em: http://law.rwu.edu/blog/rwu-law%E2%80%99s-martin-luther-king-jr-celebration. Acesso em: 02 de abril de 2016.
JUNIOR, Antônio Gasparetto. Desobediência Civil. Infoescola. Disponível em: http://www.infoescola.com/sociedade/desobediencia-civil/, Acesso em: 02 de abril de 2016.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social. São Paulo: Ed. Ridendo Castigat Mores, 2011. Ebook. Disponível em: http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/contratosocial.pdf, Acesso em: 02 de abril de 2016.
SOUSA, Rainer Gonçalves. Anarquismo. Brasil Escola. Disponível em: http://brasilescola.uol.com.br/sociologia/anarquismo.htm, Acesso em: 02 de abril de 2016.
THOREAU, Henry David. Desobediência Civil. Se uma Lei é injusta, desobedeça. São Paulo: Ed. Dracaena, 2015. Ebook. Disponível em: https://play.google.com/store/books/details/Henry_David_Thoreau_Desobedi%C3%AAncia_Civil_Se_uma_lei?id=8ZUTCwAAQBAJ, Acesso em: 02 de abril de 2016.
[1] Henry David Thoreau (1817-1862) nasceu em Massachusetts nos Estados Unidos, foi escritor, filósofo, poeta, naturalista e um dos personagens mais importantes do século XIX, seu livro Walden ou Vida nos bosques é tido como um clássico na literatura Americana.
[2] Euclides da Cunha, na obra Os Sertões, de 1984, discorre sobre a vida de Antônio Conselheiro, bem como o desenvolvimento do Arraial de Canudos e os consequentes conflitos com o governo Brasileiro.
[3] Informações disponíveis no livro natureza: para pensar a ecologia, de Serge Moscovicida, Mauad Editora, p 216.
[4]De acordo com Sousa (2012), anarquismo pode ser definido como uma doutrina (conjunto de princípios políticos, sociais e culturais) que defende o fim de qualquer forma de autoridade e dominação (política, econômica, social e religiosa) através de uma sociedade baseada na liberdade total, porém responsável.
[5] Segundo Irisarri Vásques (2010) uma democracia direta é qualquer forma de organização na qual todos os cidadãos podem participar diretamente no processo de tomada de decisões. As primeiras democracias da antiguidade foram democracias diretas.