Em 1929, Carl Gustav Jung publicou o texto “Os problemas da psicoterapia moderna”, para o Anuário Médico Suíço o texto. Nele, que mais tarde veio compor o quinto capítulo do décimo sexto livro de suas obras completas: “A prática da psicoterapia”, Jung fala sobre as etapas do processo terapêutico, que em seu modelo teórico, teriam quatro fases. O presente texto é um resumo deste trabalho.
Na tentativa de englobar a psicanálise de Freud, a psicologia individual de Adler e outras tendências no campo da psicologia complexa, Jung entende o processo psicoterapêutico como um percurso que passa por diferentes momentos, e que em cada um deles, os diversos campos da psicologia podem contribuir para o processo.
“Devido à extrema diversidade das tendências da nossa psicologia, é imenso o esforço que temos que fazer para sintetizar os pontos de vista. Faço, portanto, esta tentativa de dividir as propostas e o trabalho, em classes, ou melhor, em etapas” (JUNG, 2013, § 122).
Segundo Jung (Ibid., § 123), “As origens de qualquer tratamento analítico da alma estão no modelo do sacramento da confissão.” Essa etapa passa pelo processo do sujeito se ver com seus segredos, que, diante do surgimento da parte oculta do psiquismo, devido à invenção da ideia do pecado, o segredo, a “coisa recalcada”, passa a ter um efeito deletério para a alma.
“O possuir um segredo tem o mesmo efeito do veneno, de um veneno psíquico que torna o portador do segredo estranho à comunidade” (Ibid., §124).
Apesar do segredo, em doses baixas, ser salutar, por fazer um serviço à construção da individualidade, aquele que fica por demais restrito ao indivíduo, sem compartilhamento, pode ser destrutivo. Para Jung (Ibid., § 125), “este tem o mesmo efeito da culpa, segregando seu infeliz portador do convívio com os demais seres humanos.” Quando elevado a um nível radical, ele pode se tornar oculto até ao próprio sujeito. O conteúdo secreto já não é conscientemente encoberto, mas é oculto até perante si mesmo, e com isso separa-se da consciência na forma de um complexo autônomo, formando uma espécie de psique fechada, cuja fantasia desenvolve uma atividade própria, perturbando a atividade consciente.
Outra forma de contenção deletéria exercida é a dos afetos:
“O afeto contido, do mesmo modo que o segredo inconsciente atua como fator de isolamento e perturbação, e provoca sentimento de culpa. A natureza não nos perdoa, por assim dizer, quando, ao guardarmos um segredo, passamos a perna na humanidade. Do mesmo modo, ela nos leva a mal, quando ocultamos as nossas emoções aos nossos semelhantes” (Ibid., § 130).
Sendo o segredo e a contenção de ordem exclusivamente pessoal danosos para a alma, a natureza reage, enfim, por meio da doença.
“Esconder sua qualidade inferior, bem como viver sua inferioridade, excluindo-se, parece que são pecados naturais. E parece que existe como que uma consciência da humanidade que pune sensivelmente todos os que, de algum modo ou alguma vez, não renunciaram à orgulhosa virtude da autoconservação e da autoafirmação e não confessaram sua falibilidade humana. Se não o fizerem, um muro intransponível segregá-los-á, impedindo-os de se sentirem vivos, de se sentirem homens no meio de outros homens” (Ibid., § 132).
Esta etapa da confissão, dá ensejo para as primeiras descobertas da psicanálise. A catarse, que visa à confissão completa, não se limita a uma constatação intelectual dos fatos pelo pensamento, como também à liberação dos afetos contidos, “à constatação dos fatos pelo coração” (Ibid., 134).
Devido ao fato de que nem sempre é possível promover uma aproximação do paciente ao seu inconsciente, ao ponto de eles conseguirem perceber sua sombra através do método catártico, a prática da psicoterapia não pode se limitar a esse método. São muitos os indivíduos que são fervorosamente ligados ao seu consciente, não cedendo ao recuo dela e, portanto, não recorrem ao inconsciente. Nesse caso, se exige uma técnica toda especial para a aproximação do inconsciente (Ibid.).
Também há o fato de a catarse promover uma diminuição dos sintomas, porém não oferecer uma compreensão por parte do paciente dos processos que ocorrem em sua dinâmica psíquica, podendo gerar outras situações adversas, como o apego do paciente em relação ao psicoterapeuta, necessitando sempre do seu auxílio com o mesmo método, ou o apego ao seu próprio inconsciente, gerando uma fixação nociva em relação a ele (Ibid.).
Por isso, torna-se necessária a segunda etapa da psicoterapia: a compreensão. Para tanto, se dá atenção primeiramente às fixações, seguindo o método psicanalítico de Freud. Nos casos de dependência do terapeuta, se constata que esse vínculo corresponde, em sua natureza, à relação pai-filho, ou seja, um tipo de relação infantil que não se consegue evitar. Tratando-se de uma formação neurótica, um novo sintoma desencadeado pelo próprio tratamento, “FREUD acertou ao batizar esse sintoma de transferência” (Ibid., § 139).
“Enquanto o método catártico, em sua essência, devolve ao eu conteúdos que normalmente deveriam fazer parte do consciente, o esclarecimento da transferência faz com que venham à tona conteúdos que, naquela forma, jamais teriam tido condições de se tornarem conscientes. Em princípio, é esta a diferença entre as etapas da confissão e do esclarecimento” (Ibid., § 141).
Já em outros casos, o sujeito, ao invés de se fixar ao terapeuta, se fixa às representações das fantasias do próprio inconsciente, e nele se emaranham. Este fato, revela que ele ainda se encontra em estado de identificação com os pais, lhe conferindo autoridade, independência e espírito crítico, o que lhe faz opor resistência à catarse.
“Aquilo que o paciente transfere para o médico tem que ser interpretado, isto é, deve ser esclarecido. Uma vez que o próprio paciente nem sabe o que está transferindo, o médico é obrigado a submeter a uma análise interpretativa todos os fragmentos disponíveis da fantasia do paciente” (Ibid., § 144).
Com o processo de esclarecimento das origens da fixação, o paciente, se deparando com a infantilidade e inutilidade de sua posição, desce a um nível mais modesto e de relativa insegurança, podendo gerar efeitos salutares. Pode também o fazer perceber que sua necessidade de fazer exigências ao outro é produto de um comodismo infantil, que deve ser substituído por uma maior responsabilidade pessoal (Ibid.).
“Armado da convicção de sua própria insuficiência, lançar-se-á à luta pela existência, a fim de ir consumindo em trabalhos e experiências progressivas todas aquelas forças e aspirações que até agora o tinham levado a agarrar-se obstinadamente ao paraíso da infância ou, pelo menos, a recordá-lo com saudades. As ideias que o nortearão moralmente daqui para a frente serão: adaptar-se normalmente e ter paciência com a própria incapacidade, eliminando as emoções e ilusões, na medida do possível” (Ibid., § 149).
Nesse novo estágio, o indivíduo com forte sensibilidade moral pode, devido sua elaboração, reunir um ímpeto mobilizador suficiente para fazer do processo terapêutico vivenciado um êxito. Isso pode despertar nele forças adormecidas, que poderão intervir favoravelmente em seu desenvolvimento. Porém, em pessoas com parca fantasia moral, tal insight em si pode de nada adiantar. “O método do esclarecimento ou elucidação sempre pressupõe índoles sensíveis, aptas a tirarem conclusões morais, independentes de seus conhecimentos” (Ibid., § 150).
Além disso, nem todas as pessoas podem ser analisadas sobre o espectro unilateral causalista freudiano, “Sem dúvida, todos têm esse aspecto, mas nem sempre é ele que predomina.” (Ibid., § 150). Aqui, adentramos na terceira fase do processo terapêutico: a educação para o ser social.
Há inúmeras neuroses que podem ser mais bem explicados sob o prisma do instinto do poder, idealizado por Alfred Adler, onde o indivíduo “arranja” sintomas para conseguir prestígio fictício, explorando sua neurose. Até mesmo sua transferência e demais fixações servem a sua vontade de poder. Por essa via, Adler visa a psicologia do oprimido ou do fracassado na sociedade, cuja única paixão é a necessidade de prestígio. “Estes casos são neuróticos, porque continuam achando que estão sendo oprimidos, e combatem moinhos de vento com as suas fixações, impossibilitando sistematicamente a consecução dos objetivos que mais almejam” (Ibid., § 151).
A via Adleriana, segue onde para a última etapa. Para além do insight, se faz necessária a educação social, tentando tornar a pessoa normalmente ajustada, mediante todos os recursos da educação. Nessa parte, é possível que haja um certo distanciamento do inconsciente, visto que, visando o ajustamento em vias de adaptação e cura, é desejável que se aparte do lado que carrega as características sombrias e más da natureza humana.
“A educação vem por fim, e mostra que uma árvore que cresceu torta não endireita com uma confissão, nem com o esclarecimento, mas que ela só pode ser aprumada pela arte e técnica de um jardineiro. Só agora é que se consegue a adaptação normal” (Ibid., § 153).
Para satisfazer uma necessidade a mais, transcendendo tudo o que foi feito até então, Jung desenvolveu a quarta fase, e denomina-a como transformação. A finalidade dessa etapa passa pela exigência da alma de alguns sujeitos a tornar-se mais do que simplesmente socialmente ajustados.
“A simples noção de “normal” ou “ajustado” já implica limitar-se à média, que só pode ser sentido como progresso por aquele que, por si, já tem dificuldade em dar conta da sua vida dentro do mundo que o cerca, como, por exemplo aquele que, devido à sua neurose, é incapaz de levar uma existência normal” (Ibid., § 161).
Porém, para as pessoas cuja capacidade é superior ao homem médio, e suas realizações sempre foram mais do que satisfatórias, a ideia da normalidade pode não significar algo satisfatório.
“[…] significa o próprio leito de Procusto, isto é, o tédio mortal, insuportável, um inferno estéril sem esperança. Consequentemente, existem dois tipos de neuróticos: uns que adoecem porque são apenas normais e outros, que estão doentes porque não, conseguem tornar-se normais. (…) a necessidade mais profunda dessas pessoas é, na verdade, poder levar uma vida extranormal” (Ibid., § 161).
O confronto das personalidades do terapeuta e paciente, propicia o encontro de duas realidades irracionais, que, como a mistura de duas substâncias químicas diferentes, geram uma reação transformadora. Tais fenômenos são conhecidos por transferência e contratransferência, onde Jung defende a tese de que:
“De nada adianta ao médico esquivar-se à influência do paciente e envolver-se num halo de profissionalismo e autoridade paternais. Assim, ele apenas se priva de usar um dos órgãos cognitivos mais essenciais de que dispõe. De todo jeito, o paciente vai exercer sua influência, inconscientemente, sobre o médico, e provocar mudanças em seu inconsciente” (Ibid, § 163).
Nessa relação terapeuta-paciente, fatores irracionais promovem uma transformação mútua, sendo decisiva a personalidade do psicólogo ser aquela mais estável e forte. Ele acaba por ser parte integrante do processo psíquico do tratamento tanto quanto o paciente, estando também exposto a influências transformadoras. Segundo o autor, se o terapeuta se fecha a essa influência, ele também perde sua influência – que é inconsciente – sobre o paciente, abrindo uma lacuna em seu campo de consciência, impedindo-o de vê-lo corretamente. É daí que se dá a necessidade de o terapeuta ser obrigatoriamente analisado, exigência feita por Jung e aderida por Freud quando ainda mantinham parceria (Ibid.).
Para Carl Jung, mais importa a personalidade e as condições psíquicas do terapeuta do que, propriamente, as linhas teóricas que ele utilizará no percurso terapêutico. “Você tem que ser a pessoa com a qual você quer influir sobre o seu paciente” (Ibid., § 167).
Ao longo de todo o percurso terapêutico, a relação psicoterapeuta-paciente será aquilo que norteará o tratamento. Dessa forma, para além desse ou daquele constructo teórico, bem como o que o psicólogo acredita ser o método adequado – catarse, educação ou seja lá o que for –, o que promoverá o tratamento será o encontro de duas almas, e, portanto, é muito mais importante preocupar-se com a convicção que o terapeuta tem acerca daquilo que acredita e segue como linha teórica.
Referência:
JUNG, Carl G.. A prática da psicoterapia. 16. ed. Petrópolis, Rj: Vozes, 2013. 156 p. (OC 16/1).
Compartilhe este conteúdo:
Jung, o psiquiatra do século XX
27 de fevereiro de 2022 Brenda Karelly Silva de Souza
Personagens
Compartilhe este conteúdo:
O psiquiatra Carl Gustav Jung nascido em 1875, falou em sua vida sobre a Psicologia Analítica ou como ficou mais conhecida psicanálise Junguiana, devido a ser um dos discípulos de Sigmund Freud, pai da psicanálise. Sua teoria aborda temas como o inconsciente pessoal e inconsciente coletivo e arquétipos, e assim como Freud, Jung também aborda e sua teoria sobre o conceito de Self.
Durante uma entrevista concedida a BBC de Londres na década de 50, devido a uma homenagem recebida pela Associação Internacional de Psiquiatria que o considerou “o psiquiatra do século 20”, Jung fala sobre como aos seus onze anos de idade, passou a refletir sobre a ideia de consciência. Segundo ele, em um passeio, reflete e percebe ser diferente dos seus pais e também de outras coisas, levando o a refletir sobre a existência da consciência.
Passados alguns anos de sua vida, Jung opta por estudar medicina, e ao final de seus estudos decide por se tornar um psiquiatra. Realiza alguns estudos com esquizofrênicos, e acaba por conhecer o trabalho de Freud, interessado envia-lhes alguns livros de autoria própria, que acabaram por possibilitar que Jung se encontre pessoalmente com Sigmund Freud.
Jung fala durante a entrevista que se tornou grande amigo de Freud, mas sinaliza as diferenças que os fizeram romper com sua amizade. Segundo ele, Freud sempre levava com certa certeza suas ideias, enquanto que Jung optava pela dúvida do que lhe era apresentado. Relatou também sobre ter grande interesse pela filosofia e história humana, e apontou que Freud não demonstrava desejo ou impulso de avaliar tais considerações de Jung, sobre a influência da história na psique humana.
Devido à divergência de influências, modos de pensar, e práticas, Jung passa a refletir sobre ideias diferentes da psicanálise apresentada por Freud. Jung publica então o livro “A psicologia do inconsciente”, o que faz com que aconteça uma ruptura na aliança entre Freud e ele. O livro de Jung expunha suas ideias sobre inconsciente pessoal e coletivo.
Durante a entrevista Jung fala sobre sua ideia de inconsciente coletivo, e sobre como em sua experiência profissional atendendo esquizofrênicos percebeu a existência desse inconsciente. O psiquiatra relatou sobre a vez em que atendendo um paciente esquizofrênico, o mesmo o falou sobre a origem do vento e sobre forma de como ver o sol sobre diferentes visões, naquele momento Jung apenas trata o relato como um sintoma da doença de seu paciente.
Alguns anos depois, Jung acaba por ter contato com os estudos de um alemão sobre um determinado Papiro, que falava sobre como uma civilização antiga registrou uma forma de ver a origem do vento e percepções diferentes do sol conforme se inclinava a cabeça. A partir desse acontecido, Jung então passa a escrever e estudar sobre o que nomeou de inconsciente coletivo.
Segundo a Psicologia Analítica, o inconsciente coletivo não tem origem ou é derivado da história de vida pessoal de um indivíduo, mas segundo Jung é transferido entre as gerações (hereditário) e nele estão contidos os arquétipos (JUNG, 1875-1961). Jung comentou ainda sobre a importância de ser quem somos, não levando em conta apenas a história que vivemos, mas também a história da humanidade, e reforçou ainda a influência da mesma sobre os nossos sonhos.
Para Jung os arquétipos são os conteúdos presentes do inconsciente coletivo, e representam conteúdos inconscientes que ao atingir a consciência e serem percebidos se moldam a consciência individual em que estão presentes. Podem ser consideradas ainda representações coletivas que apresentam conteúdos psíquicos que não foram elaborados conscientemente (JUNG, 1875-1961).
Quando questionado na entrevista sobre a possibilidade de ocorrer uma nova guerra mundial, o psiquiatra fala sobre como a história da humanidade pode influenciar nas crenças dos indivíduos, e comenta sobre como o acontecimento de uma guerra pode estar marcada no inconsciente e vir à tona a consciência pelo medo presente. Jung comenta ainda que a possibilidade de uma nova guerra ocorrer irá depender do perigo real, que é derivado do homem, denominado pelo psiquiatra como a origem do mal.
John A. Sanford analista junguiano relatou em entrevista ao jornal The Sun sobre a possibilidade da existência do mal arquétipo, chamando o de mal genuíno, algo que iria além dos interesses e defesas do ego. Sanford discorreu sobre acontecimentos no decorrer da história, como o holocausto nazista, que não ocorreram devido a defesas do ego contra algo do inconsciente reprimido, mas sim em decorrência de uma possível força maligna arquetípica (SANFORD, 2012).
Quando questionado sobre sua crença em Deus, Jung fala sobre sua infância e comenta que embora possa questionar a existência de um Deus comenta que se não acreditasse em um Deus divino, essa imagem poderia ser facilmente substituída. É possível relacionar essa fala do psiquiatra a existência do arquétipo do herói presente no inconsciente coletivo.
O arquétipo do herói que é citado por Cambell (2007) como a Jornada do Herói, fala sobre um personagem com poderes excepcionais, que é tido como uma pessoa frequentemente honrada por todos a sua volta. Podendo ser considerado como uma espécie de figura religiosa ou mitológica, que impulsiona a vida humana e concede sentido as mudanças que devem ser enfrentadas durante a vida, assim como os obstáculos (GOMES; ANDRADE, 2009).
Por fim, Jung fala sobre a importância de dar um significado para a vida, pois a vida sem propósito e sentido se tornaria estagnada. E fala sobre a o seu trabalho com idosos e como mesmo perto da morte continuam dando sentido ao viver. Reflete ainda sobre a psique não respeitar limites do espaço e do tempo, o que pode ser interpretado como uma ligação ao inconsciente coletivo, os arquétipos, e a influência de nossas vivências no decorrer das gerações.
REFERÊNCIAS
Connie Zweig E Jeremiah Abrams Orgs. Ao Encontro da Sombra – O potencial oculto do lado escuro da natureza humana. Ed. Cultrix. São Paulo, 2012. Disponível em: <file:///C:/Users/Brenda/Downloads/Encontro-Da-Sombra%20-%20ANAL%C3%8DTI CA.pdf> Acesso em 07/09/2021.
Gomes, Vinícius Romagnolli Rodrigues. Andrade, Solange Ramos. Mitos, símbolos e o arquétipo do herói. Iniciação Científica CESUMAR. Jul./Dez. 2009, v. 11, n. 2, p.139-147. Disponível em: <https://periodicos.unicesumar.edu.br/index.php/iccesumar/article/view/1271/883> Acesso em 07/09/2021.
Jung, Carl Gustav. 1875-1961. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. Tradução Maria Luiza Appy, Dora Mariana R. Ferreira da Silva. Ed. Vozes. Petrópolis-RJ. 2016. Disponível em: <https://books.google.com.br/books?hl=pt-BR&lr=&id=PfZeDwAAQBAJ&oi=fnd&pg=PT2&dq=inconsciente+coletivo+jung&ots=2K0NpvtIu&sig=mJCA-cK3gA_Cnw0GZSN4OFEYff0#v=onepage&q=inconsciente%20coletivo%20jung&f=false> Acesso em 07/09/2021.
Compartilhe este conteúdo:
Masculinidade e Feminilidade no contexto sociocultural contemporâneo
O homem moderno se vê defronte a um dilema quase que incompreensível aos indivíduos amarrados e emaranhados ao machismo estrutural. Ao longo de um passado não tão distante a sociedade lutou em sua tendência patriarcal contra a ascensão de qualquer tipo de manifestação enaltecedora do feminino. Isso pode ser observado, por exemplo, na maneira como o cristianismo clássico apagou diversos aspectos de religiões pagãs a partir do primeiro milênio, onde as figuras divinas eram descentralizadas e figuras femininas de poder eram enaltecidos, o mesmo as mulheres ocupavam o papel sacerdotal e espiritual proeminente (LEMOS, 2012).
O cristianismo é que citado por ser frequentemente associado com a base de valores que moldaram a sociedade moderna e pós-moderna, e também foi pivô na propagação da cultura patriarcal, com sua estrutura religiosa se organizando em uma trindade que enfatiza o papel do masculino em detrimento do feminino.
Essa característica fica imputada com mais veemência nas linhas protestantes de cristianismo; o catolicismo com sua versão modernizada do politeísmo representada nos santos dá espaço para os arquétipos representados nas imagens santas, porém ao invés de adorados como divindades, esses santos são intermediários entre o deus maior; já o protestantismo e suas variações futuras apaga essa grande variação arquetípica, eliminando os santos do dogma e tratando a maneira como os católicos recorrem a eles como adoração profana. Assim, grandes arquétipos perdem força no imaginário e na cultura cristã desse recorte populacional protestante, principalmente o da Grande Mãe, representados pela Virgem Maria, este que se apaga totalmente em detrimento da Trindade Pai, Filho e Espírito Santo. (DE AZEVEDO-MESQUITA, 2015)
Fonte: Pixabay
A Masculinidade Frágil Como Fenômeno Cultural
Esses exemplos citados anteriormente marcam alguns acontecimentos históricos que conduziram o pensamento cultural generalizado em direção a essa tendência patriarcal. Porém, há alguns anos a cultura e a indústria vem acompanhando um movimento social de rebelião contra esses preceitos muito enraizados, e dessa forma, vem trazendo o fenômeno que é o feminismo aos holofotes, demonstrando um movimento do inconsciente coletivo para ressaltar esse fenômeno cultural. As mulheres anseiam por mais visibilidade, por salários equivalentes, por mais participação ativa nas comunidades e principalmente o respeito por seus corpos e sua individualidade.
Logo, é possível observar a cultura crescendo ao redor dessa imagem feminina novamente. Nos últimos anos a quantidade de protagonistas femininas para os grandes blockbusters tem crescido de maneira vertiginosa, personagens pertencendo a outros espectros da sexualidade com grande representatividade para os LGBTQI+ também tem visto suas tramas serem escritas e contadas em detalhes por grandes produtoras de audiovisual. Tudo isso é palco para o temor daqueles que antes podiam se ver representados em todas as mídias e histórias, de repente se ver entendo que dividir espaço de tela com pessoas que no seu âmago são diferentes de um padrão estabelecido através da história ocidental.
Fonte: Pixabay
Masculinidade E Feminilidade Arquetípicas
Para compreender mais um pra mente essas dinâmicas é importante conhecer o âmago do conceito de masculinidade e feminilidade. De acordo com o psicólogo suíço Carl Gustav Jung, em sua observação da psique humana, este constata a existência de diversos arquétipos, ou seja, construtos psíquicos que constituem a personalidade humana (JUNG, 2018). Entre esses arquétipos, os que tangem o conceito de masculino e feminino são a Anima e o Animus.
Animus seria a contraparte masculina arquetípica existente dentro de cada ser humano que já habitou este planeta; de maneira semelhante a anima é a contraparte feminina que existe dentro de cada ser humano (SANFORD, 1987). Dessa forma, conclui-se que cada indivíduo está sujeito a sofrer influência da contraparte arte típica oposta, isso inclui a parcela da população que se encontra imersa no machismo estrutural (JUNG, 2006). Mas o que teria acontecido com a mulher que vive simbolicamente no interior dessas pessoas?
No desenvolvimento da personalidade de cada indivíduo, durante a tenra infância e juventude, a relação com esses arquetípicos é moldada, muitas vezes baseada nas figuras paterna e materna (JUNG, 2006). E qualquer disfunção durante esse período, pode acarretar casos de anima ou animus negativo. Ou seja, a imago masculina ou feminina prejudicada de alguma maneira, devido a tudo aquilo que foi absorvido e da maneira como isso se deu (MENIN at al. 2007). Poderia uma nação ou a sociedade ocidental inteira sofrer coletivamente com um quadro de Anima negativa, que levaria eles a tratarem o feminino arquetípico da maneira como foi levado durante todos esses anos?
Conclusão
Conclui-se que os conceitos de masculino e feminino vivem um conflito devido a maneira como o masculino se impôs por sobre o feminino histórica e culturalmente ao longo das décadas a partir do primeiro milênio. O ser humano é constituído de diversas partes incluindo uma parte masculina e feminina, arquetipicamente falando; logo dentro de cada um se constituem resquícios da sexualidade predominante oposta a não predominante, o que pode gerar conflitos a depender da maneira como esses aspectos foram constituídos na personalidade daquela pessoa. Logo é possível imaginar que talvez um processo coletivo de adoecimento e má digestão de simbolismos psíquicos, pode acabar por ter gerado um grande complexo da população masculina Mundial quanto ao símbolo do feminino.
REFERÊNCIAS
DE AZEVEDO MESQUITA, Fabio. A Veneração aos Santos no Catolicismo popular brasileiro–Uma aproximação histórico-teológica. Revista Eletrônica Espaço Teológico. ISSN 2177-952x, v. 9, n. 15, p. 155-174, 2015.
LEMOS, Márcia Santos. Os embates entre cristãos e pagãos no Império Romano do século IV: discurso e recepção. Dimensões, n. 28, 2012.
JUNG, Emma. Animus e Anima. São Paulo: Cultrix. 2006
JUNG, Carl Gustav. Os arquétipos e o inconsciente coletivo Vol. 9/1. Editora Vozes Limitada, 2018.
JUNG, Carl Gustav. O eu e o inconsciente. Editora Vozes Limitada, 2011.
Dentro da Psicologia Analítica o termo sombra e individuação são praticamente os mais importantes. A individuação é algo almejado já que, é a partir dela que o paciente/cliente pode avançar na análise, porém para adentrar na individuação o indivíduo em processo psicoterapêutico deve se integrar a sua própria sombra. Esse processo de reconhecimento da própria sombra não é algo fácil, pois é nela que se encontra muito dos conteúdos negativos reprimidos por nós, como observa Oceanã (2008), na sombra está tudo aquilo que não se encaixa no que imaginamos de nós próprios ou nos princípios que escolhemos para nós mesmos.
Com isso muitas pessoas ficam resistentes ao contato com o lado mais escuro de si mesmo visto que esse arquétipo ameaça nossa imagem aceitável, contudo, quanto mais tentamos negar a sombra mais ela nos ameaça (OCEANÃ, 2008). Quando, ao longo do processo terapêutico, o paciente/cliente integra a sua sombra, o processo de individuação começa. A individuação é quando o sujeito passa a se encarar por completo, tornando-se verdadeiramente o que se é, sabendo assim, separar o que é dos outros e o que é dele (STEIN, 2020). Desse modo, fica claro como os dois conceitos são essenciais para o desenvolvimento do cliente/paciente na clínica analítica.
Para a construção do presente trabalho, foi realizada uma pesquisa de caráter bibliográfico narrativo na qual, não necessita de um ponto de partida rígido para a sua elaboração e, no que tange a seleção dos materiais, não é determinada e nem específica, sendo então influenciada pela subjetividade do autor (CORDEIRO et al., 2007).
Com isso foi realizada pesquisas por meio do Google Schoolar e Scielo, com o objetivo de levantar publicações que abordassem temas referentes a alguns conceitos Junguianos, como a sombra e a individuação, para assim compreender seu conceito e seu desenvolvimento, expondo sobre como se dá o processo de individuação a partir do contato com a sombra.
A Sombra: do conceito ao desenvolvimento
Para entender o conceito de sombra é importante compreender o que é persona. A autora Ocaña (2008), analisa que a palavra persona tem a noção de prosopon, termo grego que se refere a uma máscara usada por atores de teatro para encarnar um personagem. A autora continua que
A partir de Jung, o conceito de “persona” significa mais precisamente o eu social resultante dos esforços de adaptação realizados para observar as normas sociais, morais e educacionais do seu meio. A persona lança fora do seu campo de consciência todos os elementos – emoções, traços de carácter, talentos, atitudes – julgados inaceitáveis para as pessoas significativas do seu meio. Esse mecanismo produz no inconsciente uma contrapartida de si mesmo a que Jung chamou de “sombra” (OCAÑA, 2008).
Fonte: Imagem de Pedro Figueras por Pixabay
A sombra se desenvolve desde quando somos crianças, na medida em que vamos nos identificando com o que é tido como característica ideal de uma personalidade, no que é percebido como aceitável pela nossa sociedade, nós formamos a persona, ao contrário, tudo aquilo que não achamos adequado para nossa autoimagem é jogado para a sombra (ZWEIG; ABRAMS, 1994).
A sombra é um arquétipo rico de conteúdos e que fala muito sobre nós, assim como observa a autora Ocaña (2008), que diz que a sombra é um tesouro escondido, uma fonte grande de ideias que não estão a nosso alcance, pois mantemos enterradas por serem aquilo que não queremos ser, mas é exatamente esses conteúdos que nos faz ser completos.
É indispensável compreender que a sombra se origina de uma necessidade infantil frustrada e como forma de recompensa a psique cria substituições dessas necessidades, ou seja, a criança, após ter sido ferida afetivamente, pode vir a ser um adulto acompanhado de mecanismos considerados dolorosos como vergonha, culpa, perfeccionismo etc. (OCAÑA, 2008). Continua a autora Ocaña (2008), que dessa maneira a criança sente como se ser ela mesma não fosse o suficiente e é onde entra e negação dos próprios traços que acredita não ter agradado os outros.
Para Franz (2002), afirma que a sombra é tudo aquilo que nos pertence mas que não sabemos e, o analisando no primeiro momento, não consegue definir o que é pessoal e coletivo, sendo apenas um aglomerado de aspectos. A autora continua definindo que a sombra é todo o inconsciente, sendo um acervo de emoções, julgamentos etc.
Dentro da estrutura psíquica encontram-se a sombra pessoal e a sombra coletiva. Os autores Zweig e Abrams (1994) reiteram que
A sombra pessoal contém, portanto, todos os tipos de potencialidades não-desenvolvidas e não-expressas. Ela é aquela parte do inconsciente que complementa o ego e representa as características que a personalidade consciente recusa-se a admitir e, portanto, negligencia, esquece e enterra, até redescobri-las em confrontos desagradáveis com os outros.
A sombra coletiva é tudo aquilo que vemos em relação à maldade humana, é observada facilmente nos noticiários, nas ruas, nos políticos, no sistema judiciário etc. No nosso mundo globalizado, todos nós assistimos à sombra coletiva vindo à tona (ZWEIG; ABRAMS, 1994). Os autores permanecem que
Enquanto a maioria das pessoas e grupos vive o lado socialmente aceitável da vida, outras parecem viver as porções socialmente rejeitadas pela vida. Quando essas últimas tomam-se objeto de projeções grupais negativas, a sombra coletiva toma a forma de racismo, de busca de “bode expiatório” ou de criação do “inimigo” (ZWEIG; ABRAMS, 1994).
Se um indivíduo vive sozinho, torna-se praticamente impossível que o mesmo consiga perceber sua sombra, já que é preciso de um espectador para lhe dizer sobre sua própria imagem (FRANZ, 2002).O autor Campos et al., (2017) comenta que a sombra é uma parte do inconsciente que está mais próximo a consciência, mesmo que não seja aceita, ela mesma procura uma forma de se expressar na vida, sendo uma parte autônoma do inconsciente.
O contato com a sombra
É muito comum que ao longo do processo terapêutico, o paciente apresente algumas resistências ao entrar em contato com conteúdos sombrios. É assim que se dá às projeções, o indivíduo joga para a outra pessoa aquilo que ele considera indesejável em si, e mesmo assim, não é possível a não integração dessa parte a si mesmo, pois ela continua pertencendo a quem projeta (ZWEIG; ABRAMS, 1994).
Fonte: Imagem de Victoria_Regen por Pixabay
Dessa forma é possível compreender o quão doloroso pode ser para o indivíduo que se submete a análise a adentrar sua sombra, onde será possível encontrar os conteúdos mais perversos, imorais e inaceitáveis. Sweig e Abrams (1994), já haviam dito que não se pode olhar de forma direta para a sombra pois ela é difícil de ser apreendida, é perigosa e desordenada.
É por essas questões que projetamos a nossa sombra no outro, aquele traço que eu abomino no outro provavelmente é algo nosso. Vemos a sombra de maneira indireta nas atitudes alheias pois é mais cômodo para o nosso ego observar de fora (ZWEIG; ABRAMS, 1994). A psicoterapia surge como uma alternativa para entrar em contato com os aspectos sombrios, auxiliando na diminuição das resistências, libertando e direcionando a energia vital positiva que estava presa à sombra, fazendo com que o sujeito possa se transformar (CAMPOS et al., 2017).
Um relacionamento correto com a sombra nos oferece um presente valioso, leva-nos ao reencontro de nossas potencialidades enterradas, saber lidar com a Sombra e o mal é uma experiência tão poderosa que pode transformar a pessoa como um todo. Trabalhar a nossa Sombra é enfrentar seus conteúdos em uma imagem de nós mesmos, assim deixando de lado os nossos medos e a nossa rigidez. Este trabalho é voluntário e consciente, em que devemos assumir tudo aquilo que ignoramos ou reprimimos, somente assim poderemos sanar os nossos problemas levando luz à escuridão do nosso próprio ser (CAMPOS et al., 2017, p. 390).
Para Zweig e Abrams (1994), há algumas formas de ‘’curar’’ a projeção, como assumir a responsabilidade sobre elas e reverter a projeção, que consiste em compreender que esse mecanismo fala mais sobre si do que sobre o outro. E à medida que o indivíduo passa a enfrentar essas questões, a sombra passa a se tornar mais evidente, pois a mesma é parte integrante do ego, e os confortos que ela causa não são causados por terceiros, mas sim pelo próprio indivíduo.
Sabendo disso, torna-se necessário que o indivíduo integre a própria sombra, já que assim ele passará a se compreender melhor, a recolher suas projeções e viverá de maneira mais coerente com sigo mesmo e, esse processo faz parte da individuação do sujeito.
É entender que é utópico pensar que um dia um ser humano pode ser completamente perfeito, sem a existência de nada que a sociedade considere defeituoso para a personalidade; e, por fim, reintegrá-la, que consiste basicamente em entender quais conteúdos consiste na persona e quais na sombra voltando para o Si-mesmo, que o Eu profundo, aquilo que é divino e presente em todos os indivíduos (OCAÑA, 2008).
A Individuação
A experiência total de integridade que ocorre ao longo da vida é considerada por Jung “individuação”. Jung baseia-se nesse conceito, na observação que teve de que as pessoas crescem e se desenvolvem ao longo dos anos que têm de vida na terra. Sendo que do momento que nasce até por volta dos 20 anos, é uma fase de desenvolvimento físico. Na meia idade já começam a surgir lembretes da imortalidade, como rugas e flacidez. Com a meia idade inevitavelmente se chega a velhice, que pode ir dos 70 aos 120 anos, idade esperada para os próximos séculos. (STEINS, 2006)
O conceito de individuação nasceu em um período de sentimento de crise histórica. No livro de Jung “Tipos Psicológicos”, ele discute o problema que o homem moderno enfrenta diante da especialização, fragmentação e unilateralidade e alienação. Nesse livro, especialmente no capítulo sobre Schiller, Jung deixa claro que ver o homem moderno em desarmonia interior e alienação de si mesmo. (GORRESIO, 2016)
Gorresio (2016), afirma que a individuação pode ser compreendida como:
A grande jornada do ego na busca e no aumento da consciência do Si-mesmo. A essência da individuação consiste no “conhecer-se a si mesmo”. Mas o que é o Si Mesmo Para Jung, o Si-Mesmo é “a soma total dos conteúdos conscientes e inconscientes”, portanto individuar-se significa a realização consciente do potencial de cada um. Nas palavras de Jung, individuar-se é “o melhor desenvolvimento possível da totalidade de um indivíduo determinado”. Requer-se para tanto a vida inteira de uma pessoa, em todos seus aspectos biológicos, sociais e psíquicos.
Pode então se dizer que a individuação é o processo de tornar a personalidade unificada e única, ou seja, uma pessoa integrada, uma totalidade. Mas é possível fracassar na individuação, não é uma tarefa fácil e poucos conseguem. “Pois, uma pessoa pode permanecer dividida, não-integrada, internamente múltipla, até chegar a uma idade avançada” (STEINS, 2016)
“Percebe-se que a individuação, eixo-mestre da praxis junguiana, pressupõe a disponibilidade para o auto sacrifício – o sacrifício do Eu em face das exigências do Si mesmo, o que implica também disponibilidade para suportar o sofrimento,” (BARRETO, 2009). Por isso não é uma tarefa fácil. Pois conseguir enfrentar e ter conhecimento da persona e da sombra, enfrentar a experiência do encontro entre consciente e inconsciente exige “coragem”. Pois isso é o que de fato podemos entender como individuação, é o processo de desenvolvimento entre os conflitos do consciente e inconsciente. (STEINS, 2016)
O processo de individuação consiste em ficar frente a frente com os vários aspectos sombrios que cada um tem dentro de si, reconhecendo-os e despindo-se da persona e das imagens primordiais. Jung vê o processo de individuação diferente do individualismo, pois esse processo estimula o indivíduo a criar condições para que ele quanto os que estão a sua volta desperte o melhor de si. Compreendo assim a convivência coletiva, mantendo assim próximo da totalidade também da individualidade. Consiste numa aproximação do indivíduo ao mundo e não da sua exclusão.
Jung (2009) afirma que:
A individuação, em geral, é o processo de formação e particularização do ser individual e, em especial, é o desenvolvimento do indivíduo psicológico como ser distinto do conjunto, da psicologia coletiva. É portanto um processo de diferenciação que objetiva o desenvolvimento da personalidade individual. (…) Uma vez que o indivíduo não éum ser único mas pressupõe também um relacionamento coletivo para sua existência, também o processo de individuação não leva ao isolamento, mas a um relacionamento coletivo mais intenso e mais abrangente.
O Instituto Freedom (2017) afirma que a individuação é o centro da teoria de Jung, já que a mesma remete ao conhecimento que a pessoa tem do Si Mesmo, se trata da realização do self. Pois o principal foco da individuação é o conhecimento que o indivíduo tem de si mesmo. Para que esse processo ocorra é preciso a realização dos campos da espiritualidade, da arte e da religião, assim também o íntimo da alma. É ter autoconhecimento, saber lidar com a convivência coletiva, enfrentar o negativo da mesma forma que lida com o positivo. Não é um processo fácil. Da mesma forma que o corpo precisa de alimento para sobreviver, a personalidade precisa de experiências para individuar-se.
Conclusão
Pode-se dizer então que compreender o inconsciente não é tarefa fácil (INSTITUTO FREEDOM, 2016). Por isso enfatizava em suas obras a importância do sujeito no processo terapêutico. Assim sendo, a sombra é um arquétipo muito importante para ser trabalhado no setting, assim também, paciente e terapeuta, trabalham juntos para a construção da individuação do paciente. Mas como dito anteriormente, não são todos os pacientes que conseguem chegar a ela. É importante dizer que Carl Jung (2003) compara as pessoas como uma árvore, simbolizando o desenvolvimento, a união dos opostos, às raízes nas profundezas, e os galhos no alto. Um processo de união entre consciente e inconsciente. Esse processo de crescimento da árvore é lento, e o mesmo acontece com o cliente/paciente, que em um processo lento em terapia, pode chegar a essa união de opostos. (INSTITUTO FREEDOM, 2016)
REFERÊNCIAS
BARRETO, Marco Heleno. A dimensão ética da psicologia analítica: individuação como “realização moral”. Seção Temática • Psicol. clin. 21 (1) • 2009.
CAMPOS, Josmar Furtado de; et al. Sombra, um despertar para as potencialidades. Rev. Científica univiçosa, v. 9, n. 1, 2017.
CORDEIRO, A. M. et al. Revisão sistemática: uma revisão narrativa. Rev. Col. Bras. Cir.
vol.34 no.6 Rio de Janeiro, nov./2007
FRANZ, Marie-Louise Von. A sombra e o mal nos contos de fadas. Editora Paulus, 3 ed, São Paulo, 2002.
Um dos super heróis que mais se identifica com seus leitores sem dúvida é o Homem Aranha. Conhecido popularmente como o “amigão da vizinhança” nas suas histórias, o personagem foi criado nos quadrinhos por Stan Lee (1922-2018) e pelo desenhista Steve Ditko (1927-2018) e teve sua primeira aparição na antologia Amazing Fantasy #15 (1962). Nos cinemas, o herói já foi vivido por três atores diferentes em Hollywood desde o começo do milênio; e por motivos de objetividade este texto tratará da versão dirigida por Sam Raimi (de The Evil Dead, 1981 e Oz: The Great and Powerful, 2013) na trilogia de filmes iniciada em Spider-Man (2002) e termina em Spider-Man 2 e 3 (2004; 2007).
Fonte: encurtador.com.br/yEHN7
No primeiro filme somos apresentados a origem do alter ego Homem Aranha, e a movimentação de Peter Parker (Tobey Maguire) na saída de sua vida comum e adentrando em uma jornada que se inicia quando é picado por uma aranha modificada geneticamente. Aqui ele deve assumir as responsabilidades que são trazidas por suas habilidades extraordinárias, lidar com a morte de sua figura paterna e enfrentar um grande amigo que se torna o grande antagonista de sua saga inicial. Na Jornada do Herói, de Joseph Campbell, descrita em O Herói de Mil Faces (1949), esse filme poderia representar a Partida, rumo à jornada.
No filme de 2004, Peter deve entender que sua vida pessoal e sua vida secreta como herói não podem se misturar, e pessoas queridas por ele começam a entrar em risco. Além de sua figura materna, sua amada também se vê em meio a trama perigosa que envolve o vilão Octopus (Alfred Molina). Mais uma vez deve enfrentar um grande amigo, pois Octopus era seu benfeitor e muito próximo e no fim, acaba tendo de se digladiar com ele. Coincidentemente esse filme é considerado o melhor da trilogia, tanto no meio da crítica especializada quanto pelos fãs; aqui na jornada do herói veríamos a Descida, rumo a parte mais intensa de sua aventura.
O último filme da trilogia retrata Peter tentando viver com o peso do heroísmo e agora também com o fato de sua amada saber de seus segredos heroicos. Esta parte final também fica marcada pelo retorno de seu melhor amigo, Harry Osborn (James Franco) que vem como o vilão Duende Macabro, pelo Homem de Areia (Thomas Haden Church) e pelo nêmeses máximo, Venom, um ser simbionte que vem do espaço, que primeiramente começa a parasitar Peter e entrar em sua mente. Nesse terceiro filme, que seria o Retorno do herói na narrativa de Peter, o protagonista é forçado a enfrentar o pior de si mesmo por conta desse simbionte: sua Sombra passa a ser seu principal inimigo.
Fonte: encurtador.com.br/hlKT5
A Sombra de Cada Um
Em uma dissertação sobre perfis fakes intitulada, Manifestações da Persona e Sombra em Perfis Fakes, Bruna Valdez Bizzotto aponta que “a Sombra é composta por conteúdos tanto do inconsciente pessoal quanto do inconsciente coletivo. Ela representa os aspectos negativos da personalidade que são socialmente reprováveis e, portanto, recalcados” (p. 5).
A partir daí é possível construir uma noção acerca da função desse arquétipo na psique dos indivíduos. C. G. Jung na obra O Homem e Seus Símbolos, ao se referir aos símbolos culturais e sua relação com o inconsciente quando são reprimidos ou confrontados aponta que:
Estas tendências formam no consciente uma “sombra”, sempre presente e potencialmente destruidora. Mesmo as tendências que poderiam, em certas circunstâncias, exercer uma influência benéfica, são transformadas em demônios quando reprimidas. É por isto que muita gente bem-intencionada tem um receio bastante justificado do inconsciente e, incidentalmente, da psicologia. (JUNG et al., 2016)
Fonte: encurtador.com.br/fFJSZ
Então compreende-se nesse recorte que a repressão de conteúdos psíquicos gera consequências, contudo, especificamente os conteúdos de cunho moral, cultural e ideológico, no que diz respeito a visão de mundo e comportamento dos indivíduos podem gerar demasiada tensão psíquica. Mais a frente na mesma obra, M. L. Von Franz define:
(…) o conceito da sombra, que ocupa lugar vital na psicologia analítica. O professor Jung mostrou que a sombra projetada pela mente consciente do indivíduo contém os aspectos ocultos, reprimidos e desfavoráveis (ou nefandos) da sua personalidade. Mas esta sombra não é apenas o simples inverso do ego consciente. Assim como o ego contém atitudes desfavoráveis e destrutivas, a sombra possui algumas boas qualidades — instintos normais e impulsos criadores. Na verdade, o ego e a sombra, apesar de separados, são tão indissoluvelmente ligados um ao outro quanto o sentimento e o pensamento. (JUNG et al., 2016)
Conclui-se que cada indivíduo então projeta uma sombra, em oposição ou contraposição às características numinosas de sua personalidade, no caso de Peter Parker no terceiro filme da trilogia, não é diferente. O herói passa por um momento de crise em sua vida pessoal – seu relacionamento está abalado, seu melhor amigo está internado e a culpa é sua, por conta de sua identidade secreta.
Fonte: encurtador.com.br/gFHQ8
Em dado momento o advento do simbionte (ser parasita cósmico que se alimenta e se fortalece através de seu hospedeiro) literalmente depois de cair do céu e posteriormente se funde ao traje do Homem-Aranha. De maneira muito simbólica esse traje é preto e ao usar ele, Peter cede a pulsões violentas, às paixões e à vaidade devido a suas habilidades sobre humanas, mostrando aspectos extrovertidos de sua personalidade, sendo até malicioso em determinados momentos. Aspectos bem antagônicos a sua personalidade usual, que é pacífica, introvertida e bondosa.
O Herói e a Caverna
No final apoteótico do filme, Peter deve confrontar sua sombra. Em uma cena marcante, ao se dar conta dos efeitos do traje preto em sua personalidade, ou, simbolicamente ao se ver confrontando sua sombra fisicamente, o herói tem um embate consigo mesmo tentando remover esses aspectos nocivos de si. Na noite tempestuosa numa catedral gótica imensa no topo da torre do sino mais alta Peter Parker se debate e arranca de sua pele a negritude do simbionte.
Ao remover literalmente esse aspecto de si, recobrando contato com seu Self, Peter ainda tem que lidar com as consequências das decisões de sua sombra. O conflito final da película gira em torno das inimizades, dos desafetos e das consequências de comportamentos impulsivos cometidos por ele. Mas dessa experiência ele retorna mais seguro de si, mais ciente de sua força e mais crítico sobre si mesmo.
A descida do herói à caverna é parte fundamental da jornada. Enfrentar seu lado sombrio, entrar em contato com ele propicia amadurecimento, pois é preciso reconhecer que há uma sombra e integrar partes dela. Peter Parker aprende isso de um jeito difícil, mas que ao final da caminhada sempre é recompensador.
Fonte: encurtador.com.br/giptH
REFERÊNCIAS
BIZZOTTO, Bruna Valdez; FORTIM, Ivelise. Manifestações da Persona e Sombra em perfis fakes. In: Anais Congresso Brasileiro de Psicologia e Adolescência. 2011.
JUNG, Carl G. et al. O Homem E Seus Símbolos. HarperCollins Brasil, 2016.
O universo cinematográfico tem investido pesadamente em séries que narram histórias reais de personagens de índole, no mínimo, duvidosas. Cada vez mais as séries e filmes em que se têm os vilões como protagonistas caíram no gosto dos telespectadores.
Uma série de televisão que deixou sua marca na história, por glamourizar o estilo de vida criminoso foi Breaking Bad. Lançada em 2008, contando com 05 (cinco) temporadas, a série de Vince Gilligan narra momentos da vida de um brilhante professor de química de uma escola de Albuquerque, Novo México, que se envolve com tráfico de Metanfetamina.
Walter White (Bryan Cranston), pai de família, um brilhante químico, conhecido por seus princípios éticos profissionais, sempre trabalhou honestamente para conseguir seu sustento. No início da história, White possui uma dupla jornada de trabalho, como professor e funcionário de uma empresa de Lava Jato, para garantir a subsistências de seus familiares.
Acontece que White já não dispõe de boa saúde, descobre que possui câncer de pulmão e que teria somente 18 meses de vida. Essa descoberta o leva a ter diversas preocupações, principalmente em como ficaria a vida de seus familiares após sua partida.
Consciente de sua morte iminente, White busca encontrar meios de garantir renda para sua família e, certo dia, em uma confraternização de familiares, enxerga a oportunidade de levantar uma grande quantia em um curto espaço de tempo: traficando uma droga que possui um poder destrutivo e viciante gigantesco, a metanfetamina.
Apesar de ser um brilhante químico, Walter não conhecia o submundo do crime, mas sua inexperiência não o impediu de seguir com seu plano. Com a ajuda de um ex-aluno, Jesse Pinkman (Aaron Paul), White começa a construir um império e passa a se intitular de Heisenberg – uma homenagem a Werner Karl Heisenberg, físico alemão ganhador do Nobel Física de 1932 “pela criação da mecânica quântica, cujas aplicações levaram à descoberta, entre outras, das formas alotrópicas do hidrogênio”.
Heisenberg atraiu muito dinheiro e muitos problemas. Os espectadores acompanharam a transformação de um humilde professor que tinha certeza de sua morte em um traficante extremamente perigoso que passa a ter prazer naquilo que faz.
Essa transformação do personagem pode ser observada, nos ensinos de Carl Gustav Jung (Psicologia Analítica), como uma aproximação sucessiva com o lado destrutivo da sombra. Para essa abordagem, a sombra faz parte de todos os indivíduos, faz parte dos instintos que mais desejamos controlar (raiva, medo, ódio, luxúria, inveja etc.). Pode ser interpretada como a parte obscura da psiquê, entendida como o lado negativo de cada indivíduo, algo complexo e dotado de vitalidade autônoma.
Com Heisenberg a história não é diferente, momentos decisivos de conflito interno vão dando indícios de sua personalidade oculta se aflorando. Sua ambição financeira, seu desejo pelo poder, sua arrogância e complexo de superioridade. Todas essas características são apresentadas de forma sutil, até que somos surpreendidos com um diálogo do personagem com sua esposa, Skyler White (Anna Gunn), que estava preocupada com sua segurança e de sua família:
“Não estou em perigo, Skyler, eu sou o próprio perigo. Se baterem na porta de um homem e derem um tiro nele, vocês irão pensar que eu sou este homem? Não! Eu sou o que bate na porta.” (Episódio 06, Temporada 04).
O personagem nos traz diversas reflexões sociais, algumas interpretadas de forma errônea, mas, para o estudo psicológico, percebe-se não só a mudança comportamental, mas a exposição daquilo que o próprio indivíduo ocultava de seus pares.
Na Psicologia Analítica, semelhante à psicanálise, há subdivisões do inconsciente. Entre elas, há o inconsciente coletivo, no qual pode-se afirmar que “habita” as sombras, pois essa parte representa os instintos e desejos de que todo ser humano tem e que são observados por sonhos, alucinações ou outras manifestações humanas. Esse processo culmina no termo arquétipo, no qual representa uma figura simbólica sobre um dado grupo ou comportamento humano.
Walter White, nos primeiros momentos da série, demonstra e apresenta controle emocional e um contato mínimo do self, como um cidadão americano exemplar em todos os aspectos.
Contudo, no decorrer dos episódios, percebe-se que ele estava aos poucos dominado pela Sombra, apenas vivia a mercê de seus desejos, sem controle ou algum tipo de critério regulador. Isso culminou na manifestação de contravenções, fruto de comportamentos muitas vezes reprimidos e guardados no inconsciente que desafiam leis moras e que perturbam o indivíduo.
Nesse contexto, é possível inferir também que o protagonista vivenciou vários complexos, pois no decorrer da série foi possível observar profundos conflitos entre dilemas morais e desejos reprimidos do inconsciente.
REFERÊNCIAS
NORONHA, Heloisa. Todos temos um “lado sombra” da personalidade: o que é e como lidar com ele. Portal de Divulgação Científica do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Publicado em 15 set 2020. Disponível em: < https://sites.usp.br/psicousp/todos-temos-um-lado-sombra-da-personalidade-o-que-e-e-como-lidar-com-ele/>, Acesso em 22 ago 2021.
LEVY Edna G. Sombra. Disponível em: < https://www.jogodeareia.com.br/psicologia-analitica/sombra/>, Acesso Em: 22 ago 2021.
LUIS, Alexandre Fernandes Ogasawara. A sombra na contemporaneidade: o impacto dos conteúdos sombrios no processo criativo na disciplina de Projeto de Produto do curso de Design. São Paulo, 2014. 43p. Monografia (Especialização em Psicologia Junguiana). Faculdade de Ciências da Saúde- FACIS.
PERIPOLLI, Monica Silveira. A química de Walter White: construção do anti-herói na narrativa de Breaking Bad. Universidade Federal de Santa Maria. Centro de Ciências Sociais e Humanas. Departamento de Comunicação Social. 2015. Disponível em < https://repositorio.ufsm.br/bitstream/handle/1/1778/Peripolli_Monica_Silveira.pdf?sequence=1&isAllowed=y>, Acesso em 22 ago 2021.
Compartilhe este conteúdo:
Psicologia Analítica – Anima, Animus e a Coniunctio Alquímica
Para falar de Animus e Anima é importante demonstrar que o conceito denominado hoje de masculino e feminino é algo relacionado ao longo dos milênios. Sua relação nos primórdios são com associações às Deusas e Deuses, bem como tantas figuras, masculinas e femininas, formando assim modelos, nos quais Jung denominou “arquétipos”, que podem se manifestar de diversas formas (SANFORD, 1987).
O conceito de “archetypus” só se aplica indiretamente às représentations collectives, na medida em que designar apenas aqueles conteúdos psíquicos que ainda não foram submetidos a qualquer elaboração consciente […] o arquétipo representa essencialmente um conteúdo inconsciente, o qual se modifica através de sua conscientização e percepção, assumindo matizes que variam de acordo com a consciência individual na qual se manifesta (JUNG, 2002, p.17).
O Animus e a Anima podem então ser manifestados através de diversas imagens arquetípicas. Jung, E. (2006, p.15) nos traz que:
Estas duas figuras uma é masculina, a outra feminina – foram denominadas de Animus e Anima por [Carl Gustav] Jung. Ele entende aí um complexo funcional que se comporta de forma compensatória em relação à personalidade externa, de certo modo uma personalidade interna que apresenta aquelas propriedades que faltam à personalidade externa, consciente e manifesta.
Há uma grande complexidade no entendimento dos conceitos de Animus e Anima, é preciso entender a forma que Jung nos mostra, porém, este tema não foi um conceito final, visto que muitas questões foram pontuadas desde os primórdios da Psicologia Analítica até aqui.
Embora este assunto possa ter parecido calmo e resolvido ao tempo de Jung, ele provoca hoje mais agitação do que em ninho de maribondo. A alguns contemporâneos parece que Jung foi um homem adiante do seu tempo, que previu e, com efeito, advogou um tipo de protofeminismo. Para outros, ele apresenta-se como um porta-vos de pontos de vista tradicionais estereotipados sobre as diferenças entre homens e mulheres. De fato, penso que ele foi um pouco de ambas as coisas (STEIN, 2006, p.116).
Mesmo Jung tendo descrito muito sobre esse assunto da Anima e do Animus, não há uma afirmação definitiva, sendo que de tempos em tempos ele apresentava sempre novas definições que complementavam aspectos diferentes dessas realidades, porém reafirma que a Anima é a personificação do elemento feminino na psique masculina enquanto que o Animus é a personificação do elemento masculino na psique feminina. Como todos os arquétipos, a Anima e o Animus tem formas de se manifestar, sendo positivas e negativas, podendo ser atraentes ou destruidores sendo comparados aos deuses e deusas que poderiam agir em prol da humanidade ou voltar-se contra ela (SANFORD, 1987).
A usual definição sintética diz que a anima é o feminino interno para um homem e o animus o masculino interno para uma mulher. Mas também se pode falar simplesmente delas como estruturas funcionais que servem um propósito específico na relação com o ego. Como estrutura psíquica, anima/us é o instrumento pelo qual homens e mulheres penetram nas partes mais profundas de suas naturezas psicológicas e se adaptam a elas. Assim como a persona está voltada para o mundo social e colabora com as necessárias adaptações externas, também a anima/us está voltada para o mundo interior da psique e ajuda uma pessoa a adaptar-se às exigências e necessidades dos pensamentos intuitivos, sentimentos, imagens e emoções com que o ego se defronta (STEIN, 2006, p. 120).
Entende-se então que quando há um domínio da anima no homem, este tende a se refugiar em sentimentos de mágoa e resignação, pois quando não está bem desenvolvida o afunda em um humor opressivo, enquanto que as mulheres sob domínio do animus tendem a trazer uma grande carga emocional nos seus pensamentos e opiniões que a controlam (SANFORD, 1987).
A Psicologia Analítica de Jung, muito aprofunda-se também nos conceitos da alquimia, pois, os processo alquímicos podem ser interpretados sob o prisma psicológico, e muito dizem sobre os conteúdos e mecanismos inconscientes.
Considerava-se a opus alquímica como um processo iniciado pela natureza, mas que exigia a arte e o esforço conscientes de um ser humano para ser completada […] A opus é, num certo sentido, contrária à Natureza, mas, em outro o alquimista auxilia esta última a fazer aquilo que ela não pode fazer por si mesma. (EDINGER, 2006, p. 28)
Sendo assim a relação Animus e Anima é muito abordado através do conceito alquímico da coniunctio (conjunção) como união dos opostos, sendo este o ponto máximo da opus. Portanto, a união dos opostos que foram separados de forma imperfeita, ou seja, não foram completamente separadas, caracterizando então a coniunctio inferior, essa fase é seguida pela morte, através do conceito de mortificatio.
Enquanto que a coniunctio superior está voltada para o conceito de “pedra filosofal” alquímica, que é o alvo da opus, a suprema realização, resultante da união final dos opostos mas aqui, são opostos purificados e que combinados mitigam (suavizam) e retificam (harmonizam) a unilateralidade. Quando o ego se identifica com conteúdos inconscientes ele pode ficar exposto a identificações sucetivas com a Sombra, o Animus e Anima e o Si-mesmo. (EDINGER, 2006).
O casamento e/ou intercurso sexual entre Sol e a Luna ou outras personificações dos opostos. Essa imagem, nos sonhos, refere-se à coniunctio, superior ou inferior, dependendo do contexto (EDINGER, 2006). Sendo assim vemos o sol e a lua como arquétipos que se referenciam ao Animus (Sol) e Anima (Lua), sendo relacionados também ao simbolo do Yin Yang descrito no I. Ching, identificando que a figura possui dois lados, porém ambos os lados carregam com si uma parte do outro, pois ambos se complementam.
Jung (1931) fala sobre essa dinâmica em um de seus seminários, intitulado “Seminário sobre visões”, posteriormente dividido em doze partes (livros). Na parte cinco, Jung demonstra uma imagem alquímica na qual há uma mulher com uma árvore que cresce em sua cabeça, enquanto que há uma águia em cima da cabeça dessa mulher e pássaros ao seu redor, nessa figura há também o Sol do lado esquerdo e a Lua em seu lado direito.
No lado esquerdo da imagem da mulher está o símbolo do sol, no lado direito a lua referindo-se à união de masculino e feminino (na realidade, àquele processo alquímico) e o texto correspondente diz que à esquerda os pássaros do sol estão morrendo a morte branca e à direita os pássaros da lua estão morrendo a morte preta (JUNG, 1931/1964, p. 25).
A coniunctio alquímica pode apresentar duas diferentes naturezas, como por exemplo, se (a) o sonhador(a) encontra em seu sonho uma atração ou inimizade entre duas figuras, se trata de pelo menos um eco da coniunctio e quando há uma familiarização com essa imagética há uma maior facilidade em perceber um material inconsciente que até então era completamente invisível (EDINGER, 1995).
Com isso entende-se que o estudo dos processos alquímicos se mostra muito relevante para o psicoterapeuta junguiano, ao passo que a compreensão dos movimentos que ocorrem na psique presentes na alquimia, carregam consigo saberes e símbolos antigos, que se mostram em sua maioria, universais, portanto, fazem parte do inconsciente coletivo. A manifestação de Animus e Anima, será diferente em cada indivíduo, mas o entendimento dos arquétipos e dos processos de mudança, presentes na alquimia, nos facilitam essa observação, de forma a nos familiarizar com os mesmos.
EDINGER, Edward F. Anatomia da psique. Editora Cultrix, 2006.
JUNG, C. G. Os arquétipos e o inconsciente coletivo (Coleção Obras completas de CG Jung, Vol. 9, ML Appy & DMRF Silva, trads.). Petrópolis, RJ: Vozes. (Trabalho original publicado em 1976), 2002.
JUNG, Emma. Animus e Anima/5º reimpressão da 1º edição de 1991–São Paulo. 2006.
The MysteriumLectures. A Journey through C.G. Jung’s Mysterium Coniunctionis, Toronto: Inner City Books, 1995.
SANFORD, John A.. Os Parceiros Invisíveis. São Paulo: Paulus, 1987. 171 p. Tradução I.F. Leal Ferreira.
“SEMINÁRIOS SOBRE VISÕES” “The Visions Seminars”. Carl Gustav Jung Parte V. Seminários entre 11 de novembro e 16 de dezembro de 1931. SPRING 1964.
Sem sombra de dúvidas uma das séries de comédia mais promissoras da atualidade é Rick and Morty (2013). Concebida pelas mentes de Dan Harmon e Justin Roiland, a série trata de um cientista super inteligente de nome Rick Sanchez, que inventou uma tecnologia que o permite viajar entre as dimensões, a qualquer momento que desejar. Ele acaba arrastando seu neto, Morty Smith para as mais surpreendentes aventuras nos confins das dimensões e nos cantos mais surpreendentes de um universo muito rico em personagens e cenários variados.
Até o presente momento o seriado segue com cinco temporadas, a quinta ainda se encontra em processo de lançamento, e a produção trata de diversos temas que transcendem a comédia escrachada que aparenta ser na superfície, como niilismo e algumas vertentes filosóficas, ciência e religião se confrontando, além de aspectos pessoais profundos da psique dos protagonistas.
Rick (à esquerda) e Morty (à direita) Fonte: https://img.ibxk.com.br/2021/03/30/30154331662236.jpg
Rick é um homem velho e que deseja viver sem consequências pois sua vida aparenta ser sem sentido e transitória, devido a sua capacidade de estar em qualquer lugar que desejar a qualquer momento; Morty por sua vez se encontra na adolescência e apesar de gostar da maioria das aventuras, passa por momentos de trauma extremos e se vê ao longo da jornada se questionando quanto de sua vida adolescente está perdendo por se dispor a estar sempre na jornada com seu avô.
O primeiro protagonista vive na dualidade entre dois aspectos de sua personalidade: um criador onipotente que pode alcançar qualquer objetivo através da ciência e sua inteligência e conhecimento quase que ilimitados no que diz respeito aos fatos que o seriado expõe ao espectador. Essas duas características de sua personalidade podem ser associadas a dois arquétipos propostos na teoria de Carl Gustav Jung: O Sábio e o Mago.
Em Carl Gustav Jung encontramos a definição para o Velho Sábio e sua função na simbologia e na psique humana. Em algumas literaturas também conhecido como Senex (termo latino para Homem Velho), Eremita, ou simplesmente sábio. Este como tantos outros é um dos arquétipos que acompanham a humanidade em seu desenvolvimento histórico e psicossocial, emergindo do Inconsciente Coletivo por meio de simbologia primeva e facilmente reconhecível, afinal, todos conhecem um velho sábio:
A figura do Velho Sábio pode evidenciar-se tanto em sonhos como também através das visões da meditação (ou da “imaginação ativa”) tão plasticamente a ponto de assumir o papel de um guru, como acontece na índia . O Velho Sábio aparece nos sonhos como mago, médico, sacerdote, professor, catedrático, avô ou como qualquer pessoa que possuía autoridade. (JUNG, 2018, p.213)
Representação clássica do Velho Sábio – Fonte: https://www.ednapinson.com.br/wp-content/uploads/2020/07/eremita-tarot.jpg
Ou seja, algum ser que representa sabedoria, inteligência e diligência, geralmente associado à imagem de um homem velho, um eremita, que vem auxiliar o herói de alguma jornada a trilhar seu caminho. No caso de Rick Sanchez, nos episódios que retratam seu passado é possível notar como isso já se encaixou melhor com sua persona; em “The Rickshank Rickdemption” (SE 03; EP 01), em um vislumbre de seu passado – mesmo que alegadamente inventado, mas as projeções da mente geralmente não enganam – Rick aprende da pior maneira possível os riscos de sua inteligência isso modifica sua maneira de ver o mundo e alterou essa representação de Sábio contida dentro de sí.
Ainda em Jung nota-se que:
O mago é sinônimo do velho sábio, que remonta diretamente à figura do xamã na sociedade primitiva. Como a anima, ele é um daimon imortal que penetra com a luz do sentido a obscuridade caótica da vida. Ele é o iluminador. o professor e mestre, um psicopompo (guia das almas) de cuja personificação nem NIETZSCHE, o “destruidor das tábuas da Lei”, pôde escapar. (JUNG, 2018, p.46)
Além de fisicamente ser um homem velho pois no seriado fica claro que sua idade ultrapassa os 70 anos, Sanchez é o mago que cria as coisas ao seu redor; é o professor que ensina tudo a seu neto; é o velho experiente com muito a contar sobre o mundo; mas também é o eremita bêbado que traz uma profecia de desgraça e destruição a tudo que o cerca; uma representação bem característica do desequilíbrio e desintegração do arquétipo com a psique.
A Síntese de Rick
As narrativas dos episódios vão girar em torno dessa trajetória de aprendizagem dos dois sobre si mesmos e das consequências que as aventuras vividas por eles – ou a falta destas – geram na personalidade de cada um. Morty vai progredindo e se tornando cada vez mais perspicaz e parecido com seu avô, Rick por sua vez lida com sua inteligência absurda e a faca de dois gumes que esta se torna para ele. Em certa medida é ela que proporciona sua capacidade de viver tudo o que se dispõe a viver, mas é também ela que o tortura pois como ele mesmo alega algumas vezes, todo esse conhecimento soa irrelevante perante a grandeza do universo. O personagem oscila entre se ver como um deus que sabe e pode tudo e um refém de sua própria mente, que se ancora no alcoolismo e nas drogas para viver em fuga de um passado trágico de decisões e escolhas que o perseguem.
E é nesse ponto da vida de Rick que ela esbarra no arquétipo do Sábio. Sua quase onisciência de conceitos científicos o coloca em um pedestal intelectual perante os personagens ao seu redor, porém, ele mesmo faz questão de pôr abaixo qualquer expectativa erguida sobre ele e sobre o mundo à sua volta. Ele é capaz de criar o que quiser com sua inteligência. Mas tudo isso sucumbe a seus conflitos humanos.
Em uma das temporadas mais sombrias, a quarta, Rick vive uma jornada de reencontro com sua Sombra. O fato de ter sido um pai ausente, um péssimo avô em determinadas ocasiões, até mesmo sua arrogância e incapacidade de fazer amizades o levam a experimentar os momentos mais tristes já exibidos no seriado (Se. 04 Ep. 02: The Old Man and the Seat).
Na terceira temporada no episódio Pickle Rick (SE 03, EP 03) ele tem um confronto com uma terapeuta familiar, que em uma cena magistral, demonstra toda a insegurança e soberba de Rick. Ali fica clara a necessidade de ajuste desses aspectos no personagem e a maneira nociva que isso atinge ele e as pessoas ao seu redor.
O resultado das ações de Rick as vezes são desastrosos – Fonte: https://super.abril.com.br/wp-content/uploads/2018/05/rick-morty-vai-ganhar-mais-70-episc3b3dios.png
Rick Sanchez parece precisar integrar sua Sombra e também o Sábio que vive em sua psique com seus aspectos positivos e negativos, para que fique em paz consigo mesmo e possa com mais frequência não destruir universos inteiros apenas por conta de seus problemas pessoais e suas capacidades absurdas. Os seus vícios e comportamentos destrutivos, usando sua inteligência para ferir os que o cercam e mais o amam mostram esse desequilíbrio; o Velho não é mais tão sábio quando se encontra entorpecido em suas dores.
Referências
JUNG, Carl Gustav. Os arquétipos e o inconsciente coletivo Vol. 9/1. Editora Vozes Limitada, 2018.
Apropriadamente, o fenômeno psicológico chamado sombra é tão complexo que mesmo as melhores definições dele são frequentemente por padrão: nós definimos o que a sombra não é para ter uma noção do que ela pode ser porque, sendo sombra, é difícil de olhar diretamente. Então aqui vai uma tentativa. “Sombra”, que significa nossa sombra psicológica ou pessoal, é composta por qualidades, impulsos e emoções que não podemos suportar para que os outros vejam e, portanto, lançamos no domínio oculto de nós mesmos.
A sombra tem muitos rostos: ganancioso, zangado, egoísta, medroso, ressentido, manipulador, fraco, crítico, controlador, hostil – continuamente. Este lado escuro de nós mesmos atua como um local de armazenamento para todas as coisas que consideramos inaceitáveis em nós mesmos: coisas que nos envergonhamos e fingimos que não somos, aspectos que não queremos permitir que o mundo veja, e que nós muitas vezes não nos permitimos ver. Ele fica oculto, logo abaixo da nossa superfície, mascarado por nossos eus mais “próprios”, permanecendo um território indomado e inexplorado para a maioria de nós (CAETANO, 2018).
A sombra se desenvolve naturalmente em todos nós, quando crianças. A primeira vez que desenvolvemos um senso de identidade suficiente para registrar o perigo da desaprovação de nossa mãe é provavelmente a primeira vez que fazemos um “depósito das sombras” em nossa psique. “Divida os biscoitos com seu irmão, querido”, ela diz. Mas os biscoitos são poucos e poucos; nós queremos todos eles. Esperamos até que mamãe vire as costas e, avidamente, engolimos os biscoitos do irmãozinho e os nossos: um feito que devemos esconder porque sabemos instintivamente, mesmo que não possamos expressar bem, que fizemos algo inaceitável ou “errado”, e que o ato – e a parte de nós que foi impelida a praticá-lo – deve ser escondida, para não pôr em perigo a nossa existência continuada em nossa tribo: nossa família.
Ao mesmo tempo, nos identificamos com as características ideais de personalidade, como polidez, inteligência ou habilidade nos esportes, que recebem a aprovação de nosso ambiente. W. Brugh Joy chama essas qualidades de Auto Resolução de Ano Novo (GUIRADO, 2015); eles passam a fazer parte da persona que gostaríamos de ser e como desejamos ser vistos pelo mundo. Nossa persona é nossa roupa psicológica, mediando entre nosso “verdadeiro” (mais profundo) eu e nosso ambiente, assim como a roupa física apresenta uma imagem para aqueles que encontramos. Essas partes de nós mesmos que somos e sobre as quais conhecemos conscientemente chamamos de “ego”; a sombra é aquela parte de nós que deixamos de ver ou conhecer (QUILICI, 2017).
O que, você pode perguntar, determina quais partes de nós mesmos passam a ser ego (aproveitando a luz do dia) e quais são relegadas aos reinos nebulosos das sombras? Essa é uma boa pergunta, e uma que você, como terapeuta, pode estar envolvido em ajudar seus clientes que confrontam a sombra a averiguar. Muitas forças desempenham um papel na formação de nossa sombra e são essas que determinam, em última análise, o que expressamos em nossas vidas e o que não. Pais, professores, irmãos, amigos, instituições sociais e outros criam um ambiente complexo no qual aprendemos o que compreende comportamento moral, “bom” e apropriado e o que é mesquinho, vergonhoso ou totalmente pecaminoso.
A sombra tem sido chamada de nosso “sistema imunológico psíquico” (MONTEIRO, 2008), porque define o que é “eu” e o que é “não-eu” (p xvii). Mas aqui está o aspecto realmente interessante: o sistema imunológico é determinado em todos os níveis: intrapessoal, familiar, comunitário, nacional e internacional. O que é permitido em uma família ou cultura é desaprovado em outra, se não totalmente proibido.
Arquétipos são modelos universais e inatos de pessoas, comportamentos ou personalidades que desempenham um papel na influência do comportamento humano. Eles foram apresentados pelo psiquiatra suíço Carl Jung, que sugeriu que esses arquétipos eram formas arcaicas de conhecimento humano inato transmitido por nossos ancestrais (JUNG, 2016).
Na psicologia junguiana, os arquétipos representam padrões e imagens universais que fazem parte do inconsciente coletivo. Jung acreditava que herdamos esses arquétipos da mesma forma que herdamos padrões instintivos de comportamento (COELHO, 2006).
Jung foi originalmente um apoiador de seu mentor Sigmund Freud. A relação acabou se fragmentando com as críticas de Jung à ênfase de Freud na sexualidade durante o desenvolvimento, o que levou Jung a desenvolver sua própria abordagem psicanalítica conhecida como psicologia analítica (MURRAY, 2019)
Embora Jung concordasse com Freud em que o inconsciente desempenhava um papel importante na personalidade e no comportamento, ele expandiu a ideia de Freud do inconsciente pessoal para incluir o que Jung chamou de inconsciente coletivo (QUILICI, 2017).
Jung acreditava que a psique humana era composta de três componentes: o ego, o inconsciente pessoal e o inconsciente coletivo. De acordo com Jung, o ego representa a mente consciente, enquanto o inconsciente pessoal contém memórias, incluindo aquelas que foram suprimidas. O inconsciente coletivo é um componente único, pois Jung acreditava que essa parte da psique servia como uma forma de herança psicológica. Continha todo o conhecimento e experiências que os humanos compartilham como espécie (JUNG, 2016).
O inconsciente coletivo, acreditava Jung, era onde esses arquétipos existem. Ele sugeriu que esses modelos são inatos, universais e hereditários. Os arquétipos não são aprendidos e funcionam para organizar a forma como experimentamos certas coisas. “Todas as ideias mais poderosas da história remontam aos arquétipos”, explicou Jung em seu livro “The Structure of the Psyche”.
“Isso é particularmente verdadeiro para as ideias religiosas, mas os conceitos centrais de ciência, filosofia e ética não são exceção a essa regra. Em sua forma atual, são variantes de ideias arquetípicas criadas pela aplicação consciente e adaptação dessas ideias à realidade. É função da consciência, não só reconhecer e assimilar o mundo externo através do portal dos sentidos, mas traduzir em realidade visível o mundo dentro de nós ”, sugeriu Jung (MURRAY, 2019).
Jung rejeitou o conceito de tabula rasa ou a noção de que a mente humana é uma lousa em branco no nascimento, a ser escrita apenas pela experiência. Ele acreditava que a mente humana retém aspectos biológicos fundamentais, inconscientes, de nossos ancestrais. Essas “imagens primordiais”, como ele inicialmente as apelidou, servem como fundamento básico de como ser humano. Esses personagens arcaicos e míticos que compõem os arquétipos residem com todas as pessoas de todo o mundo, acreditava Jung. São esses arquétipos que simbolizam motivações, valores e personalidades humanas básicas (GUIRADO, 2015).
Jung acreditava que cada arquétipo desempenhava um papel na personalidade, mas sentia que a maioria das pessoas era dominada por um arquétipo específico. De acordo com Jung, a maneira real pela qual um arquétipo é expresso ou realizado depende de uma série de fatores, incluindo as influências culturais de um indivíduo e experiências pessoais únicas, não podendo ser negligenciadas (JUNG, 2016).
Jung identificou quatro arquétipos principais, mas também acreditava que não havia limite para o número que pode existir. A existência desses arquétipos não pode ser observada diretamente, mas pode ser inferida observando-se a religião, os sonhos, a arte e a literatura (MURRAY, 2019).
Os quatro arquétipos principais descritos por Jung, bem como alguns outros que são frequentemente identificados, incluem o seguinte. persona é como nos apresentamos ao mundo. A palavra “persona” é derivada de uma palavra latina que significa literalmente “máscara”. Não é uma máscara literal, no entanto (GUIRADO, 2015).
A persona representa todas as diferentes máscaras sociais que usamos entre os vários grupos e situações. Atua para proteger o ego de imagens negativas. De acordo com Jung, a persona pode aparecer em sonhos e assumir diferentes formas (CAETANO, 2018).
Ao longo do desenvolvimento, as crianças aprendem que devem se comportar de certas maneiras para se adequar às expectativas e normas da sociedade. A persona se desenvolve como uma máscara social para conter todos os desejos, impulsos e emoções primitivos que não são considerados socialmente aceitáveis.
A sombra existe como parte da mente inconsciente e é composta de ideias reprimidas, fraquezas, desejos, instintos e deficiências.
A sombra se forma a partir de nossas tentativas de nos adaptarmos às normas e expectativas culturais. É esse arquétipo que contém todas as coisas que são inaceitáveis não apenas para a sociedade, mas também para a própria moral e valores pessoais. Pode incluir coisas como inveja, ganância, preconceito, ódio e agressão.
Jung sugeriu que a sombra pode aparecer em sonhos ou visões e pode assumir uma variedade de formas. Pode aparecer como uma cobra, um monstro, um demônio, um dragão ou alguma outra figura escura, selvagem ou exótica.
Esse arquétipo é frequentemente descrito como o lado mais sombrio da psique, representando a selvageria, o caos e o desconhecido. Essas disposições latentes estão presentes em todos nós, acreditava Jung, embora as pessoas às vezes neguem esse elemento de sua própria psique e, em vez disso, o projetem nos outros.
Neste tocante, na área da psicologia, os clientes vêm até você por vários motivos: relacionamentos fracassados ou fracassados, problemas no trabalho, dificuldade em lidar com vícios, sentimentos de inadequação e muito mais. Se tivermos que citar um fator que destrói relacionamentos, mata o espírito de uma pessoa e impede a realização dos sonhos, é certamente a presença de sombra em nossas vidas. Pois é no lugar escuro dentro de nós que enfiamos as muitas mensagens – muitas vezes inconscientes no momento em que o cliente chega à sua porta – que nos dizem que não estamos bem; não somos amáveis; não somos merecedores ou dignos.
O problema é que acreditamos nas mensagens e não podemos desafiar o que não sabemos conscientemente. No entanto, sentimos medo ao pensar em seguir na estrada para uma consciência maior. Tememos o que podemos descobrir se realmente olharmos para dentro de nós mesmos. Suspeitamos que não seremos capazes de lidar com a situação, ou pelo menos não gostaremos do que encontraremos. Assim, nossa “bolsa” fica pendurada em nosso pescoço cada vez mais pesada, cada vez mais pesada, até que decidamos que devemos fazer algo. Então – na melhor das hipóteses – entramos na terapia.
CAETANO, Aurea Afonso M. O erro na psicologia analítica: sombra ou luz?. Junguiana, v. 36, n. 2, p. 39-46, 2018.
COELHO, Nelly Novaes. O conto de fadas: Símbolos, mitos, arquétipos. Editora Paulinas, 2012.
GUIRADO, Marlene. Clínica e transferência na sombra do discurso: uma analítica da subjetividade. Psicologia USP, v. 26, n. 1, p. 108-117, 2015.
JUNG, C. G. Ao encontro da sombra. São Paulo: cultrix,
JUNG, Carl G. et al. O homem e seus símbolos. HarperCollins Brasil, 2016.
JUNG, Carl Gustav. Os arquétipos e o inconsciente coletivo Vol. 9/1. Editora Vozes Limitada, 2018.
MONTEIRO, Carolina Antunes et al. A inversão da sombra: um conto sob a perspectiva da psicologia analítica. 2008.
STEIN, Murray. Psicanálise Junguiana: Trabalhando no espírito de CG Jung. Editora Vozes, 2019.
QUILICI, Marcia Alves Iorio. Dramatização espontânea e psicologia analítica de Jung: consideração da sombra em um grupo de psico-sociodrama. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo, 2017.