Atrás de toda celebridade, tem um fã

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Atores, cantores, humoristas, atletas, jornalistas, personagens da ficção, séries, filmes, novelas, livros, reais ou direto da ficção, todos são figuras públicas com espaço nas diversas mídias. Mas não seriam famosos se não fosse uma pessoa ou uma legião de pessoas, os fãs. O fã é aquele que gosta de estar por dentro do mundo do seu ídolo. Alguns são fanáticos, loucos por celebridades, ao ponto de quererem se tornar parecidos. Por isso, as perguntas: o que é ser fã? Este ‘ser’ é controlado pelos veículos de comunicação ou pela indústria cultural?

 Segundo o dicionário Aurélio, a palavra “fã” significa: “pessoa que tem grande admiração por artistas (de cinema, teatro, televisão) ou figuras populares (campeões esportivos, jogadores de futebol etc.)”. Na sociedade, há vários tipos de indivíduos assim, alguns são até mesmo retratados pela própria mídia. Um exemplo recente é a personagem Valdirene da telenovela “Amor à Vida”,  interpretada por Tatá Werneck. A figura é uma fã fake,pois na verdade busca também a famosidade dos ídolos.

 Os fãs, numa definição simples, são admiradores de pessoas midiáticas, porém essa mesma admiração pode ser tornar uma doença, uma obsessão, ao ponto de fazer alterações no corpo, na voz, no cabelo e replicar um guarda-roupa igual a sua celebridade idolatrada. O “Capitão Hayes” é um personagem ficcional de um desenho animado famoso no Brasil  que retrata uma pessoa com “Síndrome de Adoração a Celebridade” (SAC). O personagem sequestra um mega avião no vôo inaugural, cheio de celebridade, com a intenção de se tornar o único amigo.

 A equipe do Portal (En)Cena questionou sobre o que é ser fã para as pessoas. Leia algumas respostas:

 “Ser fã é ter alguém como referencial, ter uma admiração, e as vezes isso pode ser ao extremo como podemos ver nas mídias. Pessoas que fazem tatuagens pelo seu ídolo, acampam dias na frente dos shows, fazem promessas, etc.” Laryssa Martins

 “Ser fã é compreender tão bem o trabalho de alguém a ponto de fazer com que aquela compreensão faça parte do seu dia a dia, remontando seus valores e construindo sua personalidade com base nos aspectos que você admira em algum ídolo.” Hérica Rocha

 “Fã é um admirador por uma determinada pessoa, por algo que ela faça, ou seja, para mim ser fã é diferente de ser idolatra. Idolatria é colocar uma pessoa ou algo acima de qualquer coisa na sua vida.” João Coelho

 O entrevistado João Coelho é fã do universo gospel, além de acompanhar informações, ele repassa  o conteúdo para o um portal de informações do mesmo ramo, em Palmas(TO). No tempo livre, trabalha como DJ para festas e show do gênero gospel e comenta sobre essa troca de papel, de deixar de ser fã e se tornar celebridade.  “Bom, primeiro não acho que eu tenha fãs (risos), talvez minha mãe, minha namorada (risos), mas caso eu tenha, acho legal, desde que eu não esteja tomando o lugar de Deus na vida da pessoa”, esclarece.

 Fã que é fã sempre faz ou já fez uma loucura para estar próximo do seu ídolo. Veja o exemplo de Brisa (nome ficcional). Quando ela descobriu que a sua banda favorita iria tocar no sul do país, resolveu pegar um vôo para assistir ao show numa terra totalmente desconhecida. Olhe só a história.

Sou fã de uma banda uruguaia [No Te Va Gustar] e no fim do ano de 2011 fiz uma promessa de que iria assistir a um show da banda em 2012 onde quer que fosse que eles tocassem. E assim eu o fiz, em abril de 2012, descobri que a banda iria tocar em Porto Alegre/RS, eu não conhecia a cidade nem ninguém que morasse lá, mesmo assim comprei passagem e fui lá assistir ao show da minha banda preferida. Enfrentei 8 horas de voos e paradas em aeroportos, até chegar em Porto Alegre, fiquei menos de 24 horas na cidade, fui exclusivamente para assistir a apresentação. Fui para o local do show, assisti a tudo e duas horas depois do final do show eu já estava embarcando de volta para a minha cidade com a alma leve e feliz da vida por ver os meus ídolos cantando. O show foi incrível, cantei, gritei, chorei, me emocionei mesmo. Valeu cada centavo que gastei nessa viagem relâmpago“, conta Brisa.

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Desvelar a cor

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“As pinturas de Sergio Lobo lembram a dinâmica do impressionismo abstrato e como Jackson Pollock (1912-1956) Lobo se utiliza da técnica do dripping ou gotejamento de tinta sobre a tela. Porém, algumas obras do artista afastam-se desse automatismo do dripping e passam para uma pintura mais planejada produzida com tipos de pinceladas variadas tanto em cor quanto em movimento e espessuras. Juntas elas se misturam em um ritmo quase vertiginoso de cor e movimento que lembram a dinâmica de um caleidoscópio. Entre o automatismo e o planejado Sérgio Lobo vem desenvolvendo uma pintura mais madura e resolvida. E suas pesquisas no campo da pintura são uma constante, fruto de um espírito inquieto e criador.”

Vone Petson
Curador da Exposição Desvelar a cor

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O vermelho de Frida Kahlo

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“No se si mis pinturas son o no surrealistas pero que
lo si estoy segura es que son la expresión
más franca de mi ser.”

Frida Kahlo

Auto-retrato em um vestido de veludo (1926)

 

Assustadoramente excitante. Essa definição é – a meu ver – a melhor forma de descrever a obra de Frida Kahlo (1907-1954). A artista mexicana de traçado firme e formas surreais teve sua vida marcada pelo vermelho de seu sangue e de suas paixões. Consumida pela agonia incessante de ser ela mesma, Frida sempre preferiu apoiar-se em suas próprias verdades para escapar da viva, da dor e de suas agonias.

Magdalena Carmen Frieda Kahlo y Calderón, de nascença, Frida Kahlo por opção, a artista tinha uma personalidade forte e marcante. Talvez tenha sido – em uma análise superficial – essa devoção com que enxergava a vida, e o viver, o melhor modo que ela encontrou para lidar com as tragédias de sua história. Digo “em uma análise superficial”, pois Frida não é, nem nunca foi, uma dessas personalidades que se permitem ser entendidas. Sejam lá quais foram os motivos dessa pintora, nobres ou torpes, uma coisa é certa: mergulhar no mundo cheio de formas de Kahlo é uma viagem sem volta.

As Duas Fridas (1939)

 

Imprevisível e autêntica – como somente ela sabia ser – a originalidade sempre esteve presente em cada instante da existência dessa artista mexicana. O colorido de sua vida foi consecutivamente marcado pelo gosto intrínseco e ferroso do vermelho que, em um momento ou outro, lhe era empurrado garganta a baixo.

A primeira vez foi aos seis anos de idade quando, vítima de poliomielite, Frida se viu fadada a passar o resto de sua vida com uma deficiência, uma perna fina e um pé torto, que rederam a ela o apelido de “Frida pata de palo”.

A segunda vez em que ela se viu assediada pelo aconchego do vermelho foi quando, embalada pelos sonhos de cursar medicina, entrou para o “Las Cachuchas” a Liga da Juventude Comunista Mexicana onde, inesperadamente, conheceu o jovem Alejandro Gómez Arias. E o aroma doce do vermelho preenche o vazio de uma vida solitária. Nos braços de seu eterno “Alex”, Frida se rendeu a seu primeiro amor sem reservas. Essa foi a terceira vez que sua vida foi marcada pelo vermelho.

A Coluna Partida (1944)

 

Na quarta vez em que o vermelho atravessa a vida de Frida, foi sem pedir licença, de um modo menos quente e romântico, na forma de uma viga de ferro que violentou sua pélvis e lhe saiu pela vagina. No súbito acidente de um ônibus contra um trem, ela perdeu sua virgindade, seu corpo, seu sangue e seu grande amor.

Frida experimenta, literalmente e integralmente, o que é a morte, e todos os limites do que chamamos de dor, mas que, para ela, adquirem um novo significado. É em meio aos pedaços de seu corpo todo desfeito e refeito, fadada à sua própria forma desconstruída e cirurgicamente recriada, que Frida entra em contato com a pintura.

“Pinto autorretratos por que estoy gran parte de mi tiempo sola, por que soy la persona a quien mejor conozco” – Frida Kahlo

E no quinto encontro, o vermelho molhado da tinta, esboça nas telas a dura realidade com a qual Frida tem que viver e conviver diariamente. Sua verdade. Seu modo de enxergar a sua própria vida, para muitos, insano e surreal, para ela, nada mais era que sua realidade expressada em pincel e tinta. Frida tinha um traço forte, marcante e encharcado de sentimento.

Venadito (1946)

 

Depois de ter a coluna vertebral destruída, e de passar por diversas cirurgias, a jovem Frida teve seu corpo reconstruído. Foi nesse período, fadada a usar um corselete de gesso que ia de sua clavícula até a pélvis, presa em seu leito várias horas por dia, que ela começou a pintar. Utilizando a velha caixa de tintas de seu pai, um cavalete especial e um espelho instalado sobre sua cama, Frida arriscava-se em pintar autorretratos.

Aos 21 anos ela entrou para o Partido Comunista, onde conheceu pintor Diego Rivera (1886-1957), seu inferno e sua salvação. É possivelmente aqui que o vermelho se apresente à Frida em sua forma mais densa e escura. Em sua paixão por Rivera, Frida se viu corrompida e impelida a despir-se de seus preconceitos, tornando-se permissiva, experimentou a lesividade de seus mais primitivos instintos1.

O dia 21 de agosto de 1929 é eternizado como a data de seu casamento com Rivera, e o início de uns dos relacionamentos mais intensos, sedutores, turbulentos e inebriantes de todos os tempos. O sexto encontro de Frida com o vermelho é marcado a lápis nessa data no calendário.  Ela se entregou de corpo e alma a essa paixão que mudaria sua vida e obra para sempre.

Moisés o núcleo Solar (1945)

No momento mais frágil de sua vida, em que ela se encontrava perdida e assustada, estranha de seu próprio eu, aprisionada em um corpo destroçado, Rivera lhe apareceu como uma base sólida, transmitindo segurança, acreditando nela e, principalmente, acreditando em sua arte. A pintora nunca negou saber dos casos extraconjugais de Rivera, todavia sujeitou-se a eles. Estimando não perder seu grande amor, acabou perdendo-se de si mesma. Nessa busca, Frida foi mais longe que qualquer um e, ao assumir essa nova identidade, perdeu-se em si mesma e se reinventou, descobrindo novos prazeres.

As próximas vezes em que o vermelho se mostra para Frida são tentativas menos sedutoras, inebriadas pelo aroma torpe da morte e do adultério. A série de acontecimentos que segue marca profundamente seu casamento, sua obra e sua vida. Em meios aos vários adultérios de seu marido, às brigas exaustivas e violentas no casamento, à morte de seus pais, Frida sofre a amargura de três abortos – por complicações herdadas do acidente de ônibus – e descobre um caso de seu marido com sua irmã mais nova.

 

Abrazoamoroso (1949).

 

Impedida da realização de seu maior sonho, o de se tornar mãe, e diante da traição imperdoável de seu amor com sua irmã, ela pede o divorcio.   E, mais uma vez, e sem explicação, Frida encontra no sofrimento a inspiração necessária para criar, com seu estilo único e tracejado particular.

Aos poucos Frida vai ganhando espaço entre os maiores pintores de seu tempo, e conquistando admiradores em todo o mundo. Sua parceria com André Breton resulta em exposições em Nova Iorque e Paris, a artista mexicana agora tem renome internacional. Mas seu amor por Rivera ainda persiste, e eles reatam o relacionamento conturbado.

Treze de julho de 1954  marca a última vez que o vermelho, agora silencioso e embebido de mistérios, cruza o caminho de Frida Kahlo. Ela é encontrada morta em sua casa. Em seu diário, as últimas palavras “Espero que minha partida seja feliz, e espero nunca mais regressar”, deixa em aberto a suspeita de um possível suicídio, ou simples embolia pulmonar, resultando de uma forte pneumonia que havia contraído. Frida Kahlo deixa a vida, mas permanece eternizada em suas telas que, mudas, carregam consigo todo o peso e força da história de vida de uma mulher como poucas, autêntica até no seu ultimo ato.

Nota:

1 Essa parte da vida de Frida parece obscura. Em uma das fontes pesquisadas afirmava que a pintora, para satisfazer a si e a seu marido, começou a ter relacionamentos homossexuais. Em outra, a pintora os fazia para se vingar da infidelidade de Rivera, e ainda, em uma terceira fonte, Rivera seria contrário a bissexualidade da esposa, até permitindo ela ter relacionamento com outras mulheres, mas jamais com homens. Orientação que ela não seguia, e que provocava diversas divergências no relacionamento. Independente dos reais motivos, o fato é que o comportamento poligâmico de Rivera, e a bissexualidade de Frida trouxeram sérios problemas ao casamento de ambos.

Para saber mais:

http://www.fkahlo.com/

http://pt.wikipedia.org/wiki/Frida_Kahlo

http://fuzuedasartes.blogspot.com.br/2012/08/frida-kalho-vida-obra-e-superacao.html

http://bravonline.abril.com.br/materia/frida-khalo-sangue-cores-vivas

http://www.pinturasemtela.com.br/frida-kahlo-pintora-mexicana/

http://guiadoestudante.abril.com.br/aventuras-historia/frida-kahlo-mulher-tintas-fortes-434599.shtml

 


Nota: Todas as frases atribuídas à Frida Kahlo foram retiradas de seu site oficial:http://www.fkahlo.com/espanol/index_espanol.html (acesso em 23 de janeiro de 2013).

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Duane Michals e suas narrativas fantásticas

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“Nada é o que eu, uma vez pensei que fosse…
Você não é quem pensa que é. Você não é nada que possa imaginar.
Eu sou um escritor de contos. A maioria dos fotógrafos são repórteres.
Eu sou uma laranja – eles são maçãs.”

Duane Michals

Duane Michals, fotógrafo norte-americano, nasceu na Pensilvânia, em 1932. Aos 14 anos iniciou o seu interesse pela fotografia, época em que iniciou as suas aulas de pintura no Instituto Carnegie.  Ele estudou Design Gráfico, mas não terminou o curso porque resolveu mergulhar na fotografia.

Começou sua carreira como fotógrafo de moda, clicou para revistas como Vogue, Esquire e Mademoiselle e, em um curto espaço de tempo, se tornou um artista muito requisitado. Michals é conhecido pelo seu jeito inovador de fotografar, ele (re)inventa seu próprio estilo e apresenta em sua obra foto-sequências, narrativas que desafiam o espectador.

O espelho de Alice. Foto-sequência: Duane  Michals

O fotógrafo, em suas narrativas fotográficas, assusta e ao mesmo tempo encanta pela sagacidade com que materializa seus desejos que deixam de ser ocultos.  Original em sua trajetória, ele consegue traduzir em palavras e em imagens os seus pensamentos. Michals usa a câmera fotográfica para dar vida às suas inquietações íntimas, ele (re)constrói  paisagens intangíveis  que representam seus medos, angústias e pulsões. Influenciado por artistas surrealistas como Magritte e Balthus, o fotógrafo dá o tom surrealista em sua obra: algumas de suas fotografias são marcadas por jogos de espelhos que transformam suas ideias em imagens desconsertantes, distorcidas.

Foto-sequência: Duane Michals

“Acredito no invisível. Não acredito no visível… . Para mim,  a realidade reside na intuição e na imaginação, e na vozinha da minha cabeça que diz: “Isto é extraordinário?!” Esta sentença representa com perfeição o processo criativo de Duane Michals, mescla de surrealidade e realização concreta de seu imaginário. Numa concepção flusseriana, imaginação é a capacidade de fazer e decifrar imagens. Michals tece em narrativas fotográficas  o que imagina. Ele decifra, cria e recria frente a essa tirania ocular que vivemos, ele provoca por meio de seu experimentalismo a noção que temos do cotidiano. O sentimento enquanto espectador, é que ele (des)organiza a nossa relação com o mundo.

Foto-sequência: Duane Michals

Na década de 1960, Michals compõe a série de retratos de Renné Magritte que é considerada por muitos o apogeu de sua obra. Isso se dá porque, na concepção dos críticos de arte, o fotógrafo conseguiu apreender não só a pessoa de Magritte, mas também as suas ideias artísticas, o seu estilo. É no final dos anos de 1960 que Duane Michals inova ao relatar histórias por meio de suas sequências de fotografias, é nessa mesma fase que ele introduz a escrita nas suas imagens, o que torna o primeiro fotógrafo a fazê-lo. Michals possui mais de vinte publicações no Mercado e tomou parte de exposições na França, Inglaterra e Estados Unidos que renderam a ele inúmeros prêmios.

A visita com René Magritte. Foto-sequência: Duane Michals

A sua fotografia pode ser entendida como uma prática simbólica que além do significado primeiro que motivou a sua criação, se constitui numa rede de significados que não se fecha, mas que se expande, se desdobra e (re)significa novos conceitos. Com a sua obra, Duane Michals coloca em discussão não somente a verossimilhança que  creditamos à fotografia, mas os mecanismos que a constituem como linguagem, documento e arte. Michals é um contador de estórias.

Algumas de suas angústias que se (trans)formaram em narrativas fotográficas:

“A palavra chave é expressão –  não fotografia, não a pintura, não a escrita.
Você é o evento, não os seus pais, amigos, gurus.
Somente você pode ensinar a si mesmo.
Tudo que experimentamos está em nossa em nossa mente.
É tudo cabeça.
O que você está lendo agora, ouvindo agora, sentindo agora…”
Duane Michals

Autorretrato

“Nós todos temos medo da morte.
Mas, nós já morremos.
Olhe sua fotografia de formatura do ginásio, “ele” está morto.
Olhe a foto do seu casamento, “ela” está morta.
Precisamente agora, você morreu.”
Duane Michals

O espírito deixa o corpo. Foto-sequência: Duane Michals

“A visão das palavras nesta página me agrada.
É como alguma forma de trilha que eu tenha deixado atrás,
pistas, marcas estranhas…
a prova de que eu estive aqui uma vez.”
Duane Michals

A oportunidade do encontro. Foto-sequência: Duane Michals

“Apenas eu sou meu inimigo. Meu medo pode me travar.
Nunca tente ser um artista; faça somente seu trabalho e se ele for verdadeiro se tornará arte.
Devemos estar atentos de forma a não sermos iludidos pelas coisas familiares. As coisas são
o que queremos que sejam. É muito importante estar vulnerável; permitir a dor, cometer enganos,
não ser intimado por tocar. Os erros são muito importantes se permanecermos despertos.”
Duane Michals

Autorretrato

“Às vezes parece que estou a espera de que alguma coisa aconteça.
É tão difícil imaginar que seja eu a pessoa que está escrevendo isto.
Sinto-me outra pessoa.
Não estou interessado na ampliação perfeita.
Estou sim interessado é na ideia perfeita.
Ideias perfeitas sobrevivem
à ampliações ruins, reveladores errados ou baratos.
Elas podem mudar nossas vidas.”
Duane Michals

Foto: Duane Michals

“As sentenças mais importantes normalmente contêm apenas duas palavras:
eu amo, me desculpe, por favor, me perdoe, me toque,
eu preciso, eu gosto, muito obrigado.”
Duane Michals

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MarioQuintana_perfil

Mário Quintana e o Encantamento

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Neste 30 de julho de 2012, homenageamos Mario Quintana que completaria 106 anos se ele não tivesse morrido, ou melhor, encantado, aos 87, em 1994.

Os poetas, aliás, os artistas em geral, não morrem. Eles apenas encantam-se a fim de, infinitamente, encantarem as pessoas com o legado artístico que, publicado, pertence a todos, uma vez que o ser humano precisa de arte para ser menos incompleto.

Assim, a melhor maneira de celebrar o aniversário do poeta gaúcho o qual escreveu durante várias décadas é atualizar os textos que ele deixou na literatura brasileira. Ou seja, cada vez que lemos poesias, crônicas e/ou histórias infantis produzidas por Quintana, permitindo-as transformar nosso olhar sobre o mundo do qual o poeta fala; e também aguçar nossa sensibilidade estética, nós o homenageamos e o legitimamos como escritor. Pois as obras precisam deixar as prateleiras materiais e virtuais para se abrigarem na memória e na vida de quem os lê. O poeta homenageado, em poeminha curto, alerta:

Cuidado
A poesia não se entrega a quem a define.

Ele expressa significativa lucidez sobre a relação entre texto literário e leitor, cujo tema motivou vários escritos, como por exemplo, o excerto[1]  seguinte o qual explicita que o poema não é passatempo. É arte. E, como tal, exige gosto estético, aprendizagem sutil e abertura ao novo.

(…)
Um poema não é para te distraíres
como com essas imagens mutantes de caleidoscópios.
Um poema não é quando te deténs para apreciar um detalhe
Um poema não é também quando paras no fim,
porque um verdadeiro poema continua sempre…
Um poema que não te ajude a viver e não saiba preparar-te para a morte
não tem sentido: é um pobre chocalho de palavras.

É verdade que o leitor sequer se dá conta das transformações realizadas pelos textos artísticos, pois é lento e sutil o processo. Muito menos por poemas, já que nós, brasileiros (e talvez os seres humanos de qualquer país), temos mais ligação com as narrativas. Elas nos acompanham desde recém-nascidos, com as histórias para dormir[2]   ou ainda com os casos, verdadeiros ou inventados, que os adultos geralmente contam[3]   no cotidiano.

Entretanto, quando damos chance ao poema e, gradualmente, vamos desfrutando a musicalidade, a brevidade os versos, as palavras cuidadosamente escolhidas, os ditos e não ditos que os vocábulos revelam ou escondem… o texto poético vai se mostrando e nos inebriando su-til-men-te. Vejamos, por exemplo, a linda metáfora que Quintana utiliza a seguir:

Os Poemas

Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam voo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto;
alimentam-se um instante em cada
par de mãos e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti…

Um aspecto que impressiona na poesia do autor gaúcho é o fato de temas tão corriqueiros serem abordados ao mesmo tempo com tamanha simplicidade, como em conversa informal entre amigos, e beleza estética.

 

Canção do dia de sempre

Tão bom viver dia a dia…
A vida assim, jamais cansa…

Viver tão só de momentos
Como estas nuvens no céu…

E só ganhar, toda a vida,
Inexperiência… esperança…

E a rosa louca dos ventos
Presa à copa do chapéu.

Nunca dês um nome a um rio:
Sempre é outro rio a passar.

Nada jamais continua,
Tudo vai recomeçar!

E sem nenhuma lembrança
Das outras vezes perdidas,
Atiro a rosa do sonho
Nas tuas mãos distraídas…

Nessa “canção do dia de sempre”, por exemplo, imagens e metáforas promovem estranhamento e tornam-no diferente de outros tipos de textos não artísticos. O eu-poético nos convida a viver cada dia como fosse o único, pois, embora aparentemente a rotina consiga transformar o tempo em dias em iguais, comparados às nuvens e a determinado rio, eles não o são. A cada novo amanhecer há novas nuvens movimentando na estratosfera, e o rio, ainda que siga o curso de sempre, é outra a água que por ele passa. Assim, a cada novo dia há perspectivas e desafios distintos os quais o fazem diferente do anterior. Ou, mesmo que sejam os mesmos, o olhar, as forças e o jeito de encará-los são diferentes.

Mas os leitores distraídos, aqueles que ficam presos ao passado, às perdas e desventuras, à “rosa louca dos ventos”, esses não percebem o recomeço exigido a cada novo dia, por isso param de sonhar, como revelam os últimos versos. Então, podemos afirmar que, simples e despretensioso, o poema desafia o leitor a pensar, seja em elementos corriqueiros que o automatismo cotidiano encobre, como nuvens, rio, rosa, chapéu. E também em aspectos extremamente importantes como a vida, os sonhos, os valores que preservamos ou deixamos escapar pelos dedos da monotonia e da falta de esperança.

No soneto[4]   “Ah, os relógios”, o eu-poético nos instiga a pensar sobre a sobreposição do tempo do relógio: marcado, rotulado, normatizado e apressado que Cronos continua devorando, sem tréguas, das nossas vidas. Em contraposição ao tempo primitivo, anterior ao instrumento, desacelerado, sem ponteiros nem frações, no qual a própria poesia ajuda a imergir e onde se encontram os sonhos, as amizades, a eternidade poética e a possibilidade de vida plena.

Ah, os relógios

Amigos, não consultem os relógios
quando um dia eu me for de vossas vidas
em seus fúteis problemas tão perdidas
que até parecem mais uns necrológicos…

Porque o tempo é uma invenção da morte:
não o conhece a vida – a verdadeira –
em que basta um momento de poesia
para nos dar a eternidade inteira.

Inteira, sim, porque essa vida eterna
somente por si mesma é dividida:
não cabe, a cada qual, uma porção.

E os anjos entreolham-se espantados
quando alguém – ao voltar a si da vida –
acaso lhes indaga que horas são…

Os poemas de Mario Quintana se destacam na literatura brasileira pelo modo como o autor ironiza, com o mesmo despojamento. Um dos textos irônicos é o “poeminho do contra”, que ele escreveu na época em que, pela terceira vez, não conseguiu votos suficientes para ser admitido na Academia Brasileira de Letras (ABL). Assim, ao invés de esbravejar contra os próprios colegas escritores, já veteranos na instituição, o gaúcho preferiu escrever aquele que se tornaria um de seus textos mais conhecidos. E o poema “biografia”, logo a seguir, parece complementar o primeiro.

 

Poeminho do Contra

Todos esses que aí estão
Atravancando meu caminho,
Eles passarão…
Eu passarinho!

 

Biografia

Era um grande nome — ora que dúvida! Uma verdadeira glória. Um dia adoeceu, morreu, virou rua… E continuaram a pisar em cima dele.

Já o texto “da observação” demonstra que o poeta de Alegrete (RS) conhecia muito a alma humana, inclusive suas limitações e fragilidades. Assim, de forma irônica, ele sugere que, ao invés de revidar o mal de forma comum, como todos o fazem, vale mesmo é a superioridade de quem sabe observar e encará-lo de maneira bem-humorada e divertida.

 

Da Observação

Não te irrites, por mais que te fizerem…
Estuda, a frio, o coração alheio.
Farás, assim, do mal que eles te querem,
Teu mais amável e sutil recreio…

Com a mesma singeleza e criatividade, Quintana aborda acerca do amor:

Bilhete

Se tu me amas,

ama-me baixinho.

Não o grites de cima dos telhados,
deixa em paz os passarinhos.

Deixa em paz a mim!
Se me queres,
enfim,

tem de ser bem devagarinho,
amada,

que a vida é breve,
e o amor
mais breve ainda.

Nesse poema, o eu-poético fala sobre discrição no relacionamento, como se o fizesse realmente por meio de um “bilhete”, tipo de texto bastante informal que é escrito entre pessoas as quais têm muita proximidade. Tal sentimento é reforçado pela demonstração de afetividade expressa pelo uso de diminutivos caprichosamente distribuídos no poema. Além da musicalidade produzida por rimas (baixinho/ passarinho/ devagarinho), pela utilização repetida da letra/som “s”, como por exemplo, em: amas / grites / cima / passarinhos;  e ainda da nasalização produzida pelos sons das letras “m/n”, como em: me amas / ama-me baixinho. O resultado é um sussurro ao pé do ouvido que traduz a discrição almejada e demonstra genialidade poética. Ou seja, o poeta não somente pede para falar baixinho: ele o faz por meio do texto.

Já o poema “Esperança”, geralmente é enviado por internautas, aos amigos, na época das festas natalinas. Assim como os demais, é texto o qual, como a própria esperança, dá prazer em atualizá-lo em cada novo Natal.

Esperança

Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano
Vive uma louca chamada Esperança
E ela pensa que quando todas as sirenas
Todas as buzinas
Todos os reco-recos tocarem
Atira-se
E
— ó delicioso voo!
Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada,
Outra vez criança…
E em torno dela indagará o povo:
— Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?
E ela lhes dirá
(É preciso dizer-lhes tudo de novo!)
Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:
— O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA…

É evidente que somos desafiados a continuar homenageando Mario Quintana todos os dias, pois há inumeráveis escritos por meio dos quais podemos apreciar a singularidade do mundo. E,  enquanto lemos e deixamos os textos penetrarem lentamente em nossa vida, a partir/por meio deles também vamos construindo os nossos. Vejamos o que o poeta mesmo diz afirma no poeminha a seguir:

A Arte de Ler

O leitor que mais admiro é aquele que não chegou até a presente linha. Neste momento já interrompeu a leitura e está continuando a viagem por conta própria.

Quintana é assim: continua encantando com suas obras que podem nos transformar em leitores felizes e capazes contemplar o mundo com simplicidade e cantar em cada novo dia a “Canção da vida”.

 

A Canção da Vida

A vida é louca
a vida é uma sarabanda
é um corrupio…
A vida múltipla dá-se as mãos como um bando
de raparigas em flor
e está cantando
em torno a ti:
Como eu sou bela
amor!
Entra em mim, como em uma tela
de Renoir
enquanto é primavera,
enquanto o mundo
não poluir
o azul do ar!
Não vás ficar
não vás ficar
aí…
como um salso chorando
na beira do rio…
(Como a vida é bela! como a vida é louca!)

[1] Todos os poemas utilizados foram extraídos do blog de Fábio Rocha, disponível em: <http://www.poesiaspoemaseversos.com.br/mario-quintana-poemas/>. Acesso em 26 de jul. 2012

[2] Não foi à toa que Mario Quintana escreveu inúmeros livros infantis: O Batalhão das Letras, Pé de Pilão, Lili inventa o Mundo, O Sapo Amarelo, etc.

[3] Histórias de pescador e de assombração, por exemplo.

[4] Poema clássico, composto por dois quartetos e dois tercetos, cujos versos apresentam rimas definidas e simétricas.

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