Como eu gostaria que Zygmunt Bauman estivesse errado
31 de outubro de 2022 Sandra Aparecida Lopes Ramalho
Insight
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Certa feita me deparei com a obra de Bauman falando sobre a modernidade líquida, à primeira vista, dada a inexperiência crítica, achei pretensiosa demais as afirmações propostas pelo renomado autor.
Com o passar dos anos a ficha foi caindo, fui percebendo que Bauman nunca esteve tão certo quanto nos tempos atuais. O forte consumismo oferecido no capitalismo é um constante comparativo e fonte de inspiração para compreendermos a visão moderna da sociedade.
Antigamente, todo e qualquer produto era feito para durar, construções edificadas ainda nos tempos antigos e que duram até hoje são um grande exemplo disso. Assim como na antiguidade as construções visavam a durabilidade e profundidade dos significados, os relacionamentos sociais e amorosos eram feitos visando a durabilidade e consistência.
Fonte: encurtador.com.br/jorCI
Atualmente, no entanto, com a industrialização na produção de produtos, criou-se a cultura da fácil substituição de um objeto com defeito. Os produtos atualmente são feitos já com uma data de validade pré determinada, instigando o consumidor a adquirir o mesmo produto reiteradas vezes ou realizar a troca por um produto melhor.
Fonte: encurtador.com.br/iyzDW
Não muito diferente do que aconteceu no passado, atualmente as relações sociais estão sendo mantidas desta forma: Alguém te magoou? Pra quê perdoar, exclua esta pessoa da sua vida, é mais fácil. A visão consumista nos relacionamentos tem diluído cada vez mais o significado de amizade, amor, compromisso.
Muitas vezes os indivíduos já começam uma interação social ou mesmo um relacionamento pensando em seu término ou já desejando comparar com o próximo, como um teste de produto, onde poucos buscam se aprofundar no universo do outro, compreender verdadeiramente algo, focando somente no imediatismo.
Infelizmente, o imediatismo tem guiado a sociedade a buscar incessantemente esta satisfação quase que instantânea dos seus desejos.
Antigamente, para alguém ser colocado no posto de alguém notório, ou até mesmo ser conhecido publicamente demandava grande esforço e empenho, além de anos de trabalho árduo. Ser famoso outrora custava caro. Hoje, no entanto, um simples vídeo pode se tornar viral e mudar sua vida da noite para o dia, como é o caso do jovem da Luva de Pedreiro.
Fonte: encurtador.com.br/kwJPT
Não é de se estranhar, com isto, que a sociedade tenha perdido sua essência, músicas e obras cinematográficas já não são criadas com o intento de impactar a vida das pessoas, mas sim como produtos que podem arrecadar milhões caso sejam produzidas seguindo uma receita mágica que agrade a grande massa.
É por esta e outras razões que, infelizmente, Bauman sempre esteve completo de razão em suas obras.
REFERÊNCIAS
BAUMAN, Zygmunt; DONSKIS, Leonidas. Cegueira Moral a perda da sensibilidade na modernidade líquida. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Ed. Zahar. 2021.
A sociedade da informação, caracterizada pelos grandes avanços tecnológicos na microeletrônica e telecomunicações, causa transformações na economia e na sociedade, e também em suas relações. Todas as relações incluídas na sociedade da informação, sendo complexas ou não, passam a ser implementadas em formatos diferentes devido à conectividade. A população passa cada vez mais a utilizar a internet para trabalhar, se relacionar, e fazer atividades cotidianas sem a necessidade de estar presente fisicamente (WERTHEIN, 2000). Porém, em uma situação em que são necessárias restrições e distanciamento social podem ser percebidos impactos na saúde mental dos indivíduos.
Em uma era marcada pelo acesso à informação e a facilidade de iniciar novas relações através das redes sociais, novos parceiros amorosos e novas amizades surgem a todo momento. Apesar disso, durante a pandemia da COVID-19 foi possível identificar efeitos negativos à saúde mental da população devido a privação do contato social. Foram percebidos em estudos, sentimentos de medo, tristeza, solidão, e também, o aumento do nível de estresse, ansiedade, e em alguns casos o surgimento da depressão e de ideação suicida (QUEIROZ; SOBREIRA; JESUS, 2020).
Para Bauman (2004), as relações desenvolvidas durante a contemporaneidade são volúveis e construídas sem profundidade ou intimidade, e logo, tendem a se desfazerem, criando a necessidade da busca constante por novas relações, estas sendo cada vez mais rasas. Transmitindo a partir disso um sentimento de insegurança, que ocorre devido a dúvida “será que ao me aprofundar em um relacionamento presente posso estar deixando de viver relacionamentos mais especiais, mais satisfatórios ou mais incríveis?”. Logo a dúvida acaba por cessar a vivência de tais relacionamentos, sendo que a busca incessante estará sempre presente.
Segundo Pires e Gomes (2014), a sociedade da informação demonstra certo estresse na vida moderna ou contemporânea ligado a necessidade de obter melhor qualidade de vida. O indivíduo contemporâneo deseja estar presente, interagindo e fazendo parte do seu núcleo familiar, das suas relações de amizade, das relações profissionais e amorosas, como meio de alcançar a autoestima e a auto realização. Para isso, entretanto, são necessárias interações humanas mais qualitativas que quantitativas.
O isolamento social como medida preventiva para diminuição da incidência de casos da COVID-19, traz o questionamento se as redes sociais realmente conseguem conectar as pessoas de forma real ocasionando em relações de confiança e apoio emocional mútuo ou geram apenas relacionamentos líquidos como exposto por Bauman. Visto que mesmo com o amparo dos smartphones trazendo a possibilidade de se conectar e manter relações distantes fisicamente, será que o “conectar” se torna equivalente ao “relacionar”?
REFERÊNCIAS
BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. Ed., 2004.
PIRES, Cristina Maria dos Santos Nunes; GOMES, Caramelo. Tecnologias de informação e comunicação versus isolamento social/individual: causa ou consequência-questões antigas e novas realidades. Sebentas d’Arquitectura, n. 4, p. 11-21, 2014. Disponível em:<http://revistas.lis.ulusiada.pt/index.php/sa/article/view/1813>. Acesso em 17 junho de 2021.
WERTHEIN, Jorge. A sociedade da informação e seus desafios. Ciência da informação, v. 29, n. 2, p. 71-77, 2000. Disponível em:<https://www.scielo.br/j/ci/a/rmmLFLLbYsjPrkNrbkrK7VF/?lang=pt>. Acesso em 17 junho de 2021.
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Modernidade Líquida: um relato sobre ser docente em tempos pandêmicos
Este relato apresenta um olhar pontual sobre ser docente em tempos de pandemia, em especial sobre a dificuldade em usar as estratégias de ensino voltadas à tecnologia em um mundo em que alunos são, como diria Prenski (2001), nativos digitais. Mas, ao refletir mais profundamente, percebe-se que este aspecto possivelmente é apenas consequência de outro fenômeno: a fluidez (BAUMAN, 2000).
Harari (2018, p. 317) expressa o que parece bastante plausível tendo em vista a imprevisibilidade dos dias que vivemos: “Como podemos viver numa era de perplexidade, quando as narrativas antigas desmoronaram e não surgiu nenhuma nova para substituí-las?”
Fonte: Arquivo (En)Cena
Se as relações surgem e, antes mesmo de elas se findarem, irrompem novas situações – igualmente momentâneas – emerge a necessidade de se reaprender o que já fora aprendido e, para isso, esquecer rapidamente o que não é mais necessário. Nesse sentido, há que se tentar compreender como essa era – marcada pela doença, que trouxe uma obsolescência quase certa – afeta nossa vida em sociedade, inclusive as Instituições de Ensino, que foram bastante impactadas com essa fluidez, tendo em vista sua sólida e histórica estrutura (DIESEL; BALDEZ; MARTINS, 2017). Porém, esse é um caminho acidentado, principalmente no campo da educação, arraigada que é.
Masetto (2003) assinalou que, para a atuação docente nas instituições, exige-se precisão de conhecimentos, atualizações, domínio das técnicas e línguas. Mas, quanto à ação do professor propriamente dita, evidencia-se certo descaso com a tecnologia, com as diferentes estratégias que facilitam a aprendizagem, além da crença comum de que dominar o conteúdo é suficiente para que os estudantes aprendam.
Ocorre que, em um mundo assolado pelo vírus, se readaptar não é uma opção, mas como ensinou Bauman (2000), uma necessidade. Quase obrigatoriamente, estamos reaprendendo a ensinar, ainda que usássemos a tecnologia anteriormente em nossas aulas, mesmo que já tivéssemos sido professores na modalidade à distância.
Rapidamente tivemos que revisitar a nossa absoluta solidez. Agora, não é prudente sermos sólidos e mantermos facilmente a forma, com nossas claras certezas e dimensões. Não. O cenário é de dor e o isolamento impede as aulas presenciais. A partir de agora, a fluidez. O contexto das diretrizes a cada minuto. A cada dia. A cada dez dias. Ouso sugerir que a modernidade líquida de Bauman (2000), nunca foi tão adequada, porque é impensável nos atrelarmos as formas anteriores.
Metaforicamente, Bauman (2013) comparou professores e alunos a mísseis balísticos. Os mísseis, ao iniciarem seu percurso, eram perfeitos para alvos pré-determinados e fixos. Contudo, tais qualidades foram superadas quando os alvos começaram a se mover erroneamente e mais rápido que os mísseis, prejudicando os cálculos iniciais e a trajetória exigida (BAUMAN, 2013). Os mísseis somos nós, os professores. Os alvos, os alunos.
Fonte: Arquivo (En)Cena
Problematizando a metáfora, é visível a necessidade premente que nós, professores e nossos alunos tenham, diante dessa fluidez, de aprender não ao final, mas durante a experiência e o percurso da aprendizagem, bem como de esqueceremos o que já foi aprendido se não fizer mais sentido. “Assim, o que precisam que lhes forneçam de início é a capacidade de aprender, e aprender depressa. Isso é óbvio. O que é menos visível, porém, […], é a capacidade de esquecer instantaneamente o que foi aprendido antes” (BAUMAN, 2013, p. 17).
A modernidade líquida (e agora, pandêmica) reestreia a era da liquefação dos arquétipos de obediência e convívio e “[…] são agora maleáveis a um ponto que as gerações passadas não experimentaram e nem poderiam imaginar, mas como todos os fluidos, eles não mantem a forma por muito tempo” (BAUMAN, 2000, p. 22). Ou seja, manter as formas pré-determinadas em um contexto social caótico, é quase tão difícil quanto nelas permanecer, o que exige mudanças constantes. Aliás, como afirma Harari (2018), a mudança é a única constante!
REFERÊNCIAS:
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.
______. Sobre educação e juventude: conversas com Riccardo Mazzeo. Zahar, 2013b.
DIESEL, Aline; BALDEZ, Alda Leila Santos; MARTINS, Silvana Neumann. Os princípios das metodologias ativas de ensino: uma abordagem teórica. Revista Thema, v. 14, n. 1, p. 268-288, 2017.
MASETTO, Marcos Tarciso. Competência pedagógica do professor universitário. Summus editorial, 2003.
PRENSKY, Marc. Nativos digitais, imigrantes digitais. On the horizon, v. 9, n. 5, p. 1-6, 2001.
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A obsolescencia dos vínculos afetivos na perspectiva de Zygmunt Bauman
A pós-modernidade é marcada pela propagação da individualidade hedonista e do consumismo desenfreado.
Zygmunt Bauman (1927-2017), sociólogo, pensador, professor e escritor polonês, de grande importância para a sociedade contemporânea, sendo uma das vozes mais críticas da atualidade (morto recentemente), foi também responsável por criar a expressão “Modernidade Líquida” para classificar a fluidez do mundo em que os indivíduos não têm aqueles padrões de referências que antes norteavam e davam propósito para as gerações passadas.
A pós-modernidade é marcada pela propagação da individualidade hedonista e do consumismo desenfreado; a pessoa passa a dar ênfase a coisas mais supérfluas, que venha dar uma significado a sua existência mesmo que isso seja momentâneo. Guy Debord (2003) traz o termo “Sociedade do Espetáculo”, para personificar essa sociedade que tem os seu sentidos atrofiados, com supervalorização da visão, pois é através deste sentido que a mídia exerce um maior controle sobre o desejos das pessoas. Sendo assim, essa sociedade molda seus comportamentos sobre a perspectiva do consumo, dentro daquilo que os meios midiáticos transmitem como ideal e importante. Neste âmbito, o que é mais importante é a busca pelo prazer, assim como a sociedade líquida de Zygmunt Bauman, isso é algo que o modelo econômico capitalista tem tido êxito em inserir em seus discursos, que a busca pelo prazer é o único propósito da vida humana, isso tem levado a massa a consumir o que é oferecido sem as devidas críticas, mas ao mesmo tempo levam a crer que são críticos pelo simples fato de serem consumidores de produtos e informações.
Esse discurso adquirido que vivemos para gozar o prazer que a nós é legado acaba por reverberar nos relacionamentos afetivos, criando barreiras de incertezas, pois o contato com o próximo tornou-se frágil e sem relevância; vínculos afetivos duradouros tornam-se cada vez mais difíceis de se manter, relacionar-se com o outro de forma mais autêntica e profunda não é tido com relevante para o contexto social da pós-modernidade. Daí parte indagações dos motivos que levaram estas mudanças de paradigmas humanos, ao mesmo tempo que somos seres sociáveis, damos as costas para a criação de vínculos afetivos duradouros, tudo isso para não entrar em conflito com a busca da liberdade e segurança, que não é mais caracterizada pela permanência das coisas. Amizades e relacionamentos amorosos nunca foram tão fáceis de se desfazer. Bauman traz um exemplo simples comparando as relações como uma revisão em um automóvel, que constantemente precisa ser revista (BAUMAN, 2004).
Fonte: encurtador.com.br/psY89
A modernidade que se tornou liquefeita agora é um agente que dificulta a manutenção de vínculos de maior durabilidade e de laços de qualidade, que venha dar às pessoas vivências humanas providas de maior responsabilidade e comprometimento para com o Outro; no capítulo dois da obra Modernidade Líquida de Bauman, temos a afirmação “neste mundo aquilo que tenha um propósito ou um uso não tem espaço” (BAUMAN, 2001). A sociedade capitalista implantou no cerne do ser humano o desejo de ter mais do que aquilo que possa lidar criativamente e com qualidade, um exemplo disso é a era da informação em que vivemos, graças ao advento da mídia televisiva e da internet, possibilitou ainda mais para o desenvolvimento da espécie humana, mas isso acabou por gerar pessoas temerosas em ter que perder a sua liberdade em prol de um relacionamento mais sólido.
A configuração de relacionamentos afetivos na pós-modernidade é de curto prazo pautado na individualidade podendo ser chamados de “relacionamentos virtuais” pois parecem ser feitos sob medida para este cenário líquido, relacionamento que antes era indesejáveis e impossíveis de se romper, na “rede” o ato de conectar e de excluir torna-se possível em uma capacidade silenciosa, estas conexões indesejáveis são rompidas sem que se torne detestáveis (BAUMAN, 2004).
A rede de internet, com seu muitos aplicativos de conversas e relacionamentos, contribui para que as pessoas se relacionem de forma que venha ter o mínimo de contato possível, os relacionamentos não podem colocar em risco a “identidade” e a “individualização”, por isso quando há uma relação que exige comprometimento ou é discordante dos ideais da pessoa opta-se por desfazer esses laços na mesma velocidade que se levou para criar, assim será para desfazer. “Você sempre pode apertar a tecla para deletar. Deixar de responder um e-mail é a coisa mais fácil do mundo” (BAUMAN, 2004, p. 61). A pós-modernidade é marcada por dispor a nós uma infinidade de informação e escolhas, seja comprar ou se relacionar, temos infinitas opções, isso gera a sensação de liberdade que nos é dada a todo momento, gerando infelicidade e angústia, não pela falta de escolhas, mas sim pelo excesso delas (BAUMAN, 2001).
Fonte: encurtador.com.br/rtLQ7
As relações afetivas duradouras passam a ser um objeto de pouca importância na sociedade pós-moderna pelo mesmo fato de que por haver muitas opções não há a necessidade de ser manter em um relacionamento por um longo prazo, isto demanda compromisso algo que é expurgado do mundo líquido (BAUMAN, 2001), pois compromisso remete a padronização ao sólido termo que foi derretido para dar lugar ao líquido. A obra Amor Líquido Bauman traz uma distinção entre amor e desejo para ele amor e desejo pode ser irmãos e que podem ainda ser gêmeos, mas nunca idênticos, univitelinos (BAUMAN, 2004). O desejo tem sido o “combustível” que move as pessoas em suas vidas por algo novo e que lhe proporciona muito prazer. Esse desejo, por vezes, permeia o vazio existencial dos indivíduos e em muito casos é visto dentro dos relacionamentos como amor genuíno. Contudo, há diferença entre eles: o desejo é egocêntrico, motivado para a saciedade de uma falta, já no amor a falta existe, mas não tem o objetivo central de ser saciada de forma intensa.
Segundo Colombo (2012) a vida moderna nos mostra que tudo é efêmero e em vão e que estamos inseridos em uma cultura regida pelo vazio que impulsiona as ações humanas na busca irrefreada do prazer e do poder. A sociedade consumista produz cada vez mais pessoas individualistas e narcisistas, apresentando o “ter” como algo de maior importância na nossa cultura ao mesmo tempo que desvaloriza totalmente o “ser” sendo em muitas das vezes algo que não deve ser levado em consideração, isso se mostra nos relacionamento humanos de hoje.
Esta característica torna-se difícil para que o homem pós-moderno crie relacionamentos duradouros e vínculos afetivos resistente, passa assim a almejar o poder e a liberdade que a consumo pode lhe proporcionar, através do modelo econômico capitalista, que redirecionou o foco de visão humano não sendo importante a durabilidade e qualidade, mas sim a facilidade de se adquirir e descartar. Nesta perspectiva as relações não são feitas para durar pois acabam por seguir o mesmo princípio do consumo dentro do capitalismo, (BAUMAN, 2004) compromisso a longo prazo se tornou um enfado para manter o convívio com o outro, a sociedade mantém longe o compromissos e também nos impede de exigi-los, Bauman (2004) nos traz o termo “relacionamentos de bolso” que seria usado em momentos casuais e sem nenhum problema tornaria a guardá-lo.
Fonte: encurtador.com.br/jNVW6
Este momento em que vivemos é a era da liquefação dos padrões de dependência e interação (BAUMAN, 2001) ou seja não temos mais o dever de nos mantermos reféns de padrões tão rígidos e delimitados como vivia as gerações passadas. O homem contemporâneo vivendo o deslumbre da liberdade que esta modernidade líquida oferece, passou se séculos de privações, sendo elas impostas pela sociedade ou pela religião (que tinha aspectos rígidos e sólidos e que reprimia este homem), passando a não ser mais reprimido podendo assim desfrutar de sua “liberdade”, essa liberdade chega também para os relacionamentos deste sujeito, não sendo necessário manter laços fortes com mais ninguém, pois isso implica na limitação ou perda deste bem conquistado.
“A Vida Líquida é uma vida de consumo” (BAUMAN, 2009, p. 16), esta vida a qual Bauman se refere apresenta uma característica bastante importante. O objetos passam a ter uma expectativa de vida útil limitada por isto não há uma preocupação em manter algo por muito tempo, pois pode ser trocado com total facilidade. Isto refletiu nos relacionamentos afetivos dos seres humanos, uma dinâmica voltada ao consumo não poderia priorizar o cuidado, a paciência, a tolerância, pois são virtudes que demandam tempo e o tempo para a Modernidade Líquida passa a ser visto de forma diferente algo que deve ser usufruído para manter a individualidade.
Os relacionamentos afetivos e amorosos, neste contexto descrito por Bauman (2004), transformam-se em bênçãos ambíguas que oscila entre o sonho e o pesadelo (amor), algo que pode ser o sonho por ser uma mercadoria de grande valor e que antes na sociedade sólida a característica de durabilidade era visto como parâmetro primal dentro dos convívio humanos. Esse sentido de durabilidade não nos atrai, mas sim o sentimento de pertencer a algo ou alguém; ao mesmo tempo, esse tipo de relacionamento é um pesadelo pois exige de quem o busca que coloque a sua liberdade e comprometimento com o Outro, tendo que se dedicar a manutenção constante desse relacionamento.
Referências
BAUMAN, Zygmunt. Amor Líquido: Sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Zahar, 2004. 133 p.
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. 258 p.
BAUMAN, Zygmunt. Vida Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2009. 210 p.
COLOMBO, Maristela. Modernidade: a construção do sujeito contemporâneo e a sociedade de consumo. Rev. bras. psicodrama, São Paulo , v. 20, n. 1, p. 25-39, jun. 2012 . Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-53932012000100004&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 11 nov. 2019.
DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo. Ed. Tradução de prefácios e versão par ebook. 2003 Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/debord/1967/11/sociedade.pdf . Acessos em 11 nov. 2019.
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Psicologia do Ceulp participa da Semana de Filosofia da UFT
O professor de Filosofia no curso de Psicologia, Sonielson Sousa, e os acadêmicos Mateus Aquino e Elisa Lopes, foram convidados para conduzir uma mesa redonda representando o Ceulp na Semana de Filosofia da Universidade Federal do Tocantins – UFT, que ocorre de 26 a 30 de novembro próximo, no Campus Palmas.
Fonte: Arquivo Pessoal
Os representantes do Ceulp irão abordar a interface entre Solidão e Depressão. Para tanto, terão como base teórica autores da Filosofia que dialogam com a Psicanálise e com o Existencialismo, duas linhas com forte representação no escopo das intervenções na Psicologia.
A mesa redonda vai ocorrer na noite de terça-feira, dia 27 de novembro, em sala e bloco a confirmar. O link para inscrições no evento será disponibilizado em breve.
Solidão e Depressão
Uma das patologias mais desafiadoras deste século, a depressão, resulta de interações que nem sempre se apresentam de forma clara, como uma gripe ou uma conjuntivite, por exemplo. Esta psicopatologia também está associada a um estilo de vida individualista, que isola o sujeito e enfraquece os laços sociais. De acordo com a Organização Mundial da Saúde – OMS, atualmente há em todo o mundo algo em torno de 350 milhões de pessoas acometidas por este mal, e entre os países em desenvolvimento, o Brasil é um dos que lideram a preocupante estatística. Estes dados também apontam a solidão – sobretudo a solidão urbana – como disparador do problema. Ainda de acordo com a OMS, as mulheres são mais afetadas, sobretudo porque se leva em conta o “peso” da “depressão pós-parto” nos números totais divulgados pela organização.
Algumas das mais comuns e recentes teorias que tentam explicar o “boom” de doenças como a depressão, acabam por apontar o atual estilo de vida pós-capitalista como o grande catalisador do problema. É o caso do incansável Zygmunt Bauman, que questiona insistentemente sobre “o que esperar de uma sociedade que ao mesmo tempo em que incentiva o constante esvaziamento dos espaços públicos, também (e paradoxalmente) desestimula os momentos de introspecção”.
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Como se sentem os professores do mundo líquido-moderno?
No presente ensaio, pretende-se explorar através do conceito de mundo líquido-moderno criado pelo sociólogo polonês Zygmunt Bauman, um panorama entre a dinâmica social atual e a realidade profissional dos professores da Educação Básica no Brasil. Em paralelo, a visão do sociólogo Richard Sennett e o conceito de corrosão do caráter serão empregados para elucidar a as relações de trabalho no capitalismo atual.
A sociedade pós-moderna tem como características principais a fluidez nas relações e a rapidez como as mudanças acontecem. Para viver na sociedade atual, os indivíduos devem, portanto, se adaptar rapidamente às mudanças e a capacidade de consumo sob o risco de serem ‘descartados’ como lixo caso não provem sua utilidade dinâmica. Porém, tamanha flexibilidade exigiria um custo sobre os valores pessoais dos indivíduos e seu caráter.
Assim como outros profissionais, os professores da Educação Básica no Brasil estão inseridos em tal dinâmica, que pode ser causadora de conflitos e adoecimento. A dinâmica atual se apresentaria como paradoxal para esses profissionais uma vez que, ao mesmo tempo que impelidos pela sociedade a buscar flexibilidade, volatilidade, satisfação imediata e consumo; encontram uma realidade com longas carreiras, um sistema rígido de normas e muitas vezes com baixa remuneração; estabelecendo um mal-estar generalizado, que favoreceria o acometimento por enfermidades mentais.
Fonte: https://goo.gl/7tB2xc
Professores do mundo líquido-moderno: um panorama de mal-estar
A sociedade atual se encontra em constante mutação, e a todos que vivem nela cabe uma parte nessas transformações. Vivemos em condições precárias de incerteza constante. A rapidez com que ocorrem as relações atuais torna a ideia de estar parado ou “ficar para trás” algo insuportável. Logo, todo aquele que não se recria, é descartado como lixo (BAUMAN, 2009).
Diante de tal realidade, a vida se torna algo cada vez mais desafiador, uma vez que pode ser comparada a uma dança das cadeiras. Os ganhadores do jogo garantiriam (mesmo que temporariamente) a chance de não ser descartados, enquanto os perdedores entram na categoria de “destruídos” (BAUMAN, 2009). Tal dinâmica também se aplica ao âmbito profissional.
Diante de uma tônica de descartabilidade, os compromissos revogáveis e fluidos orientam os engajamentos em novos contratos (BAUMAN, 2009). O capitalismo atual vive um momento caracterizado pela natureza flexível, que questiona as formas burocráticas e os significados da antiga dinâmica das relações de trabalho. A flexibilidade causaria uma sensação de constante ansiedade, uma vez que riscos e caminhos podem não ser compensados (SENNETT, 2009).
Fonte: https://goo.gl/EhQyhp
A flexibilidade causaria, portanto, um impacto no caráter pessoal, uma vez que este seria compreendido como um “aspecto a longo prazo de nossa experiência emocional […] expresso pela lealdade e o compromisso mútuo, pela busca de metas a longo prazo, ou pela prática de adiar a satisfação em troca de um fim futuro” (SENNETT, 2009, p. 10). Para tanto, as novas dinâmicas de trabalho favoreceriam aspectos contrários aos definidos como caráter: como relações de curto prazo, compromissos voláteis, e busca de satisfação imediata. No mundo líquido-moderno, lealdade é motivo de vergonha (BAUMAN, 2009).
Nesse panorama, como é estar na linha tênue entre a fluidez e ser um profissional em áreas que ainda exigem longas carreiras em uma mesma função? Que exigem lealdade e compromisso mútuo? Que valorizam o conceito de “caráter”? Esse é o caso de professores (as) da educação básica no Brasil.
Uma pesquisa realizada em 2015 pela especialista em educação, Ieda Benedetti, com professores da rede municipal, estadual e particular de Presidente Prudente (SP) apontou que a cada dez profissionais, dois tiveram que se afastar por problemas de saúde. Segundo a pesquisa, dos 1.203 trabalhadores, 276 deixaram de atuar por afastamento médico, cerca de 23%. Entre os profissionais estudados, a pesquisadora registrou que 26% dos afastamentos se deve por questões psiquiátricas, como estresse, fobias e síndrome do pânico. Para a pesquisadora, o principal motivo seriam os estresses causados ao longo dos anos em sala de aula (G1, 2015).
Fonte: https://goo.gl/yHy8Ai
Transformações sociais, políticas e econômicas de maneira brusca, lançaram novos desafios ao sistema de ensino e particularmente aos professores. Sua capacidade de resposta a uma realidade mutável e exigente, cobra dos professores um ajustamento às exigências sociais, profissionais e tecnológicas. A reação à realidade pós-moderna ‘colorida’ e ‘fluorescente’ seria de surpresa no inicio, mas depois, de tensão, desconcerto e agressividade, uma vez que esses profissionais não têm consciência da origem de tais mudanças (PICADO, 2007).
As instituições de confinamento dos corpos estariam sofrendo uma crise na relação com o mundo de fluidez e aceleradas desterritorializações, onde o homem disciplinado passa ao consumidor. A escola passaria para a qualidade de um mercado de serviços, projetos e produtos para seus usuários, sendo a capacidade de consumo dos modelos a referência para a ascensão ou fracasso no meio social. Na sociedade de ‘(in)formação’, os vetores sociais redimensionados são a aceleração, o isolamento, a individualização e a competitividade; de modo que o controle social se dá por meio das tecnologias de informatização e marketing, bem como capitalismo empresarial na lógica de curto prazo e mutante (HECKERT; ROCHA, 2012).
O novo capitalismo teria a capacidade de afetar o caráter dos indivíduos, não oferecendo condições lineares de vida (SENNETT, 2009), porém, exigindo uma vida de consumo, que molda o julgamento de tudo que existe como objetos a serem consumidos. Para tanto, os próprios indivíduos devem se apresentar como mercadorias, uma vez que demonstrar seu próprio valor de uso seria a única maneira de poder ter acesso a vida de consumo (BAUMAN, 2009). Tais aspectos se demonstram um problema na realidade atual de professores que tem perspectivas longas de carreira e salários aquém da realidade voraz de consumo.
fonte: https://goo.gl/wqZCNM
Segundo levantamento realizado pelo Inep no ano de 2017, Os professores da educação básica pública ganhavam, em média, R$ 3.335 no País, em 2014. A rede municipal, que concentra 59% dos professores da educação básica, é a que tem a menor média salarial, de R$ 3.116,35 por carga horária de 40 horas semanais. Porém, para Priscila Cruz, diretora do Movimento Todos pela Educação, os números médios em educação em um país de realidades diversas não dizem muito, pois colocaria no mesmo lugar professores iniciantes com profissionais de longa carreira, de modo a não retratar a realidade (ESTADÃO, 2017).
Os conflitos identitários envolvendo a carreira, a dicotomia em relação à configuração social e a configuração escolar, e uma possível inadequação à dinâmica de consumo geram consequências para o mal-estar docente. De acordo com Picado (2007) entre as decorrências da angustia dos professores estão, o desconforto e insatisfação frente aos problemas da prática docente; Desenvolvimento de inibição, como forma de cortar a implicação pessoal com o trabalho; Desejo de abandonar a docência; Esgotamento e cansaço físico permanente; Ansiedade, depressões, estresse e enfermidades mentais; e auto-depreciação e auto-culpabilização frente à incapacidade para melhorar a educação.
As visões de Bauman e Sennett sobre sociedade, capitalismo e trabalho, frente à realidade dos professores da Educação Básica no Brasil, refletem um panorama cada vez mais global e generalizado, o mal-estar. As inconstâncias passaram a ser a tônica da vida, e a nível profissional, afetando as mais diversas áreas.
Fonte: https://goo.gl/eCJuox
O não-ajustamento à dinâmica social atual fomentaria um sentimento de angústia generalizada, frente à impossibilidade de acompanhar as mudanças repentinas e bruscas, bem como a dinâmica capitalista atual de consumo extremo. O mal-estar docente frente a esses aspectos se torna um fator contribuinte para o aparecimento de transtornos e acometimentos psicológicos, minando a saúde mental desses profissionais da educação, causando consequências óbvias para a qualidade de ensino.
Políticas públicas que favoreçam a promoção de saúde mental para os professores da educação básica poderiam diminuir esse sentimento de mal-estar. A atuação de psicólogos nas escolas públicas com trabalhos voltados à saúde mental dos professores, mesmo que com diversas realidades, poderia ser fomentadora de autonomia e individuação para esses profissionais através de uma visão social-comunitária, uma vez que essa crise tem bases em aspectos sociais. Para tanto, é necessário que haja um engajamento com a realidade desses sujeitos, que há muito se encontram em situação de negligência perante o poder público.
REFERÊNCIAS:
BAUMAN, Zygmunt. Vida líquida. Zahar, p. 7-55, 2009.
SENNETT, Richard. A corrosão do caráter: impactos pessoais no capitalismo contemporâneo. São Paulo, Record: p.10-53, 2009.
HECKERT, A. L; ROCHA, M. L. A maquinaria escolar e os processos de regulamentação da vida. Psicologia & Sociedade 24 (n.spe): p. 85-93, 2012.
PICADO, L. ANSIEDADE, BURNOUT E ENGAGEMENT NOS PROFESSORES DO 1º CICLODO ENSINO BÁSICO: O Papel dos Esquemas Precoces Mal Adaptativos no Mal-Estar e no Bem-Estar dos Professores. Lisboa, Universidade de Lisboa: p. 61-73, 2007. Disponível em: < http://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/970/1/18809_ulsd_re146_Ansiedade.pdf>. Acesso em: 21 de mar de 2018.
G1 Presidente Prudente. Estresse é a principal causa de afastamento entre professores. Globo Comunicação e Participações S.A, 2015. Disponível em: <http://g1.globo.com/sp/presidente-prudente-regiao/noticia/2015/08/estresse-e-principal-causa-de-afastamento-entre-professores.html>. Acesso em: 21 de mar de 2018.
Estadão. Professor ganha em média R$ 3.335, diz Inep. Grupo estado, 2017. Disponível em: <http://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,professor-ganha-em-media-r-3335-diz-inep,70001854727>. Acesso em: 21 de mar de 2018.
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Redes de Proteção em uma Sociedade em “rede”: possíveis implicações ao Suicídio
O contexto atual da sociedade reflete corretamente a liquidez apontada por Bauman (2001). Instituições, crenças e relações se modificam constantemente, gerando certa insegurança quanto ao que pode suceder a qualquer dessas instâncias. Simultaneamente, amplia-se a possibilidade de comunicação à distância, sobretudo virtualmente, acrescentando uma peculiaridade à conjuntura contemporânea: o uso de redes sociais tomando, aceleradamente, o lugar de relações pessoais próximas e corroborando com a fluidez pois, ao mesmo tempo em que possibilitam certa “aproximação”, também facilitam a “dissolução” dos contatos.
Com base no pressuposto de que as relações pessoais recíprocas são fatores de proteção ao sujeito – ou seja, contribuem à saúde física e mental –, aborda-se a contribuição do contexto descrito no desencadeamento de fatores de risco para o suicídio. A despeito da abundância de comunicação/informação disponível na contemporaneidade, quando se trata do tema suicídio as massas se calam. Em vista dos sentimentos gerados pela dor da perda e do estigma causado aos familiares e comunidade, no que tange aos motivos que levam o sujeito a cometer tal ato, percebem-se grandes dilemas causados por essa sociedade do excesso e da volatilidade.
Fonte: goo.gl/M3XTBz
Faria e Souza (2011, p. 37) indicam que “A essência da identidade constrói-se em referência aos vínculos que conectam as pessoas umas às outras e considerando-se esses vínculos estáveis”. Na sociedade atual, em virtude dos inúmeros modelos identitários disponibilizados (ou impostos) – bem como pela sua volubilidade – e preponderância de vínculos impessoais, questiona-se: como pode-se construir uma identidade sólida? E quais as consequências ao sujeito mediante tais instabilidades?
Fonte: goo.gl/BpuqRy
Diante do cenário traçado, convém destacar os números disponibilizados pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e Ministério da Saúde do Brasil. Estima-se que
804 mil pessoas tenham se suicidado no mundo em 2012 […], [sendo] 2.200 casos por dia, um a cada 40 segundos.
[No Brasil], entre 2002 e 2012, a taxa de crescimento dos suicídios em todo o país (33,6%) é superior à do crescimento da população no mesmo período […] (TRIGUEIRO, 2015, p. 20, 27).
Os dados são alarmantes e refletem apenas os casos notificados. Uma vez que é um tema delicado, e em muitos lugares considerado até como um crime, as estatísticas são ainda maiores. Voltando-se à proposição dos vínculos pessoais reais como fatores de proteção, é feita uma análise mais detalhada da virtualização dos relacionamentos em detrimento dos contatos estreitos, bem como o desenvolvimento de fatores predisponentes do suicídio.
Considerando a relevância dos relacionamentos interpessoais, poder-se-ia afirmar que atualmente a expansão das redes sociais contribui para que as pessoas estejam cada vez mais interligadas, independentemente da distância geográfica. Contudo, tal constatação é apenas em parte verdadeira.
Os avanços tecnológicos têm possibilitado a comunicação instantânea entre partes distintas do globo. No entanto, a despeito da velocidade e quantidade de comunicação à distância, questiona-se o caráter das relações que se constituem nesse contexto. Escritores como Zygmunt Bauman (1998 apud SMEHA; OLIVEIRA, 2013) pontuam a ausência de relacionamentos verdadeiros enquanto resultado do medo de lidar com aspectos difíceis que os tais podem oferecer. Aqui a comunicação virtual seria preferível por manter-se uma distância “segura” e facilitar a exclusão das relações insatisfatórias (BAUMAN, 2010 apud MARTINS, 2013). Contudo, ainda que desafiadores, um dos fatores de proteção mais relevantes ao sujeito são os relacionamentos próximos e recíprocos. Estes contribuem à constituição da identidade do sujeito e, consequentemente, ao melhor enfrentamento de possíveis adversidades. Acrescenta-se a premissa de Berkeley (1710 apud PINTO, 2008), que as características pessoais individuais são conferidas pelo outro, acentuando o papel das relações pessoais.
Fonte: goo.gl/95dASd
Para além de facilitadores da comunicação, as mídias sociais, especificamente – mas podendo-se destacar também os apetrechos tecnológicos utilizados para o acesso àquelas -, constituem-se como bens de consumo. Seguem a lógica de disseminar modos de ser e viver que devem ser “adquiridos” por todos. Há uma identidade e um senso de pertencimento atrelados às tais (THOMPSON, 2008, apud TASSO; NAVARRO, 2012). E como bens a serem consumidos, são constantemente substituídos por outros mais “atualizados” e “adequados”.
O impasse dessas novas configurações reside no impacto das tais sobre a identidade. Se a pós-modernidade favoreceu o distanciamento das relações, somado ao que se oferece no mundo virtual, não há bases para a constituição de uma identidade, diga-se “segura”, no que tange a um suporte para melhor enfrentamento de crises. Primeiro, pela ausência de vínculos pessoais reais; e, segundo, pela instabilidade dos modelos oferecidos pelas mídias. Na conceituação de Bauman (2004a apud LEITE, et. al., 2016, p. 6), trata-se de um contexto de liquidez, “[…] onde tudo é temporário, e […] como os líquidos, ela caracteriza-se pela incapacidade de manter a forma. […] Quadros de referência, estilos de vida […] e convicções mudam antes que tenham tempo de se solidificar em costumes”.
Pesquisas comprovam que o gasto excessivo de tempo nas redes sociais favorece o sentimento de solidão e baixa autoestima (PAMOUKAGHLIAN, 2011 apud PIROCCA, 2012). A insatisfação a priori em áreas da vida também pode intensificar o uso das mídias, por implicar na ausência de habilidades para enfrentar contrariedades (BREZING, et. al., 2010; YOUNG, et. al., 2010 apud PIROCCA, 2012). Percebe-se, então, uma influência mútua entre ausência de suporte social e utilização exacerbada de redes sociais. Sem relacionamentos pessoais sólidos, aliado à fluidez dos modelos com os quais se mantém maior contato – através das mídias sociais –, tem-se um ambiente propício ao surgimento de distúrbios no funcionamento social e psíquico.
Um dos fatos extremos que podem ser desencadeados a partir do isolamento social e sentimento de inferioridade é o suicídio. No entanto, ressalta-se que tal ato não pode ser reduzido apenas aos aspectos supracitados – visto que é um fenômeno complexo –, tampouco ser entendido como consequência inevitável do uso excessivo das redes sociais. No entanto, restringe-se essa discussão à relação entre o suicídio e os efeitos da virtualização das relações pessoais.
Fonte: goo.gl/jnFQua
O suicídio é um problema de saúde pública que registra altos índices de ocorrência em diversos países. Entretanto, os tabus que o cercam – como o “contágio” – e as consequências do ato (ou da tentativa) à família e sociedade como um todo, dificultam a abordagem ao tema e consequente proposição de medidas efetivas de prevenção.
Indivíduos que gastam horas a fio em redes sociais virtuais e aplicativos possuem baixa ou nenhuma satisfação com o mundo físico, isolando-se no mundo virtual. Em se desenvolver, dentre outros, a solidão, estão mais propensos a colocarem um fim na própria existência. Trigueiro (2015, p. 87), questiona “em que medida esse contexto agrava angústias existenciais e, em alguns casos extremos, leva […] a um ato tão desesperado como o autoextermínio?”.
O autor supracitado enfatiza a difusão de aparelhos tecnológicos facilitadores do acesso às redes sociais. Atualmente, é praticamente impossível encontrar alguém que não possua (ou deseje) um desses aparatos. Aqui também reside um outro fator de risco, o status conferido pelo consumo dos referidos objetos. Não consumi-los, bem como às referidas mídias, é quase um sinônimo de não existir, implicando no sentimento de inferioridade decorrente da exclusão. O outro extremo, do consumo excessivo, como já foi evidenciado, também produz implicações ao sujeito.
Ao contrário do que acontece nas redes sociais virtuais, as relações sociais presenciais inevitavelmente requerem um sólido compromisso entre as pessoas envolvidas. Tal compromisso, sendo aprazível, torna-se um fator que diminui a possibilidade do suicídio. Ornish (1998) afirma a relevância dos vínculos sociais, considerando que influenciam sobremodo a saúde física e psicológica do sujeito. O autor elenca uma série de estudos científicos fidedignos, ambos comprovando os efeitos positivos de relacionamentos estreitos e satisfatórios. Sem vínculos importantes, até mesmo para dividir as adversidades, a morte pode ser vista como mais significativa, em detrimento de enfrentar as contrariedades.
Fonte: goo.gl/ocMKeS
Leandro Karnal expressa em vídeo (PROVOCAÇÕES FILOSÓFICAS, 2016) o caráter desatento das relações, onde “ninguém ouve ninguém”. Em meio à “correnteza” da sociedade líquida, as relações, quando aparentemente “próximas”, são apenas episódicas e superficiais, não deixando, portanto, nenhuma consequência no que tange à reciprocidade (BAUMAN, 2007). Essa fragilidade dos vínculos e até a sua ausência tem sido associada a inúmeras patologias orgânicas e, como já mencionado anteriormente, pode predispor condições que levem ao ato extremo de autoextermínio.
Tendo sido evidenciados os aspectos negativos, destaca-se dados relevantes que associam o “outro” à proteção contra o suicídio. A partir de um site de pesquisas, Trigueiro (2015, p. 62) lista dados obtidos por Durkheim (1897):
Taxas de suicídio são maiores entre homens do que mulheres (embora mulheres casadas que permanecem sem filhos por alguns anos registrem taxas altas de suicídio).
Taxas de suicídio são maiores entre solteiros do que casados.
Taxas de suicídio são maiores entre os que não têm filhos do que os que têm.
Taxas de suicídio são maiores entre soldados que civis.
Taxas de suicídio são maiores em tempos de paz do que em períodos de guerra.
Estudos mais recentes, por sua vez, têm mostrado que o número de filhos também tem papel importante ao diminuir a possibilidade de autoextermínio por parte dos pais; ter um filho pequeno parece ser um significante fator protetor para mulheres; e mulheres grávidas têm um menor risco de suicidarem do que mulheres em idade fértil que não estão grávidas (REDUCING SUICIDE, 2002). Percebe-se como o “outro” possui um papel protetor ao sujeito, não apenas nas interações familiares mas também nas demais relações sociais. Ornish (1998) salienta que o contato próximo e frequente com amigos, familiares, comunidades religiosas, dentre outros, apresenta efeitos positivos extremamente relevantes a quadros em que já há patologias orgânicas e também na proteção contra as tais. Pode-se então alargar essas proposições, atestando o poder dos vínculos contra uma atitude drástica como o suicídio.
É evidente o papel protetor e acolhedor de relações interpessoais para lidar com os mais diversos problemas. Diversos estudos evidenciam que pessoas cujos relacionamentos são fortes e diversos podem lidar melhor com várias tensões como luto, estupro e doenças físicas, além de desfrutarem de saúde psicológica melhor. Assim sendo, o apoio social amortece potencialmente os efeitos de eventos negativos que poderiam resultar em suicídio (REDUCING SUICED, 2002).
Fonte: goo.gl/CsEbSR
Considera-se que o excesso em meios virtuais contribui ao enfraquecimento de relacionamentos sociais e também pode resultar deste. A crítica feita no decorrer do presente trabalho não implica em que se deva abolir o uso de redes sociais, visto que não se pode relegar suas contribuições à própria comunicação entre pessoas. E, como já foi mencionado, não se deve reduzir o suicídio a uma única explicação, como simplesmente pela ausência de relacionamentos satisfatórios. Semelhantemente, entende-se que a prevenção ao ato implica em uma gama de fatores, não apenas relacionais. Contudo, para os fins propostos a este trabalho, propõe-se que sejam priorizadas interações reais e recíprocas, considerando seus efeitos à saúde como um todo. Nas palavras de Ornish (1998, p. 30) “Quando nos sentimos amados, bem cuidados, apoiados, e íntimos, temos maior probabilidade de ser feliz e de ter saúde [– mental, física e espiritual]”.
REFERÊNCIAS
BAUMAN, Z. A vida fragmentada: ensaios sobre a moral pós-moderna. Lisboa: Relógio d’Água, 2007.
BAUMAN, Z. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001. [digital]. Disponível em: <https://vk.com/doc259715455_314878368?hash=7ed08d30138922e147&dl=ce61f64b4afd45294f>. Acesso em: 21 mai. 2017.
FARIA, E. de; SOUZA, V. L. T. de. Sobre o conceito de identidade: apropriações em estudos sobre formação de professores. Psicologia Escolar e Educacional. (Impr.), Maringá, v. 15, n. 1, p. 35-42, 2011. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-85572011000100004&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 20 mai. 2017.
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LEITE, E. L., et. al. A superficialidade das relações na contemporaneidade. V Congresso em Desenvolvimento Social. 2016. Disponível em: <http://www.congressods.com.br/index.php/anais-gt-05>. Acesso em: 15 mai. 2017.
MARTINS, L. J. O papel das mídias sociais na construção da identidade social do sujeito pós-moderno. 2013. Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização). ROCA. Universidade Tecnológica Federal do Paraná.
ORNISH, D. Amor e Sobrevivência: a base científica para o poder curativo da intimidade. Trad. Aulyde S. Rodrigues. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.
PINTO, J. Fraturas do linear e a cultura das redes. Psicologia em Revista, Belo Horizonte, v. 14, n. 2, p. 221-226, 2008. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1677-11682008000200015&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 20 mai. 2017.
PIROCCA, C. Dependência da internet, definição e tratamentos: revisão sistemática da literatura. Lume – UFRGS. 2012. Disponível em: <http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/40120>. Acesso em: 16 mai. 2017.
NINGUÉM ouve ninguém. Leandro Karnal em Palestra para XVI Encontro Paulista de Farmacêuticos. Canal Provocações Filosóficas. YouTube. Disponível em: <https://youtu.be/O_KuOYHIaX8>. Acesso em: 21 mai. 2017.
SMEHA, L. N.; OLIVEIRA, M. V. de. Os relacionamentos amorosos na contemporaneidade sob a óptica dos adultos jovens. Psicologia: Teoria e Prática, São Paulo, v. 15, n. 2, p. 33-45, 2013. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-36872013000200003&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 20 mai. 2017.
TASSO, I.; NAVARRO, P., (orgs). Produção de identidades e processos de subjetivação em práticas discursivas [online]. Maringá: Eduem, 2012. Disponível em: <http://static.scielo.org/scielobooks/hzj5q/pdf/tasso-9788576285830.pdf>. Acesso em: 20 mai. 2017.
TRIGUEIRO, A. Viver é a melhor opção. 1 ed. São Bernardo do Campo: Correio Fraterno, 2015.
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O suicídio como consequência de uma sociedade imediatista
A contemporaneidade está marcada pelo imediatismo e fluidez em sua organização (BAUMAN, 2001). O ser humano não pode parar, não pode adoecer, não pode deixar de produzir e mais que isso, precisa produzir com rapidez, muitas vezes deixando de respeitar o próprio corpo, indo para além do seu limite. O sistema vigente influencia significativamente para essa produção alienante e adoecedora, porque quanto mais se trabalha, mais aquisições o indivíduo conseguirá ter: celular, carro, televisão, imóveis, roupas de marca e afins.
Ao dispor tempo e energia numa sociedade que valoriza o “ter” mais que o “ser”, o sujeito se vê isolado numa trajetória em que os relacionamentos são cada vez mais descartáveis e menos duradouros. A solidão assombra o território social, trazendo consigo um vento sorrateiro de suicídios cada vez mais intensos, que segundo Durkheim (1958-1917) seria a expressão individual de um fenômeno coletivo, sustentado por um conjunto de fatores sociais.
“Numa sociedade que exalta obsessivamente um determinado padrão (jovem, belo, alegre, saudável e forte), o aparecimento das rugas e cabelos brancos pode abalar a autoestima” (TRIGUEIRO 2015, p. 79). Esse fenômeno conhecido como idadismo que é a desvalorização do velho em nossas sociedades atuais, como explica a doutora em sociologia Giselda Castro (apud TRIGUEIRO 2015), contribui para o isolamento e desvalorização do indivíduo à medida que este vai ficando idoso.
“A solidão é dolorosa”, este termo, utilizado por Dean Ornish (1999) em seu livro Amor & Sobrevivência: a base científica para o poder curativo da intimidade levanta hipótese sobre se o amor teria poderes curativos e revitalizadores a ponto de empoderar o sujeito a rejeitar pensamentos suicidas. Segundo o mesmo autor, o amor, este apoio social, os sentimentos que perpassam nas relações, a intimidade, os cuidados de uns para com os outros, influenciam significativamente a saúde e a felicidade do sujeito. “É menor o risco de adoecer e, se adoecer, é maior a chance de sobreviver.” (p.32).
FLUIDEZ
A sociedade contemporânea está fundamentada na cultura do imediato, cujas relações sociais são voláteis, marcadas por mudanças efêmeras em que nada é feito para durar. Dessa forma, a pós-modernidade concebe cada vez mais sujeitos fragmentados, imersos na própria busca de um prazer supremo e individual, em que pouco se percebe a figura do outro.
É a fluidez que permeiam os relacionamentos onde cada um assume a forma conforme o contexto inserido, sem a rigidez de regras de conduta ou de relacionamento. É característica marcante da sociedade contemporânea. É a era da digitalização da tecnologia em que é possível aproximar quem está longe, mas que distancia quem está perto. Bauman (2001) cunhou o nome desse conjunto de características sociais de modernidade líquida em que a dimensão do tempo é fragmentada e o resultado é, que não há tempo para estreitar os relacionamentos. Estes por sua vez, perderam a qualidade e a solidez, pois, a impressão de sempre estar à espera de algo melhor faz com que se abra mão dos relacionamentos, quase que na mesma velocidade dos produtos descartáveis e industrializados tão presente na vida atual.
Dificilmente se conserta algo, é muito mais vantajoso adquirir um mais novo e mais moderno. À medida que algo vai sendo superado por um modelo mais avançado, vai sendo encostado e isolado. Deixado para trás. O apego passa a ser pelas “coisas” enquanto que as pessoas são valorizadas conforme suas posses e posições sociais. O afeto é mecânico. A solidão se instaura.
Fonte: https://goo.gl/zbZuzc
Nesse cenário observa-se um indivíduo disposto a aderir às obrigações que lhes são impostas, sujeitando-se ao desgaste físico e psicológico para fazer parte da sociedade atual, com qualidade mínima ou nenhuma de sua saúde mental. Mesmo havendo novas formas, tipos e situações de trabalho, muitas delas são pautadas em modelos antigos de serviço, sem a valorização e conscientização adequada para este empregado. Dessa forma “os novos problemas de saúde do trabalhador devem-se a velhas razões”. (GIBERT, CURY, 2009 apud SATO, 2002)
Essa falta de percepção torna-se um mecanismo de manutenção dos sentimentos de desamparo e isolamento. Visto que, o sujeito por não ser notado pelos demais perde a crença de que é amado, compreendido e respeitado. Aos poucos, ele tende a perder o sentido de pertencimento, de fazer parte de uma comunidade. Sem esta noção de apoio social, o sentimento de solidão aumenta as chances de suicídio.
De acordo com o sociólogo Émile Durkheim (2000, p.14), o suicídio é “todo o caso de morte que resulta, direta ou indiretamente, de um ato, positivo ou negativo, executado pela própria vítima, e que ela sabia que deveria produzir esse resultado”. Nessa perspectiva, deve-se levar em consideração tanto questões sociais quanto psicológicas (próprias da subjetividade de cada um) porque segundo Camon (1997) a sociedade influencia significativamente os pensamentos intentos suicidas, já que engloba as relações interpessoais, mercado de trabalho, competitividade, visto que mesmo sendo um ato individual, “com sua morte o suicida não nos diz somente que já não suportava mais. Também fala de nós (sociedade). Demonstra, por um lado, que não pode continuar nos tolerando.”
Esse sujeito adoecido, fragilizado e não valorizado tende a apresentar a saúde mental vulnerável, assim sendo, muitas doenças físicas e psíquicas tornam-se mais propensas a emergir nesse ínterim. Os trabalhadores não conseguem mais ter forças e condições para trabalharem com qualidade e precisam se isolar dessa rotina alienante e desgastante. Consequentemente, quando não há busca por ajuda, transtornos como Distúrbio Depressivo Maior, Psicose Maníaco-Depressiva, acabam sendo fatores de riscos notáveis para o comportamento de ideação suicida. (OMS, 2006) “A depressão, ou o “mal do século”, atinge mais de 350 milhões de pessoas em todo o mundo” (TRIGUEIRO, 2015), levando algumas vezes as ideações ou intentos suicidas, e em outras vezes, a concretização fatídica do ato.
Sendo assim, o suicídio passa a ser a saída que muitos encontram para “resolverem” seus problemas, acabarem com seus sofrimentos. O suicídio surge então como uma ruptura social, ou seja, “no suicídio mesmo sendo um ato individual, há a presença da sociedade a que pertence” (DURKHEIM, 2000 apud CARDIM, s/d). Ao apresentar três grupos de potenciais suicidas, Durkheim coloca o suicida egoísta, caracterizado pelo isolamento, solidão, sem laços sólidos social; o suicida altruísta, aquele que é extremamente ligado à sociedade e o suicida anômico que diz respeito àqueles que não sabem aceitar os limites morais que a sociedade impõe e tem dificuldade de cumprir normas. Perante essas categorias de pessoas fica registrado que desde o século XIX, época em que viveu Durkheim, que a solidão, a falta de amigos, família ou demais laços sociais pode ser o gatilho do próprio fim.
Fonte: https://goo.gl/K3AcZH
Nesse sentido, relacionamentos íntimos duradouros pautados no amor, ou seja, apoio social, como diz Dean Ornish (1998) pode apresentar o poder curativo de muitos males, dentre eles, a vontade de morrer. Ele explica:
A percepção consciente é o primeiro passo da cura, tanto para indivíduos como para a sociedade. Às vezes o cérebro precisa ser satisfeito antes de o coração começar a abrir. Para muitos pesquisadores, “o amor” pode ser uma palavra sem importância e “um coração aberto” é o que acontece durante uma cirurgia de ponte de safena. Em vez disso, o cientistas usam outros termos como apoio social, intimidade, hostilidade, depressão, raiva, cinismo e assim por diante (…). Acredito que esses termos e perspectivas diferentes partilham de um sentimento partilham uma raiz comum: amor (…) Quando nos sentimos amados, bem cuidados, apoiados e íntimos, temos maior probabilidade de ser feliz e de ter saúde.É menor o risco de adoecer e, se adoecer, é maior a chance de sobreviver. (p. 38)
O isolamento social é portanto uma das consequências dessa rede social extremamente delicada e frágil. O indivíduo se sente só, sem sistemas de apoios para ajudá-lo, por conseguinte, apresenta níveis de informações prejudiciais para lidar com o seu sofrimento. Isso tudo fomenta ainda mais tal isolamento. “O isolamento social gera stress, que, por sua vez, traz comorbidades (como por exemplo a depressão, já citada anteriormente) que agravam ainda mais o quadro e podem levar este paciente à ideação suicida” (ALMEIDA et. al, 2014, p. 182, grifo nosso).
Em uma sociedade cuja base está na cultura do imediatismo, da liquidez dos relacionamentos bem como, a superioridade do “ter” em detrimento do “ser”, torna-se comum, a presença de sujeitos que ao se depararem com a agitação, de um mundo cheio de adversidades vão sempre em busca de realizações e respostas instantâneas. Os indivíduos, muitas vezes, voltam seus olhares para si, e se esquece da convivência com o outro, pessoas que são únicas e singulares. Vivem mais as relações EU-ISSO e não procuram viver relações EU-TU (CAMON, 1997), o que acaba por auxiliar na instauração do isolamento social, que por sua vez, eleva as chances de suicídio.
Insta pontuar que o ato suicida diz respeito tanto às questões próprias do indivíduo, quanto as da sociedade em que ele está inserido. Por isso, é de suma importância que se dedique tempo as relações sociais, tornando-as sólidas e íntimas. Para que assim, as pessoas possam se sentir amadas, apoiadas e compreendidas, contribuindo de forma preventiva e/ou de redução das ideias suicidas.
Como exposto por Dean Ornish (1999): “A solidão é dolorosa”, por isso deve-se preservar relacionamentos, vínculos sociais e a intimidade. Assim como abordado no livro Amor & Sobrevivência foram realizadas pesquisas mostrando que o vínculo afetivo, apoio social, amor e a convivência são de grande relevância para o indivíduo, tendo até mesmo um poder curativo.
Assim, por meio de uma rede fortalecida, seria possível eliminar os altos índices de suicídio? Para os próximos saberes, sugere-se a implementação de mais estudos e pesquisas que incentivem o conhecimento a respeito dessa área, investigando, também, mais fatores que possam estar influenciando de forma crescente o suicídio. Vale ressaltar, a importância de promover mais reflexões sobre o assunto para que consigam alcançar um número maior da população que sofre dos males citados no decorrer deste trabalho, tudo isso visando a redução de danos e concomitantemente, o aumentando a prevenção as ideações.
REFERÊNCIAS:
ALMEIDA, Anele Louise Silveira de, et. al.ISOLAMENTO SOCIAL E IDEAÇÃO SUICIDA EM PACIENTES COM TRANSTORNO OBSESSIVO-COMPULSIVO. Revista Cesumar: Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, Maringá (PR), Brasil. v. 19, n. 1, 2014.
ANGERAMI-CAMOM, Valdermar Augusto. Suicídio: Fragmentos de Psicoterapia Existencial. Pioneira, 1997.
BAUMAN, Z. Modernidade Líquida. Ed. Zahar, 2001.
DURKHEIM, Emile. O Suicídio: Estudos de Sociologia. São Paulo, Martins Fontes, 2000.
OMS. Organização Mundial de Saúde. PREVENÇÃO DO SUICÍDIO UM RECURSO PARA CONSELHEIROS. 2006.
ONISH, Dean. Amor & Sobrevivência: A base científica para o poder curativo da intimidade. Rocco, 1999.
PEREZ GIBERT, Maria Agnes e CURY, Vera Engler.Saúde mental e trabalho: Um estudo fenomenológico com psicólogos organizacionais. Bol. psicol [online]. 2009, vol.59, n.130, pp. 45-60. ISSN 0006-5943.
TRIGUEIRO, André M. Viver é a melhor Opção: A prevenção do suicídio no Brasil e no mundo. São Bernardo do Campo, SP: Correio Fraterno (2ªed.), 2015.
A resenha desenvolvida a seguir, tem como objetivo principal descrever alguns pontos demarcados como preponderantes, bem como trazer reflexão e ao final fazer um apanhado geral, com base no livro Amor Líquido – Sobre a Fragilidade dos Laços Humanos, de Zygmunt Bauman. Segundo o sociólogo polonês Bauman, vivemos na era da modernidade líquida, que é uma continuidade ou uma fase posterior a chamada modernidade sólida. A modernidade líquida é uma época de fluidez, incerteza e insegurança, onde os indivíduos não possuem mais lugares pré-estabelecidos para se situar no mundo, e com isso devem lutar por si mesmos para se encaixar numa sociedade que está cada vez mais seletiva e propensa a mudar com rapidez e de forma imprevisível.
Fonte: http://zip.net/bmtMZf
No livro Amor Líquido, o autor expõe suas ideias sobre os efeitos da modernidade líquida nas relações humanas, investigando e procurando esclarecer os sentimentos de insegurança inspirados pelo processo de individualização que acabam levando a fragilidade dos vínculos humanos. O relacionamento é o destaque do livro. As relações amorosas, os vínculos familiares e até mesmo os relacionamentos em “redes”, segundo Bauman, estão se tornando cada vez mais flexíveis e volúveis. Nesta obra, Zygmunt Bauman disserta sobre como o amor se tornou apenas mais um objeto de consumo, tal afirmativa é nitidamente explícita no livro, como o próprio autor mesmo define “o consumo está cada vez mais rápido, fácil e descartável”.
Os seres humanos estão dando mais importância a relacionamentos virtuais, que podem ser desmanchados com muita facilidade e a qualquer momento. Essas conexões que são estabelecidas por seres á distância podem ser rompidas muito antes que se comece a detestá-las. Ao contrário dos relacionamentos “reais”, é fácil entrar e sair dos relacionamentos virtuais, atualmente. Nesse contexto, a relação social, pautada em uma responsabilidade mútua entre as partes que se relacionam é trocada por outro tipo de relação que o autor chama de conexão. Ele tira esta palavra das análises de relacionamentos em sites de encontros. Em suas pesquisas ele percebe que a grande vantagem dos sites de encontros está na facilidade de deixar o outro de lado.
O relacionamento se torna frágil, na modernidade líquida, devido à facilidade de não haver responsabilidade de ambas as partes, em não haver pressão entre os parceiros. Ambos ainda podem, sem o menor remorso, trocar seus companheiros por outros melhores, mais “atualizados”. Em uma entrevista realizada a respeito da crescente popularidade do namoro virtual, um jovem de 28 anos apontou a vantagem de se ter uma relação através da internet: “sempre se pode apertar a tecla de deletar”. Tal declaração reforça a ideia da facilidade que se possui do termo ‘conexão’, ou seja, a qualquer momento você pode simplesmente se desconectar e ter a opção de partir, ou não, para outro relacionamento.
Fonte: http://zip.net/bttNPm
Em geral, os relacionamentos estão sendo tratados como mercadorias. Se existe algum defeito, podem ser trocadas por outra, porém, não existe a garantia de que gostem do novo produto. Não gostou? pode trocar, assim ninguém sofre. A sociedade está atualizando sua forma de se relacionar, onde os seres humanos estão cada vez mais fragilizados e desumanos. A confiança no próximo está cada vez mais frágil e próxima de terminar definitivamente.
Bauman fala sobre a dificuldade da humanidade de amar o próximo. No livro é dito que as pessoas só conseguem amar, quando o outro não difere muito do que se acredita que seja o ideal. Mais difícil ainda é amar o próximo do qual não se pode ver evidências de que tenha consideração, e ter certeza de que quando lhe convier não dirá injúrias e difamação pelas costas. Para que aja esse amor, é preciso que mereça de alguma forma. Amar alguém só pelo que ela é não é conveniente.
O amor próprio entra nessa questão, pois para termos, é preciso que sejamos amados primeiro, e é a partir do amor que é oferecido por outros que se constrói o próprio, diferentemente dos animais que não necessariamente necessitam deste, pois não necessitam dele para ensinar que manter-se vivo é a coisa certa a se fazer. O amor próprio pode ser bom, pois nos estimula a passar pelas adversidades da vida, mas também pode ser traiçoeiro quando se acredita que a vida que leva não é o que julga ser merecida.
Amar o próximo inclui aceitá-lo na sua singularidade. Bauman lembra os refugiados que são expulsos de seus países de origem, e sua entrada é recusada em qualquer outro lugar. As pessoas usam justificativas como as de tomadas de emprego para despejarem seus medos e ansiedades em cima destes. O governo fala em flexibilidade de trabalho, mas é o primeiro a condená-los, os confinando em lugares isolados para não os colocar na vida econômica do país.
Os refugiados que não conseguem se transformar em cidadãos são estereotipados, designados a papeis sociais desagradáveis, sendo vistos sempre como um problema e tratados como tal. Depois do ataque do 11 de setembro o preconceito a estes se solidificaram, agora com a justificativa de supostos terroristas. E é assim que as coisas se dão quando não se sabe lidar com as diferenças, nas quais não dão o trabalho de tentar descobrir e entender o “mundo” do outro.
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A tendência deste mundo líquido é sempre desprezar aquele que pensa e age diferente. A cultura, as crenças e os hábitos do outro não cabem neste território, se ele está aqui, tem que seguir as crenças vigentes e abandonar aquelas que um dia foi dele. Apenas uma verdade é absoluta, e não a do outro que são apenas opiniões. Há uma grande dificuldade de tratar um estranho com humanidade, de ter empatia e entender a situação em que ele se encontra, não apenas falar mais agir de acordo com as palavras.
No livro também fala sobre essa segregação que se faz nas cidades, e ao invés de criar passagens acessíveis e locais de encontro para facilitar a comunicação entre os habitantes, fazem o contrario e dividem, criando a ilusão que precisam defender-se uns dos outros como se fossem adversários. Constroem fortalezas em volta da elite, onde possam apreciar sua independência física e isolamento, longe dos “enclaves extraterritoriais” citado no texto. Portanto segregar fragiliza ainda mais os laços humanos.
Por fim, a partir do sucinto resumo do livro, levando em consideração os pontos mais relevantes a partir do olhar das acadêmicas, e com base em demais artigos lidos para melhor entendimento do tema exposto, é possível adentrar num processo de reflexão mais abrangente e crítico a respeito dessa pós-modernidade denominada por Bauman como Líquida. Possivelmente não seria inusitado que toda essa problemática que o capitalismo trouxe, como por exemplo: a dependência das redes sócias, o consumismo desenfreado, a busca por felicidade insaciável, as propagandas incentivadoras de um corpo ideal, uma vida perfeita, um relacionamento dos sonhos, uma trilha imensa em busca de procurar ser ou ao menos parecer alguém que tanto é colocado como um padrão a seguir.
E isso, é claro causa um efeito devastador e que nem sempre é positivo para a construção e estabilidade emocional de um indivíduo, e que, por conseguinte ocasionaria também impacto na inter-relação dos indivíduos, fomentando também nesse “amor líquido”.A falta/enfraquecimento de autonomia dos indivíduos tem sido causa de grande parte dos conflitos, principalmente ao tocante as relações sociais, pois o indivíduo passa agir de forma impensada, imatura, ou até mesmo influenciada pelas inúmeras contingências ao seu redor, seguindo o que a sociedade coloca como exemplo, atuando diante das situações a partir de um modelo já estereotipado, deixando de lado todo seu contexto histórico e singular.
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Redirecionando esse contexto para a psicologia, é possível observar outro lado, que nem sempre esses conflitos vistos como negativos causam dano à vida do indivíduo, pois considera-se que algo só é danoso para determinado indivíduo, quando o mesmo se encontra em estado de sofrimento. Contudo, é de suma importância averiguar sempre o contexto em que as situações ocorrem, para então se respaldar de forma mais plausível e congruente, de forma a compreender a origem de tais comportamentos e assim, poder contribuir ajudando esse indivíduo a encontrar a solução, utilizando-se de estratégias, caso o mesmo esteja sofrendo por essa fluidez líquida.