Abzû, um mergulho no inconsciente

Compartilhe este conteúdo:

O mergulho

Tudo começa em um plano sequência, a câmera passeia pela superfície de um oceano cristalino e depois mergulha. Alguns cardumes de peixes são visíveis, de cores deslumbrantes e formas extravagantes, a água primeiramente clara quase como o céu vai tomando uma tonalidade azul marinha profunda e a as formas de vida ficando cada vez mais diversificadas e maiores; lulas, golfinhos, orcas. Por fim a água fica escura como o céu noturno, e aqui, apenas a luminescência das criaturas abissais ressalta aos olhos, em conjunto elas brilham como um céu estrelado. Então a câmera retorna a superfície, fitando um ser humanoide, boiando desacordado e com traje de mergulho.

 

Fonte: encurtador.com.br/cpF14

 

A aventura começa aqui em Abzû, um jogo indie em terceira pessoa produzido pelo estúdio 505 Games e lançado em 2 de agosto de 2016. O pano de fundo aqui é um oceano vasto e belo, você controla um personagem sem nome, que por conveniência textual será nomeado de Mergulhador. Ele começa sua aventura na superfície, sem memória, e sem conhecimento de causa de sua situação e vai entrando em contato com a natureza e ajudando a restaurar os ambientes à medida que passa por eles enquanto mergulha cada vez mais profundamente nesse oceano misterioso.

De maneira semelhante a outros jogos do gênero, em Abzû o jogador deve guiar o personagem em uma narrativa contada através de gestos, ações e de imagens simbólicas interpretativas. O Mergulhador logo descobre ruínas antigas submersas, estas que contêm desenhos semelhantes a hieróglifos e imagens com narrativas acerca do povo que as deixou, e também contém uma verdade simbólica bem nítida: a água e o ambiente marinho, além de suas criaturas mais majestosas eram venerados por aquele povo.

Fonte: encurtador.com.br/sAS37

 

A simbologia da Água

A ideia dos quatro elementos componentes da vida e do universo vem de diversas cosmogonias distintas. A concepção de um universo feito dos quatro elementos pode ser encontrada em praticamente todas as narrativas mitológicas ancestrais, onde de uma massa caótica ou um mar de caos, surgem os seres divinos responsáveis por reger cada um dos elementos (CHEVALIER, 2020). 

 

Fontes: encurtador.com.br/yKU47

 

O ponto principal na ambientação e estética do jogo é o oceano em que o Mergulhador está inserido. A vastidão das águas e das espécies de animais aquáticos contidas nele é absurda e a narrativa te leva sempre para baixo. Para o ponto mais profundo; passando por correntes marítimas nas profundezas que sempre o levam mais e mais profundamente e essa atitude tem metáforas muito claras na linguagem simbólica do inconsciente. No trecho a seguir, Carl Gustav Jung fala sobre a imagética da água no sonho de um de seus pacientes.

A mãe do paciente derrama água de uma bacia para outra. (Somente no 28° sonho o paciente se lembra de que essa bacia era da irmã.) Esta ação é realizada com a maior solenidade; seu significado é de importância para o mundo circunstante. Depois, o sonhador é rejeitado pelo pai. Defrontamo-nos aqui de novo com o tema da troca (v. sonho 1). Uma coisa é colocada em lugar de outra. O “pai” é eliminado e então começa a ação da “mãe”. Assim como o primeiro representa a consciência coletiva, o espírito tradicional, a mãe figura o inconsciente coletivo, a fonte da água da vida (JUNG, 2018, p. 79)

A analogia então se dá no mergulho, que indica profundeza, que se conecta com o Inconsciente Coletivo, a fonte da água da vida. Em linguagem alquímica, os sentimentos frios que inundam a psique para se contrapor o fogo quente da raiva, do ódio. No próprio ato do choro isso fica evidente, a maneira como uma pessoa parece estar se esvaziando e desaguando suas tristezas ao chorar. O conceito da água, de maneira simbólica, para os pesquisadores modernos segue praticamente inalterado.

A água, fonte e origem da vida, está ligada ao princípio feminino e materno. Nos mitos de criação ela está associada ao caos, ao estado amorfo do universo antes de existir. Segundo o catolicismo, a água é o veículo de expressão do Espírito Santo, motivo pelo qual ela é empregada no batismo. Há também um aspecto lúgubre para a água: ela abriga monstros e, em quantidade, provoca calamidades. Na psicologia do inconsciente, a água turva, escura, com as suas profundezas insondáveis, está ligada ao inconsciente (…). (FERNANDES, 2013, p.1139)

Dessa maneira, é simples observar a jornada do Mergulhador como uma busca por um reencontro, tanto com a natureza, à medida que ele ajuda os ecossistemas ao seu redor a se recomporem, quanto com os sentimentos e as memórias escondidas dentro de si. O fato de se encontrar desacordado e aparentar desconhecimento de tudo ao seu redor no início da aventura não vem sem propósito; além de um recurso de roteiro, para fazer o jogador descobrir as coisas juntamente ao protagonista, também representa essa necessidade do mesmo de mergulhar cada vez mais no desconhecido para reaprender e se reconectar consigo mesmo, e descobrir uma verdade que pode ser meio amarga quando revelada.

Fonte: https://imgur.com/ogsaykt

 

As Lições de Abzû

Na trama que decorre, é logo evidenciado que ali, em harmonia com os seres aquáticos e com a fauna e flora daquele ambiente, vivia uma sociedade pacífica. O Mergulhador logo descobre que ele é parte da calamidade que veio a destruir o balanço delicado daquele lugar, matando e destruindo tudo ao seu redor, pois sua natureza é a mesma das máquinas que encontrou ao longo de sua jornada.

Esses seres vieram e mudaram todo o balanço ecológico daquela região e caçaram os antigos seres marinhos que eram venerados pelo povo antigo. Ao longo da trama o Mergulhador se depara com um Tubarão Branco que o acompanha em sua jornada, primeiramente parecendo um antagonista, pois sua aparência é ameaçadora, mas logo mais se descobre que na verdade ele parece fugir do mesmo, pois reconhecia nele as máquinas que destruíram seu habitat.

 

Fonte: encurtador.com.br/gk235

 

O protagonista também aprende ao longo de sua jornada a desfazer o mal causado pelos antagonistas e a reestruturar biomas marinhos inteiros, deixando a cargo do jogar imaginar a origem dessas habilidades. Seria ele um catalogador de vida marinha arrependido? Um androide que se rebelou? As perguntas são várias e são deixadas em aberto, mantendo um mistério charmoso na história.

O Tubarão branco e o antagonismo entre eles, alegoriza bem a relação da natureza em sua forma mais grandiosa e agressiva – os tubarões brancos estão entre os maiores predadores dos Oceanos – que foge de medo do ser humano, pois ao colocar em outra perspectiva é o jogador que persegue o Tubarão o jogo inteiro.

 

Fonte: encurtador.com.br/bhqQX

 

Na trama do jogo fica claro além de um paralelo com o inconsciente no simbolismo do mergulho a metáfora da jornada do protagonista restabelecendo a vida como um contraponto a destruição ambiental causada pelo ser humano nos oceanos. Chega a ser tocante notar que uma máquina precisa descer às profundezas do inconsciente para se reconectar com suas emoções e desfazer uma destruição catastrófica e milenar, enquanto a humanidade segue sentada em suas poltronas enquanto os oceanos são destruídos; juntamente a os outros biomas. 

Fonte: encurtador.com.br/nyAR8

 

Referências

CHEVALIER, Jean et al.. Dicionário de símbolos. Editora José Olympio; 35ª edição. 2020.

FERNANDES, Ermelinda Ganem; DE SÁ, José Felipe Rodriguez; GANSOHR, Matheus. Aterradora transcendência? Uma análise simbólica do Bafomé de Éliphas Lévi. Horizonte: Revista de Estudos de Teologia e Ciências da Religião, v. 11, n. 31, p. 1129-1149, 2013.

JUNG, Carl G. Psicologia e alquimia vol. 12. Editora Vozes Limitada, 2018.

Compartilhe este conteúdo:

Psicologia Analítica – Anima, Animus e a Coniunctio Alquímica

Compartilhe este conteúdo:

Para falar de Animus e Anima é importante demonstrar que o conceito denominado hoje de masculino e feminino é algo relacionado ao longo dos milênios. Sua relação nos primórdios são com associações às Deusas e Deuses, bem como tantas figuras, masculinas e femininas, formando assim modelos, nos quais Jung denominou “arquétipos”, que podem se manifestar de diversas formas (SANFORD, 1987).

O conceito de “archetypus” só se aplica indiretamente às représentations collectives, na medida em que designar apenas aqueles conteúdos psíquicos que ainda não foram submetidos a qualquer elaboração consciente […] o arquétipo representa essencialmente um conteúdo inconsciente, o qual se modifica através de sua conscientização e percepção, assumindo matizes que variam de acordo com a consciência individual na qual se manifesta (JUNG, 2002, p.17).

O Animus e a Anima podem então ser manifestados através de diversas imagens arquetípicas. Jung, E. (2006, p.15) nos traz que:

Estas duas figuras uma é masculina, a outra feminina – foram denominadas de Animus e Anima por [Carl Gustav] Jung. Ele entende aí um complexo funcional que se comporta de forma compensatória em relação à personalidade externa, de certo modo uma personalidade interna que apresenta aquelas propriedades que faltam à personalidade externa, consciente e manifesta.

Há uma grande complexidade no entendimento dos conceitos de Animus e Anima, é preciso entender a forma que Jung nos mostra, porém, este tema não foi um conceito final, visto que muitas questões foram pontuadas desde os primórdios da Psicologia Analítica até aqui.

Embora este assunto possa ter parecido calmo e resolvido ao tempo de Jung, ele provoca hoje mais agitação do que em ninho de maribondo. A alguns contemporâneos parece que Jung foi um homem adiante do seu tempo, que previu e, com efeito, advogou um tipo de protofeminismo. Para outros, ele apresenta-se como um porta-vos de pontos de vista tradicionais estereotipados sobre as diferenças entre homens e mulheres. De fato, penso que ele foi um pouco de ambas as coisas (STEIN, 2006, p.116).

Fonte: encurtador.com.br/gFMVX

Mesmo Jung tendo descrito muito sobre esse assunto da Anima e do Animus, não há uma afirmação definitiva, sendo que de tempos em tempos ele apresentava sempre novas definições que complementavam aspectos diferentes dessas realidades, porém reafirma que a Anima é a personificação do elemento feminino na psique masculina enquanto que o Animus é a personificação do elemento masculino na psique feminina. Como todos os arquétipos, a Anima e o Animus tem formas de se manifestar, sendo positivas e negativas, podendo ser atraentes ou destruidores sendo comparados aos deuses e deusas que poderiam agir em prol da humanidade ou voltar-se contra ela (SANFORD, 1987).

A usual definição sintética diz que a anima é o feminino interno para um homem e o animus o masculino interno para uma mulher. Mas também se pode falar simplesmente delas como estruturas funcionais que servem um propósito específico na relação com o ego. Como estrutura psíquica, anima/us é o instrumento pelo qual homens e mulheres penetram nas partes mais profundas de suas naturezas psicológicas e se adaptam a elas. Assim como a persona está voltada para o mundo social e colabora com as necessárias adaptações externas, também a anima/us está voltada para o mundo interior da psique e ajuda uma pessoa a adaptar-se às exigências e necessidades dos pensamentos intuitivos, sentimentos, imagens e emoções com que o ego se defronta (STEIN, 2006, p. 120).

Entende-se então que quando há um domínio da anima no homem, este tende a se refugiar em sentimentos de mágoa e resignação, pois quando não está bem desenvolvida o afunda em um humor opressivo, enquanto que as mulheres sob domínio do animus tendem a trazer uma grande carga emocional nos seus pensamentos e opiniões que a controlam (SANFORD, 1987).

A Psicologia Analítica de Jung, muito aprofunda-se também nos conceitos da alquimia, pois, os processo alquímicos podem ser interpretados sob o prisma psicológico, e muito dizem sobre os conteúdos e mecanismos inconscientes.

Considerava-se a opus alquímica como um processo iniciado pela natureza, mas que exigia a arte e o esforço conscientes de um ser humano para ser completada […] A opus é, num certo sentido, contrária à Natureza, mas, em outro o alquimista auxilia esta última a fazer aquilo que ela não pode fazer por si mesma. (EDINGER, 2006, p. 28)

Sendo assim a relação Animus e Anima é muito abordado através do conceito alquímico da coniunctio (conjunção) como união dos opostos, sendo este o ponto máximo da opus. Portanto, a união dos opostos que foram separados de forma imperfeita, ou seja, não foram completamente separadas, caracterizando então a coniunctio inferior, essa fase é seguida pela morte, através do conceito de mortificatio.

Fonte: encurtador.com.br/nuvX5

Enquanto que a coniunctio superior está voltada para o conceito de “pedra filosofal” alquímica, que é o alvo da opus,  a suprema realização, resultante da união final dos opostos mas aqui, são opostos purificados e que combinados mitigam (suavizam) e retificam (harmonizam) a unilateralidade. Quando o ego se identifica com conteúdos inconscientes ele pode ficar exposto a identificações sucetivas com a Sombra, o Animus e Anima e o Si-mesmo. (EDINGER, 2006).

O casamento e/ou intercurso sexual entre Sol e a Luna ou outras personificações dos opostos. Essa imagem, nos sonhos, refere-se à coniunctio, superior ou inferior, dependendo do contexto (EDINGER, 2006). Sendo assim vemos o sol e a lua como arquétipos que se referenciam ao Animus (Sol) e Anima (Lua), sendo relacionados também ao simbolo do Yin Yang descrito no I. Ching, identificando que a figura possui dois lados, porém ambos os lados carregam com si uma parte do outro, pois ambos se complementam.

Jung (1931) fala sobre essa dinâmica em um de seus seminários, intitulado “Seminário sobre visões”, posteriormente dividido em doze partes (livros). Na parte cinco, Jung demonstra uma imagem alquímica na qual há uma mulher com uma árvore que cresce em sua cabeça, enquanto que há uma águia em cima da cabeça dessa mulher e pássaros ao seu redor, nessa figura há também o Sol do lado esquerdo e a Lua em seu lado direito.

No lado esquerdo da imagem da mulher está o símbolo do sol, no lado direito a lua referindo-se à união de masculino e feminino (na realidade, àquele processo alquímico) e o texto correspondente diz que à esquerda os pássaros do sol estão morrendo a morte branca e à direita os pássaros da lua estão morrendo a morte preta (JUNG, 1931/1964, p. 25).

A coniunctio alquímica pode apresentar duas diferentes naturezas, como por exemplo, se (a) o sonhador(a) encontra em seu sonho uma atração ou inimizade entre duas figuras, se trata de pelo menos um eco da coniunctio e quando há uma familiarização com essa imagética há uma maior facilidade em perceber um material inconsciente que até então era completamente invisível (EDINGER, 1995).

Com isso entende-se que o estudo dos processos alquímicos se mostra muito relevante para o psicoterapeuta junguiano, ao passo que a compreensão dos movimentos que ocorrem na psique presentes na alquimia, carregam consigo saberes e símbolos antigos, que se mostram em sua maioria, universais, portanto, fazem parte do inconsciente coletivo. A manifestação de Animus e Anima, será  diferente em cada indivíduo, mas o entendimento dos arquétipos e dos processos de mudança, presentes na alquimia, nos facilitam essa observação, de forma a nos familiarizar com os mesmos.

Fonte: encurtador.com.br/qsADT

Referências:

EDINGER, Edward F. Anatomia da psique. Editora Cultrix, 2006.

JUNG, C. G. Os arquétipos e o inconsciente coletivo (Coleção Obras completas de CG Jung, Vol. 9, ML Appy & DMRF Silva, trads.). Petrópolis, RJ: Vozes. (Trabalho original publicado em 1976), 2002.

JUNG, Emma. Animus e Anima/5º reimpressão da 1º edição de 1991–São Paulo. 2006.

The Mysterium Lectures. A Journey through C.G. Jung’s Mysterium Coniunctionis, Toronto: Inner City Books, 1995.

SANFORD, John A.. Os Parceiros Invisíveis. São Paulo: Paulus, 1987. 171 p. Tradução I.F. Leal Ferreira.

SEMINÁRIOS SOBRE VISÕES” “The Visions Seminars”. Carl Gustav Jung Parte V. Seminários entre 11 de novembro e 16 de dezembro de 1931. SPRING 1964.

STEIN, Murray. O mapa da alma. 2006.

Compartilhe este conteúdo:

O Corvo – Conto dos irmãos Grimm

Compartilhe este conteúdo:
opening-titles-10-1024
Retirado de: drunkwookieblog.wordpress.com

Houve, uma vez, uma rainha cuja filhinha pequena, ainda de colo, era impertinente até não se aguentar. Certo dia, a menina estava tão mal humorada que era impossível aturá-la; a mãe lançou meio de todos os recursos para acalmá-la, mas em vão.

Querendo distraí-la, a rainha abriu a janela e, vendo alguns corvos esvoaçando em volta do castelo, disse, num assomo de impaciência:

– Gostaria que fosses um corvo, pelo menos estarias voando e brincando lá com os outros e me deixarias em paz.

Mal acabou de pronunciar essas palavras, eis que a menina se transformou, subitamente, num corvo e saiu dos braços da mãe pondo-se a voar pela janela fora. Foi voando diretamente para a floresta, onde ficou durante muito tempo e seus pais nada mais souberam dela.

Passados alguns anos, certo dia um jovem atravessava a floresta e, de repente, ouviu uma voz; olhou para todos os lados sem descobrir ninguém. A voz tornou a fazer-se ouvir, então olhando naquela direção, viu, pouco distante, um corvo e compreendeu que era ele quem estava falando.

– Escuta, meu jovem, – dizia o corvo; – eu sou filha de um rei e alguém me encantou, transformando-me em corvo. Tu, se quisesses, poderias libertar-me!

– E que devo fazer para isso? – perguntou o jovem.

– Continua andando sempre para diante na floresta; lá ao longe, encontrarás uma casinha habitada por uma velha. Ao chegares lá, ela te virá ao encontro e te oferecerá de comer e beber, mas nada aceites; pois, se comeres ou beberes alguma coisa, cairás em sono profundo e perderás a oportunidade de me libertar. No jardim atrás da casa, há um montículo de tufo, senta-te lá em cima e fica esperando por mim. Durante três dias, às duas horas da tarde, chegarei numa carruagem. No primeiro dia, a carruagem virá puxada por quatro cavalos brancos; no segundo dia, por quatro cavalos alazões, e no terceiro dia, por quatro cavalos negros. Porém, se não estiverdes acordado e eu te encontrar dormindo, não me poderei libertar.

O jovem prometeu fazer tudo quanto ela lhe pedia, mas, ao despedir-se, o corvo disse, suspirando:

– Prevejo que não me libertarás; acabarás por aceitar qualquer coisa da velha e cairás em sono pesado!

O jovem protestou, dizendo que nada aceitaria e, mais uma vez, reiterou promessa de ajudá-la. Mas quando chegou à casa indicada, saiu de dentro a velhinha, dizendo:

– Ah, pobre homem! Como estás esfalfado! Descansa um pouco e come alguma coisa para refazer as forças.

– Não, – disse o homem, – não quero comer nem beber nada.

A velha, porém, insistiu com muita habilidade até que, sem jeito de continuar recusando, o homem aceitou um gole de bebida. Depois agradeceu e foi postar-se no monte de tufo a fim de aguardar a chegada do corvo. Assim que sentou, foi tomado de tal canseira que teve de deitar-se um pouco para descansar, mas com a firme intenção de não se deixar vencer pelo sono. Os olhos, porém, logo se lhe fecharam e ele caiu em sono tão pesado que nada deste mundo conseguiria acordá-lo. Às duas horas em ponto, chegou o corvo, na bela carruagem puxada por quatro cavalos brancos, mas vinha muito triste, dizendo para si mesmo: eu sei que o encontrarei dormindo! De fato, quando chegou ao jardim viu que ele estava dormindo realmente. Então, desceu da carruagem e, aproximando-se dele, sacudiu-o várias vezes, chamando-o em voz alta, mas em vão; o homem não acordou.

No dia seguinte, ao meio-dia, a velha foi levar-lhe comida e bebida mas ele não queria aceitar nada; contudo, a velha tanto fez e tanto disse que ele acabou por beber um pouco do copo que ela lhe apresentava. Por volta das duas horas, ele dirigiu-se ao monte de tufo no jardim a fim de aguardar o corvo; mas, também dessa vez, a canseira era tão grande que não conseguia ficar de pé, obrigando-o a deitar-se. Imediatamente, ferrou em sono profundo. As duas horas, chegou o corvo na carruagem puxada por quatro cavalos alazões; vinha tristonho, pois sabia que o encontraria dormindo. Desceu da carruagem e tentou despertá-lo; chamou-o, sacudiu-o, em vão; nada o despertava.

No dia seguinte, a velha censurou-o porque não queria comer nem beber, dizendo:

– Onde já se viu, passar tanto tempo sem comer nem beber! Quer por acaso morrer?

O homem continuava a recusar tudo; a velha, porém, colocou em frente um prato bem cheio de comida e um copo de vinho; ao sentir aroma tão apetitoso, o homem não resistiu e bebeu um gole de vinho. Em seguida, foi ao jardim a fim de aguardar a princesa encantada; mas sentiu ainda maior cansaço que nos dias precedentes; então, deitou-se um pouco e não tardou a adormecer como uma pedra. As duas horas, chegou o corvo na carruagem puxada por quatro cavalos pretos; desceu dela e fez o impossível para despertá-lo; sacudiu-o, chamou-o, inutilmente. Então, colocou junto dele um pão, um pedaço de carne e uma garrafa de vinho, que tinham a propriedade de nunca acabar. Depois, enfiou-lhe no dedo um anel, dentro do qual havia o seu nome gravado e, por último, deixou-lhe uma carta, explicando direitinho tudo o que lhe deixava e tudo o que havia acontecido, dizendo mais: “vejo bem que aqui não és capaz de me libertar; contudo, se desejas realmente fazê-lo, vem ter comigo no castelo de ouro de Stromberg. Podes bem fazê-lo, eu sei com toda a certeza.” Em seguida, voltou para a carruagem coberta de luto e rumou, velozmente, para o castelo de ouro de Stromberg. Assim que acordou, percebendo que dormira bastante, o jovem ficou extremamente aflito e murmurou:

– Certamente ela já passou por aqui e deve ter ficado aborrecida, pois não a libertei!

Nisso, caiu-lhe sob o olhar as coisas aí deixadas; pegou imediatamente na carta e leu o que continha; assim ficou sabendo o que acontecera e, também, o que ainda podia fazer. Levantou-se depressa e pôs-se a caminho em procura do castelo de ouro, embora não sabendo onde o mesmo se situasse. Já havia corrido mundo a valer, quando chegou a uma floresta muito densa; vagueou por ela durante quinze dias sem encontrar o caminho de saída. Uma tarde, em que as sombras da noite baixavam muito rapidamente, deixou-se cair junto de uns arbustos, para descansar, pois já não podia mais de tão cansado, e não tardou a adormecer. Pela manhã do dia seguinte, continuou a perambular e, ao anoitecer, quis novamente deitar-se ao pé de uma moita para descansar e dali a pouco ouviu gemidos e lamentos tão altos que o impediram de dormir. Na hora em que é costume acenderem-se as luzes, ele viu uma luzinha brilhando não muito distante; levantou-se depressa e dirigiu-se em sua direção. Andou um pouco e chegou a uma grande casa que, de longe, porém, parecia pequena, porque estava meio escondida atrás de um gigante. O jovem estacou, pensando: “Se entras e o gigante te descobre, és um homem liquidado!” Todavia, armando-se de coragem, foi-se aproximando. Assim que o gigante o viu, gritou:

– Oh, chegas em boa hora; já faz muito tempo que não como nada! Vou engulir-te já como jantar.

– Deixa disso, – respondeu o jovem, – não gosto de ser engolido; se queres comer tenho aqui o bastante para te satisfazer o apetite.

– Se é verdade o que dizes, então podes ficar sossegado que não te comerei; falei em engolir-te porque estou com muita fome e nada tenho para comer.

Sentaram-se à mesa e o homem pôs-se a servir pão, carne e vinho até não acabar mais.

– Gosto muito disto, – disse o gigante, e comeu à vontade.

Daí a pouco o jovem perguntou:

– Podes indicar-me onde fica o castelo de ouro de Stromberg?

– Vou procurar no mapa que tem todas as cidades, aldeias e casas. Foi ao quarto buscar o mapa e procurou o castelo, mas não constava.

– Não importa, – disse o gigante, – tenho outros mapas mais completos lá no armário; talvez encontremos o que procuras.

Procuraram inutilmente, o castelo não constava. O homem queria continuar o caminho, mas o gigante pediu- lhe que esperasse ainda alguns dias, até seu irmão voltar; não demoraria, fora aí por perto em busca de víveres.

Quando o irmão do gigante voltou, perguntaram-lhe se sabia onde ficava o tal castelo; ele respondeu:

– Depois do almoço, quando matar a fome, procurarei no mapa.

Mais tarde subiram os três ao quarto do segundo gigante e procuraram em todos os mapas aí existentes, em todos os velhos papéis, e tanto procuraram que acabaram por descobrir o castelo de Stromberg. Mas ficava a muitas e muitas milhas de distância.

– Ah, – disse tristemente o jovem, – como poderei chegar lá?

– Eu tenho duas horas de tempo disponíveis, – disse o gigante, – posso levar-te só até às vizinhanças, porque preciso estar de volta logo para amamentar o menino que temos.

287015_Papel-de-Parede-Corvo-Arte-Digital_1920x1080
Retirado de: ultradownloads.com.br

Assim fizeram. O gigante levou-o até um lugar que ficava a duzentas horas do castelo, dizendo que o resto do caminho podia fazê-lo sozinho. Com isso voltou, e o homem continuou a andar dia e noite até que por fim chegou ao castelo de ouro de Stromberg. O castelo porém, fora construído sobre uma montanha toda de vidro. A princesa encantada tivera de percorrer, em volta, toda a montanha até poder entrar. O homem ficou muito contente vendo-a lá e queria subir até ela, mas, cada vez que tentava subir, tornava a deslizar pelo vidro abaixo. E, vendo que não o conseguia, pensou consigo mesmo: “ficarei esperando por ela aqui em baixo.” Então, construiu uma pequena cabana e ficou aí um ano inteiro; todos os dias avistava a princesa passeando de carruagem no alto da montanha, mas ele não podia ir ter com ela. Certo dia, estando na choupana, viu três bandidos brigando e se esmurrando; então gritou-lhes:

– Deus esteja convosco!

Ao ouvir esse grito os bandidos estacaram, olhando de um lado para outro, mas, não vendo ninguém, recomeçaram a esmurrar-se com mais vigor. O homem gritou pela segunda vez:

– Deus esteja convosco!

Os bandidos tornaram a olhar em volta, mas, não vendo ninguém, voltaram à luta. O homem gritou pela terceira vez:

Deus esteja convosco! – pensando: “vou lá ver por que é que estão se esmurrando.”

Foi e perguntou aos bandidos a razão daquela luta; então um deles disse que tinha achado um pau que tinha o poder de abrir qualquer porta em que batesse. O segundo disse que tinha achado um capote e quem o vestisse se tornaria invisível, e o terceiro disse que tinha achado um cavalo com o qual era possível ir a qualquer lugar, mesmo ao cimo da montanha de vidro. E agora estavam brigando porque não chegavam a um acordo: não sabiam se ficar com os objetos em comum, ou reparti-los e cada qual ir-se com o seu achado. O homem então propôs:

– Eu quero fazer uma troca com esses objetos; dinheiro, na verdade, não tenho; mas possuo algo que vale muito mais. Antes porém, quero experimentar se o que dissestes é realmente certo.

Os três bandidos aceitaram a proposta. Deixaram- no montar no cavalo, vestiram-lhe o capote e puseram-lhe na mão o pau; de posse de tudo isso, o homem tornou-se invisível; então pegou no pau e espancou valentemente os três bandidos, gritando: – Ai tendes o que mereceis, seus vagabundos! Estais satisfeitos?

E saiu a correr pela montanha acima; quando chegou ao alto, encontrou o portão do castelo fechado; bateu-lhe com o pau e logo ele se escancarou. Entrou e subiu as escudas indo até onde se encontrava a princesa, que estava sentada numa sala, tendo em frente uma taça de ouro cheia de vinho. Como, porém, ele estivesse com o capote mágico que o tornava invisível, ela não podia vê-lo; por isso, chegando à sua presença, o homem tirou do dedo o anel que ela lhe dera e atirou-o dentro da taça, que tilintou. A princesa exclamou alegremente:

– O meu anel!… O jovem que me vem libertar deve estar aí!

Correu a procurá-lo por todo o castelo sem conseguir encontrá-lo. Ele saíra do castelo e, montando no cavalo, despira o capote. Quando a princesa foi lá fora deu com ele e ficou radiante de alegria.

Descendo do cavalo, o jovem tomou a princesa nos braços e ela beijou-o muito feliz, dizendo:

– Agora me libertaste do encanto; amanhã realizaremos nosso casamento.

__________________________________________________________________________

ravens_16516_lg
Retirado de: fairytalelandstories.wordpress.com

Esse conto mostra o motivo de redenção da princesa de sua forma animal, mostra o tema do sono paralisante, mas sendo aqui o masculino que dorme e como atua o complexo materno negativo na psique feminina e masculina.

Vou iniciar a análise do conto com a questão do complexo materno negativo. Conforme Jung (2008) o arquétipo materno é a base do chamado complexo materno. Nos contos de fadas vemos os arquétipos em sua forma mais concisa e pura (VON FRANZ, 2005). Por essa razão temos nas bruxas, madrastas e mães terríveis o lado negativo do arquétipo materno.

No inicio do conto é a própria mãe que usa enfeitiça a filha. A mãe profere as palavras e a transformação ocorre. Em termos pessoais, vemos manifesto na psique da mulher um complexo materno negativo. Essa mulher então desenvolverá uma defesa muito forte contra tudo o que é materno.

Confome Jung (2008):

“Todos os processos e necessidades instintivos encontram dificuldades inesperadas; a sexualidade não funciona ou os filhos não são bem-vindos, ou os deveres maternos lhe parecem insuportáveis, ou ainda as exigências da vida conjugal são recebidas com irritação e impaciência.”

Vê-se no inicio do conto que a rainha tem dificuldade na questão maternal. Ela não consegue aguentar impertinência infantil. Seu instinto materno é ferido. E a mulher com esse lado ferido irá passar isso para sua filhinha, como forma de maldição. Ela não reconhece seu valor enquanto mulher e acaba transmitindo isso para a filha. A maldição é que esse tipo de mulher precisa de uma grande quantidade de calor e atenção, que não encontraram como convinham em suas mães. Elas são suscetíveis e se sentem e constante estado de estarem sendo abandonadas.

the_seven_ravens_by_dunechampion-d3d3ayj
Retirado de: cadernodepoesiaseafins.blogspot.com

A maior dificuldade está em superar a ferida e o ressentimento. Carl Jung (2008) ressalta que ela casar-se por acaso, seu casamento serve apenas para livrar-se da mãe ou então o destino lhe impinge um marido com traços de caráter semelhantes ao da mãe.

O conto então mostra como a mulher com complexo materno negativo pode atravessar uma jornada iniciática e desenvolver sua personalidade entrar em um relacionamento de forma mais plena e inteira. Esse aspecto negativo do arquétipo materno irá reaparecer no conto na forma da velha que lança o feitiço do sono no rapaz.

Rainha e velha mostram o aspecto sombrio do feminino. O aspecto imperfeito da mãe natureza negligenciado pela consciência coletiva e que refletem nas mães pessoais. O rapaz também possui um complexo materno que o deixa paralisado em sua masculinidade e ação.

Esse conto então mostra uma iniciação dupla, pois ambos caem em maldição. A princesa que procurou seu salvador também terá de salvá-lo. Esse conto mostra tanto uma jornada feminina, quanto uma masculina que também está amaldiçoada. Aqui anima e animus se encontram também sob os domínios do arquétipo sombrio da mãe.

Sobre o corvo é interessante ressaltar que se trata de um animal que simboliza a morte, a solidão, o azar, o mau presságio. Mas, pode simbolizar a astúcia, a cura, a sabedoria, a fertilidade, a esperança. Essa ave está associada ao profano, à magia, à bruxaria e à metamorfose.

Vemos aqui um simbolismo profano e pagão que foi reprimido pelo cristianismo. A bruxaria e a magia na verdade se tratavam de um conhecimento da terra e não do alto; o conhecimento das ervas e dos elementos. Na verdade o corvo sempre teve uma conotação positiva para as tradições da antiguidade. O cristianismo foi um dos propulsores da acepção negativa atribuída ao corvo e, atualmente, espalhada pelo mundo. Desde então, para esse animal necrófago (que se alimenta de carne putrefata) é considerado como mensageiro da morte e então associado ao mal.

Isso mostra a maturidade do Ocidental cristão diante da morte. Na Mitologia Grega, o corvo era consagrado a Apolo, e para eles essas aves desempenhavam o papel de mensageiro dos deuses visto que possuíam funções proféticas. Por esse motivo, esse animal simbolizava a luz uma vez que para os gregos, o corvo era capaz de conjurar a má sorte.

Na Mitologia Nórdica, encontramos o corvo como o companheiro de Odin (Wotan), deus da sabedoria, da poesia, da magia, da guerra e da morte. Na Mitologia Escandinava, dois corvos aparecem empoleirados no Trono de Odin: “Hugin” que simboliza o espírito, enquanto “Munnin” representa a memória; e juntos simbolizam o princípio da criação.

Toda essa sabedoria foi perdida com o desenvolvimento de nosso lado racional, intelectual, pois com o advento do Cristianismo o homem moderno passou a ter uma atitude bastante infantil diante do mal, do feminino e da morte. Reprimimos nossa intuição e passamos a desconhecer os ciclos da vida, onde a morte e a putrefação o corpo ocorrem.

Além disso, na Índia, a caça ao corvo é proibida, já que essa ave representa a alma dos mortos, e dar de comer a um corvo significa alimentar os antepassados (Paz, 1995). Sozinha então a princesa, carrega em si a alma de seus antepassados, fazendo não apenas uma redenção pessoal, mas uma coletiva e familiar.

Ela pede ajuda a um jovem (animus) que enfrenta a velha (arquétipo materno negativo). Pois, bem para ajudar a princesa ele deve ir à casa da velha e não comer nada durante a estadia lá. Mas ele falha e por três vezes a princesa parece e ele está dormindo. Ela prevê que isso iria ocorrer e mesmo assim continua sua jornada, sabendo que a falha dele faz parte de sua iniciação e redenção.

Essa é uma compreensão difícil para um ego imaturo. Queremos resultados rápidos e instantâneos e temos pouca consideração pela falha, principalmente quando se trata de relacionamentos. Saber que se está no caminho certo, mesmo diante de obstáculos e desafios e mesmo assim manter a integridade e a certeza é um empreendimento para poucos.

NigredoAlbedoRubedo copia
Retirado de: themaskofgod.blogspot.com

Ela chega a primeira vez com uma carruagem com quatro cavalos brancos, depois com cavalos alazões (avermelhado) e por fim com cavalos pretos. Temos aqui alusões a uma transformação alquímica que ocorre com o sono do jovem. O número quatro para Jung está associado a totalidade. O cavalo está associado ao instinto sexual, libido. Suas acepções simbólicas são provenientes de figuras lunares, em que associa a Terra ao seu papel de mãe suprema, e à Lua, por isso relaciona-se com a vegetação, as renovações cíclicas, a sexualidade, os sonhos e as adivinhações.

O branco, o vermelho e o preto fazem uma alusão as fases alquímicas denominadas: albedo, rubedo e nigredo. A Albedo é um estado de paz, paradisíaco, de inocência. Simboliza a purificação. No entanto, esse estado não é passível de durar, pois é irreal. Representa a brancura, o clareamento, o entendimento, o conhecimento, a tranqüilidade. Mas essa fase não deve durar para sempre, ela deve ser colorida por outra cor, para incitar vida.

A Rubedo é a fase do vermelho, que significa vida, paixão e fogo. É a libido em atuação plena. Simboliza a iluminação, pois passar pelo fogo é deixar queimar as escórias que ainda existem. A Nigredo significa a ignorância e o acordar, bem como as fases críticas, como nascimento e morte, ou as transformações que o corpo sofre na transição entre a infância e a adolescência e, ou deste a jovem e daí à clássica crise dos quarenta ou à velhice. Psicologicamente está associada à morte, mas a morte das ilusões egóicas.

Durante vidas nos identificamos a uma infinidade de conceitos e costumamos tomá-los como verdade absoluta; rígida e estática. Na Nigredo há a morte desses apegos ilusórios e padrões que já não nos servem mais. Isso significa que a consciência entra então na Nigredo, na noite escura da alma. A moça deixa para o rapaz uma garrafa de vinho, um pedaço de pão e carne. E lhe escreve dizendo que esse alimento era inesgotável. Esta parece ser uma alusão ao mito de Cristo e a Santa Ceia, onde comemos o pão e a carne, que simbolizam a carne e o sangue de Cristo. E assim foi instituída a eucaristia.

Aqui então temos uma alusão ao alimento espiritual, onde se alimenta do próprio Deus. Além do Cristianismo, nos Mistérios Eleusinos, os adeptos consumiam o pão, alimento associado à Deméter (a deusa arquetípica do poder materno da terra), e o vinho – associado a Dioniso – a bebida divina que eleva a pessoa, mediante a embriaguez extática, a um estado de júbilo que a destacava de sua condição comum do cotidiano, ou, em outras palavras, a eleva a uma fusão com o divino; tal experiência sagrada seria proporcionada pela ação dionisíaca.

Isso representa a assimilação da potência simbólica da divindade. Em termos psicológicos é o contato com o Self. O rapaz ao se alimentar anteriormente cai no sono, pois aquele alimento não o satisfaz. Isso significa que enquanto a consciência se alimenta de algo transitório, como os desejos egóicos, ela cai no sono da inconsciência e se sente constantemente insatisfeita. O propósito advém desse centro da totalidade.

Ela lhe da um anel com seu nome. O anel também é um símbolo do Self e simboliza o casamento, o compromisso que ele precisa estabelecer com a anima. Após isso ele sai em busca dela e segue em direção ao castelo de ouro de Stromberg. Aqui temos um caso de redenção dupla. A princesa enfeitiçada precisa libertar seu salvador, para que ele possa cumprir sua missão. O herói nesse caso precisa antes da ajuda da anima, pois ele ainda se encontra preso a um complexo materno, onde a anciã lhe oferece prazer. Esse prazer infantil o deixa na preguiça e na inconsciência.

Ele então encontra um gigante que quer devorá-lo. Ele lhe dá a comida e o gigante lhe indica o caminho até a princesa. Os gigantes representam a natureza em estado selvagem, em seu estado primitivo antes de ter sido anexada à civilização. É a força da natureza que pode ser destrutiva, pois gigantes são muitas vezes desajeitados e mal-intencionados. Representa então a força da nossa própria natureza que foi reprimida e renegada. Nossa parte destrutiva, devoradora, desajeitada, mas que possui muita força.

2015 Outubro 02 Alquimia IMG 12
Retirado de: maiconttamps.blogspot.com

E o herói faz dessa parte de sua natureza sua amiga, pois o gigante não comia, ou seja, a consciência parou de alimentar esses aspectos e assim ele se tornou perigoso. Então o gigante lhe indica o caminho do castelo. Ele passa a viver ao sopé da montanha a espera do momento certo, e aguarda por um ano. Até que ele engana três ladrões e adquire um cajado que abre as portas, capa que o torna invisível e o cavalo que vai a qualquer lugar. E assim culmina na libertação e casamento.

O número três se repete nesse conto, e em outros contos também é bem recorrente. O três é o número da salvação, resolução harmônica do conflito da queda, é o desdobramento do Uno em trindade. Isso significa que em cada alma humana, existe a possibilidade de salvação. Aqui Logos – animus e Eros – anima se encontram em conflito. O Logos preso no complexo materno e imaturo e Eros amaldiçoado pelo mesmo complexo materno disfuncional.

Um ano – tempo que o salvador aguarda – simboliza os 12 meses do ano. Na Astrologia, o tempo que o Sol leva para passar pelas 12 casas zodiacais. Isso significa passar por uma iniciação e realizar um ciclo de conhecimento da vida. O amadurecimento que antes não havia. Apenas após aprender os mistérios da vida nos 12 meses, ele está apto a agir.

REFERÊNCIAS:

EDINGER, E.F. – Anatomia da psique: O simbolismo alquímico na psicoterapia. São Paulo, Cultrix: 2006.

JUNG, C. G. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 2008.

PAZ, N. Mitos e ritos de iniciação nos contos de fadas. Cultrix – Pensamento. São Paulo: 1995.

VON FRANZ, M. L. A interpretação dos contos de fada. 5 ed. Paulus. São Paulo: 2005.

Compartilhe este conteúdo:

Carl Gustav Jung e a Alquimia

Compartilhe este conteúdo:

cats

A alquimia é uma arte antiquíssima que deu origem a conhecida Química clássica.

Não se tem uma data precisa de quando começaram os estudos alquímicos, contudo os alquimistas já eram conhecidos na Antiguidade, sendo o mais famoso, o egípcio Hermes Trismegisto (três vezes grande) e seus ensinamentos da Tábua de Esmeralda. Mas também existe uma alquimia árabe, grega e uma chinesa, que apesar de apresentar diferenças sutis possuem a mesma essência, que é a de transformar chumbo em ouro para a obtenção do Elixir da Vida ou A Pedra Filosofal; um remédio que curaria todas as coisas e daria vida longa àqueles que o ingerissem.

Carl Jung consagrou muitos anos de estudo a este tema. E em seu livro Psicologia e Alquimia introduziu, a alquimia na psicologia, demonstrando a importância que possui esse tema, e quanto o que tem para dizer ao homem moderno. Ele começou a estudar alquimia devido a semelhança entre o material produzidos pelos sonhos de seus pacientes e a alquimia.

alchemy
Retirado de: elementaharmonica.blogspot.com

A alquimia é, em si mesmo, tremendamente obscura e complexa, e os textos muito difíceis de ler, mas seu conteúdo é de extremo valor para o autoconhecimento. Ela é uma palavra árabe alkhimiya, derivada do substantivo khemi que significa terra preta e assim a arte da alquimia consiste na transmutação da matéria original negra em ouro, depois de passar pelo branco e vermelho.

Ao estudar a Alquimia, Jung percebeu que havia algo mais e que o alquimista projetava o seu inconsciente durante o processo alquímico. Além disso, a alquimia traz um material mais depurado de qualquer traição religiosa ou cultural e que por isso está muito mais próxima do inconsciente coletivo do que os mitos e as religiões.

A alquimia oferece uma base bastante objetiva para a análise de sonhos e de outros materiais do inconsciente que aparecem na terapia e na vida cotidiana.

Os-quatro-elementos12
Retirado de: www.amigodaalma.com.br

Mas no que consiste a alquimia?

A ideia central da alquimia é a ideia da Opus. Basicamente um trabalho sagrado que visa a busca do valor supremo e essencial. Essa busca do essencial e do que é mais sagrado e valoroso simboliza a nossa busca pelo autoconhecimento.

Essa Opus era uma arte laboriosa e exigia muita paciência e coragem. Mostrando que nossa busca por melhoria interna e pelo autoconhecimento exigem de nós muito empenho e perseverença.

A Opus também nos leva a ter consciência de um nível transpessoal, além do nosso ego. Isso significa que temos que nos apoiar no Self (centro da totalidade transpessoal) e ser orientados por ele e não pelos desígnios do ego.

Os alquimistas desenvolviam esse trabalho de forma muito solitária, e o processo de autoconhecimento é bastante solitário. Ninguém pode fazer isso por nós e quem se encontra fora desse processo não entende pelo que se está passando. O processo de autoconhecimento gera uma alienação temporária em relação ao mundo exterior. É um nadar contra a maré do coletivo!

Resumindo: a ideia da Opus é criar uma substancia miraculosa e transcendente, conhecida como Pedra Filosofal ou Elixir da Vida e para isso deve-se, em primeiro lugar, descobrir o material adequado, chamado de prima mater (matéria prima). Esse material será submetido a uma série de operações a fim de alcançar a Pedra Filosofla.

Nenhum alquimista realmente conseguiu alcançar a Pedra Filosofal. Todavia, o que importava para eles era o processo em sim e não a meta.

Mas o que seria essa matéria prima?

A matéria prima remonta desde os filósofos pré – socráticos. Esses antigos filósofos diziam que o mundo é gerado de uma matéria única original, a qual chamaram de a primeira matéria. Eles divergiam no tocante a forma dessa primeira matéria: uns diziam que era a água (Tales); ou o ilimitado (Anaximandro); o ar (Anaxímenes) e também o fogo (Heráclito). No entanto, ambos concordavam que ela existia.

alquimia-transfigura-amor-em-privilegio-alimento-em
Retirado de: www.publikador.com

Simbolicamente essa matéria prima somos nós mesmos e todo o trabalho é feito em algo desconhecido, que é a personalidade humana e precisamos ser reduzidos a essa primeira matéria para encontrar o essencial.

Descoberta então essa prima mater, deve-se submetê-la a uma série de procedimentos químicos. E as principais operações alquímicas são: calcinatio, solutio, sublimatio, coagulatio, mortificatio, separatio e coniuctio.

E basicamente a matéria prima consistia na interação de dois metais: o enxofre e o mercúrio, unidos por um sal. O enxofre era considerado “macho”, fixo, ativo e que representa a combustão e corrosão dos metais; o mercúrio “fêmea”, passivo, volátil, inerte; e o sal é o solvente universal.

Os dois metais combinados constituíam o que os alquimistas chamavam de “coito do Rei e da Rainha“. Simbolizando que em nossa alma existem esses dois princípios: masculino e feminino.

Os dois metais também simbolizam o corpo e a alma e o sal seria o meio de ligação entre eles, ou seja, nossa energia vital. Portanto, corpo e alma caminham juntos  e participam do processo de autoconhecimento em concomitância. Não podemos separar corpo e alma e não podemos cuidar apenas de um e deixar o outro no esquecimento.

Há muito que se falar ainda sobre alquimia, pois se trata de um assunto muito amplo e profundo. Mas a essência de todo esse conhecimento é que estamos em busca daquilo que transcende nossa vida egóica e que traz sentido para o sofrimento humano. Essa Pedra Filosofal é aquilo que nos traz energia, renovação e paz interior.

Compartilhe este conteúdo:

Harry Potter e o Cálice de Fogo: a opus alquímica

Compartilhe este conteúdo:

Nesse filme da série, Harry Potter enfrenta vários perigos que podem ser analisados sob o prisma da Alquimia. A escola de Hogwarts foi escolhida como a sede da maior competição mágica que existe, o Torneio Tribruxo. Duas outras escolas, Beauxbatons e Durmstrang, irão competir.,

Três alunos são escolhidos pelo Cálice de Fogo para representar suas respectivas escolas. Por determinação do Ministério da Magia, apenas alunos com 17 anos ou mais poderem participar, mas Harry é escolhido (por manipulação) para representar Hogwarts, junto com Cedrico, um jovem popular aluno Lufa Lufa. Esse torneio é bastante perigoso e os participantes podem até morrer.

Pode-se observar aqui um ritual de iniciação para Harry. Os ritos de passagem, ou iniciação, nos povos primitivos uma transição particular para o indivíduo, bem como a sua progressiva aceitação e participação na sociedade na qual estava inserido, tendo, portanto um cunho tanto individual quanto o coletivo. Uma cerimônia muito importante era a passagem do jovem para a vida adulta e é nessa transição de menino para homem que Harry está passando. Velhas atitudes infantis devem agora ser abandonadas e novas responsabilidades devem ser aceitas.

Vemos essa mudança de atitude em Harry, Hermione e Ron, quando eles começam a se interessar pelo sexo oposto. Harry e Ron são obrigados a entrar no mundo feminino e convidar uma menina para o baile, o que é bastante difícil para eles. Portanto, o herói esta se tornando pronto para um relacionamento afetivo e desejando isso, para posteriormente formar sua própria família.

O torneio Tribuxo é composto por três provas. Na primeira os bruxos escolhidos precisam recuperar um ovo dourado que está sendo guardado por ferozes dragões. Como comentei no inicio do texto, essas provas podem ser mais bem compreendidas a luz da Alquimia.

Carl Jung consagrou muitos anos de estudo a este tema, e em seu livro Psicologia e Alquimia Jung introduziu, por assim dizê-lo, a alquimia na psicologia. Ele percebeu que o alquimista projetava sua própria psique durante a Opus alquímica que consistia na busca do valor supremo e essencial, ou seja, era a busca pelo Elixir da Vida Eterna e a Pedra Filosofal.

No primeiro filme da saga de Harry Potter comentei sobre a Pedra Filosofal, que é o inicio e a meta do processo alquímico e, por conseguinte da individuação. Ela é o começo e o fim. Tanto que ela da o nome ao inicio da saga. Dessa forma nota-se que a saga Harry Potter trata do processo de individuação pelo qual o herói (ego arquetípico) é submetido.

O motivo alquímico fica então mais evidente nesse filme da série. Aliás, não é a toa que o herói seja um bruxo, pois os alquimistas antigos eram considerados bruxos e alquimia uma arte mágica. Basicamente, o processo consistia na interação na interação de um sal e dois metais (o enxofre e o mercúrio). O sal é o dissolvente universal e é o meio de ligação entre o mercúrio e o enxofre, sendo associado à energia vital, que une corpo e alma.

O mercúrio e o enxofre são as principais matérias-primas da alquimia. O enxofre é o princípio fixo, ativo, masculino, que representa as propriedades de combustão e corrosão dos metais. O mercúrio é o princípio volátil, passivo, feminino, inerte. Ambos, combinados, formam o que os alquimistas descrevem como o “coito do Rei e da Rainha”, ou casamento alquímico.

Essa matéria prima, resumidamente, era submetida a uma serie de operações alquímicas a fim de ser purificada e transformada. Cada operação pela qual a matéria prima era submetida simboliza um estágio do processo pelo qual o ego pode ser submetido durante o processo de individuação. E em Harry Potter e o Cálice de fogo vemos algumas operações alquímicas pelas quais o herói será submetido.

No primeiro desafio do Tribuxo, Harry é submetido ao fogo do dragão. Esse desafio pode ser associado à operação denominada calcinatio. O processo da calcinação consiste no intenso aquecimento de um sólido, destinado a retirar a água dele, portanto trata-se de uma operação ligada ao elemento fogo.

O dragão costuma ser um símbolo associado à calcinatio. Nos textos alquímicos a natureza da substancia a ser calcinada é chamada de “lobo”, “sedimento negro” ou “dragão”. Esses termos dizem que a calcinatio é efetuada no lado primitivo da sombra, que acolhe o desejo faminto e instintivo e é contaminado pelo inconsciente (Erdinger, XX).

Esse fogo que provem do dragão (símbolo dos desejos instintivos) vem da frustração desses mesmos desejos instintivos, que gera raiva. Portanto, Potter esta passando por uma provação de um desejo frustrado que irá levá-lo a um processo de desenvolvimento de sua personalidade. O ponto importante é compreender qual é esse desejo frustrado de Harry.

Bem como Bruxo detentor de poderes mágicos e extremamente famoso por ter sobrevivido a Voldemort, Harry deve lidar com o instinto de poder e a arbitrariedade de um ego inflado e inflamado. As garotas agora olham para ele com desejo, na escola ele é uma lenda e um dos bruxos mais poderosos é seu inimigo. Voldemort é um aspecto sombrio de Potter, que simboliza a força destrutiva do poder. Assim como o menino ele também era famoso e poderoso, mas que sucumbiu a essa força instintiva do poder e foi por ela dominado.

A calcinatio não foi compreendida por Voldemort. Em termos coletivos o vilão representa a ânsia de poder do homem moderno, que destrói os recursos da natureza em prol de uma afirmação e poder egóica. A calcinatio nos faz lembrar que o verdadeiro poder vem do Self, ou seja, de uma força transcendente que frustra nossas pretensões quando essas não estão de acordo com a totalidade psíquica. É nesse momento que precisamos lidar com a raiva, o grande combustível da calcinatio, pois ela emerge, juntamente com a frustração das exigências de poder do ego.

E é no instante em que Harry lida com a frustração e a raiva que emerge o Self, na forma de ovo de ouro. O ovo para a psicologia analítica é um símbolo do Self, ele representa o circulo, a uroboros e a totalidade. E agora é a partir ele que Harry é guiado para as outras provas. Isso significa que agora o herói passa a agir motivado pelo Self e não pelo desejo egóico.

A calicinatio, portanto nos leva ao abandono das nossas pretensões e coloca o ego em seu devido lugar.
A segunda tarefa Harry precisa mergulhar no fundo do Lago Negro e resgatar Ron, que foi colocado sob a guarda de ferozes monstros aquáticos. Ele consegue com a ajuda de Neville Longbottomd, que lhe dá uma planta de nome guelricho, que lhe faz mutações instantâneas e permite que ele respire debaixo d’água.

A segunda tarefa pode ser associada a operação alquímica da solutio. A solutio pertence ao elemento água e representa transformação do sólido em um liquido. O sólido desaparece no solvente parecendo que foi engolido. É um estado que se assemelha ao bebê que está contido no útero. Essa operação representa nosso desejo de dissolução e de retorno ao estado indiferenciado, inconsciente.

Esse estado indiferenciado é representado pelo redondo, a uroboros, o círculo, ou seja, um útero simbólico, onde não há consciência, nem separação dos opostos. É uma descida ao inconsciente de onde o ego se origina. Passamos pela solutio constantemente: quando dormimos ou quando estamos doentes, pois na solutio encontramos a renovação da energia, o renascimento e o rejuvenescimento.

Mas o perigo da solutio é o fato de um ego imaturo achar prazeroso, pois de fato é uma experiência agradável: na inconsciência não há conflito. No entanto, não há crescimento, amadurecimento, autonomia e consciência. À medida que o ego deseja voltar a esse estado indiferenciado, também deseja se tornar consciente. Vivemos esse conflito de duas forças contrarias nos puxando. Harry então passa pela solutio. Ele mergulha em um lago (símbolo da regressão e da solutio) e deve salvar seu amigo sem, no entanto ficar preso, com o perigo de morrer.

Algumas criaturas marinhas aparecem tentando prender Harry. Essas criaturas parecem sereias diabólicas. As sereias são símbolos comuns da solutio, pois na Mitologia elas tinham o poder de afogar os homens com o seu canto.

Na Mitologia Vênus e Afrodite (deusas do amor) têm ligações fortes com a água, pois nasceram no mar. Portanto o erotismo é um forte ativador da solutio. Potter pode ser engolido pela luxuria e amor. Seu desejo erótico que está ativo o leva ao afogamento. Harry então sofre o desaparecimento de sua antiga forma para o surgimento de uma forma regenerada. Por meio do afogamento o ego é limpo de suas impurezas, é retirado os conteúdos que não estão em acordo com a totalidade psíquica.

Na terceira prova, Harry precisa encontrar a Taça Tribuxo, que está escondida dentro de um labirinto encantado que tem vida própria. Restam apenas ele e Cedrico, que decidem pegar a taça ao mesmo tempo. Porém, eles são surpreendidos ao descobrir que ela é uma Chave de Portal que os tele transporta para o cemitério onde jaz a família dos Riddle.

Lá Harry encontra Voldemort e Cedrico é assassinado. O tema do labirinto é bastante conhecido na Mitologia Grega. Que ficou como uma elaborada construção erguida para o rei Minos de Creta, e projetada pelo arquiteto Dédalo e seu filho, Ícaro especificamente para abrigar a criatura chamada Minotauro, que não tinha qualquer fonte natural de alimento, e precisava devorar humanos para sobreviver.

O rei Minos exigia que pelo menos sete rapazes e sete donzelas atenienses (escolhidos por de sorteio) lhe fossem enviados a cada nove anos (ou, segundo alguns relatos, anualmente) para ser devorado pelo Minotauro. Quando se aproximava a data do envio do terceiro sacrifício o jovem príncipe Teseu se ofereceu para assassinar o monstro. Em Creta, Ariadne, filha de Minos, se apaixona por Teseu e o ajuda a se deslocar pelo labirinto, que tinha um único caminho que levava até seu centro. Na maior parte dos relatos Ariadne dá a ele um novelo, que ele utiliza para marcar seu caminho de modo que ele possa retornar por ele. Teseu então mata o Minotauro com a espada e lidera os outros atenienses para fora do labirinto.

No Tarot Mitológico, a lâmina A Torre representa o labirinto. A Torre oculta um segredo que está prestes a ser descoberto e tudo virá abaixo. Harry e Cedrico, assim como Teseu descobrem esse segredo oculto.
Esse segredo tem a ver com as nossas sombras tão bem escondidas por nossa persona. Aquilo que não queremos mostrar ao mundo e que sofregamente reprimimos.

O labirinto representa a iniciação, o caminho para se chegar ao centro, ou seja, a meta, O Self. Mas para isso é necessário encarar os aspectos sombrios e se sacrificar. O cemitério e a morte de Cedrico apontam para outra operação alquímica:a mortificatio. A mortificatio representa a experiência da morte. Representa a penitencia, abstinência, como meio de sujeição das paixões e apetites.

Ela é a mais negativa de todas as operações da alquimia, pois representa a derrota, a humilhação, a tortura, a morte e a mutilação. Contudo, essa operação leva, por compensação, a um estado altamente positivo posteriormente. Ela também é o símbolo da ressurreição e do renascimento. Seu símbolo pode ser a Fênix – que já apareceu anteriormente no filme anunciando a morte e o renascimento do herói.

A mortificatio está associada à cor preta e conseqüentemente à nigredo, que representa, em termos da psicologia analítica, ao encontro com a sombra. Isso significa, que quando tomamos consciência da nossa sombra é uma morte, uma derrota para o ego. É a tomada de consciência do mal. No filme Voldemort volta à vida por meio do sangue de Harry. A sombra do herói agora está viva e possui uma forma. O sangue (símbolo da morte e da vida) é libido, energia. Isso significa, que precisamos dispor uma quantidade de energia para nossa sombra, pois mesmo sendo uma derrota para o ego, é por meio dela que o ego renascerá renovado e mais fortalecido.

Harry entra agora na Nigredo, pois ele vê a morte de perto. Cedrico morre e isso abala Potter profundamente. Após essa morte ele não será mais o mesmo. Cedrico é um aspecto de Potter que morreu. Ele era um aluno perfeito e capitão do time de quadribol de sua casa, ou seja, uma unanimidade em Hogwarts, o herói apolíneo. E Potter tem admiração por ele, projetando em Cedrico todo o seu potencial. Pois é esse aspecto de perfeição apolínea em Harry que deve morrer. A perfeição não pertence aos humanos, mas aos deuses. Por essa razão Cedrico não pertence ao mundo humano.

Portanto, não é na luz que desenvolvemos nosso potencial, mas nas nossas sombras mais profundas. E assim nosso herói é transformado e fortalecido. Ele agora entra na Nigredo durante o restante da saga e lá permanecerá até o ultimo confronto com seu inimigo maior.

FICHA TÉCNICA

HARRY POTTER E O CÁLICE DE FOGO

Data de lançamento: 18 de novembro de 2005 (EUA)
Direção: Mike Newell
Série de filmes: Harry Potter
Música composta por: Patrick Doyle
Adaptação de: Harry Potter e o Cálice de Fogo

Compartilhe este conteúdo:

Paisagens momentâneas

Compartilhe este conteúdo:

Cenas que atravessam o dia, roubando da rotina o comodismo das paisagens, o repetir dos dias. Em suas capturas, Adriana Pereira traduz paisagens cotidianas em um show de cores, formas e significados, imortalizados na sensibilidade da lente.

A alquimia do fotógrafo transcreve na cena toda a poesia da vida.

Hudson Eygo

[awesome-gallery id=20203]

Compartilhe este conteúdo: