Desafios da Docência no Ensino Maternal: atuação de professores na rede privada.

O ato de ensinar carrega singularidades e desafios que devem ser levantados, para assim ser possível entender o processo de aprendizagem e o contexto em que ocorre esse movimento. Levando em consideração o mundo volátil em que vivemos, faz-se necessário dar voz àqueles que fazem parte de ambientes escolares e acadêmicos, sendo essa uma forma de fomentar melhorias e constantes reflexões.

Em prol dessa escuta e da compreensão da realidade atual, o (En)Cena convidou diferentes professores da rede pública de diferentes níveis de ensino (maternal, fundamental, médio e superior) para falarem sobre os desafios de ensinar. Nestes espaços as professoras e os professores puderam relatar suas experiências pessoais e profissionais. As realidades narradas em cada entrevista são um convite para pensarmos sobre a educação, sua constituição, sua disseminação e em como ela pode ser aperfeiçoada para ser significativa a todos e todas:  “O educador se eterniza em cada ser que ele educa” (Paulo Freire)

Visando preservar a identidade de nossos convidados e pensando na potência do ato de ensinar livre de pressões institucionais, optamos por manter em sigilo o nome de todos os entrevistados. Entendemos que suas falas alcançam, contemplam e priorizam, ainda que de modo particular, professores e professoras da educação pública e privada de nosso país.

A entrevistada de hoje é professora na rede privada, lecionando no ensino maternal. Seu relato perpassa pela sua história que a levou até se tornar professora, detalha seus desafios diários e visões sobre a educação,  e também fala de seus desejos, sobre o que espera da educação, as possíveis mudanças que para ela seriam necessárias. Foram respostas densas, verdadeiras e detalhistas, valendo a leitura até o fim.

Segue a entrevista na íntegra abaixo:

(En)Cena: Como foi a sua trajetória até se tornar professora? Por que você escolheu a docência?

Resposta:Eu tinha muito carinho pelas crianças desde nova. Não me passava pela cabeça ser professora! Sempre pensei que minha formação seria fisioterapia, mas o tempo passou. Comecei a trabalhar em uma escola como secretária. Desde então passei a conhecer a rotina dos alunos de perto. Nessa mesma escola, eu também recebia os alunos no portão e entregava aos pais no final da aula. Ao passar do tempo, fui criando um vínculo com cada criança. Foi então que surgiu o desejo de ser professora. Logo depois trabalhei em um berçário. Onde eu cuidava de vários bebês, não era só cuidar, mas também era necessário estimular a criança. Daí eu percebi que realmente eu precisava estudar para ser uma professora.

(En)Cena: Qual o seu principal objetivo como professora? Você diria que alcança tal objetivo a cada ano?

Resposta: Levar o conhecimento de forma prática, lúdica e prazerosa. Buscando alcançar a cada criança para fazer parte no mundo do conhecimento e de muitas aprendizagens. Transmitindo afeto, conhecendo cada um em suas particularidades e despertando para as novas descobertas. Apesar de tentar aplicar no meu dia-a-dia, não significa que sempre alcanço o que desejo. Muitas das vezes me frusto por não conseguir o objetivo almejado.

(En)Cena: Levando em consideração que a escola/faculdade é um ambiente repleto de pessoas com características singulares, de que forma você lida com a diversidade subjetiva de cada estudante? Você percebe a escola como um ambiente inclusivo?

Resposta:  O ser humano é único. Cada um tem seu valor. A cada dia em minha prática docente percebo as diferenças e me esforço para atender e acolher cada criança dentro de sua particularidade. Entendendo seu jeito de ser e ajudando a mediar os conflitos e desafios do dia a dia. A escola tem a cada dia tentado fazer o seu papel de inclusão. Preparando os professores para atender bem o público de uma maneira desejável. Criando um ambiente com estímulo, que favorecerá a criança no seu desenvolvimento. Pois não é de qualquer jeito que iremos atender a inclusão. Mas, percebo que a escola ainda tem muito o que fazer para alcançar melhores resultados.

En(Cena): Como é ser professor (do ensino maternal/ fundamental/ médio/ superior) na (rede pública/rede privada) atualmente?

Resposta: Sou muito feliz por ser professora de Educação infantil. Não penso em sair dessa fase. Quero a cada dia aperfeiçoar meus conhecimentos, para contribuir com o desenvolvimento das crianças. É um privilégio contribuir nessa primeira infância, atendendo as partes física, mental e social. Mas, não tem sido fácil, nos dias em que estamos vivendo, ser professor. As crianças a cada dia sem limites. Faltando com respeito e comportamentos inadequados. As famílias sempre cobrando. Pais super protetores… isso tem dificultado o trabalho na sala de aula.

En(Cena): Como você avalia a escola nesse processo de formação de indivíduos e de que maneira, dentro da sua profissão, você consegue perceber que está contribuindo com esse movimento?

Resposta: A escola tem seu papel fundamental no desenvolvimento de cada criança. Formando cidadãos pensantes, criativos e sociáveis. Entendemos que a educação se inicia em casa. Na escola se busca o conhecimento secular. Onde cada indivíduo ao decorrer de sua trajetória acadêmica alcança aprendizagem e desenvolve suas habilidades. O convívio social e a troca de experiências e vivências traz para criança muitos saberes, adquiridos dentro da sala de aula.

En(Cena): Como está a saúde mental dos professores na atualidade?
Resposta:
A cada dia a saúde do docente está mais fragilizada. Tem sido difícil se manter sadio nos dias de hoje. Se já era ruim, depois da pandemia ficou pior. O docente teve que se reinventar em todos os aspectos para atender as demandas exigidas pela escola, para dar aula mesmo que a distância para todas as faixas etárias. E a educação infantil não ficou de fora. Tivemos que dar aula para os alunos com pais ao lado. Sendo que os pais, em muitos momentos atrapalhavam o andamento da aula. Então, vieram as cobranças da parte administrativa da escola, sem contar que as famílias também cobravam, foi ruim. Estamos vivendo dias ditos normais, mas, não tem nada de normal. Temos visto crianças totalmente agitadas, sem limites, os pais culpando professores, porque seus filhos não conseguem aprender. Baixa concentração, isso faz com que o rendimento seja prejudicado. Tem sido difícil continuar o trabalho depois de tudo que vivemos. Percebo a necessidade de termos um terapeuta para ajudar o docente diante dos desafios vivenciados.

En(Cena): A educação é capaz de mudar vidas? De que forma? Como os professores podem influenciar esse processo?

Resposta: A educação é capaz dar ao indivíduo uma perspectiva de vida melhor. Amplia os conhecimentos e ultrapassa fronteiras. Podendo desenvolver suas capacidades intelectuais e habilidades. Mas, para essa educação ter êxito, é preciso que o poder público dê mais importância e valorização aos seus docentes.

En(Cena): Na sua opinião, para onde a educação está caminhando? O que podemos esperar de nossas crianças no futuro enquanto sociedade e qual o papel da escola na formação dessas crianças?

Resposta: É importante entender o valor grandioso que tem a educação para a sociedade. Sabemos que sem educação não se chega a lugar nenhum. Mas, infelizmente, com poucos estímulos e nada de reconhecimento aos docentes, muitos irão desistir dessa profissão. E o que vai sobrar? Uma sociedade sem rumo. Sem esperança.

Autora: Maria Laura Máximo Martins