“Além da Sala de Aula” – afetividade no processo de ensino-aprendizagem

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O filme “Além da sala de aula”, chocante e impactante, foi inspirado em uma história real, na vida de Stacey Bess, famosa palestrante americana sobre educação. Mais do que uma obra cinematográfica, o filme evidencia a realidade de muitos professores pelo Brasil.

Na história, em essência, uma professora recém-formada vai em busca do seu primeiro emprego e ao contrário do que imaginava é contratada para uma escola pouco convencional, ou seja, tratava-se de um projeto social para os sem-teto. O projeto ficava em uma região de vulnerabilidade social (local de passagem para pessoas sem teto, como um albergue a céu aberto), as pessoas moravam em contêineres adaptados para quartos e ao lado da sala de aula passava a linha férrea que fazia tremer tudo durante a passagem de trens. A “escola” era carente em tudo: não tinha livros, equipamentos para aprendizagem, limpeza; as cadeiras e mesas estavam em condições precárias; assim como a estrutura física do local que tremia quando passava um trem ao lado da escola; e os alunos conviviam com ratos.

A protagonista (professora) inicialmente pensa em desistir já que não era o cenário que esperava e que fora preparada para atuar, todavia, ela reúne forças para encarar o desafio e paulatinamente, com seu esforço, vai conquistando a simpatia dos estudantes, dos pais e até da supervisão da educação local (pois a escola não possui diretor) que, ignorava a dificuldade dos professores e parecia pouco se importar com a situação dos estudantes.

Na tentativa de deixar a escola mais agradável, a professora trabalha na reestruturação da escola e com os próprios recursos compra equipamentos, faz limpeza no local e pinta. Além disso promove momentos de integração com a comunidade envolvendo pessoas do próprio abrigo que se põe a ajudar. Para suprir, pelo menos de maneira paliativa, a fome de alguns alunos, ela chega a levar comida para a classe. Chega, inclusive, a levar para sua casa uma das alunas que tivera o pai expulso do abrigo por ter sido pego com bebida alcoólica.

Enfim, é possível dizer que a presença de Stacey Bess (professora) realmente promove a mudança do lugar, impactando da transformação de estruturas e comportamentos.

Fonte: encurtador.com.br/bCV28

Um paralelo teórico

Ao assistir ao filme o que parece mais evidente é a questão da afetividade e sua importância/impacto no processo de aprendizagem; e nessa perspectiva a escolha foi pelo teórico (e suas discussões) Henri Wallon.

Os grandes estudiosos, Jean Piaget e Lev Vygotsky já atribuíam importância à afetividade no processo evolutivo, mas foi o educador francês Henri Wallon que se aprofundou na questão.

 Diferente de como se trata no senso comum, a afetividade não é simplesmente o mesmo que amor, carinho, ou concordar com tudo, ou seja, sentimento apenas positivo. De acordo com Wallon (apud DANTAS, 1992), o termo afetividade se refere à capacidade do ser humano de ser afetado positiva ou negativamente tanto por sensações internas como externas. A afetividade é, assim, um dos conjuntos funcionais da pessoa e atua, juntamente com a cognição e o ato motor, no processo de desenvolvimento e construção do conhecimento.

A dimensão afetiva ocupa lugar central, tanto do ponto de vista da construção da pessoa quanto do conhecimento, destaca Wallon (apud DANTAS, 1992). A emoção, uma das dimensões da afetividade, é instrumento de sobrevivência inerente ao homem, é “fundamentalmente social” e “constitui também uma conduta com profundas raízes na vida orgânica” (DANTAS, 1992, p. 85).

Segundo Wallon, o desenvolvimento humano acontece em cinco estágios, nos quais são expressas as características de cada espécie e revelam todos os elementos que constituem a pessoa. O estágio 1 é o impulsivo-emocional (de 0 a 1 ano), onde o sujeito revela sua afetividade por meio de movimentos, do toque, numa comunicação não-verbal; e estágio 2 é o sensório-motor e projetivo (1 a 3 anos), em que a criança já fala e anda, tendo o seu interesse voltado para os objetos, para o exterior, para a exploração do meio; o estágio 3 é o personalismo (3 a 6 anos),  fase da diferenciação, da formação do “eu”, da descoberta de ser diferente do “outro”; estágio 4, categorial (6 a 10 anos), em que a organização do mundo em categorias leva a um melhor entendimento das diferenças entre o “eu” e o “outro”; e estágio 5, a – puberdade, adolescência (11 anos em diante), em que acontece uma nova crise de oposição, ou seja, o conflito eu-outro retorna, desta vez como busca de uma identidade autônoma, o que possibilita maior clareza de limites, de autonomia e de dependência (MAHONEY & ALMEIDA, 2005, p. 22). Segundo ainda as autoras (2005), em todos os estágios do desenvolvimento humano, segundo a teoria de Wallon, a afetividade está presente em maior ou menor grau, haja vista a interação indispensável a esse processo, para a formação desse indivíduo como ser social, cultural e inserido, de fato, no meio em que vive.

De acordo com Henri Wallon, o primeiro ano de vida expressa a afetividade com maior intensidade. Por ela, o bebê se expressa e interage com as pessoas que, por sua vez, respondem a tais manifestações. Porém, a afetividade está presente em todas as fases da vida e podem ser exteriorizadas de três formas: (a) emoção, sendo a primeira expressão da afetividade e, normalmente, não controlada pela razão; (b) sentimento, que é a forma de expressão que já tem ligação com o cognitivo, ou seja, o indivíduo consegue sofre aquilo que o afeta; e (c) paixão, que a principal característica é o autocontrole (MAHONEY & ALMEIDA, 2005). Ainda de acordo com elas 92005), a emoção é a mais visível das expressões e pode ser manifestada, inclusive, por meio da fala. Com ela, o indivíduo consegue externalizar o que sente, desde seu nascimento. Trata-se da primeira manifestação de necessidade afetiva da criança, demonstrada quando chora ou quando ri.

Sendo a afetividade a dimensão que ganha mais destaque nas obras de Wallon é, também, aquela que mais se relaciona com a educação. Através dela, o educador consegue visualizar quando seu aluno está entusiasmado com determinada dinâmica e, ao mesmo tempo, se outro está apático ou cansado, podendo usar isso a seu favor.

Assim, é possível dizer que ao chegar à Escola, a criança já traz um arsenal de vivências e experiências (positivas e negativas), que não podem ser negligenciadas. E não se pode simplesmente dizer que “não sou responsável pelo que aconteceu antes de mim”, porque o “antes” tem influência no “depois” e o professor terá tudo a ver com isso (DANTAS, 1992).

Nesse contexto também, o professor não é apenas o responsável por “ensinar” conteúdos, mas o responsável por ajudar o aluno a aprender e isso muda todo o processo, pois se não há aprendizagem, o fracasso é do aluno e do professor. E esse fracasso nem sempre estará relacionado à incompetência do professor, ausência ou deficiência de metodologias e recursos, ou à falta de atenção, indisciplina, “problemas” do aluno. Há um aspecto pouco percebido ou levado em conta por todos, e que pode ser o elemento que está faltando nesse processo e que é determinante para que ocorra a aprendizagem que se quer, e se consiga o sucesso que se busca: a afetividade (DANTAS, 1992).

Pensando nesses apontamentos teóricos e na obra cinematográfica, fazendo um paralelo teórico, é possível destacar a produção de sentimentos e emoções que as diversas situações vivenciadas em sala de aula podem gerar, em todos os atores/sujeitos do processo educacional. E é indiscutível e incontestável, subsidiados por Wallon, o reconhecimento do quanto essas emoções e sentimentos repercutem nos processos de ensino e de aprendizagem. O filme retrata claramente esse cenário.

Ter clareza disso permite ao docente a possibilidade de reflexão sobre o seu fazer, sobre a sua prática pedagógica, bem como identificar e criar estratégias de ação diante de emoções negativas que também possam modificar o ambiente escolar.

Fonte: encurtador.com.br/bCV28

FICHA TÉCNICA DO FILME

 

Título orginal: Beyond the Blackboard
Gênero: Drama
País: EUA
Ano: 2011

Referências:

DANTAS, Heloysa. A afetividade e a construção do sujeito na psicogenética de Wallon. São Paulo: Summus, 1992. Disponível em: < https://repositorio.usp.br/item/000842049>. Acesso em: 11 de maio de 2020.

MAHONEY, Abigail Alvarenga & ALMEIDA, Laurinda Ramalho de. Afetividade e processo ensino-aprendizagem: contribuições de Henri Wallon. Revista da Psicologia da Educação, nº 20 – 2005. Disponível em: < http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-69752005000100002>. Acesso em: 11 de maio de 2020.

TASSONI, Elvira Cristina Martins; LEITE, Sérgio Antônio da Silva. Afetividade no processo de ensino-aprendizagem: as contribuições da teoria walloniana. Educação, vol. 36, núm. 2, mayo-agosto, 2013, pp. 262-271. Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Brasil.

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Nomadland: uma jornada sem destino

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Em Nomadland vamos conhecer a personagem Fern (interpretada por Frances McDormand). No longa, vamos acompanhar sua vida depois da morte de seu marido e do fechamento da fábrica que sustentava a sua cidade. Ela decide viajar pelas estradas dos Estados Unidos em sua van – que também é sua casa.

Um pilar muito forte do filme é a conjuntura econômica que faz com que algumas pessoas optem por esse estilo de vida. O filme se passa logo após crise econômica de 2008, quando muitas pessoas perderam tudo e decidiram virar nômades, assim como Fern, entretanto, ela não se define como uma sem-teto, mas sim como uma pessoa sem casa. Na língua inglesa existem duas palavras: house e home, o significado de house é a casa no sentido de bem material, já home possui o sentido de lar (sensação de pertencimento), por isso ela durante um diálogo do filme explica que “I’m not homeless, I’m just houseless” (eu não sou sem lar, sou apenas sem casa).

Outro aspecto muito presente no filme é o valor dos trabalhadores na terceira idade. Em um dos vários diálogos do filme que nos mostra como as pessoas dessa faixa etária foram muito prejudicadas com a crise.

Fonte: encurtador.com.br/yJQY7

No longa, a presença de pessoas reais reforça os diálogos do filme, a exemplo de Linda May (uma das várias pessoas reais que estão no longa), ela relata que após perder tudo foi atrás de sua aposentadoria e para sua surpresa só tinha direito a 550 dólares, visto que com esse valor ela não conseguiria se sustentar chegou a cogitar tirar a própria vida, mas conheceu o nomadismo e passou a seguir esse estilo de vida.

O desempenho de McDormand também nos confunde, pois ele combina solidão e tristeza com uma vontade simples de viver. Sentimos pena dos personagens devido às suposições que são feitas, porque julgamos esse estilo de vida como inferior. No entanto, esta é uma suposição injusta que ignora que algumas dessas pessoas simplesmente não querem ir para casa e se sentem muito mais felizes abraçando o nomadismo.

A direção do filme também contribui para que a sua imersão no longa se torne completa, pois, os planos abertos e toda a contemplação envolvida nessas cenas trazem a sensação de você estar ao lado da personagem vivendo toda essa experiência de contato com a natureza e como esse contato latente é importante para eles.

Como consequência dessa imersão nas cenas na qual Fern visita os personagens de vida sedentária e interage com eles, os planos são mais fechados, focados no rosto da personagem, a brilhante escolha da diretora Chloé Zhao de fazer essa sequência em plano fechado causa a sensação de claustrofobia, e durante esse contato torna-se perceptível o seu não pertencimento a esse estilo de viver que tinha no passado, e apesar de o nomadismo ser um tanto quanto solitário, ela se sente feliz e contemplada, pois após perder tudo e partir para esse novo começo, ela percebe que se encontrou verdadeiramente.

Fonte: encurtador.com.br/pwxS9

FICHA TÉCNICA DO FILME

NOMADLAND

Título Original: Nomadland

Direção: Chloé Zhao

Elenco: David Strathairn, Frances McDormand,
Gay DeForest, Linda May, Swankie

Duração: 1h47
Gênero: Drama
Nacionalidade: EUA

Ano: 2020

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Paulo Gustavo e o amor pelo riso

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“Ame na prática, na ação. Amar é ação. Amar é arte” (Paulo Gustavo)

Paulo Gustavo Amaral Monteiro de Barros, 42 anos, foi um ator, comediante, roteirista, produtor e diretor, que invadiu nossas casas com suas diversas expressões de sentimentos e emoções, por meio de seus variados personagens, sendo o mais conhecido, o de Dona Hermínia, um papel que deu destaque ao ator e principalmente ofereceu um diálogo próximo da realidade de quem o assistia.

Iniciou sua carreira no teatro, onde teve a oportunidade de trabalhar em diversas peças, mas o encontro do ator com essa arte foi um verdadeiro presente para todos que o acompanhavam. Seus personagens eram pessoas vivas na vida do seu público, uma identificação surgia e cada vez mais Paulo Gustavo se tornava um vínculo afetivo, um ente querido, uma pessoa íntima, aquele que de alguma forma conhecia um pouquinho do que se passava no cotidiano de cada brasileiro.

Dona Hermínia e seu repertório, lembrando sempre alguém que a gente conhece, com um coração enorme, trazendo lições de respeito e aceitação, algo que refletia a própria vida do comediante. No personagem Valdomiro, o humor esperto, numa linguagem bem brasileira. A Mulher Feia era uma forma de falar ao seu público que a aparência é apenas um detalhe. Aníbal nos trouxe a amizade como algo primoroso e vários outros personagens que partilhavam afeto e naturalidade.

Fonte: encurtador.com.br/lxFNQ

O riso foi o seu combustível e como ele mesmo falava, o riso o preenchia e fazia o enlace entre ele e o seu público. Na sua amorosidade Paulo Gustavo demonstrava a importância de estar nos palcos de teatros pelo Brasil, se alimentando do riso de seu público e principalmente, oferecendo momentos marcados na memória de muitas pessoas.

Costumava trazer para sua arte a figura do seu cotidiano. Nascido e criado em Niterói, ambiente que o ator fazia constantemente uma releitura em seus filmes, mas sempre trazendo a imagem de algo que remetia as suas melhores lembranças e se aproximando ainda mais do seu público, nos permitindo sentir parte do cotidiano daquele que na sua simplicidade,  nos  chamava atenção para a valorização do simples, dos laços, das palavras, mas principalmente das ações, por isso retratou tão bem o seu cotidiano nas telas dos cinemas do Brasil, conquistando recordes de bilheteria, nos preenchendo com seu humor e modificando nossa forma de ver as relações afetivas.

Dona Hermínia invadiu nossas casas e também nossas vidas. Logo que surgia numa tela, mesmo sem falar nada, se expressava de uma forma que a comunicação se estabelecia. Um olhar, um cumprimento, um levantar, um abaixar, qualquer atitude era suficiente para que o diálogo entre dona Hermínia e seu público acontecesse. Em várias de suas entrevistas Paulo Gustavo relatou se sentir mais à vontade quando se apresentava através de seus personagens, por que ali ele conseguia expressar o seu amor pela sua arte e principalmente se alimentar daquilo que verdadeiramente o fazia feliz, o riso vindo do seu público.

Fonte: encurtador.com.br/sDIX0

Apesar do ator ser visivelmente “Hiperativo”, ligado no “220 volts”, tendo na sua trajetória o “Surto” criativo de trazer para a sala de nossas casas o riso, parafraseando os títulos de suas principais peças de teatro, Paulo Gustavo deixa um vazio intenso, uma falta de alguém tão próximo, que intimamente nos conhecia, que adivinhava nossos pensamentos e que o traduzia em palavras para tantas pessoas. O ator falava o que o seu público sentia, por isso a sua passagem por esse plano é tão cheia de amor, algo que ele repetia, declarava e agia.

No dia 04 de maio desse ano, esse ator que tão bravamente lutou pela vida nos deixou, vítima da COVID-19, levando o Brasil aos prantos. A alegria que muitas vezes invadiu nossas casas com seus filmes que nos pregavam sempre uma “peça”, deu lugar a tristeza. Fomos terrivelmente surpreendidos com a notícia de sua morte, algo que parecia ser inacreditável, principalmente por que o riso deu lugar ao choro, por que a presença deu lugar a ausência e agora também à saudade.

O legado de Paulo Gustavo é o amor pela vida, pela arte, pela família, pelas pessoas. Em todo o seu discurso, seja através dos seus personagens, ou mesmo quando estava somente de Paulo Gustavo sempre nos alertava sobre os valores como a caridade, a amizade, o afeto, o respeito, a aceitação, então podemos falar que o recado foi dado, precisa somente ser vivido. Seu talento e carisma estão marcados na história da arte do nosso país, mas principalmente no coração de todos os brasileiros.

Fonte: encurtador.com.br/sIVWZ
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Falcão e o Soldado Invernal: o sonho americano pode ser transmitido?

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É curiosa a trajetória do Capitão América como um símbolo norte-americano. Concebido por Joe Simon (1913-2011) e Jack Kirby (1917-1994), a primeira encarnação do herói vem na pele de Steve Rogers. Sua origem nos quadrinhos, em The Avengers #4 (1964) é similar a apresentada no filme Capitão América: O Primeiro Vingador (2011), um jovem franzino, frágil e debilitado, com muito amor por sua pátria deseja adentrar o exército norte-americano para combater as forças do Eixo em plena 2ª Guerra Mundial, um clássico herói da era de ouro dos quadrinhos.

Sem aptidão física, mas com muita determinação, um membro de alta patente enxerga potencial no garoto e o transforma em voluntário para o projeto do Soro de Supersoldado, isso tudo leva o personagem a se transformar no super humano conhecido como Capitão América. Isso, no entanto, não quer dizer que ele foi o primeiro a vestir esse manto. No mundo entroncado das editoras de quadrinhos onde os roteiristas vêm e vão, modificando as histórias e o passado dos personagens com frequência, era de se esperar que isso fosse acontecer e antes de Steve Rogers outro homem vestiu as roupas e o escudo icônico do herói – mas mantenha esse fato em suspensão.

Fonte: encurtador.com.br/qzKU4

Anos após a criação de Rogers, em Captain America #117 (1969), um dos primeiros heróis negros seria apresentado ao mundo, este era Sam Wilson, de alterego Falcão. No universo cinematográfico Marvel contemporâneo, Wilson seria apresentado no filme Capitão América 2: o Soldado Invernal (2014), um militar de carreira, que fazia missões aéreas arriscadas. A partir daí eles construíram uma relação de amizade e companheirismo, culminando no fim do filme Vingadores: Ultimato (2019), onde Steve decide – após viver longos anos de uma aposentadoria e um casamento feliz que envolve uma viagem no tempo e muito roteiro complexo – passar o manto de Capitão América para Wilson.

Esse ato simbólico, que na cena em questão é muito característico por um Capitão, em forma de idoso, longevo e sábio, passando o escudo, um item poderoso e significativo carregado de significados para um Sam jovem e relativamente inexperiente; o Mestre que passa o item chave e seus conhecimentos para o aprendiz. Esse fato culmina na trama do seriado Falcão e o Soldado Invernal, que vai tratar da recusa de Sam Wilson ao chamado a Jornada do Herói.

Fonte: encurtador.com.br/dxAW1

 

O Arquétipo do Herói e a Recusa ao Chamado de Sam

Joseph Campbell (1904-1987) trabalha e disserta meticulosamente acerca do arquétipo do herói em seu livro “O Herói de Mil Faces” (1949). Neste livro, que antecede porém converge com as idéias de Carl Gustav Jung em “Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo” (1959), o autor discorre acerca do monomito (jornada do herói), sendo esta uma narrativa plural e universalmente presente em todas as culturas, de maneiras diferentes de acordo com as influências de cada local. A jornada se dá em doze passos, fundamentais para o desenvolvimento do personagem, e crescimento individual, culminando na conclusão heróica de sua jornada.

Os passos dessa jornada, descrita por Campbell (2004) seriam em um primeiro ato: o Mundo Comum, o Chamado à Aventura, a Recusa do Chamado, o Encontro com o Mentor e a Travessia do Primeiro Limiar. A ordem dos fatores pode variar de acordo com as histórias, mas sem a alteração do produto. No caso de Sam Wilson vemos sua jornada como herói ser estabelecida em sua atuação como Falcão, porém ao ser defrontado com o manto de Capitão América, a responsabilidade e o significado do escudo o desmotivam a prosseguir.

No seriado Falcão e o Soldado Invernal (2021) é possível observar a continuidade desse processo, pois a série trata das consequências dessa fuga de Sam. Toda uma conjuntura é estabelecida, com a série tomando ponto de partida diretamente após a cena final de Vingadores: Ultimato (2019). Sam recebe o escudo, mas a única frase que consegue pronunciar acerca dele é “Parece que pertence a outra pessoa”.

Ricón (2006) descreve o processo da recusa como “o herói reluta em empreender a jornada”; Sam não somente recusa o manto de Capitão América como entrega o escudo, item emblemático, ao governo americano, ato que vai mover sua história ao longo dos episódios, pois vai sempre ser lembrado pelos personagens coadjuvantes que Steve Rogers o escolheu por bons motivos.

Fonte: encurtador.com.br/eAMR1

O Capitão que a América precisa

Nos capítulos finais da série, Sam Wilson deve lidar com seus demônios. A situação familiar na casa mundana do herói é uma analogia bonita para toda a narrativa complexa envolvendo super seres e política fantasiosa. Em sua casa no estado de Louisiana, uma problemática com o barco que pertenceu a seus pais, que está estragado e precisa ser vendido por sua irmã, é um dilema complexo.

Ao investigar mais a fundo o legado do Capitão América, descobre a trágica história de Isaiah Bradley, o primeiro a testar o soro de Supersoldado e a vestir o manto de Capitão América, um homem negro, que foi usado, injustiçado e logo após apagado da história como muitos outros semelhantes. Teria ele o ímpeto, como um homem negro que também é, de vestir o manto que representa um país que causou tanto sofrimento a seus semelhantes? Bradley revela a ele as atrocidades da guerra e impõe mais peso nos ombros de Sam.

 

Fonte: encurtador.com.br/ltyGJ

 

“O percurso padrão estabelecido por Campbell para a aventura mitológica é representado nos rituais de passagem: separação, iniciação e retorno. Um herói vindo do mundo cotidiano se aventura numa região de prodígios sobrenaturais, onde encontra forças e obtém uma vitória decisiva, o herói volta de sua aventura com o poder de trazer benefícios aos seus semelhantes. O herói composto do monomito é uma personagem dotada de dons excepcionais, frequentemente honrado pela sociedade de que faz parte, costuma também não receber reconhecimento ou ser objeto de desdém.” (GOMES, 2009, p.5)

O sofrimento do povo negro representado em Bradley, sua relação de amizade com Bucky Barnes e observar o mau uso que o governo fez do legado de Steve Rogers, o motivam a retomar sua jornada pessoal de heroísmo e o impulsionam a assumir outra Persona. Morre o Falcão e nasce um novo Capitão América. Sam finalmente é capaz de se libertar da fixação na fuga da jornada.

 

Fonte: encurtador.com.br/cejpx

 

REFERÊNCIAS

CAMPBELL, Joseph. Herói de Mil Faces, O. Cholsamaj Fundación, 2004.

GOMES, Vinícius Romagnolli Rodrigues; ANDRADE, Solange Ramos de. Um retorno aos mitos: Campbell, Eliade e Jung. Revista Brasileira de História das Religiões-ANPUH-Maringá (PR) v, v. 1, 2009.

RICÓN, Luiz Eduardo. A jornada do herói mitológico. In: SIMPÓSIO DE RPG & EDUCAÇÃO. 2006. p. 2-4.

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A Criança Sagrada no Superman de Zack Snyder

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O Superman, como é conhecido hoje, foi a público pela primeira vez na publicação Action Comics (1938) concebido por Jerry Siegel (1914-1996) e Joe Shuster (1914-1992). Surge então da primeira leva de super heróis nos quadrinhos norte-americanos; o personagem é criado como um alienígena que haveria caído na terra vindo de um mundo distante, chamado Krypto.

Em sua terra natal, é conhecido como Kal-El, no planeta terra, ao ser adotado por um casal de idosos do Kansas recebe o nome de Clark Kent. Aqui este desenvolveria poderes sobre humanos e passaria a vestir as cores do país que o acolheu, combatendo o crime.

Outro fato importante acerca da criação de Superman é a origem étnica do mesmo, não aquela postulada nas páginas das histórias em quadrinhos; mas a origem de quem o concebeu e a carga cultural implícita na representação do personagem. O contexto histórico era o da ascensão do facismo e nazismo na Europa e as Américas eram por muitas vezes um refúgio para quem se movia para longe do caos europeu.

Siegel e Shuster, de batismo Jerome e Joseph respectivamente, eram judeus, e todo o contexto conturbado vivido por eles na década de 1940 iria influenciar imensamente na concepção das histórias e na visão de mundo dos personagens.

Superman no Cinema e a Visão de Heroísmo de Snyder

Ao longo das últimas décadas, diversas adaptações cinematográficas foram feitas da origem do Superman, ou mesmo tentativas de adaptação de novelas gráficas clássicas do herói. A filmografia se inicia na virada da década de 50 com Superman (1948), Atom Man vs. Superman (1950), Superman And The Mole Men (1951).

Na década de 70 surge o filme dirigido por Richard Donner e protagonizado por Christopher Reeves, Superman – O filme (1978), este que resultaria em três continuações com o mesmo ator, aclamado por fãs. Após longo hiato, somente em Superman – O Retorno (2006) é que o herói veria as telas cinematográficas novamente, através da visão do diretor Bryan Singer (Bohemian Rhapsody, 2018). Mas é em Man of Steel (2013), que o diretor Zack Snyder (Watchmen, 2009; 300, 2006) traz a adaptação mais recente do personagem e com ela algumas particularidades.

Acerca das adaptações cinematográficas de Snyder, vale salientar sua preferência por adaptar uma visão bem específica acerca do arquétipo do herói. Ao traduzir para as grandes telas o filme 300 (2006) – este derivado de uma graphic novel concebida pelo autor Frank Miller de nome “Os 300 de Esparta” (1998) – que é uma releitura da trajetória do mítico rei Leônidas, o diretor deixa mensagens claras acerca do lado humano do rei, seus erros e sua personalidade que em essência não eram divinas e imaculadas, mas humanas e passíveis de erro; Sua derradeira queda nas mãos do rei Persa Xerxes solidifica essa narrativa.

Em Watchmen (2006), o diretor já deixa pistas de como interpreta o papel dos super heróis perante a sociedade, adaptando mais uma obra de Miller e retratando um mundo onde os vigilantes são temidos de muitas maneiras, por sua imprevisibilidade e por serem não deuses, mas seres humanos usando máscaras. Essa mescla entre a visão de Frank Miller e a de Snyder pavimentaram uma estrada narrativa que o cineasta abordaria em seu filme que contaria a origem do herói, faria então um recorte quase pessoal de sua visão sobre o mito do Superman.

O desenvolvimento se dá ao longo de três filmes: Homem de Aço (2013), Batman V Superman (2016) e Liga da Justiça (2021). Nessa jornada você acompanha uma versão diferente da origem do Superman, muito semelhante a original dos quadrinhos porém com diferenças pontuais no que se diz respeito à personalidade do herói.

O Clark Kent mostrado no primeiro filme é um homem que desconhece seu potencial e mesmo ganhando habilidades especiais, toma atitude de herói tardiamente em sua vida, nesse caso após o conturbado final de Homem de Aço. Aquele final também guarda um fato que impõe diferença entre esse Superman do filme para o das histórias em quadrinhos, que é a despreocupação do personagem com a cidade a sua volta, sendo que este acaba por passionalmente destruir o ambiente a seu redor – a cidade inteira sucumbe desastrosamente, enquanto em uma cena de gosto duvidoso, Clark beija sua amada após quebrar o pescoço do antagonista.

É uma cena forte, e com certeza destoa do tom otimista geralmente adotado no retrato deste personagem. Snyder muda o status quo do Superman, o transfigura em um novo produto, diferente daquele já inserido na coletividade mudando o arquétipo pelo qual o ele era mais frequentemente apresentado ao público. A partir disso, diversas questões imperam acerca desta mudança e essa realocação arquetípica faz parte da narrativa desse novo personagem.

Fonte: encurtador.com.br/acG38

A Criança Sagrada

Primeiramente um breve apanhado acerca dos arquétipos. Para Carl Gustav Jung (1875-1961) em sua publicação “Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo” (1957-2018), pode-se definir arquétipo como uma espécie de tendência instintiva que reside na psique dos seres humanos transmitida ao longo das gerações; como um instinto biológico que perpassa os ancestrais de uma espécie – o autor exemplifica com a tendência dos pássaros de fazerem ninhos ou viajarem para determinados locais em determinadas épocas do ano – assim também seria psicologicamente falando. Os humanos transmitem essas tendências a seus herdeiros e esses fenômenos são acessados através do inconsciente coletivo.  Um desses arquétipos é conhecido como a Criança Sagrada.

Como Jesus para os cristãos, ou o Imperador de Jade em algumas narrativas ancestrais chinesas, é a representação de uma criança que vem carregada de expectativas, imaculada, de futuro promissor. Jung, ao falar acerca desse arquétipo, nos diz:

Um aspecto fundamental do motivo da criança é o seu caráter de futuro. A criança é o futuro em potencial. Por isto, a ocorrência do motivo da criança na psicologia do indivíduo significa em regra geral uma antecipação de desenvolvimentos futuros, mesmo que pareça tratar-se à primeira vista de uma configuração retrospectiva. (…) Não admira portanto que tantas vezes os salvadores míticos são crianças divinas. Isto corresponde exatamente às experiências da psicologia do indivíduo, as quais mostram que a “criança” prepara uma futura transformação da personalidade. (JUNG, 1957-2018, p.165)

Logo, relacionar a Criança Sagrada com a narrativa do Superman, tendo como ponto de partida a cultura judaico-crisã, não é difícil e na verdade esse se demonstra um arquétipo recorrente. Como Moisés que é colocado em um cesto no Nilo – rio esse carregado de simbologias e mitos pelos Egípcios – e enviado a um futuro profético destinado a salvar os Hebreus, Kal-El é colocado por seus pais em uma nave e enviado a Terra a partir de seu planeta natal Krypton, com um destino heróico a sua frente. Esse paralelo deve ser aqui estabelecido para demonstrar o poder da simbologia judaica do Superman clássico e seus criadores fizeram ali impressão da ancestralidade de sua cultura.

Conclusão

A versão do Superman de Snyder trilha o começo do caminho da criança sagrada, mas por ser criado por seres humanos isso implica diretamente na maneira como este vê o mundo, ele está longe de ser o ser divino retratado em outras mídias onde ele paira sobre a humanidade como um ser protetor, muito pelo contrário.

Este Clark Kent voa longe para se isolar, pois se sente um pária, deslocado. E o peso do heroísmo cobra duras penas, pois no início de sua jornada, este se vê não aclamado por salvar o mundo dos invasores, mas temido por suas habilidades excepcionais e olhado com desconfiança por todos à sua volta. A promessa da criança sagrada não se cumpre, restando apenas um ser em meio a uma jornada heróica que passa pelo vale mais obscuro.

Fonte: encurtador.com.br/dgsvA

REFERÊNCIAS

CAMPBELL, Joseph. Herói de Mil Faces, O. Cholsamaj Fundación, 2004.

JUNG, Carl G. et al. O homem e seus símbolos. 1964.

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Tudo bem não ser normal: It’s Okay Not Be Okay

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“Quando você está cheio de emoções e você está perdendo o foco e você se sente exausto demais para respirar. Não se perca no momento ou desista quando estiver o mais perto. Tudo que você precisa é de alguém para dizer – “Tudo bem não estar bem” (Marshmellow feat Demi Lovato).

“Não se esqueça de nada. Lembre-se de tudo e supere. Se não superar, sempre será uma criança cuja alma nunca floresce.” (Ko Moon Young).

Essas duas frases nos levam a refletir que as pessoas nem sempre estão bem, elas em muitos momentos da vida irão se sentir péssimas por algum motivo. E tudo bem não se sentir bem, tudo bem não ser normal. O que precisamos é saber que não somos determinados por tudo que acontece conosco, somos sim influenciados por aspectos biopsicossociais e espirituais, mas até isso pode haver ou não relação com o que pode está acontecendo conosco. Não podemos mudar nosso passado, mas podemos aprender com ele, podemos utilizar as experiências complexas e difíceis para seguir em frente, para aprendermos a viver de outras formas, para que possamos vislumbrar dias melhores.

A canção do Marshmellow foi lançada em um período que as pessoas podem estar se questionando de como tem vivido a vida. Da mesma forma temos um Dorama que foi lançado nesse ano, mostrando pessoas diferentes, passando por momentos difíceis, sentindo-se desesperadas em suas vidas e não conseguindo até certo momento viver de outra forma. A música enfatiza bastante isso “Se sentindo perdido na ilusão, e ultimamente você está isolado pensando que você nunca terá sua chance, sentindo que você não tem solução, é só porque você é humano sem controle, está fora de suas mãos. Mesmo em situações angustiantes e que causem tamanho sofrimento, é possível pensar “Tudo bem não estar bem, tudo bem não estar bem, quando você está pra baixo e se sente envergonhado, tudo bem não estar bem”.

Para muitos a pandemia do Covid – 19 tem sido um divisor de água, muitos sobreviveram e outros mais irão sobreviver. Mas é possível mensurar todas as questões que atravessaram esse período de pandemia? Para Cepedes (2020) e Ornell, et al. (2020), em contextos de epidemia, muitas pessoas são afetadas psicologicamente e esse número costuma ser maior do que os atingidos pela enfermidade, podendo ainda haver mais da metade da população com consequências psicológicas.

Fonte: encurtador.com.br/EIT25

Revisão de estudos sobre situações de quarentena apontou alta prevalência de efeitos psicológicos negativos, especialmente humor rebaixado e irritabilidade, ao lado de raiva, medo e insônia, muitas vezes de longa duração (BROOKS et al., 2000). Contudo, dado o caráter inédito do distanciamento e isolamento sociais simultâneos de milhões de pessoas, o impacto da atual pandemia pode ser ainda maior, levando à hipótese de “pandemia de medo e estresse” (ORNELL et al., 2020). O que sabemos que as pessoas já viviam como podia, em contextos de crise, algumas conseguem acessar reservas emocionais que transpõem certas questões. Porém outras infelizmente são transbordadas de tal forma que podem piorar quadros clínicos já existentes ou manifestar outros jamais concebidos.

Uma forma positiva de ver situações complicadas com outra perspectiva é entrando em contato com outras realidades, mesmo aquelas às vezes fictícias. No drama “Tudo bem não ser normal” é contada a história de uma escritora de livros infantis com problemas de socialização e um enfermeiro que trabalha em hospitais psiquiátricos. Ko Mun Yeong é a típica narcisista, que faz tudo o que quer e sempre que quer algo vai atrás sem medir esforços. Já Moon Gang-Tae é um rapaz que vive para cuidar do irmão mais velho que apresenta diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA), por terem que se mudar regularmente Gang-Tae não tem muitos amigos e se isola de quase tudo, trabalha com doentes mentais e prioriza seu irmão, ao invés si mesmo.

Os dois se cruzam depois de muitos anos, ambos vivem realidades muito diferentes, mas por conta do acaso passam a conviver novamente na pequena cidade onde moravam quando crianças. Época essa que marcou de forma terrível a vida dos protagonistas, os irmãos Moon tiveram que ir embora às presas, pois a mãe foi vítima de assassinato e a mãe de Mun Yeong desapareceu de forma misteriosa. Depois de muitos anos os três irão descobrir os fatos que culminaram na mudança dramática de vida deles.

Fonte: encurtador.com.br/dwEK3

Mas antes disso, é perceptível que os personagens principais estavam estagnados, quase que respiravam para sobreviver e não para viver. Mun Yeong tinha tudo para ter uma vida digamos agradável, era uma escritora bem sucedida, reconhecida pelo talento herdado pela mãe (também era escritora, porém de suspense), contudo sentia que as coisas estavam sem sentido. Quando reencontra Gang-Tae começa a reconhecer as emoções de modo real e quanto mais tempo convive, não apenas com ele, também com seu irmão, seu maior fã. Sente que pode pela primeira vez voltar viver de novo, ou seja, começa a ir em busca da superação de seus medos e traumas do passado, como ela mesmo diz na trama “Um trauma deve ser encarado de frente, e não mitigado por trás”. A mesma tinha pais muito rígidos e não permitia que se vinculasse com ninguém. Por fim, a mãe lhe causava muito medo e angustia por querer lhe controlar (não é pouco controle, ela afastava todos do caminho da filha).

Já Gang-Tae sente que nunca viveu de fato, sempre teve que cuidar de seu irmão, mesmo quando a mãe estava viva tinha que fazer de tudo para que nada de ruim acontecesse com ele. Quando um infortúnio aconteceu, seu irmão quase se afogou e ele por um instante hesita em salvá-lo (por achar que todos seus problemas seriam resolvidos), passa a se culpa cada vez mais e depois que sua mãe morre, cuida do irmão e o coloca sempre em primeiro lugar. Nunca criando raízes, nunca fazendo o que gosta, pois assim acha que o irmão será de fato preservado. Quando vê novamente Mun Yeong começa a despertar para novas possibilidades, embora hesite em se aproximar da moça, por achar que ela vai atrapalhar ainda mais suas vidas. No fim, os dois tentam encontrar formas de equilibrar suas histórias, mas tudo que envolve o drama de suas vidas é ainda mais complicado do que parece, de alguma forma a morte e o desaparecimento de suas mães estão interligados.

Por fim temos o fofo e brilhante Moon Sang-tae, um homem muito inteligente, que adora dinossauros e pinta extremamente bem. Um dos problemas evidenciados no personagem é sua dificuldade em socialização e em aceitar que novas pessoas se vinculem a ele a seu irmão. Outro ponto é o seu trauma de borboletas, problema este que começou quando era mais jovem, por conta disso sempre que chega a primavera e as borboletas começam a aparecer em maior frequência, ele e o irmão precisam se mudar. No começo da trama quando Mun Yeong está determinada a se aproximar de seu irmão e o usa como desculpa para esse fato, ele não se incomoda de início, mas no decorrer da história isso traz complicações para os irmãos e muitas questões dolorosas vem à tona.

Fonte: encurtador.com.br/ALOT2

Tudo bem não ser normal, demonstra uma delicadeza e muita leveza os problemas advindos da vida complicada e marcada por traumas. Tudo isso mostrado através do poder das artes e as fortes ilustrações nos livros infantis. Por meio de histórias fortes, resilientes e muito dolorosas, que eram contadas em forma de metáfora em cada episódio. Marcando ainda mais quando a última publicação da autora é exposta, revelando a força existe das relações e os vínculos com as pessoas queridas. Pois, a forma que Mun Yeong encontrava para extravasar e demostrar suas emoções era por meio da escrita e muitas vezes na tentativa de evitar se transformar naquilo que mais temia, a mãe dura e medonha.

Outro ponto bastante relevante na trama são as histórias por trás dos pacientes psiquiátricos do Hospital OK, lugar este que visava ressignificar e tratar de forma humana os traumas, os transtornos e os problemas advindos da vida deles. Todos os personagens principais percebiam o peso que era carregar um estigma na sociedade, sendo muitas vezes evidenciado no discurso por exemplo nos familiares dos pacientes, em amigos etc. Eles conseguiram também mesmo com dificuldades se inserir na vida destas pessoas, que de certa forma também auxiliam na tomada de consciência, de que a vida muitas vezes é complicada por muitos fatores. Todavia, quando se há perspectivas futuras, uma rede de apoio para abarcar tais questões, tratamento e intervenções pautadas nessas necessidades, é possível haver diferença significativas, que irão transformar a vida dessas pessoas.

It´s Ok Not Be Okay mostra que é possível ressignificar traumas, conflitos e pensamentos de impossibilidade. O ser humano é dotado de inteligência, habilidades e capacidades inimagináveis, é preciso falar sobre as dificuldades, dar uma chance para resolver os problemas da vida. Tudo bem não ser normal, pois não somos feitos de fatos ou de momentos, somos feitos de tudo. É importante lembrar que todo mundo pode passar por um momento difícil da na vida, que tal contexto não nos define e de perto ninguém é normal.

“O que a bruxa sombria tinha roubado deles não eram seus rostos de verdade, mas sua coragem de encontrar a felicidade.” (Ko Moon Young).

#psycho but it's okay from only kim hanbin
Fonte: encurtador.com.br/kmqPR

REFERÊNCIAS

BROOKS, S. K., et al. The psychological impact of quarantine and how to reduce it: rapid review of the evidence. The Lancet, v. 395, n. 10227, p. 912-920, March 2020.

CENTRO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM EMERGÊNCIAS E DESASTRES EM SAÚDE; FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. Saúde mental e Atenção Psicossocial na Pandemia COVID-19: Recomendações gerais. Brasília, 2020 a.

ORNELL, F. et al. “Pandemic fear” and COVID-19: mental health burden and strategies. Braz. J. Psychiatry, São Paulo, 2020. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-44462020005008201&lng=en&nrm=iso>.

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Amor no espectro: reality da Netflix aborda autistas em busca do amor

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A Netflix incluiu no seu catálogo o reality show, que aborda pessoas em busca de um amor. Entretanto, Amor no espectro é um reality que aborda essa temática pelo prisma do Transtorno do Espectro Autista (TEA). Os participantes do programa são autistas adultos, que decidiram sair em busca de um par romântico.

O reality é composto por 5 episódios de 40min em média, que conta com depoimentos e preparações para o primeiro encontro de autistas. O programa promove os encontros entre pessoas que fazem parte do espectro. Para quem ainda não possui familiaridade com o Transtorno do Espectro Autista irei explanar algumas informações a seguir sobre o transtorno para que facilite a compreensão do que se trata o reality australiano.

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é definido pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais- DSM-5 (2014) como um distúrbio do neurodesenvolvimento, que gera prejuízos na interação social, na comunicação e apresenta padrões repetitivos de comportamentos. Além disso, sabe-se que os sintomas podem surgir aos 3 anos de idade, o que possibilita que o diagnóstico seja realizado ainda na infância (APA, 2013).

Vale ressaltar que alguns estudos empíricos apontam que a grande parte das crianças com autismo apresentam problemas no desenvolvimento entre 12 e 24 meses (CHAKRABARTI, 2009), e que alguns desvios de ordem qualitativa no desenvolvimento podem aparecer antes do primeiro ano de vida (MAESTRO et al, 2002).

Fonte: Netflix

Também, acredita-se que o TEA atinge mais indivíduos do sexo masculino, tendo como prevalência por volta de 1% da população, consistindo numa vasta diversidade de sintomas no âmbito cognitivo-comportamental e sem preferência relacionadas a antecedentes étnicos (CID 10, 2000).

O número crescente de indivíduos diagnosticados mundialmente com TEA não aponta necessariamente para o aumento na sua prevalência, pois esse fato pode ser explicado pela sua expansão nos critérios diagnósticos, pela ampliação dos serviços de saúde relacionados ao transtorno, pela alteração na idade do diagnóstico e outros motivos (FAMBONNE, 2009).

Assim, dentro do TEA existem variações em casos entre leve e severo, que variam com sintomas mais intensos que comprometem e acomete em deficiência intelectual, e casos clínicos que apresentam níveis de inteligência normais e capacidade de adaptação, que torna os sintomas de interação social mais leves (CID 10, 2000; APA, 2013). É possível verificar que existem várias comorbidades no TEA, tais como o Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividades (TDAH), epilepsia, e variadas síndromes de ordem genética e ambiental (APA, 2013).

Dessa forma, de acordo com Rutter (2011), a aparição dos sintomas do TEA são precoces e apresentam comprometimento no desenvolvimento do indivíduo ao decorrer da sua vida, apresentando uma vasta variação na intensidade e na forma como os sintomas se manifestam nas áreas que definem o seu diagnóstico.

Fonte: Netflix

Entende-se que devido a ordem dimensional do conjunto de condições que compõem o TEA, existem controvérsias sobre o diagnóstico diferencial entre elas. Diante disso, o DSM-5 define a classificação do TEA em substituição a Transtornos Globais do Desenvolvimento, pois a última versão do manual aponta a inclusão de comprometimentos qualitativos no desenvolvimento sociocomunicativo. Além disso, tem a apresentação de estereotipias ou comportamentos estereotipados e repertório baixo e restritivo de interesses e atividades, onde os sintomas desse âmbito unidos podem limitar ou dificultar o funcionamento rotineiro e diário do indivíduo (APA, 2013).

Também, em concordância com Bárbaro (2009), ressalta-se que o Transtorno do Espectro Autista (TEA) inclui o transtorno autístico, o transtorno ou síndrome de Asperger, o transtorno desintegrativo da infância e o transtorno global do desenvolvimento não especificado, que é conhecido como autismo atípico.

Outro aspecto interessante é que o TEA não possui etiologia ainda completamente estudada e conhecida, porém já se sabe que existem anormalidades cromossômicas (2%), ambientais (3%), síndromes monogênicas (5%), microduplicações e microdeleções (10%), e questões multifatoriais e epigenéticas representam cerca de 80% (ZANOLLA et al, 2015).

Para Reichow (2011), a intervenção precoce pode provocar melhoras no quadro clínico do autismo, apresentando ganhos significativos e com grande durabilidade no desenvolvimento infantil, haja vista que as intervenções, quando realizadas precocemente, podem potencializar benefícios e efeitos positivos. Além disso, é apontado também que quando as intervenções são realizadas mais cedo, é possível que os gastos sejam reduzidos de forma considerável no tratamento das crianças com TEA, o que pode gerar economia para a família e dentro do sistema de saúde pública a longo prazo (NOVAK; ZUBRISTKSY, 2005).

Assim, Leo Kanner, autor da obra “Autistic disturbances of affectiv contact”, de 1942, no intento de descrever casos de crianças com curiosas características em comum, marcadas por um comportamento de auto-estimulação, tendência a um isolamento extremo, repetição mecânica de frases ouvidas anteriormente e obsessividade. Assim, seguiram-se alguns anos na busca de estudar a etiologia daquilo que ele apresentou como uma “psicose” que, por fim, não foi esclarecida através dos exames feitos com os pacientes em clínica e laboratorialmente.

Fonte: Netflix

Diante do exposto, percebe-se que o Autismo é um transtorno que interfere na comunicação e interação social. Logo, presume-se que ele pode influenciar na forma como o indivíduo expressa suas emoções e sentimentos, de modo que se torna importante compreender como são experienciadas as emoções e qual o significado delas para as pessoas com TEA e especialmente no que se refere às crianças, haja vista que é uma fase onde há curiosidade e necessidade de aprender sobre essas questões.

O reality traz uma discussão potente sobre o atraso no diagnóstico de mulheres, pois enquanto os meninos são diagnosticados ainda na infância, as meninas só recebem diagnóstico na adolescência ou na vida adulta. Isso acontece porque os critérios diagnósticos abarcam com maior profundidade os comportamentos dos homens, não possuindo um recorte de gênero eficaz que auxilie no diagnóstico precoce de meninas.

Enquanto um dado comportamento é tido como esperado ou adequado para as mulheres, ele é considerado como um sinal ou sintoma para homens. Então o reality enfatiza essa crítica a forma como o diagnóstico é tardio para as mulheres e como isso pode trazer prejuízos no tratamento.

O programa conta com o apoio de uma psicóloga especialista em encontros para autistas, ela auxilia aqueles que apresentam dificuldades de relacionamento ou falta de habilidades sociais. Esses participantes passam por treinos de habilidades sociais voltados para relacionamentos românticos.

O reality apresenta de forma real como são as dificuldades de relacionamento enfrentadas pelos autistas, exibindo preconceitos e estigmas que causam muito sofrimento. É uma ótima opção para quem quer aprender mais sobre o assunto e se divertir com tanta fofura.

Fonte: Netflix

REFERÊNCIAS

American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders(5a. ed.). Arlington, VA: American Psychiatric Publishing. 2013

MANUAL DIAGNÓSTICO E ESTATÍSTICO DE TRANSTORNOS MENTAIS: DSM-5. [American Psychiatric Association ; tradução: Maria Inês Corrêa Nascimento … et al.]– 5. ed. – Dados eletrônicos. – Porto Alegre : Artmed, 2014.

PARKS, P. J. Self-injury Disorder. San Diego, California: Reference Point Press, 2011.

Mandell, D., Novak, M., & Zubritsky, C. (2005). Factors associated with age of diagnosis among children with autism spectrum disorders. Pediatrics, 116, 1480-1486.

ROBINSON, A. Emotion-focused therapy for autism spectrum disorder: a case conceptualization model for trauma-related experiences. Journal of congtemporary psychotherapy, v. 48, n. 3, p. 133-143, 2018. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/ pmc/articles/PMC6061099/

ANTUNES, R. Trabalho e precarização numa ordem neoliberal. In: GENTILI, P.; FRIGOTTO, G. (Org.). A Cidadania Negada: políticas de exclusão na educação e no trabalho. 2 ed. São Paulo: Cortez, 2001, p. 37-50

ANTUNES, Ricardo (2015) Desenhando a Nova Morfologia do Trabalho, Revista Estudos Avançados, 28 (81), 2014, Instituto de Estudos Avançados, USP, São Paulo

ANTUNES, R e DRUCK, G. (2014). A epidemia da terceirização in Antunes, R. (org), Riqueza e Miséria do Trabalho, vol III, SP, Boitempo.

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“As sufragistas” à luz da análise de contingências

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A busca pela compreensão da conduta humana pode a princípio ser resumida no seguinte questionamento: “O que a pessoa fez?”, assim se identifica o comportamento. Posteriormente, poderíamos questionar “O que aconteceu então?”, assim são identificadas as consequências do comportamento. (SIDMAN, 1995, p. 104-105 apud MOREIRA; MEDEIROS, 2007, p. 145). Os questionamentos supracitados resumem muito bem o que se conhece como “análise de contingências”.

A versão online do Dicionário Michaelis explica que contingência é “caráter do que é contingente”. Por sua vez, “contingente” é descrito como algo “que pode, ou não, suceder ou existir, duvidoso, eventual, incerto. Já no paradigma behaviorista, contingência é a relação que há entre o comportamento emitido e a consequência dele (MORÁN, 2010). Shimabukuro (2010) escreve que contingência se refere a uma relação de dependência entre eventos ambientais ou entre eventos comportamentais e ambientais, e apresenta a concepção de Sousa (2001) segundo a qual “o enunciado de uma contingência é feito em forma de afirmações do tipo “Se… então…”. A cláusula “se” pode especificar algum aspecto do comportamento ou do ambiente, enquanto “então” denota o evento ambiental consequente.

Compete, por fim, trazer à tona a análise funcional do comportamento, que nada mais é do que a busca dos determinantes da ocorrência do comportamento. Os eixos fundamentais de tal análise são os paradigmas respondente e, principalmente, o operante. Sob uma perspectiva behaviorista radical, os determinantes do comportamento estão na interação do organismo com o meio. “Skinner defende a existência de três níveis de causalidade do comportamento, que, em maior ou menor medida, estarão sempre atuando em confluência na ocorrência ou não de uma resposta de um comportamento” (MOREIRA; MEDEIROS, 2007, p. 146).

São eles: a) Filogênese – a nossa interação com o meio advém da evolução de nossa espécie. Nossas características fisiológicas e alguns traços comportamentais (comportamentos reflexos e padrões fixos de ação) são determinados pela filogênese. […] b) Ontogênese individual – esse nível de análise aborda a modificação do comportamento pela interação direta com o meio durante a vida do organismo. Em outras palavras, trata-se da aprendizagem por experiências individuais com o meio. […] Skinner defende que esse seria o nível de análise ao qual a psicologia deveria concentrar os seus esforços, uma vez que são os determinantes do comportamento mais relacionados à subjetividade e à individualidade de cada ser. [..] c) Ontogênese Sociocultural – por fim, o nosso comportamento será determinado por variáveis grupais, como moda, estilo de vida, preconceitos, valores etc. Nosso contato com a cultura estabelecerá a função reforçadora ou aversiva da maioria dos eventos. (MOREIRA; MEDEIROS, 2017, p. 146).

Para Skinner, se insistirmos em falar de “causa” na psicologia, devemos levar em conta esses três níveis de análise. Além disso, deve ser enfatizada a relação de troca do organismo com o ambiente, rejeitando a ideia de eventos mentais hipotéticos como causa de comportamento. Assim sendo, para explicar, predizer e controlar o comportamento, é preciso uma análise funcional – ou seja, descobrir qual é a função das respostas observadas – buscando no ambiente externo e interno os determinantes do comportamento.

Fonte: encurtador.com.br/orsJX

 

Breve discussão histórica

As mulheres burguesas passaram a se organizar em torno da luta pelo reconhecimento do direito ao sufrágio, ou voto, o que explica o fato de serem chamadas de “sufragistas”, na segunda metade do século XIX. As sufragistas, personagens centrais no filme ao qual este trabalho se presta a analisar, não somente lutaram pelos direitos políticos de todas as mulheres, mas também pela igualdade em outros aspectos e campos. Sua prioridade ao voto era devido ao fato de que, uma vez tendo conseguido esse direito, poderiam ascender aos parlamentos e assim mudar as leis e instituições. Na Europa, o movimento sufragista britânico foi o mais ativo. Em meados do início do século XIX, começou uma larga série de iniciativas políticas a favor das mulheres. No entanto, os esforços para convencer o Parlamento inglês sobre a legitimidade de tais direitos provocavam zombaria e indiferença, em campanhas midiáticas cujos conteúdos depreciavam o movimento sufragista.

Como consequência, o movimento passou a desenvolver ações mais radicais. Em 1913, Emmeline Pankhurst fundou, em Londres, a “União Social e Política das Mulheres”, cujas militantes protagonizaram uma infinidade de ações com grande repercussão midiática, tais como protestos, manifestações e greves de fome. Como resultado, a repressão foi severa com elas; a própria Pankhurst foi detida e condenada a três anos de cadeia e trabalhos forçados, sendo acusada de “atividades contrárias à segurança e estabilidade do povo inglês”.

Nos Estados Unidos, o movimento sufragista esteve inicialmente mui relacionado com o movimento abolicionista, um grande número de mulheres uniu suas forças para combater a escravidão. As ideias utilizadas para reivindicar a igualdade entre os sexos eram baseadas na lei natural como fonte de direitos para toda a espécie humana, na razão e ao bom sentido de humanidade. A Primeira Guerra Mundial foi fator mui importante na história do processo de emancipação feminina, já que os governos precisavam da entrada de mulheres nas fábricas frente a evidente escassez de mão de obra masculina. Terminada a guerra, as mulheres desenvolveram uma clara consciência de sua importância na sociedade. O caminho para conseguir o voto estava se abrindo no Reino Unido, ainda que na Nova Zelândia isto já houvera ocorrido em 1893, bem como em 1902 na Austrália. Em 1918 as mulheres britânicas maiores de 30 anos enfim podiam votar, em todo caso, só em 1928 à todas, em idade legal tal qual em relação aos homens, foi concedido o direito ao sufrágio.

No Brasil, as mulheres com renda podiam votar desde 1932. Em 1934, apenas aquelas que tinham empregos remunerados. Em 1946, o direito e a obrigação se estenderam a todas as mulheres. Em 1948, a ONU incluiu, na Declaração Universal dos Direitos Humanos, que os governos devem realizar eleições periódicas com voto secreto e igualdade de gênero.

Fonte: encurtador.com.br/sBS47

Análise de Contingências

O foco desta análise é o comportamento observável da personagem central do filme histórico “As sufragistas”, de nome Maud Watts. Nortearão tal análise os três níveis de causalidade do comportamento explanados por Moreira e Medeiros (2007, p. 146), os quais são “filogênese”, “ontogênese individual” e “ontogênese sociocultural”.

Levando em conta a filogênese, ou evolução da espécie humana, vê-se em Maud Watts, bem como também nas demais mulheres, a luta contra o aversivo e por uma situação mais confortável à sua existência. É uma característica peculiar à raça humana em seu desenvolvimento ao longo dos séculos, lutar pela sobrevivência e, à medida que é reforçada nesse empenho, evoluir, uma contingência que não seria possível caso a espécie humana não tivesse um necessário nível de maturação biológica. É importante frisar que a asserção “não seria possível” não implica que é a filogênese que causa comportamentos, mas que ela, como substrato biológico, “abre caminho” para que comportamentos ocorram.

A astúcia das mulheres, o pensamento estratégico contra o aversivo, as reações aos castigos físicos, a incansável luta ideológica ou, claro, as respostas mais básicas como as emocionais (por exemplo, raiva e choro), na verdade todo seu repertório comportamental não compreendia características por elas obtidas de uma hora para outra, mas fruto de uma longa história evolutiva vivenciada por seus antepassados, história cuja evolução se consistiu na progressiva adaptação ao meio, ou influência sobre este último, e na inteligência mais acurada cuja maior complexidade foi permitida pelo desenvolvimento biológico da espécie.

Resumidamente, a filogenia, muito mais que o “primeiro” nível de causalidade do comportamento do indivíduo, é o complexo substrato que torna possível, senão todos os aspectos observáveis, grande parte do repertório comportamental – o qual é expresso nos comportamentos respondentes e operantes – possibilitando tais comportamentos por toda uma vida.

O segundo nível de causalidade do comportamento é a ontogênese individual (MOREIRA; MEDEIROS, 2007, p. 146). O foco se restringe ao aspecto mais peculiar à personagem central, sua interação direta com o meio no qual estava inserida e a experiência decorrida desta interação, é neste nível de análise que estão presentes as determinantes mais ligadas à individualidade e subjetividade de um indivíduo. Para melhor compreensão, algumas contingências do filme, a partir de agora, serão enunciadas em afirmações do tipo “Se… Então…”.

Fonte: encurtador.com.br/fpCW9

Analisando o contexto familiar de Maud Watts, sexo feminino, 24 anos de idade, percebe-se que ela vive com seu marido e o filho pequeno. Subtende-se que a personagem central tem pouca escolarização. Se ela tem pouca escolaridade, então é explicado, não única e suficientemente, sua dependência em relação ao marido. Além disso, é evidenciada a interligação da ontogênese individual com a ontogênese sociocultural quando se considera o gênero da personagem como outro fator de sua dependência em relação ao homem, um comportamento submisso determinado por valores da época. Além disso, a opressão do Estado e sociedade sobre praticamente todos os aspectos da vida das mulheres também é fator importante da restrição do desenvolvimento intelectual e pessoal delas, explicando assim grande parte de seu repertório comportamental.

Se a submissão ao marido traz, em alguma medida, segurança à personagem principal, então ela segue em tal comportamento de submissão, reforçada pelo sustento financeiro do esposo, visto que o da própria é insuficiente, é reforçada pelo prazer que o filho lhe proporciona, assim seguindo embora no outro lado da moeda estivessem os estímulos aversivos, os quais consistiam nos abusos físicos e sexuais, os quais são mais evidentes na lavanderia onde a personagem trabalha.

A ontogênese sociocultural é o outro nível de causalidade do comportamento, muito bem explicitado no filme, sendo na verdade o nível principal da história, visto que se trata de um fenômeno social que envolveu várias mulheres unidas por um propósito. O movimento sufragista já vinha ganhando força e atenção por toda a Europa, convertendo-se em potente fator de comportamentos que caracterizaram a causa feminista.  No filme em questão, o primeiro contato da personagem central com as sufragistas ocorre acidentalmente enquanto ela levava uma encomenda. Ali ela viu mulheres depredarem lojas, e entre as tais estava uma colega de trabalho de Maud, exigindo direito de voto às mulheres. Esse primeiro encontro, embora indireto e substancial, desperta a curiosidade da personagem principal que pouco a pouco é envolvida pelo movimento, em virtude da influência direta de sua companheira de trabalho.

O comportamento feminista da personagem central toma proporções maiores a partir do momento em que ela vai ao parlamento inglês para assistir a um testemunho pretendido a conquistar a reinvindicação das sufragistas, no entanto, é a própria Maud que o apresenta no lugar de quem deveria fazer isso, tornando-se, por um momento, porta-voz da classe feminina. Por um lado, a personagem recebe reforço positivo por parte das sufragistas, no entanto, o contrário ocorre por parte do marido, que, num caráter um tanto punitivo, a ridiculariza por ela agora procurar exercer seus direitos.

A despeito do esforço das mulheres, as autoridades britânicas rejeitam a ideia de conceder às reivindicadoras o direito ao sufrágio, isso desencadeia nelas fortes respostas emocionais, logo a polícia reage com repressão violentíssima e algumas sufragistas são presas. A provisória perda da liberdade é para Maud uma dura punição negativa que, no entanto, não a afasta da causa sufragista, pelo contrário, parece reforçá-la nesse quesito, embora isso implique no descrédito e censura recebidos pelo marido e pela vizinhança.  – A persistência das mulheres é devido ao aprendizado de que elas estavam sendo ouvidas, embora ainda não atendidas, logo, seu ativismo vinha sendo funcional tendo em vista seu objetivo. – Tendo saído da prisão, Maud está evidentemente apegada ao feminismo, participando das estratégias e reuniões do movimento, e novamente é detida com outras mulheres. Por conseguinte, é expulsa de casa pelo marido. Agora sustentada pelas companheiras, Maud entra em uma fase mais aversiva, contudo, segue firme nos ideais feministas.

À essa altura percebe-se que o comportamento da personagem já não é o mesmo; Maud não mais aceita submeter-se a situações humilhantes e abusivas, chegando ao ponto de queimar a mão do seu chefe com um ferro de passar roupa. Em virtude disso, é detida novamente. – A detenção já não lhe perturba tanto quanto no princípio, a personagem habituou-se a tal estímulo aversivo. – Recusando-se a cooperar com as autoridades contra o movimento, a personagem mostra-se de fato interligada à causa das mulheres, já com seu comportamento mudado drasticamente, apesar das implicações aversivas que tal mudança trouxe, ínfimas aos olhos da personagem se comparadas com os reforços gradualmente obtidos na luta por uma vida melhor.

Discussão

Fica evidente no filme “As Sufragistas” o impacto do ambiente sobre a vida dos indivíduos, desde o grau mais subjetivo de cada pessoa até os aspectos mais notáveis de uma sociedade em determinado tempo. Levando em conta a personagem central, vemos como seu gênero biológico, sua vida privada e familiar são importantes na manutenção de hierarquias e valores de sua época. É também evidente a influência de um contingente mais amplo, o social, sobre o comportamento da personagem, a ponto de mudá-lo drasticamente. Além disso, percebe-se como a personagem habitua-se às variações do ambiente, a despeito dos estímulos e punições aversivos, bem como é reforçada pelos reforços positivos, as consequências agradáveis que aumentam a possibilidade de a personagem central seguir na luta pelos objetivos de sua classe.

Fonte: encurtador.com.br/fyNO4

Referências:

MORÁN, Luis Javier Rodríguez. Contigencias de refuerzo vs Fuerza de voluntad. Disponível em: < http://javierconductismo.blogspot.com/2010/07/contingencias-de-refuerzo-o-fuerza-de.html>. Acesso em 21 outubro 2018.

MOREIRA, Márcio Borges; MEDEIROS, Carlos Augusto de. Princípios Básicos de Análise do Comportamento. Porto Alegre: Artmed, 2007, 224 p.

SHIMABUKURO, Fabiana Harumi. O que são Contingências. Disponível em: < http://wwwfabishimabukuro.blogspot.com/2010/06/o-que-sao-contingencias.html> Acesso em 21 outubro 2018.

Artigo originalmente publicado no site: <https://comunidadepsi.com/>.

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Tocantinenses são destaque no 2º Festival de Cinema Negro Zélia Amador de Deus

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Evento on-line começa nesta quarta-feira (25) e busca valorizar a produção audiovisual amazônica

Discutir o racismo através do audiovisual e valorizar a produção de cinema realizada por afro-brasileiros, sobretudo da Região Amazônica, são os objetivos do II Festival de Cinema Negro Zélia Amador de Deus. O evento ocorre entre os dias 25 de novembro e 10 de dezembro de 2020 de forma virtual por meio da plataforma www.todesplay.com.br e redes sociais do Cine Diáspora.

Esta edição homenageia a diretora de cinema e atriz Rosilene Cordeiro, que também é professora, produtora e colaborou com o curso de Licenciatura em Teatro da Universidade Federal do Pará (UFPA). A programação inclui debates, premiação e exibição de filmes. A abertura será feita através de live nas redes sociais, com a exibição do filme Princesa do Meu Lugar, de Pablo Monteiro (São Luís/MA).

Nesta edição, 135 produções foram recebidas, sendo 56 (41,48%) da Região Amazônica e 79 (58,52%) de outras regiões do país. Desses, 21 projetos de cineastas amazônicos foram selecionados e concorrem ao prêmio Zélia Amador de Deus nas categorias: Clipe da Região Amazônica; Projeto para Web da Região Amazônica; e Curta-Metragem da Região Amazônica. Dentre eles, destacam-se as obras A Sússia, de Lucrécia Dias (Arraias/TO), e Romana, de Helen Lopes (Natividade/TO).

Cena de “Romana” por: Helen Lopes

Acessibilidade – Visando a ampliação do entretenimento, o Festival de Cinema Negro também terá uma sessão especial com ferramentas de acessibilidade para pessoas com deficiência auditiva e surdas. Com interpretação na Linguagem Brasileira de Sinais (Libras) e dirigidas por negras, Blackout, de Rossandra Leone (RJ), e Seremos Ouvidas, de Larissa Nepomuceno (PR), são duas das obras selecionadas.

Confira as sinopses: Seremos Ouvidas – “Como existir em uma estrutura sexista e ouvinte? Gabriela, Celma e Klicia, 3 mulheres surdas com realidades distintas, compartilham suas lutas e trajetórias no movimento feminista surdo”.

Blackout – “Em um Rio de Janeiro futurista nada parece ter mudado. Abuso de autoridade, violações de direitos, racismo e machismo ainda dão o tom da relação do poder público com a favela. Dessa vez, entretanto, algo parece estar para mudar”.

O projeto – A primeira edição do festival ocorreu em novembro de 2019, e recebeu 107 filmes de todo o Brasil – a maioria da Região Amazônica, e teve 14 pontos de exibição nas periferias da Grande Belém. A iniciativa, batizada com o nome da professora emérita da UFPA, ativista e atriz Zélia Amador de Deus, é uma realização da produtora audiovisual Cine Diáspora e tem o apoio do Prêmio Preamar de Cultura e Arte da Secretaria de Estado de Cultura do Pará (Secult).

“O II Festival Zélia Amador de Deus parte de uma construção coletiva feita a partir de uma reunião de amigos artistas, cineastas e produtores culturais negros, que sentem em suas vidas a importância do cinema, o percebem como instrumento de mudança de mentalidades, incentivando práticas antirracistas e de valorização da produção artística afrodiáspórica e africana”, conta Fernanda Vera Cruz, da curadoria e produção da iniciativa, que contribui na renda de 24 profissionais negros e periféricos da periferia de Belém.

Serviço – II Festival de Cinema Negro Zélia Amador de Deus ocorrerá entre os dias 25 de novembro e 10 de dezembro via www.todesplay.com.br e Instagram (@cinediaspora) e Facebook (/cinediasporapa).

Indicados por categoria:

Clipe da Região Amazônica
– Estorvo – Mc Super Shock por Saturação (Macapá/AP)
– Batidão – Enme por Jessica Lauane (São Luís/MA)
– Pretinha – Taslim por Nádia D’Cassia (São Luís/MA)
– Eu sou Tambor – Vanessa Mendonça (Belém/PA)
– Retomada Ancestral – Vanessa Mendonça (Belém/PA)
– Pesadelos – Bruna BG por Anna Suav (Belém/PA)

Projeto para Web da Região Amazônica
– Enme No Corre – Enme Paixão (São Luís/MA)
– AfricAmazônia – Amérika Bonifácio (Icoaraci-Belém/PA)
– Teia de Aranha – Emily Cassandra Bonifácio (Belém/PA)
– Medo de Travesty – Attews Shamaxy (Ananindeua/PA)
– Turva Preamar Marejante – Samily Maria (Belém/PA)

Curta-Metragem da Região Amazônica
– Brilhos Apagados – Nilce Braga (São Luís/MA e Buenos Aires/ARG)
– Quedaria – Brenna Maria (São Luís/MA)
– Sobre Aquilo que Fica – Thais Sombra (Belém/PA)
– Mametu Muagile Rainha de Angola – Elizabeth Leite Pantoja (Belém/PA)
– Que Liberdade é Essa? – Sol Oliver (Belém/PA)
– A Sússia – Lucrécia Dias (Arraias/TO)
– Romana – Helen Lopes (Natividade/TO)
– Minguante – Maurício Moraes (Belém/PA)
– Traçados – Rudyeri Ribeiro (Belém/PA)
– São Geraldo – Homem de Música e Planta – Keila dos Santos (Manaus/AM)

Curta-Metragem Nacional
– Blackout – Rossandra Leone (RJ)
– Alfazema – Sabrina Fidalgo (RJ)
– 111+ – Ivaldo Correa (RJ)
– Um Grito Parado no Ar – Leonardo Souza (RJ)
– Joãosinho da Goméa – O Rei do Candomblé – Janaina Oliveira Refem e Rodrigo Dutra (RJ)
– A Cama, o Carma e o Querer – Daniel Fagundes (SP)
– Alforria Social Beat – Rodjéli Salvi (SP)
– Minha Deusa e Eu – Gabrela Vieira (SP)
– Barco de Papel – Thais Scabio (SP)
– Dádiva – Evelyn Santos (SP)
– Aurora – Everlane Moraes (SP)
– Corre – Carolen Meneses e Sidjonathas Araújo (SE)
– Filhas de Lavadeira – Edileuza Penha de Souza (DF)
– Pernambués – Quilombo Urbano de Lúcio Lima (BA)
– Adventício – Abdiel Anselmo (CE)
– Live – Adriano Monteiro (ES)
– Rio das Almas e Negras Memórias – Taize Inácia Thaynara Rezende (GO)
– Nove Águas – Gabriel Martins e Quilombo dos Marques (MG)
– Reflexo Reverso: O Outro em Branco – Fernanda Thomaz (MG)
– Banho de Flor – Hiura F. (PB)
– Seremos Ouvidas – Larissa Nepomuceno (PR)
– 2704 km – Letícia Batista (PE)
– Notícias de São Paulo – Priscila Nascimento (PE)
– Os Verdadeiros Lugares Não Estão no Mapa – João Araió (PI)
– Por Gerações – Leila Xavier (RJ)
– Encruza – Bruna Andrade, Gleyser Ferreira, Maíra Oliveira e Uilton Oliveira (RJ)
– Por Trás das Tintas –  Alek Lean (RJ)

Filmes Convidados

– Princesa do Meu Lugar – Pablo Monteiro (São Luís/MA)
– O Nikse é Que Nos Socorre – Weverton Ruan Vieira Rodrigues (Belém/PA)

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