Sobrecarga Materna: A importância de cuidar de quem cuida

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A maternidade é uma fase em que a grande maioria das pessoas aguarda para viver intensamente, mas o que é comum encontrar são mães esgotadas, sobrecarregadas, exaustas, sem saber como fazer para viver uma maternidade mais leve, sem tantas cobranças da sociedade, da família, das redes sociais. 

Quando o assunto é sobrecarga materna, as mães compreendem com facilidade, pois muitas vivem essa sobrecarga todos os dias, desde o planejamento familiar até a execução das demandas, tudo isso gera uma carga, e gasta energia física e mental.  

Existem mães que se cobram além do que até seu próprio corpo aguenta, e não valida os alertas psíquicos emitidos diariamente. Não conseguem priorizar um tempo para um autocuidado, não possuem uma rede de apoio e nem mesmo buscar fazer o que conseguem, sempre tentam superar seus limites na escala do cansaço.

A maternidade quando começa ficar sobrecarregada emite alguns sinais que muitas das vezes, diante de tanta correria, não são percebidos pela mãe e por quem convive com ela. Tais como: Fraqueza, vontade de desistir de tudo, pois tenta resolver as demandas, mas se torna quase impossível.

Algumas começam a ficar esquecidas, ao ponto de não se lembrar da consulta com o pediatra, data das vacinas, tornando-se exaustas, com a sensação de estar sempre esgotada. Quando dorme não consegue descansar, outras nem conseguem dormir um sono de qualidade, pois geralmente a criança na fase inicial troca o dia pela noite.

A maternidade sobrecarregada pode gerar uma ansiedade, devido ao acúmulo de tarefas, não consegue fazer hoje e vai deixando para amanhã tentando resolver tudo sozinha e quando percebe já está uma bola de neve, todas as roupas sujas, as louças da casa também, comendo na hora que conseguir fazer, pois está com o físico e mente cansada. 

Se não consegue cuidar das demandas da casa, imagina a sua imagem pessoal. Então começa a viver com uma autoestima baixa, influenciando nas relações pessoais e muitas das vezes conjugais. Não consegue administrar o tempo, organizar o que é prioridade e tentar sobreviver a tudo de uma só vez.

Pessoas vivem diariamente em meio uma sociedade patriarcal, onde o cuidado com os filhos, organização do lar, ir à reunião escolar, levar a criança ao médico, na maioria das vezes envolve diretamente a mãe. Mesmo que demande alguma tarefa para que alguém ajude, no primeiro momento a deixa muito cansada.

Delegar funções, mesmo que seja apenas o gerenciamento de tais tarefas, como: já estar no horário da reunião escolar, faça tais perguntas ao pediatra, em determinado horário dê uma fruta à criança, e toda essa gestão envolve uma energia psíquica que pode contribuir para um esgotamento materno. 

Quando uma pessoa torna-se mãe, inicia-se uma nova rotina que muitas das vezes não é o esperado. Acontece uma mudança em sua vida, desde amamentação, banho no bebê, muitos trocam o dia pela noite e tudo isso vai acarretando uma sobrecarga a essa mãe.

Frequentemente mães relatam seus variados sentimentos, apontando sinais de alerta do seu esgotamento, onde a grande maioria além de cuidar do bebê, ainda tem sua demanda com as atividades do lar, relacionamento conjugal, tarefas externas, ocasionando até mesmo autoestima baixa, cansaço e ansiedade.

A rotina de todos muda, principalmente da mãe. Algumas mães são autônomas e responsáveis por as despesas do lar. Então no período de licença maternidade torna ainda mais difícil ficar à disposição das necessidades apenas da criança. As mães que desenvolvem esse papel de trabalhadoras, com filhos menores, atuando em suas carreiras profissionais, e com as demandas do lar, sentem-se afetadas no trabalho e na maternidade (BRUSCHINI, 2006).

Muitas pessoas ficam sem saber por onde começar, ajudando uma mãe sobrecarregada. Outros ajudam quando essa mãe não aguenta mais e adoece fisicamente e muitas das vezes mentalmente. Porém existem mães com uma sobrecarga tão grande que não conseguem nem mesmo pedir ajuda. 

Quando uma mãe está sofrendo, cansada, angustiada e adoecida são diversos fatores que envolvem tal situação. É uma noite mal dormida, não possui tempo para fazer uma unha, tomar um banho com maior tranquilidade, comer uma comida quente, pois geralmente alimenta a criança primeiro.          

Existem diversas maneiras que os familiares podem cooperar para que a maternidade seja mais leve. A rede de apoio sólida é essencial durante esse processo, essa mãe que cuida necessita também de cuidados. Podendo ser através de diversas fontes como a família, profissionais, ajuda financeira e auxílio emocional.

As pessoas que auxiliam uma mãe, não estão somente ajudando, mas sim, promovendo saúde mental, melhorando a qualidade de vida, e consequentemente reduzindo o peso materno, para que se torne possível uma maternidade com maior leveza. É fundamental que a mãe entenda que não é necessário fazer todas as coisas de uma só vez, procure dar importância às coisas essenciais, priorizando um tempo por menor que seja para ter um autocuidado com a saúde mental e física.

Muitas mães atualmente, vivem ainda uma sobrecarga devido ao que sobreviveram no período pandêmico em decorrência a COVID-19. Mães autônomas, funcionárias de serviço público em diversas áreas, de empresas particulares que tiveram seus trabalhos em home office. Haviam mães que trabalhavam na saúde diante de um cenário assustador. 

Todas essas vivências contribuíram de maneira severa ao cansaço, acumulando funções e deixando diversas mães em meio ao caos. Os desígnios enfrentados por mães de várias classes, afetou diretamente o psicológico, ainda é possível encontrar mães que vivem estressadas, devido às demandas que viviam como mães, professoras, cuidando do lar.

Rede de apoio, é necessário cuidar de quem cuida
Fonte: imagem retirada em Pixabay

Umas das maneiras que é superimportante para as mães lidarem com a sobrecarga e amenizar um pouco esse fardo é aprender uma palavra pequena, mas que possui um grande efeito: “não”. Após um dia exausto, se permita fazer algo que lhe traga alegria, uma mãe não é obrigada a dar conta de todas as coisas sozinha e o tempo todo.  

A rede de apoio é um caminho fundamental para redução da sobrecarga materna. O auxílio nas demandas maternas, promove bem-estar para a mãe, o bebê e todos que fazem parte do convívio. Assim torna-se possível uma busca por um autocuidado com a saúde física e emocional (CARNEIRO, 2021).

Desse modo, é primordial a informação, o olhar para evitar possíveis sofrimentos psíquicos às mães, pois a prevenção sempre é um dos melhores caminhos. A maneira mais fácil para que isso não ocorra é a atenção dos que convivem diretamente com essa mãe, observando suas limitações e sua sobrecarga, e fazendo algo que deixe mais leve esse processo. 

Entender que não existe receita para exercer uma maternidade como uma receita de bolo, é importante, pois uma maternidade envolve seres que possuem características diferentes, e cada um possui sua singularidade. O que é correto para uma mãe, talvez a outra não julgue assim. 

Nesta relação mãe-filho, não se cobre tanto, você também está aprendendo. Busque priorizar um tempo, por menor que seja, e desenvolver um autocuidado, com a saúde física, e emocional. Descansar faz bem para o corpo e para a mente, reduzindo a carga materna também é cuidado, consigo mesma e com o próximo, principalmente com o seu filho (a). 

REFERÊNCIAS

BRUSCHINI, C. (2006). Trabalho doméstico: Inatividade econômica ou trabalho não remunerado? Revista Brasileira de Estudos de População

CARNEIRO, Rosamaria Cansaço e violência social: sobre o atual cotidiano materno. Cadernos Pagu [online]. 2021.

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Como as relações sociais influenciam no desenvolvimento humano?

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É consenso entre os teóricos e pesquisadores a correlação entre felicidade e saúde com a manutenção de boas relações sociais.

Sabe-se que todos os seres humanos passam por diversas situações, que desde a concepção ou até mesmo antes, influenciam em seu desenvolvimento. Ao buscar por produções bibliográficas, a autora Gonçalves (2016) descreve que os acontecimentos que precedem uma gestação poderão intervir durante todo o desenvolvimento da vida que será gerada. Fatos como por exemplo, a aceitação ou não da gravidez, se houve um planejamento, expectativas geradas em relação ao sexo da criança e em caso de não ter sido o esperado, como reagiram diante da situação frustrada. 

Ainda sob a perspectiva de Gonçalves (2016), a autora lembra que as fases que marcam o desenvolvimento da vida humana perpassam por diversas formas e épocas que podem sofrer alterações diante do meio no qual a pessoa encontra-se inserida, mas que apesar disso, o início do ciclo da vida é um processo em que ocorre de uma única forma em todos os seres humanos. O fator inicial para esse acontecimento se dá por meio da ocorrência da fecundação do espermatozoide com um óvulo, sendo assim, o marco inicial para uma nova vida ser gerada e com o decorrer do tempo, passará por diversas transformações até chegar o momento em que estará pronto para o nascimento. 

Após o nascimento, a vida que foi gerada passa por diversas transformações até o fim de sua existência. Trazendo o ponto de vista de Papalia e Feldman (2013), no primeiro ano de vida as crianças apresentam um crescimento mais acelerado, mas tendem a delongar esse crescimento durante os três primeiros anos de vida. As autoras ainda enfatizam que a fonte de maior “vitamina” para que esse crescimento ocorra de forma mais saudável, é por meio do aleitamento materno, pois além de auxiliar no crescimento, ajuda no desenvolvimento cognitivo e nos processos sensoriais. 

Voltando para Gonçalves (2016), a autora utiliza-se dos estudos de Papalia, Olds e Feldman e da autora Bee, onde expõe a divisão da infância em três etapas, sendo a primeira de 0 a 3 anos de vida, onde ocorre esse crescimento e desenvolvimento de forma mais acelerada e é nesse momento em que a criança começa a apresentar o processo inicial da fala e começo de sua locomoção, iniciando esse, por meio do engatinhar até conseguir dar os primeiros passos. A segunda fase se inicia dos 03 anos aos 06 anos de vida, é exposto que nessa fase as crianças começam a apresentar um ganho na sua coordenação motora, enquanto no crescimento apresenta uma queda no processo. Apresenta também a capacidade de imaginação, onde exerce por meio de brincadeiras, começam a interagir com outras crianças e adquirir o conhecimento de diferenciação dos gêneros (meninas e meninos).

Ao partir para a terceira e última fase da infância, sendo essa de 06 anos aos 11 anos de idade, ainda de acordo com Gonçalves (2016) sob a perspectiva de Papalia, Olds e Feldman, o desenvolvimento físico continua de forma mais lenta, mas a criança sofre mudanças em sua estatura e peso, as relações de amizades ganham mais espaço e importância nesse momento e explica que essas aproximações se dão com crianças que são semelhantes a si, como por exemplo, em idade, classe social, cor e sexo. As amizades nessa fase exercem a função em auxiliar no desenvolvimento das habilidades sociais daquela criança, ajuda no processo de separação de valores em que ela tem conhecimento advindo do ambiente familiar, contribuindo no processo de autoconhecimento e identidade de gênero.

Após a fase da infância, passa-se para a adolescência, sendo essa segundo a Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990, que discorre sobre o Estatuto da Criança, que são considerados adolescentes pessoas com 12 anos até os 18 anos de idade. De acordo com Papalia e Feldman (2013), essa fase se dá início por meio do surgimento da puberdade, momento em que há a produção de diversos hormônios sendo produzidos no corpo daquele sujeito. Hormônios esses que darão origem ao surgimento dos pelos pelo corpo, alteração na voz dos meninos, crescimento dos seios nas meninas e outras diversas mudanças físicas.  Além das mudanças físicas, nesse período é possível notar, ainda referindo-se ao livro Desenvolvimento Humano de Papalia e Feldman (2013), os adolescentes em busca de suas identidades, sentimento de pertença, descobertas envolvendo questões sexuais, mudanças nas relações familiares.

Logo após, entra-se na fase adulta, denominada por Papalia e Feldman (2013) como adultos jovens. Essa etapa é marcada por uma maturidade no modo de pensar, nomeado pelas autoras com Pensamento Pós-Formal, complexidade dos julgamentos morais, entradas em faculdade e consequentemente no ramo trabalhista, independência de sua família de origem, saindo de casa e como resultado, gere uma nova reestruturação nas relações familiares, escolhas de parceiro e início da família que será construída por aquele adulto jovem, criando assim, seu próprio padrão familiar. 

Seguindo adiante, Papalia e Feldman (2013) descrevem a vida adulta intermediária incluindo pessoas de 40 anos aos 65 anos de idade. Fatores como gênero, classe social, saúde e raça influenciam nos aspectos vividos por esse público. Em relação a características neurológicas, é possível experienciar declínios cognitivos nessa fase, ocasionando como consequência, algumas doenças neurológicas. Além disso, ocorre mudanças físicas que passam a serem percebidas com o passar do tempo, mudanças na vida sexual, problemas de saúde. Pessoas nessa faixa etária experienciam o início da saída do ambiente de trabalho e apresentam um novo papel na sociedade, tendo os filhos longe de casa, trazendo um possível sofrimento, o momento em que se tornam avós e um novo relacionamento com os filhos. Apesar disso, ainda é possível vivenciar outras formações de relacionamentos e estilos de vida.

O último aspecto do ciclo vital se dá ao adentrar na fase denominada de velhice.

“O envelhecimento primário é um processo gradual e inevitável de deterioração física que começa cedo na vida e continua ao longo dos anos, não importa o que as pessoas façam para evitá-lo. Nessa visão, o envelhecimento é uma consequência inevitável de ficar velho. O envelhecimento secundário resulta de doenças, abusos e maus hábitos, fatores que em geral podem ser controlados (Busse, 1987; J.C. Horn e Meer, 1987). Essas duas filosofias do envelhecimento podem ser comparadas ao conhecido debate natureza-experiência, e como sempre, a verdade está em algum ponto entre os dois extremos” (PAPALIA; FELDEMAN, 2013, p. 573).

Nesse período é possível notar cabelos grisalhos e em alguns casos, ocorre até mesmo a perda dos cabelos, pele com menos elasticidade, presença de rugas e outras mudanças físicas notáveis. Pessoas que estão vivenciando essa fase podem apresentar baixa no seu sistema imunológico e problemas cardíacos. Em relação ao envelhecimento cerebral, este pode sofrer variações de acordo com o estilo de vida que aquele idoso levou ao decorrer de sua vida, assim como os seus processos cognitivos.

Após uma breve exposição sobre o ciclo vital, passemos ao contexto das relações sociais. De acordo com Rodrigues (2018), se faz necessário a ocorrência das relações, pois são por meio delas que o homem consegue desenvolver-se, obtém a comunicação, sendo essa colocada pelo autor como uma necessidade básica da humanidade e também  a concepção das relações interpessoais. A primeira experiência e contato de interação social ocorre no meio familiar, onde o sujeito tem o contato com regras sociais, costumes e valores morais daquele meio em que encontra-se inserido. Conforme vai crescendo, esse sujeito amplia suas relações sociais e afetivas, sendo necessário também, a presença de qualidade nessas relações. Essa ampliação ocorre por meio do ambiente escolar, formação de amizades, trabalho e relações afetivas. 

Ilustração de uma idosa e um homem adulto jovem.
Fonte: Imagem de Mohamed_hassan no Pixabay.

“Vivemos rodeados de pessoas, mas não necessitamos apenas da presença de outros; carecemos também da presença de pessoas que nos valorizem, em quem possamos confiar, com quem possamos comunicar, planear e trabalhar em conjunto. Não surpreende, portanto, que a investigação realizada nesta área tenha revelado que as relações sociais, em quantidade, mas especialmente em qualidade, são importantes para manter o bem-estar físico e mental ao longo da vida” (RODRIGUES, 2018, p. 1).

 Resende et al. (2006), expõem que uma boa interação social traz o benefício de auxílio no aumento da competência adaptativa e essa ocorre por meio manuseio das emoções, orientação afetiva e cognitiva e por meio da ocorrência de feedback. Ao utilizar os estudos de Erbolato, os autores pontuam que as relações interpessoais trazem regulação ao longo do ciclo vital, trazendo mudanças e adaptações independentemente da fase em que o indivíduo encontra-se vivendo, além disso, “aumento do senso de bem-estar em adultos, bem como melhora no funcionamento físico” (EVERARD et al., 2000 apud RESENDE et al. 2006).

Outras obras trazidas por Resende et al. (2006) enfatizam outros aspectos positivos como fortalecimento da saúde, obtenção do significado de vida, auxílio na redução de estresse, criação do cultivo de hábitos saudáveis e aumento do controle pessoal, o que irá impactar positivamente no bem-estar psicológico daquele sujeito. 

“Um aspecto essencial do bem estar psicológico é a capacidade de acomodação às perdas e de assimilação de informações positivas sobre o self, um sistema composto por estruturas de conhecimento sobre si mesmo e um conjunto de funções cognitivas que integram ativamente essas estruturas ao longo do tempo e ao longo de várias áreas do funcionamento pessoal” (NERI, 2001a apud RESENDE et al. 2006).

Entrando na fase da vida adulta tardia, as autoras Papalia e Feldman (2013) trazem dados de pesquisas achadas em que evidenciam resultados de que mesmo quando ocorre a diminuição da rede de amizade de pessoas mais velha, essas tendem a apresentar um círculo de relações mais íntimas de suma importância, trazendo benefícios como a ajuda em manter a mente e a memória funcionando de uma boa forma, essas relações se dão por meio dos amigos íntimos e de membros da família. As autoras ainda expõem que quando as pessoas nessa fase recebem apoio emocional advindo dessas redes de relacionamentos em que estão inseridas, tendem a apresentar uma satisfação na vida, mesmo quando estão vivenciando situações estressoras ou alguma traumática. As relações positivas melhoram a saúde e o bem-estar do sujeito.

Por outro lado, Papalia e Feldman (2016) colocam que sujeitos em que vivem uma vida de forma isolada, estão propícios a viverem de forma solitária, sendo a solidão um fator de risco, pois de acordo com as autoras, pode intensificar o processo de declínio físico e até mesmo cognitivo. Rodrigues (2018) evidencia que o viver em solidão dos idosos se dá em sua maioria devido aos acontecimentos que geram como resultados percas, como é o caso do momento em que aposentam-se, filhos saem de casa e vão construir suas famílias, morte do cônjuge ou separação, sendo necessário nesses momentos, um amparo maior aos idosos por parte de sua rede de apoio e também da criação de projetos sociais em que deixem-os engajados nos processos sociais, pois como complementa Papalia e Feldman (2016), ao receber apoio emocional advindo das relações sociais, é possível perceber que o sujeito experimenta sentimentos de utilidade, sente-se valorizado e pertencente ao grupo em que está sendo inserido.

Para Papalia e Feldman (2016) as relações de amizade ganham um papel de suma importância para os idosos, pois com o passar dos anos, essas amizades tendem a se tornarem mais saudáveis e felizes, como consequência, apresentam uma melhor capacidade em lidar com as mudanças que ocorrem com o envelhecimento, aumento na perspectiva de vida e finalizam informando que o vínculo íntimo para os idosos proporciona bem-estar a partir do momento em que o sujeito se sentirá valorizado e querido mesmo passando por situações de perdas (envelhecimento, queda nos processos cognitivos, entre outros ocorridos).

Ilustração representando uma interação social entre idosos.
Fonte: Imagem de RosZie no Pixabay.

Dessa forma, se faz necessário um olhar humanizado e acolhedor para com as pessoas que estão vivenciando o processo de envelhecimento, se faz necessário a manutenção e fortalecimento das redes de apoio em que estão inseridos, criação de projetos que gerem valorização e participação ativa desses idosos e principalmente a mudança nas perspectivas da velhice, sendo essa fase possível de mudanças, aprendizagens e ressignificações.

Referências

BRASIL. Lei nº 8.060 de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Brasília. Disponível em <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm> Acesso em: 22 fev 2023. 

PAPALIA, Diane E. Desenvolvimento humano [recurso eletrônico] / Diane E. Papalia, Ruth Duskin Feldman, com Gabriela Martorell; tradução: Carla Filomena Marques Pinto Vercesi… [et al.] ; [revisão técnica: Maria Cecília de Vilhena Moraes Silva… et al.]. – 12. ed. – Dados eletrônicos. – Porto Alegre: AMGH, 2013.

PERES GONÇALVES, J. (2016). CICLO VITAL: INÍCIO, DESENVOLVIMENTO E FIM DA VIDA HUMANA POSSÍVEIS CONTRIBUIÇÕES PARA EDUCADORES. Revista Contexto & Educação, 31(98), 79-110. Disponível em: <https://doi.org/10.21527/2179-1309.2016.98.79-110> Acesso em: 22 fev. 2023.

RODRIGUES, R. M. Solidão, Um Fator de Risco. Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar, [S. l.], v. 34, n. 5, p. 334–338, 2018. DOI: 10.32385/rpmgf.v34i5.12073. Disponível em: <https://www.rpmgf.pt/ojs/index.php/rpmgf/article/view/12073>. Acesso em: 5 mar. 2023.

RESENDE, Marineia Crosara de et al . Rede de relações sociais e satisfação com a vida de adultos e idosos. Psicol. Am. Lat.,  México ,  n. 5, fev.  2006 .   Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1870-350X2006000100015&lng=pt&nrm=iso>. acessos em  05  mar.  2023.

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Psicologia perinatal em um mundo hiperconectado: como as redes sociais podem interferir na experiência da perinatalidade

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(En)Cena entrevista a Psicóloga Lorena Magalhães, 28 anos, mãe, esposa, doula e egressa do Curso de Psicologia do Ceulp Ulbra. No contexto profissional, atualmente Lorena atua como psicóloga clínica,  com ênfase em mães gestantes e outros cuidadores envolvidos na perinatalidade. 

(En) Cena- Lorena, conta pra gente como foi a sua escolha em trabalhar com Psicologia Perinatal. 

-Então, o interesse pela área surgiu antes mesmo de ingressar no curso de Psicologia, logo após ter meu primeiro filho, no início de 2014. A maneira como experienciei a maternidade me fez perceber que os cuidados com a mãe são tão importantes quanto os com o bebê, mas geralmente ela acaba sendo vista como um personagem secundário dentro desse contexto, ficando suscetível a adoecimentos de várias ordens. Dessa forma, decidi que assim que pudesse iniciar uma faculdade, seria no intuito de estudar algo que me capacitasse a ajudar mulheres a viver essa fase com leveza.

(En) Cena- A ansiedade afeta as emoções e comportamento durante a gravidez e a espera por esse processo. Como a psicóloga perinatal realiza o manejo nestas situações? 

-A primeira coisa é acolher essa mãe que chega no consultório em busca de ajuda. O período gestacional é bem marcado pela ambivalência de emoções, então muitas mulheres ficam confusas com tantos sentimentos conflitantes. Também se faz necessário entender o contexto em que ela está inserida, os vínculos que ela tem, o momento de vida em que se encontra, se está recebendo assistência pré-natal, pois tudo isso influencia a forma como ela vai lidar com a gestação e pode explicar a ansiedade sentida. Feito isso, o manejo se dá geralmente por meio da psicoeducação, mindfulness e técnicas de relaxamento que inclusive podem ser utilizadas no momento do trabalho de parto para facilitar o processo.

(En) Cena- Além do acompanhamento psicológico, quais os outros cuidados ou ferramentas que as pessoas podem procurar para as auxiliarem nesse processo? 

-Algo que eu sempre oriento, além do pré-natal obstétrico e psicológico, é quanto a mulher ter uma rede de apoio bem estabelecida desde a gestação e buscar estudar e se informar por meio de fontes confiáveis a respeito de gravidez, parto, puerpério, amamentação, cuidados com o bebê, para saber o que esperar em cada uma dessas fases. 

(En) Cena-  Lorena, a gente sabe que volta e meia pode ser que a gente se reconheça nos relatos que ouvimos e acolhemos em nosso trabalho…você é mãe de dois, em alguns dos seus pacientes, já houve uma certa identificação com o relatos dos pacientes?  Como foi lidar com essas sensações e emoções quando esteve à espera do primeiro filho e quais mudanças vividas agora que está à espera do segundo? 

-Psicólogo também é gente que sente, né!? (risos) Com certeza já me identifiquei com alguns relatos e acredito que o fato de eu ter passado pelo meu próprio processo psicoterapêutico ao longo de um bom tempo é o que me permite, hoje, atender com tranquilidade esse nicho específico, sem deixar de prestar uma assistência humanizada.

(En) Cena- Em um mundo hiperconectado, as pessoas têm buscado cada vez mais informações que respondam aos seus anseios e dêem algum direcionamento numa área específica da vida. Na sua experiência, você tem observado que a busca sobre perinatalidade nas redes sociais têm crescido? E como você vê a questão da influência de informações falsas sobre esse assunto?

-Com certeza! Até pouco tempo atrás não ouvíamos falar muito a respeito da Psicologia Perinatal, com esse nome especificamente. Inclusive, enquanto acadêmica do curso na faculdade, eu desconhecia esse termo. Mas no último ano eu percebi um “boom” no aumento da busca pelo serviço e também por parte de recém-formados interessados em atuar na área. Estou convicta de que as redes sociais ajudam bastante nessa divulgação. Quanto à influência de informações falsas, percebo que hoje há uma maior facilidade em ter acesso a fontes seguras e confiáveis. A cada dia temos mais psicólogos e profissionais da saúde no geral utilizando o Instagram para divulgar seus saberes, fazendo com que conteúdos de qualidade sejam altamente compartilhados diariamente.

(En) Cena- Muitas mães se sentem inseguras e às vezes inaptas para esse novo tempo. As redes sociais, diante de experiências compartilhadas, passam imagens de mães e pais perfeitos que  podem trazer um sofrimento de que as demais não serão iguais ou precisam alcançar o mesmo nível da imagem compartilhada.  Como psicóloga perinatal você pode nos descrever quais os cuidados às pessoas afetadas devem ter ao acessar estes tipos de conteúdo na internet?  

-Eu diria que, para qualquer pessoa, é muito importante filtrar aquilo que se vai consumir na internet. Temos até um termo que tem sido frequentemente utilizado – unfollow terapêutico, que consiste em deixar de seguir perfis cujos conteúdos, de alguma forma, podem gerar algum tipo de mal-estar em quem acompanha. Para quem está vivendo a maternidade/paternidade eu recomendo avaliar o que se tem consumido virtualmente e os impactos internos disso. 

(En) Cena- Quais as principais dúvidas dos pacientes que chegam ao setting terapêutico? Há ainda muitos que chegam sabendo de informações falsas ou até mesmo repassadas pelo senso comum? 

– Na verdade, eu tenho percebido que a maioria das famílias tem chegado muito bem informadas. Mas ainda existem algumas crenças que são repetidas ao longo dos anos pelo senso comum, como por exemplo “o amor materno é instintivo”, “toda mulher nasceu para ser mãe”, “quando o bebê nascer você vai experimentar o verdadeiro amor”, que acabam colocando um peso muito grande sobre as mães, gerando muita insegurança e preocupação, principalmente quando percebem que o dia a dia da maternidade não é tão romântico quanto dizem por aí.

(En) Cena- Você também realiza o acompanhamento após o nascimento, ou já se torna uma outra demanda de atendimento? 

-Sim! Nosso acompanhamento envolve todo o ciclo gravídico-puerperal, se assim a família quiser.

(En) Cena- Além do acompanhamento dos pacientes, você possui algum projeto atual ou futuro ou grupo em que haja socialização de pacientes e compartilhamentos de relatos de experiência? 

-Faço atendimentos individuais e grupais, e estou sempre em contato com outros profissionais da saúde para projetos em parceria, como rodas de conversas, grupos de apoio e oficinas de preparação para o parto.

(En) Cena- Qual mensagem você deixa aos nossos leitores? 

-Há algo que é extremamente importante a gente saber: ao longo de toda a vida de uma mulher, desde o nascimento até a morte, vão existir três períodos de transição que são críticos e potencialmente perigosos a nível de saúde mental: a adolescência com a puberdade, o climatério próximo a menopausa e a fase perinatal, que contempla a gestação até o puerpério. E desses três períodos críticos, o período perinatal é o que tem maior prevalência de ansiedade, estresse e depressão.

Ao contrário do que muito se pensa, o bebê não é o único que requer atenção durante a gestação ou após nascer. Investir no cuidado das mães é uma forma de investir no cuidado dos filhos e é urgente que a temática da saúde mental materna seja ainda mais vista e valorizada.

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A construção social da maternidade

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No Brasil, o conceito de gênero também surge no século XX, e fora apresentado como uma categoria analítica, sendo o nome dado à imagem que a sociedade construiu do masculino e do feminino. Sendo assim, Safiotti (2006) pontua que a introdução do conceito de gênero ocorreu pela recusa do determinismo biológico, a repulsa sobre “a anatomia é o destino” que era imposto naquela época. Dessa maneira, a sociedade e os pesquisadores passam a dar uma atenção maior à relação estabelecida entre homem-mulher e suas implicações.

A partir disso, o sujeito passa a ser considerado como um ser histórico e social, onde suas relações são ponderadas pelo gênero, mas também reguladas pela classe social, raça/etnia e pela sua multiplicidade. Assim como Scott (1988) pontua, o gênero é não somente como uma categoria analítica, mas também histórica, estabelecendo a cultura, as instituições sociais, a subjetividade e a ordem social como mecanismos envolvidos pela disposição dele. A autora completa sinalizando o gênero como essencial para a dinâmica das relações de poder e para estruturar simbolicamente toda a vida social.

Concomitantemente, Badinter (2011) pontua que os movimentos feministas começaram a se articular para que a maternidade passasse a ser vista de acordo com as condições econômicas, sociais e culturais das mulheres e da família em geral. Ademais, Akotirene (2019) pontua que esse fenômeno permite que se possa questionar preconceitos, desigualdades, submissões de gênero, de classe e raça e as violências estruturais da matriz colonial moderna da qual surgem. Desse modo, a terceira onda do feminismo foi marcada pela luta por espaços de atuação nas políticas públicas, assim como atendimento qualificado às mulheres de todas as classes e raças, inclusive aquelas que viviam em vulnerabilidade social (Sousa, 2015). 

Ariès (1986) disserta que é ao longo do século XVI que surge a ideia de hierarquização da família de acordo com as idades e, a partir de então, começa a ser retratado nas obras cenas que ilustravam não apenas o sentimento de infância, mas também o sentimento de família. Em vista disso, as gravuras começam a demonstrar quais as funções instituídas a cada um do seio familiar, no qual a mulher cuidava dos filhos ou da casa e o marido fazia as contas enquanto as crianças brincavam. Daí começa a ser introduzida a imagem da mãe cuidadora, a que vigia o filho no berço, que amamenta, a que limpa a criança, entre outras funções, além disso, também é inserida a imagem dos criados e das amas junto à família (Ariès, 1986).

Diante disso, a partir do século XVII, Ariès (1986) disserta que as pinturas passam a ser caracterizadas pela vida privada, pelo que ocorria dentro do lar doméstico, além da família ser relacionada somente aos laços de sangue e às vivências dentro de casa. Ademais, “essa evolução reforça os poderes do marido, que acaba por estabelecer uma espécie de monarquia doméstica” (1986, p. 214), onde era amparado pela legislação real a retenção do poder no que refere-se à esposa e aos filhos. Desse modo, há uma mudança nos hábitos cotidianos e na ordem social. Toda essa dinâmica social fora muito influenciada pelo Catolicismo, que tinha Maria como a virgem pura, submissa e obediente ao seu Deus e ao seu marido José, tendo assim como base a Sagrada Família.

Considerando a autoridade do discurso religioso, a maternidade era tida como algo extremamente sagrado, assim, Moraes (2021) traz que a arte em meados do século XIX representava o feminino ligado à essência maternal, transcendendo uma decisão inegável, uma atuação limitada na sociedade. Logo, na dinâmica familiar, a maternidade era naturalizada, tida como um dever social às mulheres, enquanto os homens tinham participação através do domínio. Junto à isso, […] “vários moralistas, filósofos, médicos e legistas falavam em nome de uma natureza feminina; em defesa da nação, começaram a pensar como deveria ser uma mãe e o que se poderia esperar dela” (MORAES, 2021, p.38/39).

Daí em diante, o Estado, a igreja e a medicina passam a ser dispositivos de controle às práticas maternas, onde incentivaram o cuidado pelas mães biológicas e atribuíam sentido à idealização do amor materno, assim como Moreira (2009) aborda que a mulher passa a ser vista como responsável por passar a moralidade para os filhos, cuidar do lar e prover obediência ao homem. Desse modo, a Igreja torna-se um dispositivo de controle e ordem social, onde estabelecia normas de conduta para o casamento pautadas no sistema patriarcal que considerava a supremacia do homem sobre a mulher, doutrinando as práticas femininas e estimulando a reprodução (Venâncio, 2004).

Dessa maneira, infere-se uma construção do feminino a partir da maternidade, assim como discorre Badinter (1985) quando destaca que a mulher é designada para a maternidade, mas não somente o ser-mãe, mas ser uma excelente mãe para ser uma excelente mulher. Como afirma Colares e Martins (2016), os sentidos atribuídos à maternidade passam a ser ligados ao amor e cuidado, considerando um valor ideal a ser seguido, sendo assim introduzido o mito do amor materno. Para Resende (2017), o mito do amor materno operou como um fator determinante para a sistematização da sociedade, visto que, mediante a crença irrefutável do amor natural, foram desenvolvidas normas sociais de comportamento que interessavam ao Estado.

Fonte: Pixabay

Resende e Bedran (2013) atribuem o surgimento do mito do amor materno como essencial para um movimento de dimensão econômica que influenciará tanto as regras sociais quanto a relação entre os indivíduos. Temos que o amor materno fora idealizado juntamente com o modelo padrão de família burguesa, que inclusive era regido pelo modo de produção capitalista. Para Badinter (1985), o amor materno se configura como um mito a partir do momento em que surge a valorização da ideia de instinto maternal e do amor natural de toda mãe pelo filho.

Essa alusão ao amor materno espontâneo perpassa gerações e possibilita ao Estado, através do capitalismo e do patriarcado, controlar os comportamentos das mulheres. Assim, a partir da crença irrefutável do amor materno, era possível além de controlar, punir aquelas que não seguiam a ordem social estabelecida, seja através da Igreja (pecado) ou do determinismo médico (patologia). Dessa maneira, o mito do amor materno é um dos maiores dispositivos de poder do sexo masculino sobre o sexo feminino.

Moreira (2009) destaca que no final do século XIX, com a ascensão do sistema capitalista e o advento da Revolução Industrial, a função da mulher que até então era privada à maternidade, começa a ser exercida em espaços públicos. Essa mudança se dá pelas modificações nos modos de produção, onde houve a necessidade da mão de obra feminina nas fábricas com intuito de aumentar a produtividade. Além disso, o autor aponta que no século XX, com as Guerras Mundiais, houve um aumento da mulher no mercado de trabalho, visto que os homens eram recrutados para lutar na guerra e as mulheres tinham que assumir as finanças familiares. 

Esses acontecimentos históricos foram necessários para que a mulher pudesse ter outras possibilidades além da maternidade, passando de um modelo tradicional para um modelo moderno de maternidade (Moreira, 2009). Dessa maneira, com o acesso à educação, ao mercado de trabalho e com a autonomia nos negócios, a mulher passa a ter variáveis funções na sociedade, mesmo que a figura feminina do lar ainda fosse predominante. Em vista disso, Simone de Beauvoir declara que “ninguém nasce mulher: torna-se mulher”. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade” (2009, p. 312).

Para a autora citada, o amor materno é constituído a partir da relação estabelecida entre mãe-filho e não algo natural que decorre de todas as mulheres, bem como o ser-mulher, sendo algo construído socialmente a partir das relações e do trabalho. E é por isso que Akotirene (2019) disserta sobre a interseccionalidade como fator importantíssimo para o questionamento da mulher universal, visto que, de acordo com a cor/raça e classe, essa maternidade pode ser afetada positivamente ou negativamente, mesmo a maternagem obrigatória sendo um aprisionamento imposto pelas mazelas sociais para todas as mulheres.

Para Badinter (2011), foi a partir dessa mobilização feminista que a maternidade passou a ser desassociada ao destino feminino, podendo ver novos sentidos no ser-mulher para além da maternidade. Para isso, foram constituídos os princípios e normas dos direitos reprodutivos pela Constituição Federal do Brasil e pelos Direitos Humanos. Posto isso, Scalone (2001) destaca que no fim do século XX, com o surgimento dos métodos contraceptivos, há uma renúncia significativa da maternidade, proporcionando para as mulheres a possibilidade de escolha no âmbito pessoal e profissional. Desse modo, os avanços tecnológicos surgem como grande aliado das lutas feministas, uma vez que através das pílulas anticoncepcionais e dos métodos contraceptivos, permitiu-se a prevenção e escolha sobre ter filhos ou não (Barbosa; Rocha, 2007).

Ademais, o surgimento dos utensílios de apoio para cuidados dos bebês, como a mamadeira e o carrinho de mão, permitiam que as mães pudessem dividir as tarefas com terceiro e permanecer nas atividades do mercado de trabalho para além das domésticas. Daí em diante, no século XXI, Badinter afirma: “é como se a criança não fosse mais a prioridade das prioridades” (2011, p. 31). Sendo assim, pode-se atribuir outro valor à maternidade, que surge não como destino social, mas como uma escolha que divide espaço com diversas variáveis sociais e pessoais, bem como o adiamento da maternidade ou optar por não ser mãe. Todavia, essa escolha não é tão espontânea assim, visto que sofre influências externas o tempo inteiro. 

Além disso, Badinter (2011) aborda sobre o ressurgimento silencioso da visão naturalista a partir das práticas médicas e religiosas. Essas práticas circundam muito no âmbito da moralidade, que gira em torno do que é certo ou errado para determinada instituição social. Desse modo, vemos que a postura naturalista pode convocar novamente a ideia de amor instintivo, inato de mãe para filho, em que ela fica totalmente responsável pelo desenvolvimento saudável do filho e deve ser uma “boa mãe”. Em contraste, aquelas que não seguirem tal modo são atravessadas pela culpa moral.

Concomitante a isso, percebe-se, no século XXI, duas visões de mundo diferentes sobre a maternidade. Enquanto os discursos naturalistas e religiosos introduzem que a mulher mãe tem que ficar mais tempo com os filhos durante seu crescimento e desenvolvimento, o discurso capitalista aponta a necessidade de aumento de produção através da mão de obra feminina. Por isso, é preciso considerar na contemporaneidade, a pluralidade de discursos sobre as maternidades para que não reincida no determinismo biológico e nas armadilhas do capitalismo. 

Assim, entende-se que a maternidade é uma condição de instabilidade de sentimentos, pois pode ser gerada pelo meio e pelo que é internalizado a partir do meio, sentimentos satisfatórios ou insatisfatórios sobre o ser mãe. Por isso, é preciso compreender a maternidade em sua totalidade, considerando em como a maternidade foi construída, nas relações interpessoais da mãe e do filho, se há ou não rede de apoio, entre outros aspectos. Ademais, considerando a perspectiva interseccional, é importante pensar que a maternidade será vivenciada de modos diferentes, visto que são pessoas diferentes e em contextos diferentes de vida.

REFERÊNCIAS

AKOTIRENE, Carla. Interseccionalidade. Pólen Produção Editorial Ltda, 2019.

ARIÈS, P. História social da criança e da família. Rio de Janeiro, Guanabara, 1986

BADINTER, E. Um amor conquistado: o mito do amor materno. Tradução de Waltensir Dutra. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1985

BADINTER, E. O conflito: a mulher e a mãe. Rio de Janeiro: Record, 2011.

BARBOSA, P. Z.; ROCHA, M. L. Maternidade: novas possibilidades, anti-gas visões. Psicol. clin. Rio de Janeiro , v. 19, n. 1, p. 163-185, 2007

COLARES S. C. S; MARTINS R. P. M; Maternidade: uma construção social além do desejo. Revista de Iniciação Científica da Universidade Vale do Rio Verde, Três Corações, v. 6, n. 1, p. 42-47, 2016

MORAES, M. Maternidade: Uma Análise Sociocultural. Editora Appris, 2021.

MOREIRA, R. Maternidades: os repertórios interpretativos utilizados para descrevê-las. Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Universidade Federal de Uberlândia, Programa de Pós-Graduação em Psicologia Uberlândia, 2009.

RESENDE, D. K. Maternidade: uma construção histórica e social. Pretextos-Revista da Graduação em Psicologia da PUC Minas, 2(4), 175-191, 2017

RESENDE, D. K., BEDRAN, P. M. As construções da maternidade do período colonial à atualidade: uma breve revisão bibliográfica. Revista Três Pontos, 14(1), 2013.

SAFFIOTI, H. I. B. Ontogênese e filogênese do gênero. 2006.

SCAVONE, L. A maternidade e o feminismo: diálogo com as ciências sociais. Cadernos pagu, 137-150, 2001.

SCOTT, J. W. (1986) Gender: A Useful Category of Historical Analysis, American Historical Review, Vol. 91, Nº 5. Também publicado em HEILBRUN, Carolyn G., MILLER, Nancy K. (orgs.) (1988) Gender and the Politics of History. Nova Iorque: Columbia University Press, p. 28-50. Versão brasileira: Gênero: uma categoria útil de análise histórica, Educação e Realidade. Porto Alegre: UFRGS, 1990.

SOUZA, S. MARTINS, T. Patriarcado e capitalismo: uma relação simbiótica. Temporalis, v. 15, n. 30, 2015.

VENÂNCIO, R. P. A maternidade negada. In: PRIORE, M.D. (Org.). História das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, cap. 6, p.159-186; 2004.

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O impacto da manipulação digital através das deepfakes: até que ponto as pessoas podem chegar utilizando esta ferramenta? 

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A tecnologia tem transformado muitos aspectos de nossas vidas, desde a maneira como nos comunicamos até a maneira como trabalhamos e nos divertimos. Como qualquer outra coisa, a tecnologia tem seus benefícios e malefícios. Um aspecto benéfico é na comunicação: a tecnologia tornou a comunicação mais rápida e fácil do que nunca. Podemos nos comunicar com pessoas do mundo inteiro instantaneamente, seja por meio de chamadas de vídeo, mensagens de texto ou e-mail. 

As ferramentas de trabalho nos auxiliam da melhor maneira para facilitar o trabalho do dia-a-dia. Uma dessas é o queridinho Whatsapp. O aplicativo de mensagens além de conectar várias pessoas ao mesmo tempo, auxilia na organização de rotinas, trabalho e faculdade através dos famosos grupos infinitos. Recentemente adicionou uma nova ferramenta: as comunidades, na qual os usuários podem reunir vários grupos de um mesmo assunto em um só local para facilitar a busca. 

Infelizmente, a tecnologia pode ser usada para o mal de muitas maneiras diferentes, desde o roubo de identidade até o cibercrime e a disseminação de desinformação e propaganda. Um desses malefícios são as deepfakes, que começou apenas como algo divertido, mas que tem se tornado uma aliada para criminosos. 

As deepfakes são vídeos, imagens ou áudios falsos criados com o uso de inteligência artificial (IA) e aprendizado de máquina para substituir o rosto ou a voz de uma pessoa por outra. Essa técnica utiliza algoritmos de processamento de imagens e de áudio para mapear os traços faciais e a voz de uma pessoa e, em seguida, combiná-los com o conteúdo de outro vídeo ou áudio para criar uma imagem ou gravação falsa que pareça autêntica (SANTOS, 2021). 

PARIS; DONOVAN (2019), citam que as deepfakes podem ser usadas para diversos fins, desde criação de conteúdo artístico e entretenimento até a criação de notícias falsas ou cenas de pornografia não consensual. Por isso, essa técnica tem levantado preocupações éticas e de segurança. Para combater o uso indevido das deepfakes, várias abordagens têm sido propostas, incluindo o desenvolvimento de algoritmos de detecção de deepfakes, a promoção de educação e conscientização sobre a tecnologia, e a criação de leis e regulamentos para a sua utilização (SANTELLA, SALGADO, 2021). 

Além disso, é importante que as empresas de tecnologia e as redes sociais tenham políticas claras para lidar com deep fakes e conteúdo falso, a fim de proteger a integridade das informações e a segurança dos usuários.

A manipulação digital através de deepfakes é uma técnica de edição de vídeo que utiliza a inteligência artificial para criar vídeos falsos que parecem genuínos. Casos semelhantes aconteceram com as atrizes Gal Gadot e Scarlett Johansson que tiveram seus rostos utilizados em vídeos pornográficos, e  Barack Obama enquanto ainda era presidente teve seu vídeo utilizado com uma fala de outra pessoa ao invés da própria, justamente para alertar sobre o perigo desta manipulação. 

A máquina por trás do rosto
Fonte: Pixabay

Embora a tecnologia por trás dos deepfakes seja fascinante, a sua crescente popularidade tem levantado preocupações significativas sobre o seu impacto na sociedade. Abaixo estão alguns dos principais impactos da manipulação digital através de deepfakes:

  • Desinformação: podem ser usados para criar vídeos falsos de pessoas famosas, políticos, e outras figuras públicas, que podem ser compartilhados nas redes sociais e em outras plataformas de mídia. Isso pode causar desinformação e desconfiança na informação que recebemos (SANTOS, 2021). 
  • Fraude: também podem ser usados para enganar as pessoas em transações financeiras, negociações comerciais e em outras atividades que dependem de comunicação visual. Isso pode resultar em fraudes financeiras e outros tipos de crimes (SANTAELLA, SALGADO, 2021). 
  • Difamação: podem ser usados para difamar pessoas, criando vídeos falsos de pessoas em situações embaraçosas ou ilegais. Isso pode ter sérias consequências para a vida das pessoas retratadas nos vídeos. (HAWLEY, 2014). 
  • Política: podem ser usados para manipular eleições, criando vídeos falsos de candidatos em situações embaraçosas ou comprometedoras. Isso pode afetar a percepção pública de um candidato e influenciar a votação. (CASTELLS, 2015). 
  • Privacidade: podem ser usados para invadir a privacidade das pessoas, criando vídeos falsos que parecem mostrar pessoas em situações privadas ou íntimas. Isso pode ter um impacto profundo na vida das pessoas afetadas (D’CRUZ, 2020). 
Fonte: Pixabay

Esta é uma questão muito preocupante, a deepfake pode ser usada para enganar, manipular e prejudicar as pessoas. O ponto mais crítico é que na maioria dos casos, esta manipulação atinge mais mulheres, principalmente para alimentar a indústria pornográfica (SANTOS, 2021). Temas como racismo, machismo e fanatismo podem ser bastante discutidos acerca da utilização da deepfake, pois atualmente a tecnologia não tem sido apenas uma ferramenta em que as pessoas utilizam para auxílio, mas tem entrado em questões da sociedade e nas relações humanas com a tecnologia. 

Comportamentos são influenciados a todo momento, por isso, é notório pensar que se hoje a quantidade massiva de deepfakes produzidas são para difamar, fraudar e quebrar a privacidade, é possível imaginar uma reação contrária, em que essas tecnologias podem ser utilizadas para incluir, educar e alertar, fazendo então o caminho inverso. 

REFERÊNCIAS 

CASTELLS, M. A sociedade em rede. São Paulo, Paz e Terra, 2015.

D’CRUZ, J. Trust and distrust. In: SIMON, Judith (ed.). The Routledge handbook of trust and philosophy. London: Routledge, 2020, p. 41-51.

HAWLEY, K. Trust, distrust and commitment. Noûs, Hoboken, NJ, v. 48, n. 1, 2014, p. 1–20. Disponível em: onlinelibrary.wiley.com/ doi/epdf/10.1111/nous.12000. 2014. 

PARIS, B.; DONOVAN, J. Deepfakes and cheap fakes. Thousand Oaks: Sage (=Data & Society’s Media Manipulation research initiative). Disponível em: datasociety.net/wp-content/uploads/2019/09/DS_ Deepfakes_Cheap_FakesFinal-1-1.pdf. 2019.

SANTAELLA, L.; SALGADO, M. de M. Deepfake e as consequências sociais da mecanização da desconfiança. TECCOGS – Revista Digital de Tecnologias Cognitivas, n. 23, jan./jun. 2021, p. 90-103.

SANTOS, K. de M. Como o uso de Deepfakes pode impactar as relações sociais na cibersociedade. Salvador, 25-30 jul. 2021.

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Comprar, comprar e comprar: somos o que consumimos?

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Algo cada vez mais frequente em nossa rotina diária: compramos, consumimos e nos desfazemos de coisas o tempo todo.  Se refletirmos sobre a constituição de nossos objetivos, uma parte considerável deles estão associados à aquisição de bens a serem consumidos. Para algumas pessoas seus maiores sonhos e momentos de felicidade estão relacionados a conquista de bens materiais, os melhores carros, celulares, bolsas e sapatos, mas se questionamos um pouco essa relação, podemos analisar se no final das contas, realmente precisamos de todos estes pertences para sermos felizes, em uma eterna corrida para acumular dinheiro e comprar, comprar e comprar. 

Para grande parte da população seu dia a dia se resume em acordar, trabalhar, dormir, acordar e trabalhar de novo, sempre visando o momento em que o esforço será compensado. Normalmente esse momento se configura no ato de consumir. Na televisão, revistas, redes sociais e até mesmo nas ruas, em outdoors, as propagandas não vendem só um objeto com uma utilidade, mas um ideal de felicidade, conquista e realização pessoal. 

Nosso dever é ser feliz e a felicidade implica o consumo. Como salienta Baudrillard, a aquisição dos objetos na nossa sociedade traduz-se pela ilusão de que o consumo pode preencher a demanda de felicidade. Os objetos neste registro simbólico são marcados por uma equivalência entre possuir bens e usufruir a felicidade. Deste ponto de vista, a referência à felicidade articula-se com a ideologia igualitária-individualista do bem-estar, na qual o conforto e o bem-estar passam a ser sinônimo de felicidade, assim como permitem uma espécie de mensuração da igualdade (FORTES, 2009, p. 1127).

A cultura do consumo é instituída na vida cotidiana, com a frequente criação de coisas indispensáveis para se ter, tornando impossível que se alcance a satisfação plenamente, pois sempre vai existir um novo item para se cobiçar. Ainda que você consiga comprar aquilo que almeja, em pouco tempo surgirá  um produto “melhor”, e o mal estar persistirá.

Fonte: encurtador.com.br/vB029

Lançado em 2009 o filme “Os Delírios de Consumo de Becky Bloom” acompanha a saga de Becky, uma compradora compulsiva, com uma enorme dívida a personagem reflete sobre a sensação despertada pelo ato de consumir: “Porque quando faço compras, o mundo fica melhor. O mundo é melhor. E depois já não é mais. E eu preciso comprar de novo.”. No filme assim como na vida real, os produtos desejados pela personagem são substituídos por outros, a felicidade não dura, as propagandas remodelando bens de consumo em desejos, fomentando a crença de que precisamos consumir cada vez mais, porém assim que adquirido o produto parece perder o valor, e o ciclo recomeça.

No atual contexto social pode-se reconhecer de maneira errônea o consumo como sinônimo de felicidade, conquista, prestígio social, como se por intermédio da ação de consumir o status pessoal fosse elevado, porém quase sempre isso se configura em uma armadilha bem arquiteta, pois a alegria sentido após uma compra é breve, com sujeitos fardados a buscar essa satisfação comprando novamente, ainda que raramente se use verdadeiramente tudo o que é comprado, por fim a felicidade prometida não passa de propaganda enganosa. 

Referências:

FORTES, Isabel. A psicanálise face ao hedonismo contemporâneo. Revista mal-estar e subjetividade, Fortaleza, vol. 9, n. 04, pp. 1123-1144, dez. 2009.

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Uma breve reflexão sobre a fofoca

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A fofoca normalmente é vista como uma ação negativa e inadequada. Ainda assim, podemos observar esse comportamento presente nas relações sociais, diversas vezes descrito como um ato malicioso, conversas em que o assunto principal é a vida alheia, incluindo assuntos relacionados a novo emprego, um término ou um novo casal, entre outros tópicos. Fofocar não é visto com bons olhos. 

Para várias pessoas, fofocar é o hábito de falar de maneira negativa de alguém. Alguns indivíduos fazem fofoca, e dizem que são somente observações sem nenhuma intenção maldosa, o que pode ser verdade, porém no final do dia isso ainda é fofocar. Olhando por outra perspectiva a fofoca pode ocasionar a criação de vínculos e ainda é um meio de comunicação que provoca a identificação entre pessoas e seu meio social. Constantemente é considerada futilidade, entretanto, esse hábito pode ser benéfico na constituição e manutenção dos laços que unem as pessoas.

Esse meio de comunicação descontraído consegue ser indispensável ao se partilhar informações, sendo proveitoso durante a cooperação social, pois durante esse tipo de conversa elos sociais são consolidados. Sendo dessa forma, a fofoca possui um lado positivo, quando fortalece a ligação entre as pessoas, gerando contato humano. As fofocas, ainda que esse fato não seja notado, estimula os relacionamentos sociais. 

Fofocar parece ser tão próprio do ser humano que existem programas de entretenimento e revistas dedicados a isso, tendo em vista a vida de figuras públicas. A fofoca é parte rotineira da vida humana, unindo as pessoas, fortificando os relacionamentos, possuindo um papel importante na construção de grupos sociais, ao aproximar pessoas diferentes ao redor de um assunto em comum de uma forma espontânea e natural. A fofoca, se bem usada, pode apresentar um caráter mais otimista do que enxergamos a primeira vista. 

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Padrão de beleza e a volta da moda dos anos 2000

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A ideia de padrão de beleza se encontra associada a um aglomerado de regras e características de como a aparência de uma pessoa pode ou não ser. Com um forte papel da mídia, o que deve ser considerado bonito é ditado e a pressão por se moldar nesse ideal de beleza pode ser um fator desencadeante de sofrimento psicológico, e estar conectado a padrões comportamentais que impactam negativamente a saúde.  

O padrão de beleza é estabelecido pela sociedade, mas principalmente pela classe hegemônica. Na era renascentista por exemplo, o ideal para a beleza feminina, era algo mais voluptuoso, as curvas avantajadas nos seios, quadris, pernas e barriga, isso pode ser observado nas retratações artísticas de figuras femininas da época. E essa era a norma para a época, pois não haviam meios de conservação de alimentos, assim quem tinha acesso a comida o ano inteiro eram as classes com maior poder aquisitivo. Vendo sob essa ótica, o que era considerado bonito, estava diretamente associado ao dinheiro (CARRETEIRO, 2005).

Atualmente a beleza ainda pode ser conectada ao dinheiro, sem curvas em excesso, corpos malhados, magros, a pele perfeita e bronzeada, e isso informa para o mundo que você tem tempo livre para ir a academia, ou a praia, dinheiro para ir a um dermatologista e esteticista, no final das contas o mundo não está tão diferente. 

Ainda que nos últimos anos a busca por uma beleza mais cheia de curvas, influenciada pelas Kardashians, influencers que tem ocupado a média nos últimos 10 anos, esse padrão curvilíneo era, no fim das contas, essencialmente magro. No entanto, nos últimos meses as irmãs Kardashians, também estão se adaptando ao novo padrão, realizando a reversão de suas cirurgias, em recentes aparições públicas, apresentaram um físico mais magro. Tal transformação se configura como um sinal da modificação do padrão de beleza, voltando a ideia de magreza experienciada nos anos 2000. 

Nos últimos 2 anos a moda dos anos 2000 voltou, a estética com cores vibrantes, brilho, correntes, bordados e a cintura baixa, pode ser vista com cada vez mais frequência, entretanto uma outra coisa retornou, a glamourização da extrema magreza. Essa época foi delimitada pelo aumento das mídias sociais, sendo assim, o padrão do que era considerado belo, se propagou de modo ainda mais intenso, a estética da magreza extrema como acessório, e relacionado a isso, a romantização de transtornos alimentares.

Com isso podemos observar que, a medida que mais pessoas se encaixam no padrão, ele tem tendência a mudar, assim novos problemas são criados, e as soluções “mágicas” são vendidas, e essa engrenagem se movimenta para o controle desses corpos, a indústria da magreza  promove o consumo de produtos e serviços que prometem a aparência perfeita por um custo adicional, priorizando o dinheiro, e desconsiderando os danos à saúde.

Fonte: encurtador.com.br/sAMP0

 

A indústria cultural ensina às mulheres que cuidar do binômio saúde-beleza é o caminho seguro para a felicidade individual.  […] O tal corpo adorado é um corpo de ‘classe’. Ele pertence a quem possui capital para frequentar determinadas academias, tem personal trainer, investe no body fitness, esse corpo é trabalhado e valorizado até adquirir as condições ideais de competitividade que lhe garanta assento na lógica capitalista. Quem não o modela, está fora, é excluído. (PRIORE, 2009, p.92)

Podemos facilmente idealizar épocas que não vivenciamos, a herança estética pode aparentar ser mais cativante do que a verdade sociocultural da época, com padrões de comportamentos nocivos para a saúde, que perpetuavam a busca incansável pela magreza, e criticava massivamente qualquer pessoa que não se encaixasse minimamente nesse padrão.

A magreza foi constantemente reforçada pelas mídias sociais, com a televisão desempenhando um papel fundamental para que esse padrão fosse estabelecido na maior parte do mundo, sendo assim, se deu início à procura pelo corpo ditado como o ideal (HESS, 2017).    

Nos dias atuais as pessoas ainda sofrem essa pressão estética, com corpos delimitados por dietas rigorosas e restritivas, e diversas vezes por cirurgia, sendo constantemente exposto nas redes sociais com filtros e edições, como naturais, aumentando a busca por um padrão de beleza cada vez mais inalcançável. 

É dócil um corpo que pode ser submetido, que pode ser utilizado, que pode ser transformado e aperfeiçoado. […] Nesses esquemas de docilidade, em que o século XVIII teve tanto interesse, o que há de tão novo? Não é a primeira vez, certamente, que o corpo é objeto de investimentos tão imperiosos e urgentes; em qualquer sociedade, o corpo está preso no interior de poderes muito apertados, que lhe impõem limitações, proibições ou obrigações. (FOUCAULT, 1986, p. 126).  

A ditadura da magreza se fortalece ainda mais na sociedade atual, relacionando-se a um sinônimo de beleza e status social, por intermédio da mídia, o corpo magro é vendido como atributo de saúde e felicidade, algo a ser almejado e alcançado não importa os custos. Já vivenciamos esse contexto antes na história, alguns anos depois, a volta da moda dos anos 2000, que valorizava um físico super magro, se encontra novamente em alta, porém esse momento nostálgico pode trazer de volta outras questões que vão além da cintura baixa. 

REFERÊNCIAS

CARRETEIRO, Teresa Cristina. Corpo e contemporaneidade. Belo Horizonte: Psicologia em Revista, v. 11, n. 17, p. 62-76, jun. 2005. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1677-11682005000100005. Acesso em: 03 de out. 2022.

FOUCAULT, M. Vigiar e punir, histeria da violência nas prisões. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 1986. 

HESS, F. A história da moda plus size e a evolução dos padrões de beleza. 2017. Disponível em: http://www.sindicatodaindustria.com.br/noticias/2017/08/72,115466/a-historia-da-moda-plus-size-e-a-evolucao-dos-padroes-de-beleza.html. Acesso em: 04 de out. 2022.

PRIORE, Mary Del. Corpo a corpo com a mulher: pequena história das transformações do corpo feminino no Brasil. 2° edição São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2009.

Novo padrão, opressão antiga: o que o novo corpo de Kim Kardashian nos mostra, Valkirias, 2022. Disponível em: https://valkirias.com.br/novo-padrao-opressao-antiga/. Acesso em: 21 de out. 2022.

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A Jaula e o poder do condicionamento

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O Filme A Jaula é um drama que traz à tona a violência do sequestro de uma criança e todo enredo do filme se trata do desafio da filha nascida em cativeiro. Os personagens, Paula e Simón, que são marido e mulher, encontram no meio de uma rodovia a pequena Clara que estava sozinha andando somente na faixa branca da estrada.

Já de início, chama muito a atenção a criança ver carros vindo em sua direção no entanto em momento algum tenta correr para as extremidades da rua, para evitar ser atropelada por algum carro que a pegasse de surpresa, logicamente, este não é um comportamento seguro. No entanto, Paula e Simón pegam a garotinha e a levam para o hospital, quando a menina acorda, pega no mesmo instante um giz e faz um quadrado e somente ali dentro daquele quadrado ela fica tranquila e sem agitação ou agressividade, comportamento que também foi visto quando ela é levada para a casa dos protagonistas.

A cada momento em que a menina era exposta pela psicóloga a possibilidade de apagarem o quadrado ela se desregulava e o mais rápido possível tentava restituir o seu lugar seguro. Quando Paula pede uma explicação, a criança fala “castigo”, como se certamente fosse ser punida se ousasse sair de dentro daquele quadrado, o que mantinha a criança sempre nestes espaços devidamente delimitados, logo, Clara cria um espaço em toda a casa feito com giz para que a menina pudesse andar pela casa.

Figura 1 – Cena do filme Jaula onde a personagem Clara cria um quadrado feito de giz e fica ali. Fonte: encurtador.com.br/nsuJV

Para entendermos o porque essa criança se comportava desta forma, se faz necessário ressaltar que durante muitos anos, vários estudiosos tentaram entender o comportamento humano, como as pessoas se comportam, por que emitem comportamentos em alguns ambientes e não emitem esse mesmo comportamento em outros ambientes e buscando encontrar uma forma de controlar e modificar comportamentos. Um dos nomes mais conhecidos por fazer estudos e testes com humanos, focado unicamente em observação e modificação de comportamento, foi  Watson, que conduziu uma experiência com o pequeno Albert.

Neste experimento Watson desenvolveu um modelo comportamental onde um estímulo é emparelhado com algo seja positivo ou negativo e isto faz com que este estímulo que no início era neutro agora se torna algo agradável, ou algo aversivo, que gera repulsa ao indivíduo.

Figura 2 – Imagem do Experimento do Pequeno Albert. Fonte: encurtador.com.br/lBCDI

Skinner(1982), definiu outro modelo de observação e modificação de pensamento, conhecido como condicionamento operante, onde os comportamentos não são somente emitidos porque foram emparelhados, mas os comportamentos são regulados, seja reforçados ou colocados em extinção, por causa das consequências.

Quando vemos Clara se comportar desta forma e ter muito medo de sair de dentro desta jaula feita de giz por estar certa de que algo ruim aconteceria, se dá exatamente porque algo está condicionado em sua mente, de que o único lugar em que ela não seria punida é dentro daquela jaula, provavelmente a cada vez que essa criança saia de dentro daquele cercado de giz era punida severamente, o que fez com que isso se tornasse uma regra para ela, fazendo com que de forma alguma ela se comportasse de forma diferente.

Neste caso específico foi algo provavelmente feito e firmado na mente daquela criança, e somente a medida que, no final do filme, ela dava passos pra fora da jaula que na verdade era apenas uma prisão mental, ela pode perceber que não era como já havia sido condicionado em sua mente, que não seria castigada instantaneamente, que poderia ser livre para se salvar e salvar a Paula.

Para Clara, sair dessa jaula era uma questão de vida ou morte, foi o que a moveu a caminhar para fora, muito provavelmente você também tem suas prisões, traumas e realidades que deixaram marcas profundos que hoje fazem com que tome atitudes que muitas vezes nem consegue compreender por que as faz, simplesmente faz como se nem conseguisse lembrar quando isso começou, ou se realmente essa é a melhor opção a ser feita.

Corremos um grande risco deixando coisas da nossa vida e da nossa história como que um campo minado onde a qualquer momento que alguém pisar, algo explode sem muita explicação, para Clara este condicionamento foi desejado por seu sequestrador como forma de mantê-la sobre seu poder, no entanto conosco muitas vezes nós é que causamos estes condicionamentos pela forma como lidamos com o que nos aconteceu, ou muitas vezes por não termos tido a maturidade necessária para lidar com aquilo naquele momento.

A longo prazo as relações são colocadas em “xeque” por causa deste campo minado que estende pela história de muitos homens e mulheres, é preciso com coragem e disposição, reabrir os processos e reformular e ser cada vez um pouco mais livre diante dos acontecimentos e sofrimentos do passado, diante do horizonte belíssimo que pode vir a ser futuro.

Referências:

SKINNER, Burrhus Frederic. Seleção por conseqüências. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, v. 9, n. 1, p. 129-137, 2007.

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