É preciso discutir sobre a saúde mental em atletas profissionais

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Uma rotina intensa de treinos, assim explica-se o cotidiano de um atleta de alto rendimento para alcançar seu objetivo, que é a vitória na modalidade a qual atua.  Uma preparação cronometrada de exercícios físicos, dieta balanceada e muita dor física. Mas quando a dor é emocional, o que fazer? Esse ano, o mundo acompanhou de perto o drama da ginasta mais famosa dos últimos tempos, a norte-americana Simone Biles, que por decisão abandonou a participação nas fases de alguns aparelhos, em prol de sua saúde mental, nas Olimpíadas de Tóquio.  

Conforme entrevista aos veículos de comunicação, a ginasta disse não estar bem para competir nas finais de aparelho. Segundo a jovem, sua cabeça estava fora do lugar, enquanto estava saltando, e poderia sofrer um acidente, durante a execução do salto.  Sua atitude levou o mundo inteiro, a refletir sobre a necessidade de cuidar da saúde mental, e mesmo, atletas profissionais, acostumados a rotinas exaustivas de treinos precisam parar, no intuito de equilibrar as emoções.  Simone deixou o recado, cuide de sua mental, pois o não cuidado interfere no desempenho profissional, independe de qual seja o trabalho.

Ribeiro (2020) alerta que muitos atletas não cuidam da sua saúde mental motivadas pelo estigma, falta de conhecimento sobre o assunto e a sua influência no rendimento desportivo, bem como pela percepção da doença mental como uma fragilidade. “A maioria das organizações desportivas continua a descurar a importância do investimento na prevenção, identificação e intervenção precoce na psicopatologia dos atletas de alta competição” (Ribeiro, 2020). Nesse sentido, a postura de Biles, veio para questionar esse descaso das delegações com seus atletas, e mostrar para o mundo que, eles, também, têm suas fragilidades, seus questionamentos e dores.

Fonte: Instagram

 

Perturbação do sono, depressão, suicídio, ansiedade, compulsão alimentar, déficit de atenção, hiperatividade, bem como transtorno bipolar são os transtornos mentais mais decorrentes em atletas profissionais, informou a Declaração de Consenso do Comitê Olímpico Internacional (2019). Um alerta assustador, segundo o comitê, os sintomas depressivos em atletas variam entre 4 a 68%.

O que seria um atleta de alto nível? (Bäckmand, Kaprio, Kujala, Sarna, 2009) explicam que o alto nível é como uma atividade física extenuante e prolongada, para a qual os atletas precisam estar preparados para enfrentar uma série de fatores estressantes, no intuito de aprimorar, e alcançar os resultados esperados.  E para dar conta de todas essas atribuições, o profissional precisa estar em dia com a saúde mental, caso contrário irá desenvolver algum transtorno mental, como relatou o Consenso 2019.

A atividade física é um excelente aliado para auxiliar no equilíbrio da saúde mental, já o desafio dos atletas profissionais é conciliar, de forma saudável, a rotina puxada dos treinos com sua saúde mental, no sentido de equilibrar os níveis de estresse, até porque eles são cobrados pela comissão técnica e pela torcida de seus países.  No mais, todos querem é ver o atleta de seu país, brilhar no pódio, ao som do hino nacional de sua respectiva bandeira.

Fonte: Freepick

 

Referências

Bäckmand H, Kaprio J, Kujala U, Sarna S. Physical activity, mood and the functioning of daily living. A longitudinal study among former elite athletes and referents in middle and old age. Arch Gerontol Geriatr Suppl.(2009)

Portal G1 Notícias . O desafio da saúde mental dos atletas. Disponível em < https://g1.globo.com/sp/presidente-prudente-regiao/blog/psicoblog/post/2021/07/29/o-desafio-da-saude-mental-dos-atletas.ghtml>. Acesso: 21, de out, de 2021.

Revista Eletrônica, Abril.  O caso Simone Biles nas Olimpíadas e a saúde mental no esporte. Disponível em < https://saude.abril.com.br/blog/saude-e-pop/a-saida-de-simone-biles-das-olimpiadas-e-a-saude-mental-no-esporte/> Acesso 21, de out de 2021.

Ribeiro, Flávia. Doença Mental em Atletas: a utilização de instrumentos de rastreio e a importância da detecção de fatores de riscos(2020). Disponível, em https://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/128399/2/411774.pdf; Acesso 21, de out, de 2021.

Reardon CL, Hainline B, Aron CM, et al. Mental health in elite athletes: International Olympic Committee Consensus Statement (2019).

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Corpos esportistas: contemporaneidade e potencialização do corpo

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Atualmente, com o avanço da ciência, da tecnologia e também da formação do processo cultural do esporte de luta em todo o mundo, a espetacularização dos corpos por parte dos atletas têm se tornado cada vez mais frequente e simbólico nos momentos dos treinos e lutas realizados pelos mesmos.  Essa “espetacularização” é vista como a potencialização dos corpos, seja ela por meio de substâncias químicas como anabolizantes e esteróides ou por forma puramente psicológica durante os treinos nas academias de luta e/ou dentro dos ringues.

Os atletas – para se sentirem mais fortes, tanto fisicamente quanto psicologicamente – acabam por ingerir certas substâncias que causam efeitos de anestesia (sensação de menor dor e impacto dos socos que são dados pelos seus adversários nas lutas de M.M.A.) e maior força física, proporcionando uma maior segurança e intimidação para seu adversário durante a exibição do seu corpo para a plateia e para o seu próprio oponente. Nota-se que a preparação e constituição de um lutador requer mais do que grandes preparações físicas desgastantes e domínios de técnicas durante os treinos e os espetáculos vistos nos ringues. É algo que, muitas vezes, é realizado nos “bastidores” antes das lutas, e como consequência, torna-se invisível aos olhos dos espectadores que apreciam as performances dos atletas.

Toda a musculatura e desempenho que é adquirida no esporte de luta concedem uma formação de identidade nos atletas, proporcionando-lhes uma “personalidade” e linguagem corporal que lhes são atribuídos como sinônimo de virilidade e bom estado físico, sendo capaz de demonstrar para os espectadores que o mesmo se encontra apto para poder ter uma boa luta e vencer os mais diversos oponentes durante a sua carreira como lutador. O estado psicológico desses atletas também é afetado por sofrerem muita pressão, fazendo com que esses treinem ao seu limite para conseguirem superar o adversário, muitas vezes sem se preocupar com as consequências, só focando na vitória, deste modo se desgastando, trazendo prejuízos para sua saúde, recorrendo a remédios que muitas vezes acabam piorando a sua situação em vez de ajudar.

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Fonte: http://globoesporte.globo.com/eu-atleta/saude/noticia/2013/05/dados-cientificos-apontam-para-os-problemas-do-uso-de-anabolizantes.html

Há na sociedade atual uma intensa valorização do corpo. Os corpos desejados são os sarados, musculosos, em boa forma. São conquistados através de longas e cansativas séries de exercícios em academias, uma dieta rígida, suplementos alimentares que fornecem os nutrientes que não foram adquiridos na alimentação e, às vezes, através também de anabolizantes. A mídia e a indústria de cosméticos são fatores que contribuem para a valorização do corpo na sociedade atual.

O corpo que se vê está na moda. Ele é exibido em cartazes, novelas, filmes, etc. A nudez vem emergindo cada vez mais limpa. Se somarmos o número de produtos cosméticos que existem no mundo, de academias para se modelar o corpo, de empresas que produzem roupas para se mostrar o corpo, veremos que talvez um décimo da economia mundial gira em torno da produção para tomar o corpo que se vê bonito, atraente, vistoso, moreno, atlético. É a indústria do “olhe para mim”, forma oficial de exibicionismo e de chamar a atenção. (GAIRSA, 2005, p. 295)

O Brasil se tornou o segundo país do mundo com mais academias por habitante, segundo o SEBRAE (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas). Os motivos que levam as pessoas a frequentar a academia podem ser para melhorar a estética corporal, diminuição do peso, melhorar a saúde, entre outros.

As práticas desportivas estão ganhando cada vez mais espaço na sociedade atual. Anteriormente, a prática de esportes era considerada um hobby. No entanto, com a valorização das competições mundiais, os esportes tornaram-se profissões. Os atletas buscam maior eficiência em sua performance esportiva e ela pode estar diretamente ligada ao seu corpo. Desta forma, o esporte passou a ser um mecanismo de criação de eficientes corporais e contribuiu para a valorização do corpo.

Nas práticas desportivas, o corpo do atleta é visto para além do ponto de vista estético, diferentemente do que é buscado pelas outras pessoas que praticam exercícios. Segundo Nunes e Goellner:

O corpo de um atleta olímpico, por exemplo, produz-se de forma diferenciada do corpo de uma pessoa que busca melhorar a forma física e a aparência. Resguardadas as devidas proporções, o que é necessário enfatizar é que, ambos, utilizam recursos que potencializam sua aparição e os dois personificam a hibridização natureza/cultura, bem como a transformação de si em um eficiente corporal, onde as fronteiras entre pessoa e tecnologia encontram-se absolutamente atravessadas (NUNES; GOELLNER, 2007, p. 56).

Apesar de a competição ser uma das mais importantes etapas da prática desportiva, um longo caminho de preparação física vem antes e ela é a principal responsável pelo desempenho do atleta na competição. Atualmente, os atletas utilizam diversos recursos na preparação física que podem potencializar sua técnica e melhorar o condicionamento física; esses recursos podem ser dietas e suplementos, preparação psicológica e até o uso de anabolizantes.

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Fonte: http://escrevalolaescreva.blogspot.com.br/2011/04/o-corpo-perfeito-de-um-atleta-olimpico.html

Vaz (1999)  apresenta uma ideia de como pode ser entendido o treinamento nas práticas desportivas:

O treinamento pode ser entendido, de forma geral, como um conjunto de diversas e complexas ações no sentido da melhoria do rendimento. Este é orientado por um fim específico, e deve seguir um planejamento que leve em conta os objetivos, os métodos, o conteúdo, a estrutura e a organização geral, sempre tendo como referência o conhecimento científico e a experiência prática (VAZ, 1999, p. 102).

O planejamento alimentar dos atletas também é um fator muito importante. Permite que eles reponham as energias gastas no treino, adéqua sua carga nutricional e é essencial para a saúde e performance desses indivíduos. Quando a quantidade de alimento consumida não supre as necessidades nutricionais, os suplementos alimentares entram em ação. Eles estão disponíveis no mercado em diversos tipos e é importante que os atletas utilizem a dosagem correta dessas substâncias.

Alguns atletas, quando acham que a dieta rígida e os suplementos não são suficientes para garantir o corpo necessário a suas performances, recorrem aos anabolizantes. “Os atletas usam a droga para ficar altamente musculosos, aumentar o peso e adquirir força” (Nunes e Goellner, 2007, p. 64). A maioria desses medicamentos são “tarja preta” e outros são produtos de uso veterinário. Infelizmente, ao fazerem isso, os atletas não percebem que estão prejudicando enormemente seus corpos.

A preparação psicológica dos atletas também é de extrema importância. Seu estado emocional e psicológico ficam fragilizados diante das situações e dos recursos que eles utilizam para potencializar seus corpos, melhorar suas performances. Outro fator que pode afetar negativamente é o estresse causado pela intensa rotina de treinamentos. A ansiedade e o medo de perder a competição também podem afetá-los. Cada modalidade desportiva apresenta alguns produtos que estão ligados a ela e que também fazem parte da performance de seus participantes. No M.M.A. (Mixed Martial Arts), esporte apresentado por Nunes e Goellner (2007) em seu artigo “O espetáculo do ringue: O esporte e a potencialização dos eficientes corporais”, esses produtos são “as gírias, as modificações corporais (orelhas deformadas e cicatrizes), as revistas, vídeos, etc.”

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Fonte: http://veja.abril.com.br/esporte/ufc-da-um-carro-de-930-000-reais-de-presente-a-anderson/

É recorrente que o ser humano chegue em uma fase da vida onde o seu corpo não lhe satisfaz, pois não sente se a vontade com o que está vendo na frente do espelho todo dia que acorda, nem mesmo quando esta tomando banho ou com seus pares, isso por que o que vemos nas mídias sociais é a busca do corpo perfeito onde imperfeições não são aceitas. Deste modo pessoas buscam produtos que não fazem bem a saúde ou que podem acarretar a problemas sérios no futuro, muitos podem pensar que só querem ficar mais bonitos, mas há uma busca incessante pela juventude muitas vezes burlando as limitações que o corpo possui.

Corpos que víamos em desenhos, em quadrinhos, como corpos enormes e cheios de músculos, ou corpos que acoplam em si máquinas (como os ciborgues dos desenhos animados), hoje em dia é algo totalmente real e possível de se conseguir. Vivemos numa sociedade em que somos também o que aparentamos ser, logo se vê muito investimento em nosso corpo no dia a dia, tanto na saúde, quanto também na beleza, na juventude, entre outros.

Mesmo com a tecnologia que temos em nossas mãos e produtos que são desenvolvidos diariamente tentam ao máximo chegar ao corpo ideal, os sacrifícios para manter aquele corpo sarado são desgastantes devido ao treinamento diário. Muitas vezes, a alimentação não é suficiente, pois não fornece energia o bastante para executar algo tão cansativo e repetitivo. Alguns atletas são incentivados a sempre ganhar e quando perdem acabam frustrados, culpando a si próprios pelo resultado abaixo do esperado, querendo sempre ser melhor que o concorrente e, mesmo eles estando em primeiro, o processo de superação ainda não foi alcançado, para eles aquilo não e suficiente querem estar numa classificação que somente ele pode alcançar.

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Fonte: http://olimpiadas.ig.com.br/2012-08-02/atletas-choram-e-se-desesperam-nas-olimpiadas-veja-fotos.html

Cláudio Nunes e Silvana Goellner (2007) afirmam que a potencialização e exposição do corpo produzem efeitos  na construção da subjetividade do indivíduo, manifestando-se na forma como nos tornamos sujeitos de nossas práticas e das práticas alheias, e na maneira como percebemos nossas eficiências e deficiências mensuradas na contemporaneidade, por meio de nossas anatomias e contornos corporais.

Durante todo o texto “O espetáculo do ringue: o esporte e a potencialização de eficientes corporais”, Nunes e Goellner falam sobre performances, o quão importante é para mostrar e satisfazer a pessoa que trabalhou para ter um corpo assim e o quanto isso a leva a ir cada vez mais fundo na sua busca de um “corpo perfeito”, de mostrar sua virilidade por suas cicatrizes e sua força, de querer ser um ser humano excepcional, muito bom em algo e dar o seu melhor sem desgastar-se para que as outras pessoas o vejam, admirem, elogiem, entre outras coisas que o faça sentir bem.

Mediante o exposto no desenrolar deste texto, percebe-se o esforço focado na aparência que encontramos no nosso meio e o quão é importante na formação social e na construção da nossa subjetividade. É feito um grande investimento em algo específico para motivar outras pessoas com seus dotes físicos naturais ou conquistados. Nota-se todo um processo para chegar a um estado sem que comprometa sua saúde, sem desgastar-se.

REFERÊNCIAS:

CASSIMIRO, Erica Silva; COSTA, Shirley Barbosa da. Padrões sociais com a imagem corporal: a insatisfação das pessoas com o corpoDisponível em: <http://congressos.cbce.org.br/index.php/3conceno/3conceno/paper/viewFile/3950/2218> Acesso em  23 ago. 2016.

EUFIC. Suplementos Alimentares: quem precisa deles e em que situações? Disponível em: <http://www.eufic.org/article/pt/artid/Food_supplements_ who_ needs _them _and_when/> Acesso em 23 ago. 2016.

GAIRSA, José Angelo. O corpo que se vê é o corpo que se sente. In: DANTAS, Estélio H. M. (Org). Pensando no corpo em movimento. Rio de janeiro: Shape, 2005.

NUNES, C. R. F.; GOELLNER, S. V. O espetáculo do ringue: o esporte e a potencialização de eficientes corporais. In: COUTO, E.; GOELLNER, S. V. (Org.). Corpos mutantes: ensaios sobre novas (d)eficiências corporais. Porto Alegre: UFRGS, 2007. v. 1. p. 55-72.

SEBRAE. Brasil caminha para assumir liderança mundial em número de academiasDisponível em: <http://www.agenciasebrae.com.br/sites/asn/uf/NA/brasil-caminha-para-assumir-lideranca-mundial-em-numero-de-academias> Acesso em 21 ago. 2016.

VAZ, Alexandre Fernandes. Treinar o corpo, dominar a natureza: Notas para uma análise do esporte com base no treinamento corporalDisponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ccedes/v19n48/v1948a06.pdf> Acesso em 23 ago. 2016.

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Resiliência: da muleta para o triathlon

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Acidentes acontecem e quando acompanhados de sequelas físicas podem acarretar problemas de saúde mental, seja pela inatividade, por não aceitar a situação ou por outros motivos. No período pós-acidente, onde o paciente está em fase de recuperação, muitos deles precisam trocar sua rotina agitada por descanso e repouso. Nesse período, é fundamental que o paciente ocupe sua mente com outras atividades. Isso garante o bom funcionamento do cérebro e contribui para a preservação da saúde mental do indivíduo. Ser resiliente é importante.

A psicologia define a palavra resiliência como a capacidade de uma pessoa lidar com os seus próprios problemas, vencer obstáculos e não ceder à pressão, independente da situação. Em termos gerais, a resiliência é a capacidade de voltar ao seu estado natural, principalmente após alguma situação crítica e fora do comum.

Para mostrar que é possível mostrar resiliência em situações difíceis, o (En)Cena entrevistou Rafael Felipe, Analista de Comunicação, estudante de Publicidade e Propaganda e praticante de triathlon nas horas vagas. Em 2005 vivendo a plena juventude, Rafael sofreu um acidente jogando bola e depois de muitas complicações cirúrgicas ficou dois anos andando de muletas. Durante esse período, Rafael teve que abandonar todas suas atividades como trabalhar, estudar e praticar esportes, mesmo assim conseguiu manter sua saúde mental em perfeito estado.

Foto: arquivo pessoal

(En)Cena – Como era sua vida e suas atividades antes do acidente?

Rafael Felipe – Eu sempre pratiquei esporte como lazer. Jogava futebol, futsal, vôlei, tênis de mesa e nadava, mas nada com fins de rendimento ou algo parecido, apenas como lazer e diversão

(En)Cena – Em que ano foi o acidente e quantos anos você tinha? Como o acidente aconteceu?

Rafael Felipe – Foi em dezembro de 2005. Eu tinha 22 anos. O acidente aconteceu em uma noite de terça-feira, como era de praxe, fui jogar futebol society com meu irmão e amigos. Nos primeiros 10 minutos um rapaz que não conheço, por falta de perícia (habilidade mesmo), somado com a grama molhada da chuva, pulou em meu joelho. A pancada foi tão grande que o barulho foi gigante. Fiquei alguns minutos gemendo de dor. Meu primo chamou a SAMU, mas como o atendimento em Palmas é complicado, meu primo entrou com meu carro dentro do campo e me carregou para o hospital. Fui para o HGP que é bem complicado.

(En)Cena – Foi atendido no mesmo dia? Qual foi o diagnóstico?

Rafael Felipe – Fui atendido depois de muito tempo e minha mãe querer entrar com medicamento para dor. Fiquei algumas horas em uma cadeira de rodas. O primeiro diagnóstico falava que poderia ser uma ruptura ligamentar, mas fiz um raio-x que apenas mostrou que havia quebrado o fêmur bem na ponta, coisa pouca. Aí tive que fazer uma ressonância. Na época em Palmas não tinha, então dia 26/12 fui pra Goiânia e fiz a tal ressonância que confirmou a ruptura do Ligamento Cruzado Posterior e derrame da articulação devido a pancada e quebra do fêmur.

(En)Cena – Quais foram as consequências?

Rafael Felipe – Então, aí começam as complicações. Com a ruptura, deve-se de imediato fazer a cirurgia. Mas o médico ficou me enrolando por mais de 6 meses e eu fazendo fisioterapia. Por dois meses pela dor me locomovia com cadeira de rodas e depois sempre de muletas com um imobilizador de joelho que é de neopreme com barras de alumínio. Até que busquei uma segunda opinião.

(En)Cena – E a segunda opinião que você buscou constatou a mesma coisa?

Rafael Felipe –Não. Graças ao meu bom Deus o médico era bom e consciente. Falou que se ele fosse meu médico me operaria dias depois da lesão. Aí mudei pra ele. Ele foi muito ético, falou que eu tinha um médico e não podia ir direto pra ele. Eu falei “eu assumo e preciso resolver meu problema”. Fiz diversos exames até fazer as cirurgias.

(En)Cena – E ocorreu tudo bem nas cirurgias? Quais foram os resultados?

Rafael Felipe – Três dias antes da primeira cirurgia eu estava gripado e fui ao SAU. Falei pra uma médica e ela me receitou um medicamento forte. Tomei. Fiz os exames normalmente. Aí na primeira cirurgia a anestesia raquidiana deu rejeição com o medicamento que eu estava tomando. Então durante as 7h30 de cirurgia, todos os meus batimentos cardíacos ficaram acima de 175 por minuto. Só na hora da cirurgia que apareceu o problema. Acordei com aquele monte de aparelhos em volta de mim, caso meu coração parasse. Eu poderia ter morrido.  Mas como sempre falo, acho que bati na porta lá em cima e falaram: “putz, é o Rafael, ele é chato demais, manda de volta”. (risos)

(En)Cena – Deu tudo certo nessa cirurgia?

Rafael Felipe – Sim. No outro dia ainda internado foi feito novos exames que constaram que um dos pinos que foi colocado na minha perna, na verdade o tendão usado para ser o ligamento, rasgou. Ou seja, teria que fazer mais uma cirurgia. Porém isso era sexta à noite. O médico, devido ao problema no coração, só faria a outra cirurgia após a avaliação de um cardiologista. E pra variar aqui em Palmas tem uma máfia dos cardiologistas. Só tem um lugar que faz todos os exames e não funciona no sábado. Precisava dos exames para fazer a cirurgia no domingo cedo. Uma médica amiga conseguiu abrir o Cardiocenter no sábado pra me atender. Fiz os exames e não deu nada de errado. Foi apenas o medicamento que eu tinha tomado antes para gripe que causou o problema na cirurgia. Meu coração estava 100%. Aí fiz a cirurgia no domingo.

(En)Cena –  E como foi essa segunda cirurgia?

Rafael Felipe – Foi tudo beleza. Na segunda cedo o médico disse que eu estava há muitos dias no hospital e eu podia ir pra casa e ficar muito quieto. Mas é complicado. Chegando em casa, milhões de visitas e eu “quase não falo”. No mesmo dia à noite, em casa, comecei a sentir falta de ar e tive uma parada respiratória proveniente de uma embolia pulmonar. Na hora que minha mãe ligou pro meu médico, ele na hora mandou a esposa dele, pois pra minha sorte ela é pneumologista. E ele sacou na hora que deveria ser isso. Meu pai foi muito rápido também. Na hora que minha esposa falou pra ele que eu estava mudando de cor (risos), ele deu umas “porradas” em mim pra eu continuar respirando. Ele e minha mãe voaram para o hospital. Fiquei na UTI uma madrugada e parte do dia todo entubado. Fiquei uns dias no hospital e por 25 dias fiquei tomando anti-coagulante, uma injeção desagradável que dá na barriga. Aí depois disso foram mais 4 cirurgias mais tranquilas, mas todas com a tal anestesia chata.

(En)Cena – E depois de tudo isso, o que aconteceu que você ficou dois anos sem andar?

Rafael Felipe – Devido ter demorado a fazer a primeira cirurgia, o joelho criou um monte de coisas. Foram 6 cirurgias e cerca de 380 sessões de fisioterapia.

(En)Cena – Mas nesses dois anos você se locomovia de cadeiras de rodas, muleta ou de que forma?

Rafael Felipe – De muletas. Eu não conseguia andar pela dor e também porque perdi o movimento das pernas.

(En)Cena – O que mudou na sua rotina após o acidente?

Rafael Felipe – Tudo. Eu tinha uma vida bem ativa. Trabalhava, fazia faculdade. Vida bem agitada. Aí do nada, tinha que ficar paradão. Dependia dos outros pra fazer tudo. Nos primeiros dias, até banho era difícil.

(En)Cena – Como foi o desafio de viver com limitações durante o período pós-acidente? Quais eram suas principais dificuldades durante esse tempo?

Rafael Felipe – Nossa, eu que não parava, ficar na inércia em casa era bem complicado. Eu passei a maior parte do tempo em casa. E antes eu quase não ficava em casa.

(En)Cena – Psicologicamente, como você reagiu ao saber que ficaria sem andar por um tempo e não poderia ter a vida ativa que você sempre teve?

Rafael Felipe – A princípio parecia tranquilo. Mas com o tempo começou a pesar. Era um sentimento de impotência, de não poder fazer tudo que fazia normalmente.

(En)Cena – Você desenvolveu sentimentos como raiva, medo, angústia, tristeza, essas coisas?

Rafael Felipe – Eu sou muito zen. Fiquei sempre ansioso, isso sim.

(En)Cena – Em algum momento passou pela sua cabeça que você jamais poderia voltar a fazer suas atividades, como praticar esportes?

Rafael Felipe – Sim

(En)Cena – E quando você pensava nisso, o que imaginava? Que sentimentos você alimentava?

Rafael Felipe – Como te falei sou zen e sempre tive Deus comigo. Então sentimentos ruins foram poucos.

(En)Cena – E quais eram as expectativas médicas e as suas próprias expectativas?

Rafael Felipe – Então, depois de um ano que voltei ao normal, acabei virando amigo do médico e ele comentou comigo que não esperava que eu fosse voltar a ficar quase 100% como fiquei. E dei muito trabalho pra ele.

(En)Cena – Nesse período que você ficou inativo, você parou tudo? Inclusive faculdade e trabalho?

Rafael Felipe – Sim. Mas abre aspas, fiz minha filha (risos). Mas não podia trabalhar nem estudar. De manhã e tarde fisioterapia, mas na empresa eu não podia ir. Fiquei encostado pelo INSS.

(En)Cena – E o que você fez para passar o tempo, já que não podia fazer esforço físico?

Rafael Felipe – Comia e assistia filme (risos). Por isso cheguei a pesar 100kg.

(En)Cena – Estudos científicos revelam que para uma boa conservação mental, o indivíduo deve ocupar sua mente, para que ela esteja sempre trabalhando. Você não fez mais nada além de comer e assistir filme?

Rafael Felipe – Fiz sim. Como trabalho com computador, fiz vários projetos pela empresa do meu pai. Alguns freelas de publicidade mais voltados para web. Li alguns livros também.

(En)Cena – Qual foi o papel da sua família em sua reabilitação física e conservação da sua saúde mental?

Rafael Felipe – Fundamental. Apoio mais que 100%. Sem eles eu nem sei o que seria de mim.

(En)Cena – Após sua completa recuperação, que atividades você voltou a fazer? Começou algo novo?

Rafael Felipe – Em maio de 2007 fui pra Floripa assistir uma prova de triathlon e me apaixonei por aquilo. Mas com mais de 92kg era difícil. Aí comecei a nadar, pedalar e correr.

(En)Cena – Foi assim que emagreceu novamente e voltou ao peso normal?

Rafael Felipe – Exato.

(En)Cena – E hoje você pratica triathlon apenas por lazer ou profissionalmente?

Rafael Felipe – Por hobby, isso vicia. Profissionalmente nunca. (risos)

Fotos: arquivo pessoal

(En)Cena – Que dica você pode dar para os internautas no sentido de manterem sua saúde mental em perfeito estado, mesmo em situações semelhantes a que você passou?

Rafael Felipe – Ter fé e confiar no cara lá de cima, e buscar preencher a mente com algo.

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