O Tratamento do deficiente intelectual e múltiplo: um olhar profissional

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A primeira Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) foi fundada em dezembro de 1954 na cidade do Rio de Janeiro, que na época era a capital do Brasil. Caracteriza-se por ser uma instituição responsável pelo cuidado com os deficientes intelectuais e múltiplos e tem como missão a promoção e articulação das ações de defesa de direitos e prevenção, orientação, prestação de serviços e apoio à família, direcionadas à melhoria da qualidade de vida da pessoa com deficiência e à construção de uma sociedade justa e solidária. O trabalho com os deficientes intelectuais e múltiplos é algo de extrema importância mas bastante negligenciado e desconhecido, devido às dificuldades e falta de conhecimento sobre essa área poucos profissionais decidem por essa atuação. Devido a sua importância porém pouca visibilidade decidimos entrevistar parte da equipe multiprofissional da saúde da APAE de Paraíso do Tocantins. Convidamos a Terapeuta Ocupacional Talita Dias, formada pela facudade PUC do Goiás, e ingressou no mercado de trabalho na área dos cuidados com pessoas especiais, através da Apae de Paraíso há mais de 10 anos, e no ano de 2022 abriu sua clínica particular Integrar Paraíso (@integrarparaiso) que é um Centro de Reabilitação Infanto Juvenil, composta por uma equipe multidisciplinar com o intuito de trabalhar com esse mesmo público. Também entrevistamos a Psicóloga Savanna Ferreira Dala, formada pela faculdade Ceulp/Ulbra de Palmas – TO, já trabalhou na Secretaria da Educação como Psicóloga Escolar e atualmente trabalha com o público de deficientes intelectuais. 

(En)Cena: Como vocês chegaram até a Apae?

Savanna: Quando eu cheguei na apae eu já tinha uns dois anos de formada e trabalhava na Diretoria Regional de Ensino, na parte de psicologia educacional.  Após perder o emprego, a presidente da época me convidou para vir trabalhar aqui, eu não conhecia o trabalho das APAEs e nunca nem tinha trabalhado com crianças especiais apesar de trabalhar na área da educação, era voltado para crianças de ensino regular. 

Talita: Me formei em Goiânia na PUC, após 6 meses que eu estava desempregada  recebi a proposta aqui de paraíso, na época eu nem sabia que existia essa cidade, eu vim através da Dona Daura que era presidente na época e isso já faz 16 anos. Eu costumo dizer que caí aqui de paraquedas, já conhecia o trabalho das APAEs através de estágios na faculdade mas nunca tinha tido um contato tão profundo. 

(En)Cena: Como funciona a atuação profissional na APAE?

Savanna: O trabalho da psicologia aqui é bem versátil, tem muitas áreas da psicologia aqui que a gente trabalha aqui dentro, dois exemplos que podemos citar é a psicologia escolar e clínica porque a gente trabalha com orientação de professores, a parte cognitiva das crianças, a aprendizagem e também questões emocionais, familiares, orientação de pais, entre outros. Já tentamos algumas vezes fazer grupo de pais mas não é algo muito fácil de ser realizado porque eles não aceitam e não aderem ao trabalho, às vezes vem e param de vir mas o foco acaba sendo também a família e não somente o aluno.

As crianças que têm o entendimento para trabalhar o emocional, atividades voltadas para o convívio social a gente trabalha e as crianças que não tem esse desenvolvimento cognitiva a gente acaba trabalhando esse desenvolvimento cognitivo de aprendizagem, raciocínio, atenção, concentração, muito voltado para essas duas vertentes, então depende muito do desenvolvimento e do comprometimento cognitivo de cada um, a patologia e o CID que cada um tem. 

Talita: Eu trabalho a parte cognitiva de forma lúdica, a reabilitação física de membros superiores e trabalho a parte de AVDs (atividades da vida diária). 

(En)Cena: Quais os maiores desafios que você enxerga em relação ao seu trabalho? 

Savanna: Eu vejo que uma grande dificuldade é a falta de aceitação dos pais em relação à realidade do filho, porque quando o pai aceita, adere e abraça o história do filho, vê as dificuldades que o filho tem, aceita que aquilo é uma realidade e que se não ajudarem a criança pode não evoluir, se eles aceitam temos um tratamento mais eficaz e uma evolução melhor, mas quando o pai não aceita encontra-se muitas limitações, tanto emocionais quanto de fazer o que se pede, porque precisamos lembrar que o tratamento não é só aqui dentro, muitas vezes orientamos a uma mudança de rotina ou uma atividade diferenciada em casa pra dar continuidade ao que é ensinado aqui, tem pais que fazem e abraçam e tem pais que não. Outra questão que eu vejo também é a frustração que temos como profissional, no começo eu ficava bastante assim, porque o paciente, algumas vezes, não tem a evolução que esperamos devido a patologia, muitas vezes o paciente consegue atingir algo em uma semana e na próxima semana ele já regrediu novamente e quando eu cheguei aqui eu me cobrava bastante achando que eu ficaria a vida inteira trabalhando a mesma coisa sem alcançar uma evolução mas depois eu comecei a entender que é uma área diferente de atuação dentro da psicologia, não é como trabalhar em uma escola regular ou atender um paciente na clínica particular com uma criança sem deficiência intelectual, é totalmente diferente e por isso a gente entende que qualquer ganho é positivo. Eu vejo também que por causa desses fatores para trabalhar aqui é necessário ter um gosto pelo trabalho porque se não, dificilmente o profissional vai permanecer. 

Talita: O maior desafio aqui na clínica são os pais que não ajudam, a equipe multidisciplinar na clínica orienta os pais a dar continuidade no tratamento dentro de casa, e consegue-se enxergar  nitidamente diferença  da evolução dos pacientes em que a família dá esses suporte daqueles que não possuem esse suporte familiar. Outra dificuldade que temos aqui é a questão financeira, porque às vezes precisamos de um equipamento, algo que é mais caro, mas que a instituição não pode comprar e acaba tendo que passar por licitações que acaba sendo demorado ou nem chega. Tem coisas que vão além do que fazemos aqui, um exemplo disso é o desfralde, eu não consigo trabalhar um desfralde sem a ajuda de um pai, ou a seletividade alimentar também, são coisas que não podemos fazer sem a cooperação dos pais no processo. 

                                                                                                                fonte pixabay

(En)Cena: Já aconteceu de um paciente estagnar nas respostas terapêuticas?, Se sim, como proceder? 

Savanna: Chegar ao ápice do desenvolvimento não é algo que acontece, o que pode acontecer é da família não aceitar que o paciente chega em uma certa idade em que ele não vai passar daquilo. Que ele já alcançou na parte cognitivo porque dentro da idade que ele possui para conseguir ir além. Vai ser em passos mais lentos do que já foi até o momento presente. Por exemplo às vezes o paciente tem trinta anos e não conseguiu falar, e a mãe quer que ele fale ou o responsável quer que ele leia, e o desenvolvimento cognitivo dele mostra que ele não vai ser capaz de ler fluentemente. Ele pode até reconhecer letras mas não consegue ler. Pode ser devido a idade ou questões cognitivas mesmo. Esse impasse existe muito e na maioria das vezes a família não aceita, então se a gente tira determinado paciente do tratamento para dar oportunidade para alguém que tem cinco anos de idade e que a gente sabe que vai conseguir desenvolver melhor porque ela ainda tem essa flexibilidade no cérebro de desenvolvimento. A elasticidade ainda está boa para aprendizagem e por isso ela vai conseguir e já um cérebro de trinta anos já se encontra com mais dificuldades, então acaba sendo melhor dar oportunidade para o paciente de cinco anos, sempre relacionando isso sobre as vagas, porque o atendimento na instituição é bem concorrido. Mas é claro que se pudéssemos atender a todos, essa seria a nossa opção. 

Outra coisa que a gente busca fazer é manter em sintonia com a área pedagógica da instituição, por que às vezes a professora vai conseguir evoluir com ele algumas coisas que seriam trabalhadas aqui com a gente, e isso acaba abrindo vaga para os novos pacientes aqui na clínica. 

Talita: Chegar ao ápice da evolução nunca aconteceu dentro da terapia ocupacional, o que aconteceu foi que o paciente conseguiu alcançar tudo o que eu tinha listado e de certa forma não tinha mais o que fazer. Teve um caso aqui na instituição em que a minha paciente já tinha alcançado tudo na parte sensorial, ela também tinha relações cognitivas para serem tratadasmas ela já estava em outra escola e instituições que trabalhavam as mesmas coisas, então para dar vaga pra outros eu acabei dando alta pra ela. Nesse processo a gente chama a família, orienta, explica os motivos da alta que estamos dando, isso acontece bastante nas crianças da estimulação precoce, quando elas conseguem alcançar os marcos principais como, subir escada, caminhar, correr, pular então nós chegamos nós pais e avisamos aquilo que ele já conseguiu fazer e damos alta orientando a família nos próximos passos a serem feitos.

(En)Cena: Quais os ganhos para vocês como profissionais trabalhando aqui na instituição?

Savanna: Na minha visão, vejo que abriu nossa mente para essa área do desenvolvimento, seja ele infantil, cognitivo, de que tem crianças lá fora que precisam da gente também. Tanto que acabei expandindo e abrindo um consultório particular nessa área.E aqui abriu muitas portas pra mim profissionalmente por que eu vejo que aprendi muita coisa que nem sabia que existia. E com o tempo eu aprendi coisas que não aprendi na faculdade, porque a gente acaba não aprendendo tudo lá, a gente fica mais no campo da teoria, mas na prática, a realidade é mais trabalhando mesmo e eu considero que eu fiz outra faculdade aqui. 

Talita: Entre tantas coisas que eu posso pontuar aqui, eu vejo que meu olhar clínico foi muito aguçado e melhorado ao decorrer dos anos., Hoje a gente  que trabalha nessa área da avaliação já consegue identificar com mais facilidade pessoas que possuem traços de atraso no desenvolvimento, claro que tem aquelas crianças que te deixam dúvida, mas a maioria dos casos é bem certeiro mesmo, e isso é muito bom até porque quanto mais cedo algo é identificado, mais cedo o tratamento pode ser iniciado e mais eficaz ele vai ser. Com todos esses anos aqui eu também tive meus olhos e desejo abertos para estudar mais esse mundo do autismo, que tem sido uma queixa que tem crescido cada vez mais. A gente acaba buscando muita qualificação fora da instituição, porque a gente sabe que muitas vezes a realidade da instituição não consegue proporcionar formações mais eficazes pra gente. muitas vezes por uma questão financeira mesmo, de tantas demandas. Eu estou aqui já há dezesseis anos e pra mim é quase uma vida e eu realmente pude aprender muito. 

                                                                                                                          fonte pixabay

Que dica você deixa para algum estudante ou  profissional formado que gostaria de seguir nessa área?

Savanna: Olha, eu digo que essa área é apaixonante para aqueles que pegam gosto, e essa área em especial não tem como ser feito sem amor, nao tem como fazer por obrigação ou pelo dinheiro, porque os desafios são diversos, não que em outras áreas de atuação não tenha desafios, mas quando se trata de crianças especiais a gente sabe que tudo tem que ser e dobro, a paciência, o amor, a dedicação. Então eu digo que primeiramente precisa existir um gosto mesmo pela área de atuação  para conseguir vencer todos os obstáculos que vem pela frente quando se decide por essa prática, é claro que eu também digo que é necessário, assim como todas as áreas de atuação dentro da saúde, buscar um conhecimento fora daquilo que é falado na faculdade, porque a gente sabe que o conhecimento que a faculdade nos passa é só a ponta do iceberg de um mundo de conhecimento que nós vamos precisar na hora da prática, então acredito que sempre buscar mais conhecimento é essencial também, e por último eu diria para não ter medo de praticar, sempre com muito respeito e zelo pela vida que está sendo confiada a você.

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A Semana Nacional da Pessoa com Deficiência Intelectual e Múltipla deste ano busca transformar o conhecimento em ação

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A Semana reforça a necessidade de cumprir o que está na legislação brasileira para a garantir os direitos das pessoas com deficiência  

Com o tema ‘É tempo de transformar conhecimento em ação’, a Semana Nacional da Pessoa com Deficiência Intelectual e Múltipla inicia amanhã, 20, e vai até o dia 28 de agosto, com a finalidade de realizar ações focadas na promoção do conhecimento dos direitos dessa parcela da população para que sejam respeitados e cumpridos efetivamente.

A Semana Nacional da Pessoa com Deficiência Intelectual e Múltipla foi criada pela Federação Nacional Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAES) que inicialmente foi titulada de Semana Nacional da Criança Excepcional pelo Decreto n° 54.188, de 1964, mas em 2017 foi alterada pela Lei n° 13.585 com o nome atual.

Durante a Semana Nacional, Secretaria de Cidadania e Justiça (Seciju), juntamente com a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) do Tocantins, levará informações a fim de sensibilizar as pessoas sobre o tema e assegurar direitos igualitários, inclusão social e cidadania às pessoas com deficiência.

Fonte: Apae Brasil

A gerente de Diversidade e Inclusão da Seciju, Nayara Brandão, fala que a Pasta vai trabalhar o tema com blitzes informativas em diversos pontos públicos da cidade, como shoppings centers, parques e feiras, além da entrega de cestas básicas às famílias. “A Semana Nacional da Pessoa com Deficiência Intelectual e Múltipla é de suma importância e tem o objetivo de conscientizar a sociedade sobre a importância da inclusão, do respeito e dos direitos. Durante esta semana a Gerência de Diversidade e Inclusão Social estará levando informações para toda a sociedade através de blitz educativa com entrega de cartilhas”, explica a gerente.

A Semana

A diretora da Apae de Palmas, Ruth Coelho Dias Cavalcante, esclarece que a campanha permeia os trabalhos desenvolvidos pela instituição ao longo de todo ano, como instrumento de defesa e garantia de direitos e mobilização social. “O objetivo é divulgar conhecimento sobre as condições sociais das pessoas com deficiência intelectual e múltipla, como meio de transformação da realidade, superando as barreiras que as impedem de participar coletivamente em igualdade de condições com as demais pessoas”, frisa a diretora.

“Hoje o Brasil tem uma das legislações mais avançadas do mundo no que se refere à garantia de direitos das pessoas em situação de deficiência, no entanto, na prática, a maior parte do que se assegura na lei não é acessível a todos e o tema veio provocar o debate nacional sobre direitos a partir de conteúdos acessíveis sobre transporte, moradia, acesso à educação, saúde e assistência social, pensando em como assegurar que esses direitos se efetivem na vida diária dessas pessoas”, enfatiza a diretora da Apae.

Fonte: encurtador.com.br/yHN04

O que é deficiência intelectual e múltipla

De acordo com a Apae, a deficiência intelectual é um transtorno de desenvolvimento que faz com que o indivíduo tenha um nível cognitivo e comportamental muito abaixo do que é esperado para sua idade cronológica. Já a deficiência múltipla é quando pessoas são afetadas em duas ou mais áreas, caracterizando uma associação entre diferentes deficiências, com possibilidades bastante amplas de combinações.

Apae

A Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) nasceu em 1954 no Rio de Janeiro e hoje está presente em mais de 2 mil municípios em todo o território nacional e só na Apae do Tocantins, mais de 14 mil pessoas são atendidas nas 32 unidades do Estado.

Na Apae de Palmas, o trabalho debruça-se em promover a inclusão social das pessoas com deficiência intelectual e múltipla em todos o seu ciclo de vida, por meio das atividades nas áreas da educação, assistência social, proteção dos direitos, saúde, esportes, auto defensores, artes, danças, fonoaudiologia, psicologia, fisioterapia com implementação Pedsuit, todos atendimentos gratuitos às famílias dos assistidos.

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Utilização do sistema sensorial como prática inclusiva para pessoas com necessidades especiais

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Apesar de algumas iniciativas em prol da inclusão social e escolar de pessoas com deficiência terem sido desenvolvidas, ao longo da história do Brasil e do mundo, um grande marco na garantia de direitos desse público se deu através da Declaração de Salamanca

Os conceitos e práticas referentes à inclusão escolar permeiam uma série de condicionantes históricos e sociais. Machado, Almeida e Saraiva (2009) explicam esse fenômeno como fortemente influenciado por um funcionamento social que data de séculos, enraizado em práticas de exclusão e preconceito. Mantoan (2003) entende essa lógica como um conjunto de regras, crenças e valores que norteiam o comportamento da sociedade durante um determinado período, ou seja, paradigmas. Dessa forma, trabalhar a inclusão significa, necessariamente, reconhecer e quebrar com paradigmas e ações individuais, sociais e institucionais promotoras de exclusão.

Quanto à inclusão de pessoas com deficiência, entendendo os paradigmas que fundamentam a exclusão desse público, Castro (2015) fala sobre o papel de pesquisas e práticas ocidentais que, durante vários períodos históricos, segregaram e promoveram violência a essas pessoas, construindo saberes e conhecimentos pautados apenas no viés biológico da deficiência, contribuindo para o desenvolvimento de práticas de medicalização e internação compulsória. Essa visão, ainda influente na sociedade, desconsidera os condicionantes sociais, psicológicos, culturais e até mesmo institucionais que permeiam o fenômeno da deficiência, o que, sem dúvidas, dificulta a implementação de práticas inclusivas.

 Apesar de algumas iniciativas em prol da inclusão social e escolar de pessoas com deficiência terem sido desenvolvidas, ao longo da história do Brasil e do mundo, um grande marco na garantia de direitos desse público se deu através da Declaração de Salamanca, em 1994, na Espanha, que se trata de um acordo estabelecido entre 92 países e 25 organizações internacionais a respeito do direito da pessoa com deficiência (CASTRO, 2015). Dessa forma, todas as crianças, independentemente de quaisquer diferenças que possam ter entre si, possuem o direito de conviver e interagir no mesmo espaço escolar, usufruindo dos mesmos direitos.

No que tange à educação de pessoas com deficiência intelectual e múltipla, no Brasil, a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), fundada em 1954 no Rio de Janeiro, segue sendo a principal instituição responsável por realizar a inclusão escolar desse público. Pensando na importância das ações desenvolvidas pela APAE, e levando em consideração a inserção da psicologia nesse campo, o presente trabalho foi desenvolvido a partir de práticas e intervenções em uma unidade da APAE de Palmas – To, na Rua 706 Sul Alameda 14.

O foco da intervenção foram os alunos de uma sala da unidade da APAE. O principal aspecto trabalhado foi a integração sensorial, sendo o objetivo principal a utilização e desenvolvimento destes aspectos. Lira (2014) reforça a importância da aquisição e regulação das habilidades sensoriais para o desenvolvimento da interação social e comunicação no ambiente escolar, principalmente no que tange às crianças com transtornos cognitivos e comportamentais, para que possam se relacionar melhor com o ambiente e processar as demandas deste com mais facilidade e adaptação.

Visto que o preconceito e exclusão de pessoas com deficiência segue sendo uma realidade no Brasil, este trabalho inseriu acadêmicos de psicologia em um campo promovedor da inclusão a fim de ampliar a visão destes e propor uma intervenção de qualidade. Segundo Mantoan (2003), faz-se necessário implantar uma nova ética no âmbito escolar, que provém da individualidade e do social. Desse modo, a intervenção não foi composta somente para os professores e pedagogos, que estão diariamente sendo desafiados pela proposta inclusiva, mas também para os alunos da instituição, que são aqueles que mais estão expostos ao preconceito e à exclusão por parte da sociedade.

Trilha metodológica

Este trabalho é uma pesquisa aplicada, de campo, com objeto metodológico exploratório de natureza qualitativa, via relato de experiência. Para a elaboração deste, primeiramente houve o estudo por meio de aulas expositivas, utilizando principalmente o espaço da sala de aula para discussões e buscas na literatura sobre práticas inclusivas que abordavam principalmente o meio educacional de pessoas com deficiência, expondo os desafios e dificuldades da inserção de uma prática inclusiva em escola de ensino regular e porque as políticas educacionais ainda resistem em adequar essa prática. Posteriormente, deu-se início à confecção do projeto.

Como já apresentado, o presente trabalho é uma pesquisa aplicada, cuja prática é guiada pela amenização de determinadas demandas que o campo apresenta, este sendo o local (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais – APAE) onde ocorreu a pesquisa e a coleta de dados. Além disso, a pesquisa é do tipo exploratória, que tem como objetivo propiciar uma maior proximidade com a demanda a fim de levantar hipóteses.  Teve a adequação de uma pesquisa qualitativa, que, segundo Córdova e Silveira (2009) possui preocupação com as questões da realidade que não podem ser quantificadas, tendo foco principal na compreensão e explicação da dinâmica das relações sociais e procedimentos de uma Pesquisa-ação, baseada em um relato de experiência. Esta, como define Thiollent (apud SILVEIRA; CÓRDOVA, p.40, 2009),

(…) é um tipo de investigação social com base empírica que é concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo no qual os pesquisadores e os participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo.

Além do método da observação, foi utilizado um diário de campo para o registro de informações referentes à demanda e a proposta de intervenção que está presente no cronograma deste projeto. Os encontros aconteceram uma vez por semana, na quinta-feira, no período das 10:00 às 11:00 Este horário poderia estar sujeito a alterações ao longo do semestre, pois a instituição possui um cronograma próprio, podendo acontecer atividades internas no mesmo horário das intervenções. O principal público-alvo desta intervenção foram os alunos da instituição.  Cada grupo de acadêmicos de Psicologia foi sorteado a ficar em uma sala para levantar demandas, para que posteriormente pudessem delinear um projeto que se adequasse aos alunos daquela sala. O projeto que foi delineado está presente no cronograma das atividades realizadas no tópico 3 deste trabalho.

Encontros de Observação

O início das atividades no campo, logo após o encontro com o psicólogo da APAE, se deu nos dias 5 e 12 de setembro, quando os estagiários tiveram contato direto com as atividades de sala de aula programadas pela instituição. Foi possível estabelecer vínculo facilmente com a professora responsável pela turma foco da intervenção. Em ambas as datas, o levantamento de dados foi o eixo principal do trabalho realizado. A princípio, três alunos foram apresentados aos estagiários: L., S. e W., que, no primeiro dia, mostraram-se tímidos.

Durante os dois dias, especialmente no primeiro, os minutos de encontro foram utilizados principalmente para conhecer o ambiente da sala de aula, bem como a rotina da professora, sua interação com os alunos e suas possíveis dificuldades naquele contexto. A comunicação com os alunos aconteceu de maneira mais significativa no segundo dia de observação, quando foi possível estreitar vínculos com os três. Durante os dias de observação, algumas demandas foram levantadas explícita e implicitamente no contexto da sala de aula, como a necessidade de melhorar o ambiente, tornando-o mais lúdico e confortável, além de demandas implícitas psicológicas e relacionais, atreladas às necessidades de trabalhar as relações interpessoais entre alunos, envolvendo também a professora. Algo bastante presente nos dois dias de observação foi a temática sensorial, pois o aluno L. possui diagnóstico de paralisia cerebral, além de ser deficiente auditivo e mudo. Sua comunicação ocorre principalmente por meio do toque, o que afugenta e assusta alunos e visitantes, dificultando o processo de interação, socialização, e consequentemente, de inclusão desse aluno.

A necessidade de trabalhar aspectos sensoriais na sala de aula também foi levantada a partir da percepção dos estagiários a respeito de hábitos alimentares disfuncionais relatadas pelo aluno W, que disse “já ter comido um pote inteiro de Arisco” (sic). Dessa forma, a integração sensorial foi pensada para ser trabalhada privilegiando as sensações táteis e gustativas. Quanto às relações interpessoais, pensando principalmente na aluna S., percebeu-se que esta possui uma grande necessidade de se comunicar e interagir. Tem apreço pelos colegas e pela professora, além de ser extremamente afetiva, prestativa e alegre. Apesar dessas características, o vínculo entre S. e seus colegas pareceu frágil, principalmente devido a dificuldades de comunicação com estes, especialmente com L., que é surdo e mudo. Dessa forma, despertou-se nos estagiários o interesse em trabalhar aspectos interpessoais de convívio e interação.

Encerrando os dois encontros de observação, três eixos principais foram pensados para a intervenção:

  1. Trabalho dos aspectos sensoriais, com foco no tato e paladar;
  2. Trabalho das relações interpessoais entre alunos e professora;
  3. Decoração e planejamento de uma sala de aula mais lúdica e confortável.

1º encontro

No primeiro dia de atividades de intervenção, os estagiários levaram para a sala de aula um pote de brigadeiro. A atividade inicial, além de possuir como intuito secundário a aproximação entre estagiários, professora e alunos, foi pensada para estimular os últimos a tocar nos alimentos, fazendo as bolinhas e colocando-as nas forminhas. Lira (2014) ressalta que, no ambiente escolar, é possível propiciar um espaço onde os alunos tenham suas habilidades sensoriais estimuladas e/ou moduladas, de modo a promover aprendizagem.

Desse modo, a atividade programada foi pensada para o contato direto com o alimento por meio das sensações, entretanto, a professora não permitiu o toque, alegando que os alunos poderiam sujar os materiais. Além disso, no dia do encontro, uma atividade com o corpo de bombeiros havia sido programada pela instituição e foi necessário que os alunos participassem. Sendo assim, os estagiários agilizaram a intervenção, servindo o brigadeiro aos alunos com colheres.

Apesar do objetivo de a atividade não ter sido atingido de maneira íntegra, os alunos degustaram o alimento, e foi possível orientá-los quanto ao modo de consumo. W., o aluno cuja alimentação mostrou-se desregulada, foi orientado a comer devagar e levar colheradas menos cheias à boca. W. foi receptivo às orientações. O aluno L. ingeriu uma grande quantidade do doce, e a professora falou sobre sua compulsão por alimento. Maturana (2010 apud PERLS, 1947), ao tratar sobre a relação entre o sujeito e o objeto de alimentação, fala sobre o desajuste alimentar. De acordo com a autora, a relação banalizada com o alimento, seja por consumi-lo apenas para se satisfazer ou para suprir uma outra necessidade, caracteriza um comportamento pré-reflexivo, onde o indivíduo não se encontra presente na experiência, ou seja, mantém com a comida uma relação banal e instintiva. No caso de L., essa dinâmica é percebida principalmente por se tratar de um aluno cujo contato estabelecido com o meio é disfuncional e até mesmo inoperante.

No caso de W., foi informado pela professora aos estagiários que sua relação com o excesso de comida ocorre por questões familiares. Maturana (2010) também cita a importância do processo familiar na dinâmica da alimentação. Conforme a autora, a família transmite regras e condutas específicas a respeito do ato de se alimentar, que também passam a constituir a personalidade do sujeito. O aluno em questão, de acordo com as palavras da professora, utiliza da alimentação desregulada como forma de enfrentar as regras impostas por seu contexto familiar, mantendo uma relação disfuncional com o alimento à medida que o “introjeta” de maneira agressiva.

Com essas informações, o encontro foi encerrado. A atividade com os bombeiros aconteceu de maneira paralela às intervenções dos estagiários no campo, desse modo, não foi possível integrar as duas programações.

2º encontro

No segundo encontro, os psicólogos em formação levaram para a intervenção alguns materiais, como letras do alfabeto e números em EVA, um painel e post-its para decoração da sala. Neste dia, apenas W. ficou na sala de aula, pois a professora mandou a maioria dos alunos para a aula de música. O intuito do encontro, a princípio, era trabalhar concomitantemente as três demandas levantadas: decoração da sala, integração sensorial e relações interpessoais. Como a maioria dos alunos não puderam estar presentes, a dinâmica do encontro girou em torno da interação dos estagiários com a professora a partir da decoração da sala.

De acordo com Miglioranza (2013), a promoção de atividades lúdicas para pessoas com deficiência intelectual é importante pois permite que estas explorem possibilidades até então desconhecidas, devido às limitações cognitivas. O uso de jogos, colagens, brinquedos e decorações chamativas pode propiciar um clima de aprendizagem onde o aluno é estimulado, sem que a atividade se torne penosa, punitiva ou cansativa. Sendo assim, os estagiários pensaram em decorar as paredes com letras e números em EVA, de modo a tornar o ambiente de sala de aula mais interativo. Em conjunto com a professora, também foi elaborado o “quadro dos pensamentos”, utilizando um painel e post-its. Este último instrumento foi pensado para ser utilizado a longo prazo na sala de aula, com o propósito de permitir que os alunos se expressem desenhando, escrevendo ou pintando a respeito de suas emoções, sensações, pensamentos e sentimentos.

A interação com a professora aconteceu de modo espontâneo e leve. Ela pôde se expressar a respeito da sua rotina, bem como conversar a respeito de assuntos relacionados ao seu contexto de trabalho, além de sua vida pessoal, o que reforçou o estreitamento de vínculo entre a profissional e os estagiários. Entretanto, os alunos não puderam participar da intervenção, o que resultou em certo prejuízo na realização das atividades. W., apesar de presente no ambiente, não quis participar da decoração da sala. Pareceu menos confortável e disposto a interagir com os estagiários.

3º encontro

No terceiro encontro, outra intercorrência aconteceu. A equipe da APAE levou todos os alunos para um passeio no parque, e essa atividade não foi informada a tempo aos estagiários. Entretanto, todos chegaram a tempo da intervenção. Para o encontro, foi levada uma geleca (slime), com o objetivo de continuar o trabalho sensorial desenvolvido. Os estagiários observaram que os três alunos, L., S. e W., chegaram agitados das atividades do parque. Para que todos interagissem de alguma forma, cada estagiário ficou responsável por um aluno, porém, nesse dia, a intervenção ganhou mais um componente, o aluno B., que até então não havia sido apresentado nem comparecido aos encontros anteriores.

Foi possível perceber que L. possui uma forma particular de aprender, que é a partir da observação e imitação. Melo-Dias e Silva (2019) caracterizam esse tipo de aprendizagem como fundamental para a sobrevivência, pois, desde os mais remotos tempos, os seres observam-se mutuamente e repetem esquemas e padrões de comportamento de modo a garantir a própria segurança. Trazendo para o contexto em questão, L., apesar de seu comprometimento cognitivo, é capaz de reproduzir o que vivencia no dia a dia. A própria professora relatou que o aluno, desde o seu primeiro dia na instituição, aprendeu a adequar seu comportamento à medida que participava das aulas e convivia com outros alunos. Sendo assim, as interações com L. foram permeadas por representações gestuais e não-verbais, de modo que o aluno conseguisse adquirir novos repertórios comportamentais que se adequassem à sua maneira de aprender.

A aluna S., como dito anteriormente, é extremamente afetiva e alegre. Sua afetividade foi visível com os estagiários, que construíram um vínculo forte de amizade com esta. Ao longo do encontro, S. os presenteou com um desenho caracterizando-os, e também demonstrou afeto a partir de abraços. Conforme Mattos (2008), o trabalho da afetividade em contextos escolares de inclusão mostra-se imprescindível, visto que constitui um dos combustíveis necessários para o bom funcionamento cognitivo. Esse fator também serve como canal facilitador da aprendizagem. Levando em conta essas particularidades, os estagiários utilizaram do contato afetivo para estimular a aluna a participar das atividades e a relacionar-se com os colegas, promovendo a aproximação entre todos.

Quanto ao trabalho sensorial com a geleca, foi possível perceber que cada aluno interagiu e reagiu de maneira diferente ao objeto. L. demonstrou estranhamento e repulsa a partir de suas expressões faciais e mãos, enquanto S. e W. brincaram sem restrições. No caso da aluna, esta utilizou o brinquedo para escondê-lo, jogando caça ao tesouro com os estagiários. Sua dedicação à brincadeira foi reforçada, de modo que ela se empolgou e quis continuar brincando.

O aluno B., apesar de ter se mostrado levemente retraído, conseguiu manter uma comunicação de qualidade com os estagiários, e assim o vínculo foi estabelecido sem problemas. Percebeu-se que B é afetivo e inteligente. Conversou com os estagiários a respeito de assuntos como faculdade e política, demonstrando ser atento às notícias e atualidades.

4º encontro

No quarto encontro, ao chegar na sala, os estagiários perceberam a ausência da professora e dos alunos, com isso saíram para localizá-los. Ao encontrar a professora, ela os informou que estava cuidando de um aluno em outro ambiente, assim, os alunos pelos quais ela é responsável estavam em outras salas.  Os estagiários foram à procura dos alunos, e ao encontrá-los, os convidaram a irem para sala onde aconteceria a intervenção. Assim, as atividades desenvolvidas foram o uso de massinha com intuito de trabalhar a criatividade e também aspectos sensoriais, além do uso de uma atividade imprimível contendo um labirinto na folha de papel, com objetivo de trabalhar as habilidades motoras, sendo que, somente S. desenvolveu essa atividade, ainda assim demonstrando  dificuldade em encontrar a saída do labirinto. Souza, França e Campos (2006) considera que a solução desse teste envolve a operacionalização da intenção de movimentar-se para alcançar um objetivo. A estabilização do desempenho pode indicar a utilização de estratégias cognitivas e formação de um programa de ação.

Com o aluno L., trabalhou-se também o desenvolvimento motor. Com a utilização de uma folha em branco, um dos estagiários desenhou a mão do aluno na expectativa deste repetir a ação. Com isso, foi possível observar que L. acompanhou atentamente os movimentos do estagiário durante a prática do desenho, e em seguida tentou fazer o mesmo, ou seja, houve uma tentativa de repetição do desenho, o que reforça o que os estagiários haviam percebido anteriormente a respeito da aprendizagem do aluno em questão.

5º encontro

Os estagiários programaram uma atividade de adivinhação para os alunos e a professora da sala. Levaram uma venda para os olhos e alguns objetos como pena, urso de pelúcia, pincel, etc., e balões para animar o clima da sala de aula, com o intuito de trabalhar aspectos sensoriais do tato. Cardoso (2013) ressalta que o contato por meio dos órgãos sensoriais promove aprendizagem e gera conhecimento. Cita o processo sensório-perceptivo como basilar para o desenvolvimento psíquico e biológico, caracterizando esse tipo de aprendizagem como antecedente às abstrações científicas, filosóficas e racionais. Sendo assim, explorar o corpo e o ambiente, ainda conforme Cardoso (2013), promove retorno a um nível de abstração primário do ser humano, possibilitando que a aprendizagem aconteça de maneira íntegra. A respeito disso, Dusi, Neves e Antony (2006) alegam que o aprender significativo é aquele que integra as dimensões cognitivas, sensoriais e motoras do indivíduo, numa perspectiva holística de compreensão do ser humano.

Assim, no contexto em questão, a intervenção realizada permitiu trabalhar as potencialidades da deficiência de cada um, possibilitando que cada aluno pudesse, dentro de suas capacidades, apreender a experiência sensorial e incorporá-la como aprendizado. Os alunos B. e W., por exemplo, surpreenderam a todos com suas capacidades de adivinhação a partir do tato. Conseguiram acertar sem dificuldades os objetos que tocaram em um tempo razoável. No caso de L., apesar de não conseguir raciocinar ou verbalizar sobre a experiência, notou-se que o aluno, ao ser vendado, reagiu com estranheza. Pareceu se divertir após a remoção da venda, sorrindo e ficando agitado quando os colegas participavam da brincadeira.

Todos os alunos estavam presentes e juntamente com os estagiários, encheram os balões e colaram na parede. A professora se animou bastante e até pegou outros objetos de outras salas para a brincadeira continuar. Até os estagiários e a própria professora participaram, dando até a ideia de chamar outras salas para entrarem na brincadeira em encontros futuros. Após o fim da brincadeira, os estagiários se despediram e foram embora.

É possível afirmar que houve aprendizagem de todas as partes envolvidas no processo: professora, alunos e estagiários. A experiência propiciou a vivência de relações íntimas com o ambiente a partir do tato, e consequentemente, o estabelecimento de relações interpessoais entre os indivíduos. Dusi, Neves e Antony (2006) definem como contato toda a experiência que ocorre entre indivíduos ou entre indivíduo e meio e possibilita crescimento pessoal, a partir da apreensão do novo. Dentro dessa dinâmica, pode-se dizer que o contato ocorreu com qualidade, propiciando aprendizagem e estreitamento de vínculos entre todos.

6º encontro

Neste encontro, a principal proposta foi uma dinâmica, que consistia em um leque de elogios com os alunos, além da confecção de um porta-retrato com palitos de picolé. Devido ao ônibus da instituição estar quebrado, apenas 2 alunos compareceram. Durante a dinâmica, o aluno B. teve dificuldade ao fazer as dobraduras do leque, então com o auxílio da estagiária, ele fez, e assim, deu-se início a rotação. Cada leque iria passar por todas as pessoas da roda e cada uma delas teria que escrever um elogio ou algo que poderia melhorar. A execução da dinâmica foi possível pois apenas os alunos B. e W. estavam presentes, e ambos possuem um nível cognitivo satisfatório para a leitura e escrita.

Melo (2010), no que tange à comunicação com pessoas com deficiência, especialmente as do tipo intelectual, cognitiva ou múltipla, orienta que a fala seja carregada de afeto e atenção. Além disso, ressalta a importância de serem evitadas condutas de superproteção e infantilização desses sujeitos, deixando que estes se manifestem de maneira autônoma e apenas sejam auxiliados quando realmente houver necessidade. Dessa forma, durante a atividade, os estagiários e a professora deixaram que os dois alunos presentes, B. e W., dobrassem o leque e escrevessem os adjetivos. Foi necessário auxiliar o aluno B. na atividade, pois este tinha dificuldade para ler. Entretanto, estagiários e professora incentivaram o aluno a desenvolver sua autonomia, apoiando-o e incentivando-o.

Todos pareceram estar se divertindo e gostando dos elogios. Dantas e Martins (2009) falam sobre a importância do desenvolvimento de relações interpessoais construtivas entre pessoas com deficiência no ambiente escolar, sejam destas com seus colegas, com profissionais, funcionários ou professores. De acordo com as autoras, o contato com o outro propicia desenvolvimento inter e intrapessoal, pois é a partir da mediação social que o sujeito pode se constituir como pessoa. A troca de elogios entre professora, estagiários e alunos propiciou diversão e afeto, aumentando a interação entre todos.

No fim da dinâmica, os estagiários pediram para os alunos fazerem desenhos, e assim, começarem a fazer os porta-retratos. Inicialmente, seriam fotos para compor os porta-retratos, mas como um dos alunos não estava na foto, foi de maior valia fazer um desenho. Nenhum estagiário interferiu no desenho dos alunos, de modo a permitir que cada um pudesse se manifestar autenticamente a partir de suas potencialidades, indo ao encontro com o que Melo (2010) postula a respeito do manejo de pessoas com deficiência intelectual.

7º encontro

Para este encontro, foi planejado fazer pinturas na pele dos estudantes e estes fazerem pinturas nos estagiários, para que todos tivessem um maior contato sensorial. Os estagiários levaram tinta para pintura na pele e pediram primeiramente a permissão da professora para poderem realizar a atividade. Conforme Guero (2013), os órgãos sensoriais são imprescindíveis para a aprendizagem. Sabe-se que o aluno L. possui deficiência auditiva e possivelmente visual, além de seu comprometimento cognitivo, entretanto, consegue apreender o mundo e os objetos a partir de outras maneiras, como pela sensação tátil. Neste encontro, apenas W. e este aluno compareceram. A atividade foi realizada de modo que ambos pudessem sentir o contato da tinta no corpo, tocá-la e cheirá-la. Guero (2013) refere-se a esse tipo de interação sensorial como sensações exteroceptivas, ou seja, pertencente a estímulos externos que ativam onde há a utilização dos sentidos (paladar, tato, olfato, audição e visão).

Uma das estagiárias desenhou no braço de W. o que este havia pedido, uma aranha com seu nome embaixo. O aluno demonstrou interesse e empolgação com a atividade, e se comprometeu em pintar as duas estagiárias. Matera e Leal (2016) falam sobre o papel da arte na educação inclusiva, ressaltando que esta abre caminhos para novas experiências, permitindo a superação de limitações e desenvolvimento de habilidades. A aprendizagem artística foge aos padrões convencionais de educação e promove inclusão à medida que possibilita que cada aluno se expresse de maneira única e autêntica.

No caso de L., o aluno reagiu inicialmente de modo estranho à sensação da tinta em seu corpo. Com a acomodação da experiência, conseguiu até mesmo espalhar a tinta pelo corpo, divertindo-se e interagindo com o estagiário à medida que este o pintava. O contato com o novo é um processo que abala o campo inter-relacional entre indivíduo e meio. L., ao entrar em contato com o elemento tinta, abriu várias possibilidades de aprendizagem. Dusi, Neves e Antony (2006) explicam o ciclo do contato como um processo de várias etapas onde podem ocorrer diversas formas de relacionamento com o meio. No caso de L., o contato inicial com a experiência aconteceu com fixação, houve resistência e medo. Entretanto, à medida que a situação foi assimilada e acomodada, maior foi a fluidez do processo, e o aluno pôde experimentar sensações e agregá-las à sua totalidade. Em dado momento, L., energizado pela experiência, conseguiu partir para a ação, repetindo os movimentos do estagiário e pintando-o.

Como dito anteriormente, L. é um aluno que aprende predominantemente por imitação e observação. Aguiar (1998) salienta que esse modelo de aprendizagem não é meramente uma cópia de um símbolo externo, mas uma reorganização individual de um significado. Dessa forma, apesar de seu comprometimento neurocognitivo, o aluno apresenta um funcionamento próprio no que tange à exploração do meio, o que pôde ser reforçado através da atividade de pintura.

O final do encontro foi marcado por outra experiência sensorial entre o estagiário e o aluno L. Este foi higienizado com água e sabão, de modo a se limpar da tinta. Foi colaborativo com o estagiário e demonstrou apreço pela limpeza, divertindo-se com a água. A interação do aluno com a limpeza reforçou a observação dos estagiários da importância das sensações táteis para L. O outro aluno, W., desejou continuar pintado. Pode-se dizer que ambos, em suas próprias maneiras, apreenderam a experiência e ampliaram o contato com o ambiente e com o outro, um dos objetivos do encontro.

8º encontro

Para o último encontro, foi planejado dar um feedback para a professora de todas as atividades realizadas durante o semestre, juntamente com um lanche e uma lembrancinha. Os estagiários, ao invés de dar uma lembrancinha para cada um, se juntaram e compraram um jogo onde todos da sala poderiam jogar juntos. O jogo em questão é o pula-pirata, onde ao colocar as espadas no barril do pirata, é acionado um mecanismo onde o pirata pula. O brinquedo foi pensado para que todos os alunos brinquem juntos, o que propiciaria maior interação entre todos. A escolha levou em conta as particularidades do aluno L., que, como citado anteriormente, possui o tato como sentido mais aguçado, além de aprender principalmente por observação. Mafra (2008) aponta que o processo de brincar é fundamental para pessoas com deficiência, pois o papel principal do lúdico nesse contexto é de facilitar e promover a aprendizagem e o desenvolvimento cognitivo, neurológico, afetivo e social desses sujeitos. Dessa forma, a presença de um brinquedo a mais no ambiente de sala de aula, sendo ainda um brinquedo que requer interação, mostra-se de grande contribuição.

Os acadêmicos fizeram um apanhado de todos os encontros, desde a principal demanda que levantaram, até às reações dos alunos e da professora. Esta deu um feedback bastante positivo em relação aos encontros. Disse que L., que possui deficiência na fala, audição e cognição, teve melhoras positivas em suas relações interpessoais. Ela, que antes dizia que este não se comunicava, começou a perceber que ele se comunica com as outras pessoas de um modo diferente, que é a partir do toque, da observação. Os estagiários levaram pipoca como lanche de despedida. Além da própria professora, apenas L. estava presente.

CONCLUSÃO

Diante do exposto, pode-se constatar que as atividades propostas foram concluídas encontro após encontro, atingindo os objetivos propostos no início do projeto. O foco das intervenções foi se adaptando conforme as demandas foram se apresentando. É importante salientar que nem todas as atividades planejadas pelos estagiários foram efetivadas por motivo de intercorrências no campo, visto que este já possuía um cronograma estabelecido para o semestre, no entanto, as atividades foram adaptadas no momento para que fossem concluídas.

Os alunos que obtiveram maior benefícios das intervenções foram S. e L., respectivamente pelas demandas de relacionamento interpessoal e comunicação não verbal. Os estagiários conseguiram desenvolver vínculo com a turma onde realizaram o relato e em relação aos objetivos alusivos à integração sensorial, com a utilização de atividades que envolviam esse aspecto, foram adaptados para determinados momentos e finalizados. Desse modo, é possível concluir e reafirmar a importância da Psicologia em espaços que dizem promover a inclusão, pois esta ciência está em constante evolução, propõe um olhar acolhedor e empático, além de possuir como uma das premissas a prática inclusiva.

REFERÊNCIAS

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TEA: uma abordagem de inclusão escolar, legislativa e psicopedagógica

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A escola representa um recurso fundamental no tratamento, visto que estreita a relação social, oportunizando a interação entre seus pares

O motivo que despertou o interesse em realizar este estudo deu-se em razão de conviver profissionalmente com alunos especiais em particular Autistas em uma escola especial e presenciar situações que necessitam de explicações teóricas. E também por notar que existe grande número de alunos, familiares e professores que sofrem por não conhecer o Transtorno do Espectro Autista – TEA como também não saber trabalhar com deficiência, sendo que as mesmas necessitam de um atendimento especializado e que muitas vezes deixa a desejar por falta de profissionais habilitadas, tecnologias assistivas, como também recursos didáticos adequados para o processo ensino aprendizagem e socialização do aluno com TEA.

Assim, este artigo parte da necessidade de propor discussão e/ou reflexão sobre a Para tanto se faz necessário realizar pesquisas bibliográficas nos fundamentos teóricos que norteiam estudos relacionados à temática em questão.

Neste cenário, fez-se necessário desenvolver fases de fundamental importância para a contemplação dos objetivos propostos, assim, o objetivo principal deste artigo é apresentar uma abordagem teórica sobre transtorno do espectro autista – TEA no processo da legalidade, psicopedagógico e da inclusão escolar.

Enquanto os objetivos específicos são: Compreender a real definição do Transtorno do Espectro Autista – TEA e seu quadro sintomático; Refletir e aprofundar conhecimentos acerca dos princípios da legalidade e por fim pontuar o TEA no seu âmbito Psicopedagógica e de inclusão escolar de maneira de maneira a enfatizar os aspectos da aprendizagem do aluno com autismo a fim de colaborar para desmistificar o olhar estigmatizante que há sobre o mesmo.

Fonte: encurtador.com.br/adhpX

Nessa perspectiva, o respectivo artigo vem ao encontro de apresentar O TEA -Transtorno do Espectro Autismo trata-se de uma condição classificada no DSM-5 como transtornos de neurodesenvolvimento. Sendo assim, o TEA é definido como um distúrbio do desenvolvimento neurológico, presente desde a infância e que apresenta déficits nas dimensões sociocomunicativa e comportamental (DSM-5, 2013, p.53). E que estas características podem provocar o isolamento da criança, o que prejudica ainda mais suas habilidades comunicativas.

Nesse sentido, a escola representa um recurso fundamental no tratamento, visto que estreita a relação social, oportunizando a interação entre seus pares e contribuindo para o desenvolvimento de novas habilidades.  Destaca-se que no Brasil, a inclusão educacional escolar é uma ação política, cultural, social e pedagógica que objetiva garantir o direito de todos os alunos de estarem juntos, aprendendo e participando.

A discussão sobre o deficiente vem sendo difundida nas últimas décadas devido à crescente preocupação com as condições de vida dos deficientes, principalmente no que se refere às questões educacionais. De acordo a Organização Mundial de Saúde – OMS (2011) o termo Deficiência é usado para definir a ausência ou a disfunção de uma estrutura psíquica, fisiológica ou anatômica, temporária ou permanente. Portanto, deficiência é a restrição, limitação que pode ser física, sensorial ou intelectual. As pessoas deficientes necessitam de atenção especial por parte dos familiares, professores e da sociedade num geral, por apresentarem dificuldades especificas como: andar, falar, aprender, entre outras que acarretam em dificuldades para se relacionar com o meio físico ou social.

Segundo Mazzotta (2005.p.15)

A defesa da cidadania e do direito à educação das pessoas com deficiência é atitude muito recente em nossa sociedade. Manifestando-se através de medidas isoladas, de indivíduos ou grupos, a conquista e o reconhecimento de alguns direitos dos portadores de deficiência podem ser identificados como elementos integrantes de políticas sociais, a partir de meados deste século.

Fonte: encurtador.com.br/ilAKP

Desse modo entender o universo do Autismo não é nada simples. Para que isso ocorra de fato é fundamental compreender a sua definição de acordo com a compreensão de alguns teóricos. Esta empreitada não é fácil exatamente pelo fato de envolver aspectos clínicos acerca do termo em discussão.

De acordo com Lira (2004), o significado da palavra autismo é da junção de duas palavras gregas: “autos” que significa “em si mesmo”, “Eu próprio” designação que tem acepção direta com uma perturbação global do desenvolvimento humano, em que o indivíduo se centra em si mesmo e se isola do “mundo exterior e “ismo” que significa “voltado para”, ou seja, o termo autismo significa “voltado para si mesmo”.

A Organização Mundial de Saúde (CID10, 1993) classifica o autismo como um transtorno invasivo do desenvolvimento definido pela presença de desenvolvimento anormal e/ ou comprometido que se manifesta antes da idade de três anos e pelo tipo característico de funcionamento anormal em todas as três áreas de interação social, comunicação e comportamento restrito e repetitivo.

Segundo Gauderer (1985) seus sintomas são na maioria dos casos muito graves e se apresentam por meio de gestos repetitivos, autodestruição, e às vezes até comportamentos agressivos. A fala e a linguagem podem se apresentar de formas atrasadas ou até ausentes, habilidades físicas reduzidas e um relacionamento anormal frente a objetos, eventos ou pessoas.

Fonte: encurtador.com.br/hkGNW

Acredita-se, portanto, que diante destas características, torna-se difícil cuidar, criar e educar uma criança autista, pois representa um grande desafio para pais, familiares, educadores e pessoas à sua volta, principalmente porque há uma grande necessidade de uma abordagem adequada e eficiente para que estes possam se desenvolver, mesmo que de forma lenta. São muitos os estudiosos que procuram explicações para as causas e consequências do Autismo.

Assim, Mantoan (1997) sustenta esta ideia definindo o Autismo como:

Um distúrbio do desenvolvimento, sem cura e severamente incapacitante. Sua incidência é de cinco casos em cada 10.000 nascimentos caso se adote um critério de classificação rigorosa, e três vezes maior se considerar casos correlatados, isto é, que necessitem do mesmo tipo de atendimento.

A primeira descrição dessa síndrome foi apresentada por Leo Kanner, em 1943, com base em onze casos de crianças que ele acompanhava e que possuíam algumas características em comum: incapacidade de se relacionarem com outras pessoas; severos distúrbios de linguagem (sendo esta pouco comunicativa) e uma preocupação pelo que é imutável. Esse conjunto de características foi denominado por ele de autismo infantil precoce (KANNER, 1943 apud BOSA; CALLIAS, 2000).

O autor supracitado, parte do pressuposto de que este quadro se caracteriza por um autismo extremo, estereotipias e ecolalia. Ele também descobriu por meio do estudo de observação que os sintomas do Autista passa a existir muito precocemente, ou seja, desde o nascimento, e adverte até que as crianças autistas poderiam ter uns bons potenciais cognitivos e até mesmo certas habilidades especiais, como uma memória mecânica.

Para Silva e Mulick (2009), o autismo no DSM-IV está dentro de um grupo de transtornos do neurodesenvolvimento que são chamados de: Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGDs), Transtornos Invasivos do Desenvolvimento (TIDs) ou Transtornos do Espectro do Autista (TEAs). Esses transtornos dividem-se em três áreas específicas são elas: déficits de habilidades sociais, déficits de habilidades comunicativas (verbais e não verbais) e presença de comportamentos, interesses e ou atividades restritas, repetitivas e inalteráveis.

Fonte: encurtador.com.br/noDLX

Já em maio de 2013, foi publicada, a quinta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM-5, onde, o Autismo e todos os distúrbios acrescentando o transtorno autista, transtorno desintegrativo da infância, transtorno generalizado do desenvolvimento não-especificado e Síndrome de Asperger, foram reunidos em um único diagnóstico chamado.

O transtorno do espectro autista engloba transtornos antes chamados de autismo infantil precoce, autismo infantil, autismo de Kanner, autismo de alto funcionamento, autismo atípico, transtorno global do desenvolvimento sem outra especificação, transtorno desintegrativo da infância e transtorno de Asperger. (DSM-5, 2013, p.53).

Sendo assim, todos os distúrbios passarão a ser considerados em uma única análise Transtorno do Espectro Autista – TEA, que é um estado geral para um grupo de desordens complexas adotando, finalmente, o termo TEA como categoria diagnóstica.

De acordo com o DSM-5 (2013, p.53) caracteriza o Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) por “Um quadro clínico em que prevalecem prejuízos persistentes na comunicação social recíproca, na interação social e padrões repetitivos de comportamento, interesses ou atividades.”

Fonte: encurtador.com.br/blO68

A criança autista tem dificuldade de conviver com outras pessoas, não consegue responder adequadamente e manifesta comportamento inadequado. A falta de atenção, de concentração, o ato de se levantar e pular, movimentar os braços e emitir certo barulho ocorre como sendo uma necessidade de extravasar e isso atrapalha no processo de aprendizagem desse aluno. A aprendizagem do autista é um processo lento, requer muita paciência por parte dos envolvidos nessa empreitada, é fundamental o reconhecimento dos ritmos e diferenças entre os alunos para que todos tenham as suas especificidades atendidas, é necessário profissional qualificado e apto para estimular e despertar o máximo que essa criança possa revelar.

A preparação destes profissionais educadores para o trabalho com alunos autistas é de suma importância, pois o educador é um dos agentes responsáveis não somente por transmitir conteúdos pedagógicos, como também transmitir valores e normas sociais que possam inserir a criança na esfera simbólica do discurso social. Sendo assim, o trabalho com educadores deverá englobar, de forma permanente, programas de capacitação, supervisão e avaliação (SANT’ANA, 2005 apud PRATES, 2011, p. 05).

A prática inclusiva dos alunos autistas nas classes comuns das escolas regulares é de suma importância e ao mesmo tempo desafiadora, nos leva a refletir que a inclusão não pode ser reduzida unicamente à inserção dos alunos com deficiências no ensino regular, esta deve atravessar todo o processo educacional, envolvendo toda a comunidade escolar, ou seja, a educação especial deve perpassar os muros da escola, através de ações realizadas pela escola, promovendo o sentido de equidade mostrando que esse público, independente da “deficiência”, é detentoras de direitos e devem ser respeitadas como parte integrante do sistema educativo.

Segundo a Declaração de Salamanca, a Educação inclusiva se caracteriza como uma política de justiça Social:

As escolas devem acolher todas as crianças independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, linguísticas ou outras. Acolher crianças com deficiência e crianças bem dotadas, crianças que vivem nas ruas e que trabalham crianças de minorias linguística, étnicas ou culturais e crianças de outros grupos ou zonas desfavoráveis ou marginalizadas. (DECLARAÇÃO DE SALAMANCA 1994, p. 17- 18).

Fonte: encurtador.com.br/suO13

Nesse processo, a Constituição Brasileira (1988) torna-se um ponto determinante na afirmação dos direitos da pessoa com deficiência, destacando o papel da política educacional e nela, o papel da escola no processo de prática dessa política e sua legislação e seus desafios. Em seu Artigo 5º, a Constituição garante o princípio de igualdade: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (…)”. A Constituição Federal garante a todos os alunos a frequência no ensino regular, com base no princípio de igualdade. Assim, todo aluno tem direito de estar matriculado no ensino regular e a escola tem o dever de matricular todos os alunos, não devendo discriminar qualquer pessoa em razão de uma deficiência ou sob qualquer outro pretexto.

Com base especificamente no autismo, em 2012, foi promulgada a Lei nº 12.764 que trata da Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (BRASIL, 2012).

Esta Lei possibilita que qualquer pessoa com as características do Autismo tenha direito ao diagnóstico ainda no início para obter o devido tratamento, com acompanhamento médico, com acesso aos medicamentos necessários. Que tenham direito ao mercado de trabalho, assim como, capacitação profissionalizante, principalmente direito ao ensino regular. A referida lei considera Transtorno do Espectro do Autismo como:

I – deficiência persistente e clinicamente significativa da comunicação e da interação sociais, manifestada por deficiência marcada de comunicação verbal e não verbal usada para interação social; ausência de reciprocidade social; falência em desenvolver e manter relações apropriadas ao seu nível de desenvolvimento;

II – padrões restritivos e repetitivos de comportamentos, interesses e atividades, manifestados por comportamentos motores ou verbais estereotipados ou por comportamentos sensoriais incomuns; excessiva aderência a rotinas e padrões de comportamento ritualizados; interesses restritos e fixos (BRASIL, 2012, § 1º, Incisos I e II).

No que diz respeito à escolarização do aluno autista, o Art. 3º, Inciso IV, da lei, preconiza a garantia do direito “[…] à educação e ao ensino profissionalizante”; e, em casos que comprova a necessidade, “[…] a pessoa com transtorno do espectro autista incluída nas classes comuns de ensino regular, nos termos do inciso IV do art. 2º, terá direito a acompanhante especializado”. O ingresso de uma criança autista em escola regular é um direito garantido por lei, como aponta o capítulo V da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), que trata sobre a Educação Especial. A redação diz que ela deve visar à efetiva integração do estudante à vida em sociedade. Além da LDBEN, a Constituição Federal, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, o Estatuto da Criança e do Adolescente ECA entre outros documentos, todos asseguram esses direitos.

Fonte: encurtador.com.br/npFW7

Sabe-se que a questão educativa assume um papel de grande importância na discussão acerca do autismo, sendo que algumas interrogações surgem como obrigatórias. Assim, é necessário indagar de como devem ser educados os alunos identificados como autistas, como também conhecer como é o espaço educativo destinado à aprendizagem escolar, pois oferecer um atendimento adequado a esse grupo requer conhecer suas principais características, e principalmente a garantia do serviço de atendimento educacional destinada a esses alunos, de forma a atender atendem suas necessidades especificas. A esse respeito Cool (1995) faz menção de como deve ser esta estrutura tão importante para educação do autista.

[…] As crianças autistas têm um maior aproveitamento, quando são educadas em grupos pequenos […], que possibilitem um planejamento bastante personalizado dos objetivos e procedimentos educacionais em um contexto de relações simples e, em grande parte, bilaterais; Em segundo lugar, o ambiente deve facilitar a percepção e compreensão, por parte da criança, de relações contingentes entre suas próprias condutas e as contingências do meio […]; 3) além disso, o educador deve manter uma conduta educadora[…] estabelecendo, de forma clara e explícita, seus objetivos, procedimentos, métodos de registro, etc. (COOL, 1995, p. 286).

 Assim, fica claro que os autistas requerem ambientes educacionais estruturados e adequados às suas necessidades. Assim, percebem-se importância de termos bons professores contribuindo para o desenvolvimento da aprendizagem do aluno autista nas escolas, amparando-os, a fim de ajudá-los nesta tarefa difícil que é a educação especial.

Fonte: encurtador.com.br/mxyD1

Considerações finais – De acordo com o estudo bibliográfico realizado foi possível constatar que o autismo pode ser considerado um transtorno e não uma doença, visto que o desenvolvimento de vias de pesquisa tem sido implantadas e aprimoradas na busca de uma resposta na questão diagnóstica. Ao mesmo tempo no entorno de compreensões cientificas, temos também o entendimento de reflexões realísticas que devem buscar o entendimento dessa população afetada, da maneira pela qual as mesmas veem o mundo a sua volta, e assim ajuda-las da melhor maneira possível, nesse sentido, destaca-se a ação da escola e de professores qualificados.

Entretanto, é relevante destacar que os tratamentos tem sido importantes na busca pelo desenvolvimento de habilidades que uma pessoa normal pode ter, mas existira a dificuldade nas áreas caracteristicamente atingidas como por exemplo comunicação e interação social, sendo que os mesmos podem ser minimizados e não curados. Portanto, deve-se ter em mente que o autismo é na atualidade combatido por meio de métodos comportamentais, devido à limitação de teorias cientificas e reafirmar a necessidade de conhecer e aprofundar estudos que possam garantir e assegurar o indivíduo autista dentro de suas necessidades, seja ela pessoal, educacional entre outras.

Portanto, analisa-se que existem diferentes caminhos a percorrer ainda sobre o tema inclusão, mas esta pesquisa se constitui em um deles, por ora. Espera-se que o presente estudo seja fonte de inspiração para outros pesquisadores, dedicados e ávidos pelo tema da educação especial ou por outros educadores, direcionados para a pesquisa, que terão a oportunidade e o privilégio de terem algum estudante com deficiência.

Fonte: encurtador.com.br/lnzY9

REFERÊNCIAS

BOSA C. A. As Relações entre Autismo, Comportamento Social e Função Executiva. Psicologia: Reflexão e Crítica, 2001.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Imprensa Oficial, 1988.

_____. Lei Federal nº 12.764/2012, de 27 de dezembro de 2012. Institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista. Disponível em http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,lei-berenice-piana-e-o-acompanhante-especializado,53247.html.Acesso em 20/03/2018.

______. Lei 13.146 de 06 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Disponível em http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/s.lei brasileira de inclusão da pessoa com deficiência pdf. Acesso em 21/03/2018.

______. Estatuto da Criança e do Adolescente: Lei nº. 8.069/1990. Brasília: 1990.

______. Ministério da Educação. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN 9.394, de 20 de dezembro de 1996.

______. Ministério da Educação. Diretrizes Nacionais para a Educação Especial Básica. 3 ed. Secretaria de Educação Especial. Brasília: MEC, SEESP, 2003.

CAMARGOS Jr., Walter et al. Transtornos invasivos do desenvolvimento: 3º Milênio. Brasília: CORDE, 2005. Disponível em <www.fcee.sc.gov.br/>. Acesso em: 05/03/2018.

CID-10: Classificação de Transtornos mentais e de Comportamento da CID-10: Descrições e Diretrizes Diagnósticas– Coord. Organiz. Mund. de Saúde; Dorgival Caetano. Porto Alegre: Artmed, 1993.

COLL, C; PALACIOS, J; MARCHESI, A. Desenvolvimento Psicológico e educação –

Necessidades Educativas especiais e aprendizagem escolar. Porto Alegre: Artmed, 1995.

DSM – 5: Manual Diagnóstico de Transtornos Mentais. 5ed. Porto Alegre. Artmed, 2014.

GAUDERER, Christian. E. Autismo e outros atrasos do Desenvolvimento – Uma atualização para os que atuam na área: do especialista aos pais. São Paulo: Sarvier, 1985.

LIRA, Solange M. de. Escolarização de alunos autistas: histórias de sala de aula.2004. 151 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2004.

LURIA, Alexand. R. Vigotskii. In: VIGOTSKII, L. S.; LURIA, A. R.; LENTIEV, A. N.Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. São Paulo: Ícone, 2006.

MANTOAN, Maria Teresa Eglér. A integração de pessoas com deficiência. São Paulo: Memnon, 1997.

MAZZOTTA, M. J. da S. Fundamentos de Educação Especial. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1996.

MULICK James. A. Diagnóstico o Transtorno Autista: aspectos Fundamentais e considerações práticas. Psicologia Ciência e Profissão. 2009.

SANT’ANA, Izabellas Mendes. Educação Inclusiva: Concepções de Professores e Diretores. Psicologia em Estu, Maringá, v. 10, n. 2, maio-ago. 2005.

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Temáticas da psicologia da educação presentes nas vivências pessoais e profissionais

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Sou Licionina Maria Rodrigues da Silva há dezoito anos a frente da Presidência/direção da Escola Especial Um Passo Diferente – APAE do município de Tocantinópolis, estado do Tocantins. A escola atende a alunos da Educação Especial do Ensino a partir de 2008 tomamos à frente da direção da referida escola na qual se observou vários problemas que se agravavam, sobretudo pelas dificuldades de relação entre Família/Escola, no que se refere à aceitação da deficiência  como também  procura de atendimento de profissionais de saúde que atesta a deficiência por meio de laudo médico e/ou psicológico, ocasionando assim dificuldade de ser assistido de acordo as suas necessidades. Nesta escola percebeu-se que a família se mantinha distante ou mesmo ausente da vida escolar dos filhos, trazendo com isto, uma série de problemas relacionados ao desenvolvimento de habilidades cognitivas e de interação social.

Com base dos dados expostos procurou-se promover na escola, ação para trazer um psicólogo educacional  e demais profissionais da equipe multidisciplinar da saúde, pois muito dos alunos atendidos não apresenta laudo psicológico. Necessitando assim de uma avaliação psicológica, a qual segundo o Conselho Federal de Psicologia (CFP, 2000) reflete um processo de coleta de informações resultante de um conjunto de procedimentos confiáveis. Tal processo permitiria ao psicólogo avaliar comportamentos, contribuindo para a orientação de ações profissionais de forma segura e pertinente (Paula, Pereira, & Nascimento, 2007).

Para a realização do trabalho, foram convocados pais/ou responsáveis pelas crianças matriculadas na escola de modo que se realizou  quatro grandes reuniões no decorrer de três meses, as quais se obteve uma significativa participação dos mesmos, onde os profissionais da saúde foram disponibilizados pela a secretaria municipal de saúde em forma de parcerias.

Fonte: encurtador.com.br/guvKS

A partir dessas atividades observou-se que houve uma significativa melhora no que se refere à participação dos pais na vida escolar dos filhos e no cotidiano da escola. Diante desta ação ficou constatado que a escola especial atende diferentes tipos de deficiências de acordo laudo de médicos e psicólogos, sendo eles: Autismo, Deficiência Intelectual Severa, Deficiências Múltiplas Deficiência Intelectual Deficiência Visual Deficiência Auditiva e Física.

Como incentivo a esta participação criou-se o momento de encontro semestral para que a psicóloga pudesse acompanha o desempenho dos alunos e avaliá-los. O trabalho da Escola Especial “Um Passo Diferente” – APAE de Tocantinópolis, feito com o compromisso de valorizar as potencialidades e as necessidades individuais dos alunos adotando ações positivas, surge das conquistas que muitas vezes impressiona, mas que viabiliza o desenvolvimento das capacidades da pessoa com deficiência, resgata a auto- estima e melhora a qualidade de vida.

Portanto, é valido considerar que a atuação do Psicólogo no ambiente escolar pode ser compreendida como por um serviço preventivo e terapêutico. Quando se trata de inclusão educacional de pessoas com deficiência, ele tem um papel crucial na preparação dos profissionais envolvidos, apoio familiar e suporte a comunidade discente. Sendo assim, o objetivo do nosso artigo é discutir as contribuições do psicólogo escolar no processo de inclusão educacional de pessoas com deficiências. O psicólogo deve ter um olhar abrangente, ver o aluno com deficiência como um ser biopsicossocial, e não olhando apenas o biológico, mas um ser que apesar das limitações é também dotado de potencialidade. Dessa forma Vianna (2016, p- 54), relata que: A atuação do profissional de psicologia no ambiente escolar, nos dias atuais permanece marcada por dificuldades, em relação ao fazer a prática. Muitos psicólogos ainda sentem certo bloqueio ao sair do modelo tradicional clínico, centrado no psicodiagnóstico.

Fonte: encurtador.com.br/guvKS

REFERENCIAS 

Paula, A. V., Pereira, A. S., & Nascimento, E. Opinião de alunos de Psicologia sobre o ensino em avaliação psicológica. (Psico-USF,2007).

VIANA, M.N. Psicologia escolar: que fazer é esse? In: Conselho Federal de Psicologia- Brasilia – CFP, 2016.

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APAE de Palmas e seus desafios – (En)Cena entrevista Suelma Sousa

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Segundo a FEAPAES – TO (Federação das APAES do Estado do Tocantins), a missão do Movimento Apaeano é principalmente atuar na defesa e garantia de direitos para melhorar a condição de vida da pessoa com deficiência intelectual e múltipla. Para tanto, conhecer as políticas públicas voltadas para as áreas da saúde, educação, trabalho, assistência social, esporte e lazer, entre outras é de fundamental importância, assim como conhecer das diretrizes aprovadas pela Federação Nacional das APAE’s e de utilização obrigatória pela Rede Apaeana.

Acadêmicas de Psicologia do CEULP/ULBRA, em colaboração com o (En)Cena, entrevistaram Suelma Sousa, que atua como enfermeira na APAE (Associação de Pais e Amigos Excepcionais) de Palmas – TO.

Símbolo da APAE – Palmas/TO

(En)Cena – O que é a APAE?

Suelma Sousa – É uma Associação de Pais e Amigos Excepcionais. Temos vários profissionais que atendem na área de saúde como enfermeiro, fonoaudiólogo, fisioterapeuta, psicólogo, assistente social, entre outros, e temos a parte da educação. Os pais buscam na APAE uma oportunidade de ensino especializado que atenda a demanda deles.

(En)Cena – Qual o público de vocês?

Suelma Sousa – Nós atendemos pessoas a partir de zero anos de idade, podendo passar dos 60. Trabalhamos com pessoas com síndrome de down, retardo mental (leve, moderado), autismo, paralisia cerebral. De 0 a 5 anos trabalhamos com a estimulação precoce.

(En)Cena – Você saberia dizer há quanto tempo a APAE atua em Palmas?

Suelma Sousa – Olha, acredito que mais ou menos 20 anos.

(En)Cena – Como funciona o procedimento de entrada do usuário aqui?

Suelma Sousa – O usuário passa por uma triagem onde tem o psicólogo, que depois encaminha para o/a assistente social e para o enfermeiro, aí se for comprovada a necessidade de ele ser um aluno APAE, então o psicólogo encaminha para a Secretaria Pedagógica para realizar a matrícula na Escola Especial de Integração de Palmas.

(En)Cena – Você acha esse procedimento de entrada fácil e eficaz tanto para o usuário como para você profissional?

Suelma Sousa – Sim, com certeza, e vai melhorando cada vez mais. O paciente normalmente chega com o laudo médico, mas quando não tem, encaminhamos para um neurologista.

(En)Cena – Então nem sempre vocês têm todos os profissionais de que precisam, tendo que fazer encaminhamentos.

Suelma Sousa – Sim, quando o paciente não tem um laudo médico, precisamos fazer o encaminhamento para comprovar a necessidade de ele se tornar um aluno da APAE.

(En)Cena – Você sente a necessidade de ter os profissionais trabalhando aqui ou está tranquilo como estão fazendo os encaminhamentos? Sente falta de mais profissionais trabalhando com vocês?

Suelma Sousa – Ia facilitar se tivéssemos um psiquiatra, neurologista. Porque o neurologista que temos hoje atende de forma voluntária, então ele atende um aluno por semana, e as vezes a demanda é muito grande, então ia ajudar demais se tivéssemos um profissional com a gente.

(En)Cena – E o que você acha da atuação do psicólogo nesse processo? Acha que poderia melhorar?

Suelma Sousa – Acho que quanto mais profissionais melhor, porque o processo de matrícula depende do psicólogo primeiramente.

(En)Cena – Você sabe da existência da Rede de Atenção e Cuidado à Pessoa com Deficiência? Sabe que a APAE é apenas um dos pontos dessa Rede?

Suelma Sousa – Não sabia.

(En)Cena – Você acha que o ambiente na APAE é ideal para a demanda?

Suelma Sousa – Sempre há o que melhorar, em termos de pessoal e de estrutura. Falta alguns equipamentos, na minha área, por exemplo, falta uma sala de lavagem. É, tem muita coisa para melhorar.

(En)Cena – Como acontece o cuidado dentro da APAE com as pessoas que vocês atendem?

Suelma Sousa – Da minha área, verificamos os sinais vitais, atendemos conforme a demanda, por exemplo, se há algumas intercorrências como crises compulsivas, febre alta, dentre outras, e também realizamos visitas nas salas de aula para ver como estão os alunos, realizamos visitas domiciliares conforme a necessidade, para vermos a realidade da família, prestamos o serviço de enfermagem na pré e pós consulta médica, fazemos agendamento de consultas com o doutor que presta serviço voluntário, fazemos acompanhamento dos hipertensos diabéticos, orientações sobre higiene, orientação tal que as vezes necessita da presença de um responsável.

(En)Cena – Você acha que a sociedade hoje tem informações suficientes sobre a APAE?

Suelma Sousa – Talvez uns 50%, depende da divulgação. Mas os que vêm aqui normalmente são indicados ou encaminhados por profissionais da saúde.

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Fisioterapia Aquática na APAE de Palmas – TO

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Alongamentos, fortalecimento muscular e treino funcional no meio aquático são algumas das práticas realizadas no projeto de extensão Fisioterapia Aquática na APAE de Palmas – TO do Centro Universitário Luterano de Palmas (CEULP/ULBRA). Coordenado pela professora fisioterapeuta Luciana Furtado, o trabalho do projeto com a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) teve início em 2010, quando o CEULP/ULBRA construiu uma piscina terapêutica especial para este tipo de modalidade na Associação. Desde esta data, os alunos apaeanos são atendidos semanalmente por acadêmicos do curso de Fisioterapia e supervisionados por docentes da mesma área.

O (En)Cena entrevistou a professora Luciana Furtado, coordenadora do projeto Fisioterapia Aquática na APAE de Palmas – TO, para conhecer como essas atividades promovem qualidade de vida às crianças apaenas.

 


Professora Luciana Furtado, coordenadora do projeto Fisioterapia Aquática na APAE de Palmas – TO

 

(En)Cena – Em quê consiste a fisioterapia aquática? Essa atividade terapêutica exige preparação de algum recurso para a realização dela, como, por exemplo, uma piscina específica ou material diferenciado?

Luciana Furtado – A fisioterapia aquática consiste na prática de técnicas fisioterapêuticas específicas para o meio aquático utilizadas para a promoção da reabilitação física e funcional de pacientes. Os atendimentos devem ser realizados num espaço destinado a atividades aquáticas que seguem normas da vigilância sanitária e contam com uma piscina com estrutura e temperatura da água específica para esses atendimentos.

Criança sendo atendida por acadêmicos do projeto

 

(En)Cena – Por que vocês escolheram a comunidade apaeana para as práticas do projeto e por que a escolha da fisioterapia aquática?

Luciana Furtado – A maioria das crianças da APAE tem deficiência física que compromete seu desenvolvimento motor adequado e consequentemente causa prejuízo na deambulação e realização de suas atividades funcionais. Certos princípios físicos da água associados a manejos fisioterapêuticos específicos conferem maior liberdade e funcionalidade aos movimentos que seriam difíceis de serem executados no solo, o que permite, de acordo com a doença de base, estimular o ganho progressivo de flexibilidade, força, equilíbrio e de habilidades funcionais.

A instituição APAE conta uma piscina terapêutica e a disponibiliza para profissionais fisioterapeutas de instituições parceiras para que possam atender a grande demanda de crianças com deficiência encaminhadas pelos médicos para esse atendimento.


Alunos da APAE recebendo atendimento

(En)Cena – Como é a aceitação dos alunos da APAE? Eles demonstram gostar das atividades desenvolvidas pela fisioterapia aquática?

Luciana Furtado – É visível o bem estar e a alegria das crianças durante os atendimentos, o que motiva os acadêmicos voluntários a se interessarem por essa área de atendimento.

 

(En)Cena – Que resultados o projeto obteve no que diz respeito à saúde física e psíquica das crianças atendidas? Houve melhora de qualidade de vida?

Luciana Furtado – Nesses anos de realização do projeto temos observado resultados de melhora física, funcional e até mesmo relatos de melhora do bem estar psíquico pelos professores cuidadores dessas crianças, aspectos esses, fundamentais na garantia de uma boa qualidade de vida a essa população.

 

(En)Cena – Os pais e cuidadores das crianças atendidas também acompanham o processo terapêutico desenvolvido na APAE? Qual é a importância desse acompanhamento? Eles são orientados sobre cuidados ‘pós-hidroterapia’?

Luciana Furtado – A maior parte das crianças vai até a escola através do ônibus escolar e passam o dia inteiro na instituição enquanto seus pais trabalham. Assim há pouco contato desses pais com os profissionais da saúde atuantes nessa instituição, mas muitas vezes passamos orientações destinadas aos pais através dos professores cuidadores dessas crianças, e quando os pais podem comparecer, assistem aos atendimentos e recebem orientações e são esclarecidos quanto a seus questionamentos no cuidado à suas crianças. Já o contato e orientações com os professores cuidadores é pontual a cada atendimento.


Acadêmicos atendendo alunos apaeanos

(En)Cena – Na grade curricular do curso de Fisioterapia existe alguma disciplina específica sobre hidroterapia? Como têm sido a participação dos acadêmicos como voluntários nesse trabalho?

Luciana Furtado – Há no curso de Fisioterapia do CEULP-ULBRA a disciplina de Fisioterapia Aquática onde há teoria e prática dos princípios e técnicas que regem esses atendimentos. Os voluntários mostram-se motivados, participativos e atuantes em todo o processo de reabilitação proposto pelo projeto de extensão.

 


Alunos voluntários do projeto Fisioterapia Aquática na APAE

 

(En)Cena – A vivência ‘universidade e comunidade’, na Fisioterapia Aquática na APAE de Palmas, é geradora de bons resultados?

Luciana Furtado – Os resultados são uma via de mão dupla: tanto as crianças beneficiam-se da reabilitação pela fisioterapia aquática, quanto os acadêmicos, professores e a instituição CEULP-ULBRA em si, beneficia-se das atividades filantrópicas realizadas na APAE, construindo nos acadêmicos a responsabilidade social, humanística e ética embasada no conhecimento científico e vivenciada no vínculo terapeuta-paciente.

 


Atendimentos hidroterapêuticos na APAE

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As inclinações da alma

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Arte de Maheswari Janarthanan 

Ana, desde criança, se interessava por pessoas (in)comuns. Tinha medo do doido, um velhinho mudo que sempre passava em sua rua, ele jogava pedras nos moleques que o atazanavam. Tinha medo também de uma mulher deficiente muito rabugenta, que morava ali perto e que vivia a xingar. Figuras que assustavam, ao menos na imaginação, os infantes de sua época. No caminho da igreja, morava uma menina com síndrome de down, tinha o tarado da pracinha… Todos pareciam caricatos demais para uma criança entender e, apesar do medo, todos eles despertavam a curiosidade de Ana. Ela, que pensava: “por que eles são assim?”

Aos onze anos, Ana chegava da escola e ia correndo para a porta da APAE, que era pertinho de sua casa, pra ver as crianças saírem. Ficava ali, do lado de fora… E quando abriam o portão, olhava, observava o que podia ver lá dentro. As crianças iam saindo, umas em cadeiras de rodas ou com muletas, outras carregadas para dentro da Perua escolar. Ela queria saber o que elas tinham, queria aproximar, conversar, entender.

Essa vontade era tão grande que um dia Ana entrou escondida lá dentro. Sentindo um misto de várias emoções por sua aventura, pois temia que não a deixariam entrar, aliada à satisfação da curiosidade, estava com mais coragem do que medo. Não viu ninguém fora das salas, então ela foi passando de porta em porta olhando. Logo, uma mulher a viu e perguntou quem ela era e o que fazia por ali. Respondeu a verdade, que queria ver como era ali dentro, queria ver as crianças. A mulher comunicou a responsável e esta, generosa, permitiu que Ana entrasse quando quisesse e ainda lhe mostrou cada canto da escola. Depois disso, muitas e muitas vezes ela foi à APAE, saciou toda sua curiosidade. Acompanhou por alguns anos uma menininha de quem nunca se esquecerá.

Muitos anos se passaram…

O sétimo e o oitavo período da faculdade foram momentos turbulentos, de intensas vivências. O curso de Psicologia estava transformando todo o interior de Ana. Foi nessa época, que as circunstâncias lhe colocara diante da pessoa que ela acharia a mais interessante do planeta, cujo apelido é “Sig”. Ele era um homem de alma. Já havia algum tempo que Ana percebera a esquizofrenia no ápice de seu interesse. Sig era um homem de alma e com diagnóstico de esquizofrenia, uma combinação rara. Além disso, inteligente, vivaz, bonito e um grande artista. Claro que anos de remédios fortes afetam potencialmente o corpo, principalmente os dentes. Conte também com a palidez de quem há anos não sai de casa e não se exercita. Sig, fumava demais. Contava uns quarenta anos de idade, muita leitura, poesia e criatividade. O indescritível era a interação das duas mentes, a dele e a dela. Ele a elegera uma boa companhia, alguém com quem adorava trocar idéias, ver a forma como ela racionava e a única capaz de atendê-lo como psicóloga. Conviveram por alguns dias prazerosamente. Eram um para o outro raridades do caminho. Assuntos sobre a psicanálise se misturavam a delírios e voltavam em brincadeiras sobre os óculos antiquados de Sig. Ela admirava o ser de Sig e queria conhecer cada continente daquele espírito incomum.

Mas as mesmas circunstâncias que a levou até ele um dia, abruptamente a impediu de vê-lo. Assim, sem saber a importância que ambos se davam, sem despedidas, sem explicações, simplesmente proibiram esse encontro.

Ana sabe que dificilmente encontrará alguém, na vida pessoal ou profissional, como Sig.

Ela amou com facilidade o (in)comum.

Ela tem forte inclinação a interessar-se verdadeiramente por cada um destes seres, pois neles encontra coerência, verdade e sorrisos.

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Confecção de um dominó adaptado: relato de caso em Terapia Ocupacional

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No primeiro semestre de 2012 iniciamos o estágio na APAE – Associação de pais e amigos dos excepcionais de Santa Maria/RS onde buscávamos aprimorar nossos conhecimentos e colocar em prática os ensinamentos obtidos até o momento dentro do curso de graduação em Terapia Ocupacional na Universidade Federal de Santa Maria. Em duplas saímos em busca de ajudar os alunos a alcançarem os seus desejos, por exemplo, conseguir realizar no seu dia-a-dia o que, devido a alguma limitação singular, não conseguiam desempenhar.

Nosso primeiro paciente possuía 19 anos e foi identificado com a necessidade de uma atenção especial da Terapia Ocupacional, devido a sua dificuldade de comunicação por uma afasia expressiva decorrente da retirada de um cisto do hemisfério direito do cérebro, pela dificuldade de atenção e concentração, além de déficit de memória. Apesar de sabermos um pouco sobre seu histórico pessoal e clínico, iniciamos uma série de avaliações para melhor ajudá-lo, porém antes disso buscamos conhecer as vontades singulares, ou seja, o que ele deseja fazer.

Nosso paciente, muito falante, nos relatou uma história comovente que acabou guiando o restante de nossos atendimentos. Ele referiu certo dia, que foi ao mercado fazer compras e ao realizar o pagamento foi logrado, não lhe devolveram o troco corretamente. Ao chegar em sua casa, entregou o dinheiro aos seus pais, e eles perceberam o que havia acontecido. Ele ficou significativamente “marcado” por este acontecimento devido ao abuso sobre suas limitações. Após nos contar o ocorrido, disse que seu maior desejo era conseguir contar dinheiro para que isso não acontecesse mais vezes.

A partir disto, iniciamos uma série de atividades que visavam alcançar o desejo do sujeito, que o ajudasse a conseguir contar dinheiro se tornando mais independente para fazer suas compras de forma segura. Durante a busca por atividades que trabalhassem os aspectos necessários para seu desenvolvimento escolar como atenção e concentração também enfatizamos a utilização de números e contagem de dinheiro. Para isto, utilizamos a possibilidade da Terapia Ocupacional de trabalhar com tecnologias assistivas e buscamos diversos recursos. Assim, confeccionamos um recurso de aprendizagem baseado no MEC (BRASIL. Ministério da Educação. Portal de Ajudas Técnicas: Recursos Pedagógicos Adaptados. Brasília, 2002, p. 1 – 49.) chamado Dominó de quantidades e numerais em relevo.

Em cada atendimento, complementávamos as atividades propostas com o jogo de dominó que instigava o paciente a contar, e a se concentrar, pois apresenta números em um lado do dominó e os pontos referindo a quantidade do outro. Esses pontos são em relevo possibilitando a discriminação tátil auxiliando na contagem. Após várias seções, voltamos a trabalhar com dinheiro e o sistema de “faz-de-conta” de compras. Percebemos então, que o aluno estava aprendendo com maior facilidade a contar e realizar as compras corretamente.

Foi uma realização poder ver a alegria do paciente por ter conseguido realizar a atividade e principalmente ter o reconhecimento dele por termos ajudado a alcançar um dos seus objetivos. Para nós, foi extremamente gratificante poder ajudá-lo a ter maior independência, pois este é o nosso dever como Terapeutas Ocupacionais, proporcionar aos nossos pacientes maior independência e autonomia na realização das atividades de vida diária e atividades instrumentais de vida diária, além de ajudar a tornar possível o desejo daqueles que cuidamos, buscando assim, uma melhor qualidade de vida.

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