Entorpecidos por desempenho: exaustos e dopados na sociedade do trabalho

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O sofrimento oriundo do “famoso” desempenho no trabalho hoje se eterniza mais que uma categoria a ser estudada pela psicologia, mas também como uma chave para ser entendida e percebida em uma dimensão subjetiva e com significado e sequelas bem mais profundas do que se imagina. Toda a exaustão provocada pela eterna necessidade de fazer acontecer no ambiente laboral tem tomado de contas da vida do sujeito trabalhador e por que não dizer do seu ser?

A cobrança por ser bom, por ser o melhor, por ser o mais dinâmico, pró-ativo, promovedor de situações novas no trabalho tem aberto um espaço para um sofrimento muitas vezes silenciado pelo próprio sujeito detentor da dor. Este é o retrato de muitos trabalhadores nos ambientes organizacionais contemporâneos. O ativismo laboral acirra a competição, o que por sua vez aciona um ciclo desenfreado de atitudes que mais tem a ver com autodestruição do que com desempenho laboral. Tenho que concordar com a escritora Eliane Brum (2016) que “conseguimos a façanha de abrigar o senhor e o escravo dentro do mesmo corpo”: Em nós!

Nesse ínterim quero aqui destacar dois fatores, um é o nosso corpo adoecido, maltratado, doído pelo excesso de trabalho e o outro é a nossa mente cansada, triste gritando: “estou entorpecida e dopada imergida na cobrança interminável por desempenho”.

Fonte: Imagem por wayhomestudio no Freepik

Os consultórios de psicologia lotam com encaminhamentos médicos de pacientes em busca de saúde mental para enfrentar a lide daria, semanal e mensal de trabalho. A intensidade e continuidade da reprodução laboral conduz o sujeito a estados de canseira mental prejudicando suas funções executivas: memória, atenção… O trabalho que hoje (quase) pós-pandemia parece que não acaba mais, com tanta demanda acumulada de tanta coisa que exige quase sempre uma “hora extra”, um “eu termino em casa” ou “eu faço a noite” ou “eu adianto mais tarde em casa”, enfim é sempre uma desculpa atrás da outra para patrões e empregados correrem atrás da mesma coisa: O desempenho exemplar no trabalho.

O problema é que ambos esquecem que enquanto se direcionam para as metas, muitas vezes intermináveis, escravizam a alma reduzindo o sujeito trabalhador a um mero reprodutor de operações. Situação que muito se assemelha com a história da reprodução sistemática do trabalhador em uma frente de esteira e máquinas de uma fábrica interpretada pelo ator Charles Chaplin no filme tempos modernos, onde mostra de forma crítica e cômica a alienação do trabalho causada pela busca de desempenho e intensidade laboral. E como aconteceu no filme, onde o ator foi parar no centro de saúde, acontece na vida real onde trabalhadores adoecidos pelo trabalho buscam saídas na medicalização e nas terapias psicológicas. Quando chega neste ponto o colaborador uma vez depressivo e exausto, consumido pelas demandas e metas de desempenho laboral, se torna o depressivo e inválido da guerra institucionalizada e internalizada da sociedade do desempenho. Sim ele é mais um na fila do INSS! Será esquecido logo e substituído por outro sujeito que aceite ser chicoteado. O mais importante nessa história é que nesta situação o agressor e vítima se fundem e a violência é instaurada de forma intensa, profunda e silenciosa. Neste ponto só resta uma coisa: Sofrer os impactos da depressão laboral ou hoje em dia muito conhecida como a síndrome de Burnout.

Devemos repensar sobre ser multitarefa, está em um lugar e em vários lugares ao mesmo tempo através de celulares, internet, vídeos-chamada, reuniões e mais reuniões que na maioria das vezes são acrescentadas à sua rotina física de trabalho, não sendo uma em detrimento a outra, mas o trabalho e a reunião ao mesmo tempo de trabalho. Para mim, por minha conta e risco, afirmo que ser multitarefa representa hoje em dia um atraso civilizatório, pois afeta a saúde mental e física não atendendo as demandas iniciais propostas pelo trabalho. O excesso de rotina produz um estado de dor e espasmos, onde de acordo com Eliane Brum (2016) um espasmo anula outro espasmo e quando tudo é grito, não há mais grito. Ou seja no final do dia, é só mais um final de dia com a sensação de ter lutado mais uma luta, intervindo em processos, repetido operações, estando esgotados e entorpecidos pelo desempenho no trabalho.

Fonte: Imagem de John Hain por Pixabay

Concordo com o autor Byung-chulhan em seu livro A Sociedade do cansaço que diz: “A sociedade do trabalho e a sociedade do desempenho não são sociedades livres. Elas geram novas coerções. A dialética do senhor e escravo está, não em última instância, para aquela sociedade na qual cada um é livre e que seria capaz também de ter tempo livre para o lazer. Leva, ao contrário, a uma sociedade do trabalho, na qual o próprio senhor se transformou num escravo do trabalho. Nessa sociedade coercitiva, cada um carrega consigo seu campo de trabalho. A especificidade desse campo de trabalho é que somos ao mesmo tempo prisioneiro e vigia, vítima e agressor. Assim, acabamos explorando a nós mesmos. Com isso, a exploração é possível mesmo sem senhorio”.

REFERÊNCIAS

Exaustos-e-correndo-e-dopados | Brasil | EL PAÍS Brasil (elpais.com)

https://www.culturagenial.com/tempos-modernos-filme/

https://Propessoas.ufg.br/

Workshop Síndrome de Burnout (hipnose-psicanalise.com.br)

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Excesso de reuniões virtuais compromete bem-estar e produtividade no trabalho

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A diretora da Prime Talent, Bárbara Nogueira, ressalta que é importante reduzir o volume e a duração dos encontros online para evitar os sintomas da já conhecida “Fadiga do Zoom”.

Na nova realidade forçada pela pandemia da Covid-19, grande parte das pessoas foi obrigada a adaptar a vida à rotina virtual. Os happy hours e conversas com amigos e familiares tiveram migrar para o formato online, assim como as reuniões de trabalho e as aulas para alunos de todas as idades. Tudo isso na tentativa de manter, dentro do possível, uma conexão social ativa, um ritmo de trabalho eficiente e o aprendizado regular durante todos esses meses em que adotar o isolamento e evitar aglomerações se fizeram – e ainda se fazem – necessários. No entanto, a diretora, career advisor e headhunter da Prime Talent, Bárbara Nogueira, argumenta que essas circunstâncias, podem prejudicar diretamente o corpo e a mente, provocando a já conhecida “Fadiga do Zoom”. Consequentemente, a produtividade também é afetada.

Desde o ano passado, essa expressão – em alusão a um dos programas de chamadas de vídeo que mais se popularizou na pandemia – tem sido bastante usada no ambiente corporativo, em todo o mundo. Mas os problemas provocados pelo excesso de conferences estão relacionados a qualquer ferramenta para essa finalidade, como Hangouts, Teams, Skype, entre outras. Trata-se, resumidamente, de uma exaustão extrema e desmotivante, em função da permanência, por um período de tempo prolongado, em encontros pela internet. Inclui, também, irritabilidade, olhos secos e vermelhos, sem falar do cansaço, mal-estar e dores de cabeça ao final da jornada de trabalho ou até mesmo após um bate-papo virtual.

Bárbara Nogueira, diretora da Prime Talent
Carmine Furletti / Divulgação

A “Fadiga do Zoom” é gerada por diversos fatores. Entre eles, estão a hiperestimulação visual, que leva a esse cansaço e a essa irritação; a falta de linguagem corporal; e a mobilidade prejudicada, ou seja, a sensação de estar preso ao ângulo de visão da câmera. Outro “gatilho” costuma ser a autoavaliação constante, aliada ao sentimento de pressão social, porque a pessoa percebe que está sendo observada por todos, em todos os momentos, e não fica à vontade.

A exaustão também pode ser causada pela necessidade de aumentar a atenção no decorrer das vídeo-chamadas, que exigem um esforço maior para processar pistas não verbais dos participantes. Sem falar que muitas pessoas se sentem obrigadas a olhar para a tela o tempo inteiro, como forma de demonstrar que seguem atentas à reunião, e isso consome muita energia. Por fim, a tendência às distrações é mais um aspecto que pode ocasionar o desgaste mental, uma vez que os profissionais acabam propensos a realizar tarefas paralelas durante a call.

Diante desse contexto, Bárbara, que é graduada em psicologia, orienta os profissionais a ficarem muito atentos ao bem-estar no dia a dia, pois o estado permanente de cansaço pode evoluir para um esgotamento total, com prejuízos significativos para ao corpo e a mente. E ainda afeta diretamente a produtividade e a concentração em casa e no trabalho. “As empresas mais preparadas e estratégicas já têm desenvolvido programas e até novas políticas internas para o apoio aos funcionários que atuam no modelo home office, aproximando cada vez mais o setor de Recursos Humanos do negócio e dos colaboradores”, destaca.

Em busca de mitigar as chances de “Fadiga do Zoom” e de outros transtornos relativos ao excesso de conectividade, como o tecnoestresse, ações voltadas à saúde e ao descanso mental dos profissionais estão sendo implementadas, além de soluções inovadoras e mais prazerosas de usar videoconferência. Em linhas gerais, é possível ressaltar algumas estratégias para amenizar o impacto negativo do excesso de encontros remotos e do uso de tecnologia, como não emendar reuniões sequenciais, ampliando intervalos entre elas; evitar conferências com duração muito prolongada; substituição de chamadas de vídeo por áudio, quando possível; e o incentivo ao período de trabalho produtivo e sem conversas virtuais. No caso das lideranças, usar algum tempo para realmente verificar como as pessoas estão é muito importante. Independentemente das iniciativas que sejam adotadas, buscar equilibrar o real e o virtual, garantindo o uso saudável da tecnologia, é a melhor maneira de prevenir esses sintomas.


Sobre a Prime Talent
A Prime Talent é uma empresa de busca e seleção de executivos de média e alta gestão, que atua nos 24 setores da economia, em todo o Brasil e na América Latina, com escritórios em São Paulo e Belo Horizonte. Referência nas áreas de Recursos Humanos e Gestão, tem à frente os sócios David Braga (CEO) e Bárbara Nogueira (diretora). Braga já avaliou, ao longo de sua carreira, mais de 10 mil executivos, selecionando para clientes Latam. É autor do livro “Contratado ou Demitido – só depende de você” e professor convidado da Fundação Dom Cabral (FDC). Além disso, exerce a função de conselheiro da ACMinas e da ChildFund, instituição eleita, pelo quarto ano consecutivo, uma das 100 melhores ONGs do Brasil, que apoia crianças e adolescentes em extrema vulnerabilidade. Já Bárbara Nogueira, que conta com a experiência de mais de 5 mil executivos selecionados, é graduada em Psicologia e certificada em Executive Coach, pela International Association of Coaching, e em Micro Expressões e programação Neurolinguística. É também embaixadora da ChildFund.

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A sensação de impotência na pandemia

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Já se viu em alguma situação em que se sentiu impotente? Na pandemia, o desemprego ou a descrença de que se vai recuperar algo que perdeu podem trazer esse sentimento. A sensação de impotência nasce da ideia de que não podemos fazer nada diante de um problema ou quando a solução parece não estar ao nosso alcance. São momentos em que você se sente perdido, frustrado e desmotivado. A impotência traz a desesperança.

Desde pequenos, somos estimulados a estar na frente e a vencer. Na adolescência, somos incentivados a estar à frente no conhecimento e nas atitudes sociais. Na fase adulta, no trabalho, somos motivados a estar sempre ganhando. Indivíduos que não lidam bem com o ‘não’ e com o perder, acabam se frustrando. Devemos ressaltar que, muitas vezes, não temos o controle das situações. Precisamos aprender a lidar com esse ‘não’ que a vida nos dá.

Essa sensação pode se transformar em aprendizado quando se aceita que não vai ganhar sempre e que nem sempre vai ter soluções para algumas situações. É preciso conhecer os limites e entender que somos indivíduos limitados. Todos nós temos competências e limitações. Aceitando isso, transformamos o sentimento de impotência e inabilidade em aprendizado.

Como driblar a fadiga pandêmica com práticas para o cuidado pessoal | EL PAÍS Semanal | EL PAÍS Brasil

O impotente vai se apagando aos poucos. Então, a família e os amigos precisam estar atentos a esse discurso de desânimo ou até mesmo suicida. Algumas frases ditas são clássicas, como ‘a minha vida não tem jeito’, ‘não gostaria mais de estar aqui’, ‘não vejo saída’.”

Ao procurar tratamento psicológico, o indivíduo vai conhecer seus limites e saber lidar com as emoções, desenvolvendo habilidade emocional. É preciso explicar que não teremos soluções para tudo, pois nem tudo tem solução. Por exemplo, há coisas que fogem do nosso controle. O profissional vai desenvolver o conceito de resiliência, onde se é levado a um estresse máximo, e volta a forma inicial. O que essa situação tem de positivo? Sempre tem alguma coisa que podemos fazer, seja ela reversível ou irreversível.

A vida é feita de tentativas, acertos e erros. É assim que aprendemos. Somos fruto de nossas experiências. Nem sempre teremos sucesso. Em uma vida em que não houvesse erros e fracassos, onde estaria o aprendizado? Lembre-se: o que estamos vivendo é uma fase, busque ajuda psicológica e você vai aprender a lidar com as frustrações e acreditar que as coisas vão melhorar.

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Não temos direito a preguiça

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O trabalho, desde o início de suas configurações foi utilizado como forma de incitar o sentimento de pertencimento dos indivíduos. Tanto que diversas vezes as pessoas carregavam em seus próprios sobrenomes a profissão seguida por uma mesma família.  

O indivíduo acabou por se tornar resultante de uma relação indissociável entre o ser humano e o trabalho. Hoje em dia, ainda se carrega essa liga entre os termos; de forma que inconscientemente ao conhecer alguém, pergunta-se, “Qual seu nome? O que você faz? na busca de tentar classificar o indivíduo no meio social, associando-o de alguma maneira em uma hierarquia de acordo com suas respostas.  

Deduz-se e analisa-se todos que os cercam a partir do que é mostrado. Sabendo que o ser confere outros, também necessidade de ser conferido. E apesar de todo narcisismo voltado ao trabalho, com o objetivo do ter para que se possa ser, que as ações acabam por se verticalizarem. Sendo a necessidade do ter, uma criação conjunta, afinal, os indivíduos são sociais. Movimentação essa, que só faz sentido pois há alguém para ‘espetaculariza-la’.

 

Link: http://twixar.me/CnZ3

 

A dinâmica trabalhista acontece por conta da necessidade do outro, já que normalmente alguém se especializa, em suma, as relações interpessoais fazem dele algo possível e em eterna construção. Sabe-se também que é a partir da incapacidade alheia que há a exaltação de alguma área. É nesse contexto que nascem os competentes e vitoriosos, sobre as custas de outros não tão capacitados aos olhos de um todo. Mas esse, não existiria caso não houvesse uma base onde pudesse pousar tais privilegiados pés. 

 A ambiguidade pertinente no ato do trabalho ainda se insere na contemporaneidade, já que ao mesmo tempo que constrói o indivíduo e o dá a sensação de duo, também é visto como algo demasiadamente massivo.  

De forma sucinta e significativa, o termo trabalho é originário do latim tripalium: instrumento de tortura romano (no qual eram suplicados os escravos). Não se pode dizer que a era de exploração foi anulada, já que na formulação atual, não se tem senhores que prendem, mas vende-se a falsa ideia de liberdade.

 

Link: http://twixar.me/tnZ3

 

Um exemplo disso são as jornadas exaustivas, que roubam mais que às 8 horas de trabalho por dia, com auxílio da flexibilidade (que leva o trabalho até o lar). Ao passo que se tem o trabalho intensivo, no qual o ‘eu’ torna-se o próprio senhor, que se chicoteia sucessivamente para uma produção adoecera a custo de metas e uma felicidade futura que mal poderá ser vivida, pois todo o vigor está sendo gasto nessa corrida para o seu próprio abismo. A custa de que?

A terceirização do trabalho é uma nova forma de escravizar. O fato é demonstrado a partir das pessoas que tornaram-se descartáveis, sendo facilmente manipuladas pela recompensa da “liberdade” e o poder de suas próprias escolhas a partir da remuneração aquisitiva. Há uma grande demanda de pessoas capacitadas no mercado de trabalho, dessa forma, apenas o curso superior tornou-se supérfluo. A medida que a venda das capacitações dos indivíduos são compradas (por um valor mínimo) as custas de pessoas adoecidas, apáticas, desmotivadas, dentro da realidade vigente no mercado de trabalho, vemos que de fato: tornaram-se meras mercadorias substituíveis, onde sinais de fragilidade as torna dispensáveis sobre alguma medida. 

 

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As crianças desde o início da escolarização, são de alguma forma excitadas para a competitividade, pois é esta a realidade que as espera. Pequenas máquinas de trabalho que são aquecidas desde muito cedo para não questionarem esse formato de vida, tornando o ciclo vicioso entre os indivíduos. Afinal, ninguém quer o título de fracassado, é o poder que manda. Não é incitado o autoconhecimento. Se soubéssemos quem somos, qualquer resultante que fosse imposta não seria o suficiente, pois se traçaria um caminho alternativo a se seguir. 

 

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A consequência do indivíduo pouco crítico, diante dessa realidade, poderá causar uma culpabilização, pelo fato de não atingir o êxtase em alguma área da sua vida, pondo-se em comparação ao outro. Junto ao discurso da meritocracia vigente, que não analisa o ser e suas circunstâncias pouco favoráveis ao crescimento pessoal. Igualando todos, quando na verdade não existem circunstâncias igualitárias. 

 

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As pessoas estão cansadas e não podem dizer-se cansadas. Seria esse ato como assinar a própria incompetência, ou o momento oportuno para serem substituídas. Essa repressão de sentimentos, a falta de tempo para si, para as relações afetivas, o desequilíbrio, desregulam o psicológico, biológico e dificultam as relações sociais, tornando-as cada vez mais rasas, acompanhado do corpo cada dia mais adoecido.  

Estão todos prestes a infartos psíquicos.  “Ficou doido”, “muita frescura”, “preguiçoso demais”, “fracassado, levante-se”, são estes, indivíduos comuns que simplesmente adoeceram, ou permitiram-se enxergar, pois, a sociedade é doentia, e os sensatos são aqueles que não respondem bem a essa escravidão em massa. Tiram um tempo para falar de suas dores, para cuidar de algo palpável, para serem humanos e verem no outro tamanha desumanidade. Objetificaram seres, por notas. Mas fica o questionamento; quanto custa sua saúde? Será se coisas reais têm preço? Talvez, a preguiça não seja a vilã da história (…) 

 

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Sociedade do Cansaço: quando apenas o trabalho ocupa o centro da vida

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Por falta de repouso nossa civilização caminha para uma nova barbárie. Em nenhuma outra época os ativos, isto é, os inquietos, valeram tanto. Assim, pertence às correções necessárias a serem tomadas quanto ao caráter da humanidade fortalecer em grande medida o elemento contemplativo – Friedrich Nietzsche, em “Humano, demasiado humano”.

Final de ano é sinônimo de desaceleração, férias, viagens e confraternizações com a família e amigos (em que pese o caráter evanescente de tais festividades; afinal de contas, como lembram os hinduístas, o “ano novo” na verdade representa “menos um ano na ‘conta da vida atual’”). Assim como ocorre no Carnaval, essa é uma das raras ocasiões em que, numa espécie de “moratória social”, a existência entra num compasso temporal diferente do cotidiano. Isto é particularmente interessante porque, de maneira geral, há uma crítica velada à contemplação, ao tempo ocioso e à inação, assim como aos excessos dionisíacos resultantes das festividades. Na rotina, ao contrário, as ações são “racionalizadas”, reificadas e cronometradas.

Isto ocorre porque, historicamente – pelo menos, com maior ênfase, desde o advento do capitalismo –, a ação associada ao trabalho, ao constante posicionamento pelo pensamento lógico e à volição a qualquer custo, assume o status de “condição adequada” para o desenvolvimento humano, numa oposição à “contemplação” (em todas as suas matizes) e ao ócio. A própria psicologia analítica, por exemplo, associa o (gosto pelo) trabalho a uma forma de amadurecimento do sujeito, que assume as rédeas da vida e abandona o “paraíso da infância”, até então tutelado por terceiros.

Superando os excessos de toda ordem, filósofos, psicólogos e sociólogos (os primeiros, desde a época dos pré-socráticos) tentam encontrar alternativas para equilibrar estas duas variantes, ação e inação, que polarizam visões de mundo e que se estendem para a prática política e até hoje geram debates candentes. Para enriquecer a discussão, mais recentemente os campos do Direito Trabalhista e Direitos Humanos, além da Medicina e da Psicologia do Trabalho, ergueram teorias e pesquisas científicas para embasar a necessidade do descanso, em igual grau de importância dada à ação pelo trabalho. O que estaria em jogo é a saúde psíquica do indivíduo, no caso de haver uma explícita desproporcionalidade do labor em relação ao repouso.

Toda a contenda se intensifica a partir do século XIX, com a consolidação da força de trabalho remunerada e com as primeiras discussões sobre os limites que deveriam ser impostos às então excessivas (e extremamente exaustivas) cargas horárias trabalhistas. Passou-se a perceber, não por indulgência e de maneira lenta e à base de embates políticos, que reservar um tempo para o descanso, a contemplação e o ócio é essencial para que os trabalhadores pudessem atingir padrões de bem-estar, o que acabaria por resultar numa produção mais adequada e de melhor qualidade.

No entanto, alguns intelectuais voltam a denunciar – se é que alguma vez o deixaram de  fazer – que, na atualidade, a dinâmica de trabalho ganha novos contornos e, mais uma vez, há uma hipervalorização da ação em detrimento da inação (entendida como “nutrição da interioridade” e da introspecção). Inaugura-se a “era dos workaholics”. Isso poderia ser a causa de uma série de transtornos psíquicos que acometem os indivíduos contemporâneos, tais como a Depressão, o Transtorno de Pânico, o Transtorno de Ansiedade Generalizada, a Síndrome do Pensamento Acelerado e a Síndrome de Burnout. Como já explicitado pelo filósofo alemão Friedrich Nietzsche, em “Humano, demasiado humano”, a continuação desta perspectiva poderia levar a humanidade a um novo estágio de barbárie, onde o trabalho não é visto como um meio (para a realização da vida), mas um fim em si mesmo, gerador de (auto)violência. Esta é uma posição, evidentemente, frontalmente contrária à visão de mundo empreendedora e liberal, mas que merece atenção independente de qualquer viés ideológico.

Sobre este assunto, o emergente filósofo sul-coreano (radicado na Alemanha), Byung-Chul Han, publicou um pequeno e impactante livro chamado “Sociedade do Cansaço” (Editora Vozes). Nele, apresenta o conceito de “sujeito de desempenho”, que é aquele que está livre da instância “externa de domínio que o obriga a trabalhar ou que poderia explorá-lo”, sendo, portanto, senhor e soberano de si mesmo, mas que, no entanto, acaba por associar a suposta liberdade com uma espécie de autocoação. Desta forma, “o sujeito de desempenho se entrega à liberdade coercitiva ou à livre coerção de maximizar o desempenho”, onde o “excesso de trabalho e desempenho agudiza-se numa autoexploração”. Com isso, cai a antiga “sociedade disciplinar” de Foucault, e descortina-se um cenário onde “o explorador é ao mesmo tempo o explorado. Agressor e vítima não podem mais ser distinguidos”.

 

Para Byung-Chul Han, os antigos muros das instituições disciplinares que balizavam a vida dos “sujeitos de obediência” não fazem mais sentido no pós-modernismo, pois ainda estão sob a égide da delimitação espacial e do conceito dual normal-anormal. Agora, o que impera é a analítica da negatividade, onde a proibição do “não-ter-o-direito” chega ao ápice e delineia as mudanças psíquicas. Com isso, a sociedade de desempenho vai se desvinculando cada vez mais da ideia de que não se pode ter tudo o que quer. Isso, aliás, passa a ser visto como uma espécie de heresia.

O poder ilimitado é o verbo modal positivo da sociedade de desempenho. O plural coletivo da afirmação Yes, we can expressa precisamente o caráter de positividade da sociedade de desempenho. No lugar de proibição, mandamento ou lei, entram projeto, iniciativa e motivação. (HAN, 2015)

Se a sociedade disciplinar de Foucault era regida pelo “não”, numa dinâmica que de acordo com Han gerava loucos e delinquentes, “a sociedade do desempenho, ao contrário, produz depressivos e fracassados”. E a situação é agravada porque, de acordo com o coreano, o “inconsciente social” já está permeado pelo “desejo de maximizar a produção”. O sucesso desta visão de mundo ocorre porque “a positividade do poder é bem mais eficiente que a negatividade do dever”. Há, portanto, uma ênfase no sujeito de desempenho, que se apresenta como mais rápido e mais produtivo que o sujeito da obediência. “O poder, porém, não cancela o dever”, diz Byung-Chul Han.

 

O fenômeno mais pulsante decorrente desta dinâmica é a Depressão (e todas as suas “variantes”). “O que nos torna depressivos seria o imperativo de obedecer apenas a nós mesmos”, alerta Han, para emendar que “a depressão é a expressão patológica do fracasso do homem pós-moderno em ser ele mesmo. Mas pertence também à depressão, precisamente, a carência de vínculos, característica para a crescente fragmentação e atomização do social”. Desta forma, o adoecimento não é decorrente apenas do excesso de responsabilidade e iniciativa, “mas o imperativo do desempenho como um novo mandato da sociedade pós-moderna do trabalho”. Isso gera um cansaço profundo que impacta sobremaneira a formação e manutenção da identidade.

Por fim, Byung-Chul Han convida os leitores para refletir sobre o espaço que o trabalho ocupa na totalidade da vida, e associa a demasiada ênfase – contemporânea – na ação às patologias neurais e ao crescimento da violência. O futuro coletivo, portanto, depende de como a sociedade irá perceber esta dinâmica.

Mesmo que Han não apresente receitas, uma alternativa viável a um eventual colapso é aderir a um meio termo (ao estilo aristotélico) entre o prazer de trabalhar e a necessidade de contemplar e/ou repousar. É preciso, portanto, também ver beleza e sentido na quietude e na contingência, sob o risco de confundir “viver” com apenas “existir”. Para Oscar Wilde, no entanto, “viver é a coisa mais rara do mundo. A maioria das pessoas apenas existe”. Que mais pessoas despertem para a Vida.

FICHA TÉCNICA DO LIVRO

SOCIEDADE DO CANSAÇO

Autor: Byung-Chul Han
Editora: Vozes
Assunto: Filosofia
Ano: 2015

REFERÊNCIAS:

HAN, Byung-Chul. Sociedade do Cansaço. São Paulo: Vozes, 2015;

NIETZSCHE, Friedrich. Humano, demasiado humano. São Paulo: Companhia de Bolso, 2005;

Repouso semanal e saúde psíquica do trabalhador. Acesso em 21/12/2015.

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