A fenomenologia-existencial presente no livro “A insustentável leveza do Ser”

O livro intitulado como “A insustentável leveza do Ser” escrito pelo tcheco Millan Kundera foi produzido em um contexto da Guerra Fria e publicado no ano de 1984. Ficou mundialmente conhecido, tornando-se um clássico na literatura. É um romance que se passa por dois casais principais e que por meio deles, temas relevantes da existência humana são levantados, como a liberdade de nossas escolhas, assim como a consequência delas. Por se desenvolver em um cenário político crítico, o romance é recheado de cenas nas quais ocorre a descrição de sentimentos de forma sensível assim como a dualidade que permeia do início ao final da obra, que é a leveza versus o peso da existência humana.

Ao decorrer da leitura do romance, é possível perceber fortes conceitos existencialistas, incluindo ideias preconizadas por Nietsche, como a crença ao nada e de que a vida não passa da própria existência em si mesmo, e finda-se em si mesmo. Além disso, é perceptível um viés muito forte ao pensamento fenomenológico, no qual as experiências humanas são o que importa nos personagens e por meio delas, carregam o peso de como é ser humano.  Com isso, a dualidade entre a leveza e peso das nossas escolham colocam o leitor equiparado aos personagens, o que os humaniza e ocorre a identificação, na qual nos leva a reflexão de nossa existência e de nossas escolhas.

O livro demonstra uma percepção bastante crua da realidade, que se relaciona em grande sintonia com o contexto sócio-político da época, que foi em um cenário de desesperança e de solidão. É importante ressaltar que mesmo que o autor traga temas considerados “pesados” da existência humana, como morte, solidão, tristeza, há também o conceito de leveza trabalhado na obra, que muitas vezes são demonstrados como desejos bastante comuns do ser humano, como o sexo e traição.

Fonte: encurtador.com.br/pxEKR

Os quatro personagens são apresentados de forma autêntica e muitas vezes simplista, mas não necessariamente menos complexa nas relações e experiências humanas. Este detalhe ganha muita importância na obra por se assemelhar aos leitores, que perpassam inevitavelmente por angustias e frustrações da existência de ser humano, assim como os personagens que ora estão questionando-se de suas escolhas e ora gozando do prazer delas.

A fenomenologia existencial fica escancarada em várias partes do livro quando os personagens se interrogam e entram em profundo questionamento sobre suas experiências no passado e de como elas determinaram a maneira como agem e como se expressam com os outros em suas relações. Tereza, por exemplo, demonstra ser a personagem mais reclusa e introspectiva no livro, que é justificado pela relação abusiva e tóxica com sua mãe narcisista. Além disso, é possível observar que esta mesma personagem levanta questionamentos enigmáticos e que muitas vezes obriga o leitor a repetir a mesma passagem várias vezes para compreender enfim o que se passa na personagem.

A leitura do livro é um tanto exaustiva mas muito necessária e prazerosa de se realizar. Desperta no leitor uma angústia inerente a existência de qualquer ser humano por esboçar, com muita maestria a dualidade entre o peso e a leveza disso. Também demonstra como as relações, experiências e as nossas escolhas como seres humanos estão inter-relacionadas. Contudo, o que mais é atrativo na leitura, são os temas existencialistas e fenomenológicos trabalhados de forma prática e ilustrativa por meio das escolhas e do passado dos personagens.

Assim, na Psicologia, temas como esses podem ser comumente trabalhados em um contexto clínico, pois a insustentável leveza do ser faz com que nós, seres humanos, nos questionemos de nossas escolhas corriqueiramente. Por conta disso, acompanha-se a angústia fatídica de que somos responsáveis por nossas escolhas mas, ao mesmo tempo, somos os únicos que podemos fazê-las, o que pode ser considerado como a liberdade.

FICHA TÉCNICA

Título: A Insustentável Leveza do Ser

Autor: Millan Kundera

Editora: Companhia das Letras

Páginas: 344

Tradução: Teresa Bulhões Carvalho da Fonseca

Ano: 2017

REFERÊNCIAS

PIERRY, L. G. O Mito do Eterno Retorno em “A Insustentável Leveza do Ser”. Disponível em: https://medium.com/revista-subjetiva/o-mito-do-eterno-retorno-em-a-insustent%C3%A1vel-leveza-do-ser.

SCHNEIDER, D. R. O método biográfico em Sartre: contribuições do existencialismo para a psicologia. Estud. pesqui. psicol. v.8 n.2 Rio de Janeiro ago. 2008

KUNDERA, Milan. A insustentável leveza do ser / Milan Kundera; tradução Teresa Bulhões Carvalho da Fonseca. — 1a ed. — São Paulo: Companhia das Letras, 2017.