Howard Gardner e as inteligências múltiplas

Compartilhe este conteúdo:

Howard Gardner, nascido em 11 de julho de 1943 em Scranton, Pensilvânia, é um psicólogo cognitivo e educacional renomado por sua teoria das “Inteligências Múltiplas”, que revolucionou a compreensão tradicional de inteligência e aprendizagem.

Lucas Nunes Barbosa – lucasnunesbarb@rede.ulbra.br

 

De família judaica, Gardner teve amplas oportunidades para se aprofundar em vários interesses. Ele logo apresentou seu amor pela música, em 1965 Gardner recebeu seu bacharelado em História pela Universidade de Harvard, o que foi apenas o início de suas atividades educacionais. Ele continuou a estudar psicologia na mesma universidade, recebendo seu doutorado com orientação de ninguém menos do que Erik Erikson.

A contribuição de Gardner para o mundo da educação e da psicologia foi de grande relevância. Sua jornada incluiu também um doutorado em psicologia também em Harvard, seguido de uma pesquisa de pós-doutorado em Neuropsicologia. Em meados de 1980, ele apresentou a teoria das inteligências múltiplas no qual é o seu trabalho de maior expressão internacionalmente.

 

                                               Fonte: https://encurtador.com.br/hqxB4

                                                                  

 Gardner se tornou professor na mesma universidade em que se formou, e atualmente possui mais de trinta livros e diversas outras produções publicadas. Sua carreira profissional já lhe rendeu diversos reconhecimentos e o deixou internacionalmente conhecido, especialmente através da teoria das inteligências múltiplas. Sendo doutor Honoris Causa de várias universidades, e coleciona uma vasta gama de titulações e reconhecimentos, com forte influência no campo da Psicologia e da educação, levando sua mensagem através de suas produções, em publicações, eventos, conferências e palestras, inclusive aqui no Brasil.

Gallego(2002) apresenta a  inteligência tradicionalmente definida com base no Quociente de Inteligência, relacionada a capacidade inata do indivíduo de alcançar um desempenho satisfatório ou não, em qualquer área de atuação. E então fortalecendo a ideia de que a Inteligência pode ser medida através de estatísticas, testes e comparativos nas diferentes idades (GARDNER; WALTERS, 1995).

Gallego (2002) Traz que foi a partir dessa idéia unitária de se definir Inteligência foi que gerou uma insatisfação em Howard Gardner e motivou a criação da Teoria das Inteligências Múltiplas, expandindo o olhar para essa definição que põem de um lado os “burros” e de outro os “inteligentes”. Para Gardner a inteligência está relacionada à capacidade de resolução de problemas e  de produzir algo que seja relevante para um ou mais ambientes, levando em consideração que os indivíduos possuem forças cognitivas diferentes, em culturas e comunidades diferentes.

Para Howard Gardner todas as pessoas possuem potencial de desenvolver as diversas inteligências. Diante disso ele propõe os seguintes tipos de inteligência:

  • Lógico-Matemática;
  • Linguística;
  • Corporal-cinestésica;
  • Musical;
  • Espacial;
  • Interpessoal;
  • Intrapessoal;
  • Naturalista;
  • Existencialista.

Bonmann (2012) e Então, todas as inteligências estão presentes em todas as pessoas, mas em certas pessoas uma ou mais dessas inteligências poderá ter uma maior expressão. E então  as  inteligências não podem ser vistas de forma quantitativa porque simplesmente não são como objetos (ALVES, 2002)

Trazendo para a educação, Gardner (1995) destaca a importância de identificar nas crianças suas potencialidades, para que possam indicar as experiências nas quais as crianças vão se beneficiar. E também buscar identificar as fraquezas das crianças, para entender suas limitações, e buscar estratégias de manejo precoce que favoreçam o desenvolvimento dessas habilidades.

Moraes (2013) completa que a partir desse olhar é possível traçar métodos de avaliação  e conteúdos que melhor se adequem ao aluno no contexto de aprendizagem, fazendo com que o educador mobilize as inteligências de forma com que faça os alunos aprenderem de uma forma que faça sentido a eles.

A teoria de Gardner sendo seu trabalho de maior expressão nos mostra um conceito diversificado do que é inteligência, e quando falamos em um contexto educacional/escolar isso propõem as instituições uma perspectiva de Educação Inclusiva, em que considera a diversidade de saberes e habilidades, estimulando a inclusão e valorizando as diferenças.

 Referências

GALLEGO, C.H. Aplicação de jogos lúdicos na educação geral utilizando a teoria das inteligências múltiplas. 2002. Disponível em <:https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/83134 >. Acessado em 25 ago. 2023.

GARDNER, H.; WALTERS, J. Uma versão aperfeiçoada. In: GARDNER, H. Inteligências múltiplas: a teoria na prática. Porto Alegre: Artmed, 1995, p. 12-36.

ALVES, U.S. Inteligências múltiplas e inteligência emocional: conceitos e discussões. Dialogia, São Paulo, v.1, s/n., p.127-144, out. 2002

GARDNER, H. Inteligências múltiplas: a teoria na prática. Porto Alegre: Artmed, 1995, p. 12-36.

MORAES, M.F. A Teoria das inteligências múltiplas no ensino de língua espanhola: recursos e estratégias de aprendizagem. 2013.

Compartilhe este conteúdo:

Educação Socioemocional e Bem-Estar: Uma dupla imbatível

Compartilhe este conteúdo:

As habilidades socioemocionais são verdadeiras ferramentas para a vida

Por Débora Gerbase, Professora e Tradutora –  missgerbase@gmail.com

A Educação Socioemocional e o bem-estar são dois temas muito abordados ultimamente nas escolas. Embora possam parecer serem diferentes, eles estão extremamente ligados e trabalham mutuamente para converter a jornada educacional em algo verdadeiramente enriquecedor.

Além do conteúdo acadêmico, necessário para a aprendizagem dos alunos, existe um segredo sutil escondido entre as linhas do currículo escolar: as habilidades socioemocionais. Estas habilidades são aquelas que não ganham destaque nas provas ou nos livros, mas que são as verdadeiras ferramentas para a vida. Elas cooperam para que os alunos tenham mais sucesso, estabeleçam melhores conexões e usufruam do bem-estar naquilo que desejarem realizar.

Linda Lantieri e Daniel Goleman (2008) explicam que essas habilidades são o “elo perdido na educação”. Em seu livro “Building Emotional Intelligence”, eles destacam que a educação vai além do intelecto. Elas se referem à capacidade dos alunos em conseguirem compreender e controlar as emoções, trabalhar em equipe, construir relações sólidas, resolver conflitos e saber comunicar-se de forma clara, assertiva e eficaz, cruciais para uma vida plena, em uma sociedade em constante transformação.

O que é a Educação Socioemocional?

                                                                                Fonte: Pixabay.com

A educação socioemocional fortalece os alunos para enfrentar a vida acadêmica e profissional

 

O Collaborative for Academic, Social, and Emotional Learning (CASEL) descreve a aprendizagem socioemocional como:

 “o processo pelo qual todos os jovens e adultos adquirem e aplicam conhecimentos, habilidades e atitudes para desenvolver identidades saudáveis, gerenciar emoções e atingir metas pessoais e coletivas, sentir e demonstrar empatia pelos outros, estabelecer e manter relacionamentos positivos e tomar decisões responsáveis e cuidadosas” (CASEL, 2019).

Em outras palavras, ela é como a estrutura invisível que dá sustentação às pontes que construímos com os outros e nós mesmos. Ela propõe-se a ensinar ao aluno a lidar com a raiva, a tristeza, a empatia e a resiliência, fortalecendo-o para enfrentar os desafios que se apresentam em sua vida acadêmica e pessoal.

As “Habilidades do século XXI” foram agrupadas na Education For Life and Work (2012) em três domínios:

  • Habilidades Cognitivas: Capacidades mentais como pensamento crítico e criativo para resolver problemas e compreender conceitos complexos.
  • Habilidades Intrapessoais: Competências internas como autoconhecimento, autorregulação e resiliência para lidar com emoções e desafios pessoais.
  • Habilidades Sociais: Capacidades interpessoais para interagir eficazmente, expressar empatia, colaborar e construir relacionamentos saudáveis e produtivos

                                                                                 Fonte: Pixabay.com

As principais habilidades do século XXI são as cognitivas, sociais e intrapessoais

 

O que é bem-estar?

O bem-estar, nesse contexto, pode ser definido como um estado de harmonia e satisfação que abrange diversas dimensões da vida, incluindo: o emocional, o social, o físico e o psicológico. De acordo com o modelo PERMA, desenvolvido pelo psicólogo Martin Seligman (2012), o bem-estar é composto por cinco elementos essenciais: Emoções Positivas, Envolvimento, Relações Significativas, Sentido e Realização.

Como a Educação Socioemocional e o bem-estar se conectam?

Desta forma, a Educação Socioemocional e o bem-estar se conectam e se entrelaçam de maneira inseparável, como fios de uma mesma trama, em uma trilha de um terrenos desconhecido, explorada por um viajante. Para esta jornada, o viajante precisa estar equipado com as ferramentas essenciais para navegar pelas complexidades do mundo acadêmico e das relações intra e interpessoais. Esse encontro começa quando se percebe que a educação não é apenas um acúmulo de fatos, dos estudos, mas uma jornada de autodescoberta.

                                                                                 Fonte: Pixabay.com

A educação não é apenas um acúmulo de fatos, dos estudos, mas uma jornada de autodescoberta.

 

Por exemplo, no seu percurso de aprendizado, esse viajante carrega uma bússola interna, representando a autorregulação. Assim como um navegador habilidoso ajusta sua bússola para se orientar, a autorregulação capacita-o a ajustar sua mentalidade, mantendo-se no rumo certo mesmo diante dos desafios acadêmicos, emocionais, desafios interpessoais e autodescoberta.

À medida que o aventureiro avança, encontra outros viajantes que compartilham a mesma estrada, cada um trazendo consigo uma bagagem única de experiências. Aqui, a empatia atua como um guia silencioso, permitindo com que ele se coloque lugar dos outros ao enfrentarem desafios na sua jornada. A empatia, então, emerge como um elemento vital do bem-estar, nutrindo relacionamentos saudáveis e cultivando um ambiente de apoio mútuo.

Mas a jornada não é sempre fácil. Segundo Haim Ginott (1972): “As crianças são como navios; as águas tranquilas não as formam. São as tempestades.” E é aqui que entra a resiliência, outro pilar do bem-estar, como a mochila resistente do viajante. Ela abriga as ferramentas necessárias para enfrentar terrenos acidentados e tempestades emocionais com determinação e continue avançando, não apenas na estrada acadêmica, mas também na estrada da vida.

Quando o indivíduo domina as habilidades socioemocionais, é como se ele estivesse criando uma armadura de equilíbrio emocional. As pressões da educação e da vida não o derrubam facilmente, porque ele aprendeu a equilibrar o intelecto com o coração. Entretanto, dominar essas habilidades não acontece da noite para o dia. É preciso consistência e perseverança no ensino e na sua prática.

 

                                                                         Fonte: Pixabay.com

Quando o indivíduo domina as habilidades socioemocionais, é como se ele estivesse criando uma armadura de equilíbrio emocional

Sendo assim, a Educação Socioemocional reflete-se no bem-estar, uma vez que o aluno se torna um viajante habilidoso, percorrendo sua trajetória da aprendizagem e pelas complexidades das emoções humanas. Tal como um explorador que acumula histórias valiosas em cada parada, o estudante coleciona habilidades que não apenas enriquecem sua jornada acadêmica, mas também tecem uma rede de bem-estar duradouro e que envolve sua mente, coração e espírito, para si mesmo e para o outro.

Nas encruzilhadas da educação, onde mentes jovens florescem, uma conexão profunda ganha vida. É uma jornada não apenas de conhecimento, mas de autodescoberta e equilíbrio emocional. Nesse enredo, a Educação Socioemocional e o bem-estar encontram-se como parceiros inseparáveis, tecendo a trama de vidas mais plenas e resilientes.

Biografia:

Débora Gerbase é uma professora e tradutora que atua nas áreas de inglês, português e português para estrangeiros. Atualmente, reside em São Paulo, onde concluiu sua formação em Letras – Tradução e Pedagogia e, posteriormente, obteve pós-graduações em Psicopedagogia e Formação de Docentes para o Ensino Superior.

Além de seu trabalho como educadora, Débora é autora dos livros “Sem pé nem cabeça – Expressões idiomáticas em português” e “Manual de Sobrevivência para o Professor Esgotado”, e coordenadora e coautora do livro “A realidade diversa na sala de aula: como lidar com a inclusão e a educação Socioemocional nas escolas” e coautora do livro “Alfabetização Bilíngue: benefícios e mitos na formação de crianças bilíngues”. Tem paixão pelo ensino e aprendizagem, bem como por seu compromisso com o sucesso de seus alunos.

Referências Bibliográficas:

CASEL. CASEL guide: Effective social and emotional learning programs—preschool and elementary school edition. Chicago, IL: Collaborative for Academic, Social, and Emotional Learning, 2019.

Education for Life and Work: Developing Transferable Knowledge and Skills in the 21st Century. National Research Council, 2012.

Fredrickson, B. L. The role of positive emotions in positive psychology: The broaden-and-build theory of positive emotions. American psychologist, 56(3), 218-226, 2001.

Goleman, D. Inteligência Emocional: A Teoria Revolucionária que Redefine o que é Ser Inteligente. Objetiva, 2012.

Ginott, H. Between Parent and Child: New Solutions to Old Problems. Macmillan, 1972.

Greater Good Science Center. Student Well-Being: Practices for cultivating the social, emotional, and ethical well-being of students. Disponível em: https://ggie.berkeley.edu/student-well-being/. Acesso em 26 ago.2023.

Lantieri, L., & Goleman, D. Building Emotional Intelligence: Techniques to Cultivate Inner Strength in Children. Sounds True, 2008.

Seligman, M. E. P. Florescer: Uma Nova Compreensão sobre Felicidade e Bem-Estar. Editora Objetiva, 2012.

Compartilhe este conteúdo:

Autistas também praticam esportes

Compartilhe este conteúdo:

Será que autistas podem praticar esportes? Será que eles conseguem se sair melhor que os outros? Geralmente, os autistas são pessoas que conseguem ter grandes ganhos ou grandes conquistas naquilo que fazem por serem hiper focados e altamente interessados. Por outro lado, tem pouca assertividade ou pouca flexibilidade social, pouca empatia e não sabem lidar muitas vezes com situações que exigem automaticamente uma boa percepção social.

Normalmente, autistas não têm boa performance motora, espacial e executiva para cumprimento de atividades que envolvam esportes. Então, ele só vai ter vantagem se for fascinado, hiper focado naquele esporte.  

Os benefícios da prática esportiva são vários. O primeiro é ajudar o indivíduo a se socializar. A grande maioria dos esportes são sociais, exigem o compartilhamento, exigem estratégia que depende do outro, isso traz benefícios de estimulação de interação social e a melhora no comportamento social.  

Fonte: encurtador.com.br/gkI89

Melhor ainda, pois faz o autista se movimentar, porque normalmente eles não gostam de fazer exercícios. Preferem ambientes fechados, restritos, silenciosos e que envolvam tecnologias. Isso faz com que eles se restrinjam a atividades sedentárias e eleve o risco de, na fase adulta, desenvolver processos crônicos causados por sedentarismo, aumento do colesterol, maior risco de diabetes e hipertensão e, consequentemente, pode vir a ter problemas de maior exposição a eventos ou distúrbios que são gerados por esses problemas como AVC e infarto.    

Muitos questionam, mas eles precisam ter cuidados ao praticar esportes? Não há especificamente nenhum cuidado que o autista tem que ter. Ele só precisa entender e ser explicado que a prática de esportes requer cumprir regras e seguir uma rotina.  Ele vai ter que trabalhar determinadas atividades esportivas juntos com os outros, compartilhando jogadas, compartilhando interesses, compartilhando um espírito de equipe. Isso para o autista é muito difícil.

Os cuidados que os profissionais têm de ter com o autista é saber que ele tem dificuldades de entender linguagem de duplo sentido. Tem também dificuldade de organizar dentro dos pensamentos dele a sequência de uma jogada ou a sequência compartilhada de um processo social. Além disso, em uma jogada, eles têm menos coordenação motora. Por isso, vão precisar de um pouco mais de compreensão do educador físico para trabalhar a parte da psicomotricidade.

Fonte: encurtador.com.br/hkwG9

Uma coisa importante de dizer é que quem tem autismo tem pavio curto, na maioria das vezes são indivíduos que mudam de humor de uma hora para outra e não toleram muito passar por disparates ou situações onde eles são contrariados.  O esporte que eu sugiro para o autista é aquele que o agrada, o que traga menos estímulos indesejáveis. As recomendações de esportes são os que ajudam a melhorar a capacidade de percepção social como os esportes jogados em grupo.

Compartilhe este conteúdo:

Avaliação Neuropsicológica Infantil

Compartilhe este conteúdo:

Diagnóstico, do grego diagnõstikós, quer dizer “discernimento, faculdade de conhecer, de ver através de” (ARAÚJO, 2007, p. 127). O modo como este conceito vem sendo empregado atualmente, caracteriza-se por uma investigação aprofundada, executada com o intuito de compreender dados fenômenos, mediante um conjunto de processos teóricos, técnicos e metodológicos. Na Psicologia, as práticas de diagnóstico e avaliação psicológica até hoje são parte essencial na construção e estabelecimento da identidade profissional do psicólogo (ARAÚJO, 2007).

A avaliação psicológica é uma prática restrita à psicólogos que exige um planejamento prévio e meticuloso. Esta é definida como um procedimento estruturado de averiguação de fenômenos psicológicos, constituído por métodos, técnicas e instrumentos, com a finalidade de fornecer informações à seleção de uma alternativa, no contexto individual, grupal ou institucional, baseado em demandas, circunstâncias e desígnios específicos (CFP, 2018).

Atualmente, a avaliação psicológica é largamente utilizada em diversos contextos e em cada área de conhecimento, metodologias específicas são exigidas. Dentre os copiosos campos em que sua realização é possível, destaca-se o campo da neuropsicologia.

A neuropsicologia explora, nos âmbitos científico, clínico e aplicado, o arranjo cerebral dos processos cognitivos-comportamentais e suas mutações na existência de lesões ou disfunções cerebrais (ARDILA; ROSSELLI, 2007). As áreas clínica e aplicada abarcam a intervenção neuropsicológica, incluindo os processos de avaliação e reabilitação neuropsicológicas (PAWLOWSKI, 2011).

Fonte: encurtador.com.br/gpJ89

A avaliação neuropsicológica pode ser considerada uma importante ferramenta para o exame das funções cognitivas e executivas e é indicada em qualquer caso onde haja suspeita de uma disfunção cognitiva ou comportamental de fonte neurológica. Seu principal propósito é o diagnóstico, planejamento e encaminhamento de formas mais apropriadas de tratamento e intervenção (PAWLOWSKI, 2011).

Além do aporte teórico sobre a neuropsicologia, Malloy-Diniz et al. (2010) apontam que o conhecimento acerca da psicometria também é necessário em um processo avaliativo, visto que instrumentos e testes padronizados são capazes de – e utilizados para – mensurar as variáveis psicológicas. Todavia, vale ressaltar que o processo de avaliação neuropsicológica não faz uso somente de testes. Este é composto, também, por métodos e técnicas que vão além das testagens e seus resultados, tais como “a aplicação de técnicas de entrevistas, exames quantitativos e qualitativos das funções que compõem a cognição abrangendo processos de atenção, percepção, memória, linguagem e raciocínio” (MALLOY-DINIZ et al., 2010, p. 47)

A compreensão de todo o funcionamento cerebral, o conhecimento a respeito dos transtornos, assim como em relação as etiologias neurológicas e fatores genéticos, emocionais e teratogênicos, são imprescindíveis aos profissionais que atuam neste campo (ARGIMON; LOPES, 2017). Sendo assim, se faz importante que o psicólogo entenda sobre o funcionamento do Sistema Nervoso Central e suas funções, as implicações das alterações nas funções cognitivas e executivas, assim como acerca do funcionamento das áreas corticais e as interações estabelecidas entre tais. Além disso, o profissional deve estar atento às alterações comportamentais, uma vez que podem estar intimamente relacionadas à distúrbios neurológicos.

Outrossim, identificar os aspectos neurobiológicos disfuncionais/alterados nos clientes contribui para um diagnóstico mais preciso e para o traçar de um tratamento mais adequado e eficaz de acordo com a especificidade de cada caso. Através da avaliação neuropsicológica qualificada e do entendimento neurobiológico pode-se estabelecer quais funções, áreas ou sistemas cerebrais podem estar envolvidos e quais hipóteses diagnósticas podem ser feitas.

Fonte: encurtador.com.br/izINT

No presente, a neuropsicologia infantil, a qual tem por finalidade a identificação precoce de perturbações no desenvolvimento cognitivo e comportamental da criança, passou a ser uma das partes elementares das consultas habituais de saúde infantil. Costa et al. (2004, p. 112) ainda complementam que a contribuição da avaliação neuropsicológica infantil

é extensiva ao processo de ensino-aprendizagem, pois nos permite estabelecer algumas relações entre as funções corticais superiores, como a linguagem, a atenção e a memória, e a aprendizagem simbólica (conceitos, escrita, leitura, etc.). […] Ao fornecer subsídios para investigar a compreensão do funcionamento intelectual da criança, a neuropsicologia pode instrumentar diferentes profissionais, tais como médicos, psicólogos, fonoaudiólogos e psicopedagogos, promovendo uma intervenção terapêutica mais eficiente.

O conjunto de instrumentos viabiliza uma avaliação global das competências da criança, tal como dos obstáculos encontrados por ela em suas atividades rotineiras. Ainda quanto à avaliação em crianças, cabe salientar, entre alguns pontos, “o fato de o desenvolvimento cerebral ter características próprias a cada faixa etária” (COSTA et al., 2004, p. 112), o que torna a avaliação infantil um processo melindroso e desafiador para os profissionais, pois, frente ao padrão de funcionamento cerebral, é indispensável a estruturação dos atendimentos consoante ao processo maturacional do cérebro da criança, que ainda encontra-se em desenvolvimento (COSTA et al., 2004; MALLOY-DINIZ et al., 2010).

Argimon e Lopes (2017) assinalam que, ao se realizar uma avaliação neuropsicológica infantil, aspectos genéticos, neurobiológicos, familiares, educacionais, socioambientais e de estimulação, são substanciais para uma avaliação e intervenção de qualidade.

Ao se iniciar uma avaliação neuropsicológica infantil, então, é imprescindível buscar na história de vida da criança aspectos que possam auxiliar o processo avaliativo, como por exemplo, a presença de algum comprometimento cerebral. À vista disso, faz-se necessário iniciar-se esse processo através de uma entrevista de anamnese com os pais e/ou responsáveis, a fim de compreender, de forma mais profunda, os motivos impulsionadores da busca pelo atendimento e como se deu o desenvolvimento emocional, motor e cognitivo da criança/adolescente, desde sua concepção até os dias atuais da mesma (CUNHA, 2000).

Fonte: encurtador.com.br/gpTX6

Em concordância com o mencionado anteriormente, a avaliação neuropsicológica infantil não se limita apenas à aplicação de testes. Os momentos lúdicos detém um relevante papel para o estabelecimento do vínculo entre profissional-cliente (CUNHA, 2000), como também para a observação clínica que, segundo Ferreira (2004), viabiliza ao psicólogo a obtenção de dados a respeito dos aspectos desenvolvimentais, identificando os elementos esperados para determinada faixa etária, bem como àqueles que divergem destes, sobretudo acerca de suas funções cognitivas e executivas mediante sua interação e emissão de comportamentos.

Por se tratar de crianças/adolescentes, também é pertinente que o psicólogo conheça aspectos da vida escolar do cliente/paciente, fazendo ao menos uma visita na institucional de ensino em que o mesmo estuda, com intuito de conhecer o espaço em que o cliente estuda e levantar informações importantes sobre a vida escolar que possivelmente estejam relacionadas com a queixa. Se necessário, deve também buscar informações junto à demais profissionais que lidam com a criança.

Em suma, a avaliação neuropsicológica é recomendada em qualquer caso onde haja conjectura de uma dificuldade cognitiva ou comportamental de razão neurológica e permite o estabelecimento de relações entre funções corticais superiores e a aprendizagem simbólica. Ela pode assistir na identificação e intervenção de diversas disfunções neurológicas, problemas de desenvolvimento infantil, implicações psiquiátricas, alterações de conduta, entre outros (COSTA et al., 2004).

Vale ressaltar que o processo avaliativo não se trata de “rotular” ou “enquadrar” a criança como constituinte de “grupos problemáticos”, e sim de evitar que tais impasses impeçam o desenvolvimento sadio da criança.

Referências:

ARAÚJO, M. F. Estratégias de diagnóstico e avaliação psicológica. Psicologia: teoria e prática, v. 9, n. 2, p. 126-141, 2007.

ARDILA, A.; ROSSELLI, M. Neuropsicologia Clínica. México: Editorial El Manual Moderno, 2007.

ARGIMON, I. I. L.; LOPES, R. M. F. Avaliação Neuropsicológica Infantil: aspectos históricos, teóricos e técnicos. In: TISSER, L. et al. Avaliação neuropsicológica infantil. Novo Hamburgo: Sinopsys, 2017. p. 21-47.

CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA (CFP). Resolução CFP 009/2018. Brasília, D.F. 2018.

COSTA, D. I. et al. Avaliação neuropsicológica da criança. Jornal de Pediatria, v. 80, n. 2, p. 111-116, 2004.

CUNHA, J. A. Psicodiagnóstico – V. 5. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000.

FERREIRA, V. R. T.; MOUSQUER, D. N. Observação em psicologia clínica. Revista de Psicologia da UNC, v. 2, n. 1, p. 54-61, 2004.

MALLOY-DINIZ et al. Avaliação neuropsicológica. Porto Alegre: Artmed, 2010.

PAWLOWSKI, J. Instrumento de avaliação neuropsicológica breve Neupsilin: evidências de validade de construto e de validade incremental à avaliação neurológica. Tese (Doutorado) – Curso de Psicologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Rio Grande do Sul, 2011.

PIRES, A. V.; MANERA, C. Avaliação psicológica. Rio Grande do Sul, 2011.

Compartilhe este conteúdo:

Livro discute a importância da brincadeira na aprendizagem das crianças

Compartilhe este conteúdo:

Brincar é importante para as crianças? Para a psicopedagoga e CEO do Instituto Neuro Saber Luciana Brites, é algo fundamental para o desenvolvimento delas. É nessa discussão que se pauta o novo livro da especialista: “Brincar é fundamental – Como entender o neurodesenvolvimento e resgatar a importância do brincar durante a primeira infância”. 

Segundo a autora, a obra pode ser encarada como um guia prático, de linguagem acessível, para mães, pais, educadores e profissionais que lidam com crianças e que desejam compreender melhor, de forma simplificada, o desenvolvimento na primeira infância. 

Para a especialista, o livro tem como proposta central ajudar o leitor a identificar e a compreender as etapas do neurodesenvolvimento da criança. Por exemplo, o público vai entender melhor quais são os estímulos adequados e os aspectos que ajudam na estimulação; vai saber como otimizar o desenvolvimento dos pequenos, seja em casa ou na escola; além de destacar a importância do desenvolvimento adequado na primeira infância para que a criança se torne um adulto pleno, realizado e feliz.

– Reunimos referências de publicações de renomados pesquisadores da área com a proposta de oferecer uma importante base científica para auxiliar efetivamente os pais e profissionais na educação de seus filhos e estudantes – ressalta.  

Fonte: Arquivo Pessoal

Desenvolvendo-se brincando

Segundo Luciana Brites, são nos primeiros anos de vida que o “brincar” representa uma situação de criatividade espontânea capaz de enriquecer o conhecimento, a sociabilidade e as funções cerebrais no processo de aprendizagem. A profissional explica que durante essa atividade a criança emite criatividade, expressa fantasias, sensações, e emoções internas, além de adquirir maturidade, resultados que a gratificam continuamente.

– O brincar é fundamental, porém, você e a sua criança precisam remar juntos, como se estivessem em uma canoa, se quiserem avançar e chegar a algum lugar. Para isso, o apoio e a companhia de pais e professores vão ser valiosos no desenvolvimento adequado delas – conclui.

Fonte: Arquivo Pessoal

Sobre a autora

CEO do Instituto NeuroSaber, Luciana Brites é mestranda em Distúrbios do Desenvolvimento pela Universidade Mackenzie, especializada em Educação Especial na área de Deficiência Mental e Psicopedagogia Clínica e Institucional pelo Centro Universitário Filadélfia (Unifil), em Londrina. É especialista em psicomotricidade pelo Instituto Superior de Psicomotricidade e Educação (ISPE), em São Paulo. Também é palestrante e coautora dos livros “Como saber do que seu filho realmente precisa?” (2018), “Mentes únicas” (2019) e “Crianças desafiadoras” (2019).

 

Livro: Brincar é fundamental – Como entender o neurodesenvolvimento e resgatar a importância do brincar durante a primeira infância

Autora: Luciana Brites

Formato: 16×23

Páginas: 176

Preço de capa: R$39,90

Gênero: Desenvolvimento pessoal/Educação

Link para comprar

Compartilhe este conteúdo:

Experiências Culturais: os instrumentos e instituições da cultura

Compartilhe este conteúdo:

Em relação ao texto “Pensando com os instrumentos e com as instituições da cultura” de Barbara Rogoff (2005), reflete-se a respeito da constituição do pensamento, ressaltando que o pensar é um processo interpessoal no qual envolve muito mais do que ações privadas e individuais, pois de acordo com a pesquisa voltada para o desenvolvimento cognitivo, as pessoas constroem seus pensamentos e entende seu mundo a partir da interação com o meio participando de atividades socioculturais (ROGOFF, 2005, p.196).

Pesquisadores debruçaram-se em aportes teóricos, para compreender a relação existente entre a formação do pensamento das pessoas decorrentes das suas experiências culturais. Assim, muitos deles consideraram os estudos de Vygotsky, pois este considera que as habilidades cognitivas individuais são constituídas diante do auxílio de outras pessoas, ou seja, “o desenvolvimento cognitivo ocorre à medida que as pessoas aprendem a usar instrumentos culturais do pensamento (como alfabetização e a matemática) com a ajuda de outras, mais experientes com tais instrumentos e instituições” (ROGOFF, 2005, p.196).

Fonte: http://zip.net/bvtHDX

O ponto de vista sócio histórico contribui para um novo entendimento da cognição, sendo visto agora como processo ativo das pessoas e não mais individual e passivo. Jean Piaget, na sua teoria, também estudou aspectos cognitivos, porém ele analisava o processo de desenvolvimento intelectual da criança a partir dos estágios, desconsiderando as variâncias culturais. Pesquisadores, então, realizaram estudos aplicando as técnicas de Piaget em diferentes contextos culturais, e com isso, observaram que de acordo com a comunidade e cultura em que se vivem as pessoas apresentaram desempenho diferente na realização da atividade.

Diante desta situação, estudiosos começaram a perceber algumas questões, como a conceituação do objetivo e a familiaridade com o mesmo, conforme a localidade pode influenciar no resultado do teste, assim, os pesquisadores estudavam os tipos de atividades realizadas na comunidade e com isso adaptava-se as atividades para que avaliassem o desempenho da pessoa. Rogoff (2005) traz um exemplo de estudos realizado com crianças que demonstra essa experiência:

As crianças zambienses tiveram bom desempenho quando modelaram com pedaços de arame, uma atividade conhecida em sua comunidade, mas um desempenho ruim com os desconhecidos lápis e papel. Em comparação, crianças inglesas se saíam bem com lápis e papel, um meio conhecido para reproduzir padrões em sua comunidade, mas não com pedaços de arame (p.197).

A partir desses estudos, Piaget revisou seus conceitos, percebendo que os estágios de desenvolvimento cognitivo (principalmente o operatório-formal) dependiam da experiência pessoal de cada sujeito, conforme o seu contexto, e domínio.

Fonte: http://zip.net/bstHv0

Outro aspecto observado pelos pesquisadores em relação ao processo do pensamento era os testes cognitivos em similaridade com a formação escolar, percebendo a influência dos valores culturais na definição de inteligência considerando a situação em que este era analisado. Antigamente os testes eram usados para medir a cognição de forma muito crua, não havia um olhar humano que levasse em conta a experiência de vida da pessoa. Os pesquisadores então começaram a ver por outro ângulo e afirmaram que a testagem poderia ser vinculada aos valores e a experiência cotidiana. Os valores que se vinculam com os relacionamentos sociais, têm grandes influências nas respostas das pessoas quando submetidas a perguntas cognitivas (ROGOFF, 2005).

É importante ressaltar a relação entre o testador e a pessoa que será testada, “os modelos culturais de relações sociais, que fornecem, implícita ou explicitamente, a base para os comportamentos apropriados e formas de se relacionar de adultos e crianças não são suspensos em testes cognitivos” (SUPER e HARKNESS, 1977, apud ROGOFF, 2005, p.205). Isso está totalmente relacionado com o significado de maturidade e inteligência de cada cultura/comunidade. Cada cultura tem uma definição diferente do que seja inteligência e maturidade, enquanto que, para uma cultura inteligência seja definida como lento, cuidadoso e ativo, para outra cultura tem outro sentido e valor.

Fonte: http://zip.net/bytHD2

Em se tratando de generalização, a autora Rogoff (2005) retrata que nem sempre será uma coisa boa, e que executar no automático a mesma ação pode ou não ser apropriado a uma nova situação, o objetivo seria uma generalização adequada e para que este conhecimento (desenvolvido em uma situação quando se enfrenta uma nova) seja adequado Hatano (1988) apud Rogoff (2005) diz que tem de haver o entendimento conceitual, e, para que as pessoas e grupos façam uma generalização adequada entre as experiências/situações é importante o que foi chamado por alguns autores de capacidade adaptativa.

O desenvolvimento da capacidade adaptativa é apoiado pelo grau no qual as pessoas entendem os princípios e objetivos das atividades relevantes e ganham experiência ao variar os meios para atingi-los. As práticas culturais e a interação social sustentam a aprendizagem de quais circunstâncias estão relacionadas entre si e quais posturas são adequadas a diferentes circunstâncias. (ROGOFF, 2005, p.209).

No que diz respeito à visão da cognição, “vai muito além da ideia de que o desenvolvimento consiste em adquirir conhecimento e habilidades” (Rogoff, 2005, p.208), a pessoa cresce por intermédio da participação em uma atividade que traz transformação para assim ele se envolver em outras mais. Rogoff (2005) argumenta que o desenvolvimento cognitivo dos indivíduos acontece no espaço de comunidades com o interesse de que as pessoas trabalhem em determinados lugares, como seres civilizados. Nós não somos donos do nosso próprio pensamento a respeito do mundo, mas é assim que acontece o início das habilidades nas parcerias desses diálogos. A partir disso percebe-se a importância dos aspectos históricos e culturais dessa conversação para cada pensador, influenciando outras pessoas a começarem novas linhas de pensamentos.

Fonte: http://zip.net/bwtGJ6

Em seus estudos com marinheiros, Ed Hutchins (1991) apud Rogoff (2005), o autor percebeu que eles trabalham em conjunto nos cálculos e nos planejamentos necessários para orientar a navegação de grandes navios. Diante disso é importante ressaltar que a cognição é distribuída na medida em que as pessoas colaboram e ajudam umas as outras, não apenas pensando em si próprio, mas, no que o outro pode está acrescentando com os instrumentos projetados para auxiliar no trabalho cognitivo. O processo coletivo mostra para o indivíduo que produzir em conjunto proporciona uma qualidade na produção tornando as informações claras e trazendo um conhecimento mais rico.

Arievitch (1995) et al. apud Rogoff (2005) enfatiza que o foco está na transformação ativa do conhecimento por parte das pessoas e em seu relacionamento com atividades que dinamizam. Levando-se em consideração esses aspectos, aprender e adequar com flexibilidade as posturas às circunstâncias é um fator importante para o desenvolvimento cognitivo que é imprescindível para tomada de decisão em várias áreas da inteligência. Muitas famílias ensinam suas crianças formas mais abertas de agirem e falarem, formas essas que se adequam a papéis e diversas situações. Percebe se em outras culturas que os adultos dão maior ênfase neste aspecto. Se as crianças souberem distinguir as posturas adequadas para cada ambiente evitarão problemas de comunicação.

Aprender a diferenciar as formas adequadas de agir em diferentes situações é uma conquista importante em todas as comunidades, seja para crianças, seja para adultos. Saber qual postura adotar na escola e em casa, junto com a determinação de qual estratégia usar em testes cognitivos e em outras situações de solução de problemas, equivale a aprender a fazer generalizações adequadas de uma situação para outra (ROGOFF, 2005, p. 211).

De acordo com Rogoff (2005), a teoria de Vygotsky redirecionou os estudos científicos sobre a cognição, visto que as funções mentais estão associadas à maneira como utilizam os instrumentos cognitivos na própria comunidade. Diante disso, percebe-se a extrema importância da empregabilidade de certas ferramentas culturais para o pensamento, tais como, a alfabetização, a matemática e a linguagem. A alfabetização está interligada às competências cognitivas por intermédio de aplicações peculiares comprometidas em seu uso. O aprendizado da leitura oferece várias habilidades dos processos mentais distintos de tal forma que, essas diversidades nos objetivos e nas aplicações da alfabetização parecem estar intrinsecamente interligadas as habilidades que as pessoas utilizam (ROGOFF, 2005).

Fonte: http://zip.net/bgtG9R

Ainda em concordância com a autora Rogoff (2005), no que consiste à alfabetização utilizada como instrumento, esta colabora com certos tipos de pensamentos, seja no contexto social, local, seja no contexto histórico. Como exemplo, no século XVIII nos Estados Unidos, a alfabetização era entendida como a habilidade de escrever o seu próprio nome em documentos legais. Já, no século XIX, a alfabetização estava relacionada com a capacidade de ler; mas sem a compreensão de leitura. Já, durante o século XX, a leitura estava associada com a funcionalidade dela, ou seja, a importância dela para eficiência da indústria.

Diante deste contexto, é notório que a utilização de instrumentos culturais como a matemática está profundamente associada às diversas características e aos princípios das comunidades. O manuseamento dessas ferramentas na matemática está interligado nas especificidades dos próprios utensílios, às atitudes das comunidades referentes à utilização desse instrumento e como este pode ser compreendido nas interações sociais. Esse instrumento também serve para o fortalecimento das relações sociais.

No que diz respeito à linguagem, este serve como instrumento cultural para o pensamento, uma vez que a língua conduz o modo de atuar e de pensar da comunidade, como por exemplo: ideias que são manifestadas no campo da linguagem de uma comunidade, de maneira que o sistema linguístico contribui com os pensamentos, como também, a utilização desses instrumentos pelos indivíduos e pelas gerações. Enfim colaboram com a organização narrativa, estruturas de cálculos matemáticos, isso de tal forma que os pensamentos interagem com os processos interpessoais e de comunidade.

Fonte: http://zip.net/bftG7Y

A alfabetização e a matemática são importantes instrumentos culturais do pensamento, logo, estudos sobre a matemática identificam como estas ferramentas são essenciais, como exemplo, o ábaco, as formas de cálculo ensinadas na escola, à formação dos preços de vendas dos utensílios. Os indivíduos utilizam esses dispositivos para facilitar o trabalho e a diminuição do esforço mental como uma maneira de se adequarem no contexto cotidiano.

Perante o exposto, foi possível perceber que as teorias socioculturais crescem constantemente por terem a compreensão de que o pensar está diretamente entrelaçada a situações específicas, essa relação não é automática, bem como a autora demonstrou, “em lugar disso, os indivíduos determinam suas posturas diante de certas situações com referência nas práticas culturais de que participaram anteriormente”. (ROGOFF, 2005. p.211). Cada ser humano tem uma visão diferente das coisas, esse processo faz com que tenhamos atividades socioculturais. Em concordância com o raciocínio de Rogoff (2005), entende se que, no momento que existem limites obrigatórios entre o indivíduo e o todo, se faz surgir complicações para melhor compreender, tanto os processos individuais, interpessoais e da comunidade.

REFERÊNCIAS:

ROGOFF, Barbara. A natureza cultural do desenvolvimento humano. Ed.1.Tradução de Roberto Cataldo Costa. Porto Alegre: Artmed, 2005.

Compartilhe este conteúdo:

Para Sempre Alice: Alzheimer e a arte de perder

Compartilhe este conteúdo:

Indicado ao Oscar de Melhor Atriz: Julianne Moore

Vencedor do Globo de Ouro de Melhor Atriz – Filme Categoria Drama (Julianne Moore)

“Meus ontens estão desaparecendo e meus amanhãs são incertos. Então, para que eu vivo? Vivo para cada dia. Vivo o presente… Esquecerei o hoje, mas isso não significa que o hoje não tem importância.”  Para Sempre Alice, Lisa Genova

O filme é baseado no livro homônimo da neurocientista e escritora Lisa Genova e tem como personagem principal Alice (Julianne Moore), uma mulher de 50 anos, bonita, bem sucedida na carreira (como professora de Linguística na Universidade de Columbia) e na vida pessoal (três filhos crescidos, um marido atencioso), convidada constantemente para eventos científicos para apresentação das ideias defendidas em seu livro “De Neurônios a Pronomes”. No universo de Alice, o entendimento das palavras e de como elas ganham sentido e significado em nosso cérebro compõe a base de toda a sua trajetória como pesquisadora. Assim, ao começar esquecê-las, mesmo que aparentemente em forma de simples lapsos de memória, a sua vida, antes tão direcionada e objetiva, começa a ser encoberta por um estranho e crescente borrão, tirando-lhe não apenas a coerência, mas a forma.

 

A doença de Alzheimer (DA) é clinicamente dividida em dois subgrupos de acordo com seu o tempo de início. Dado antes dos 65 anos (DA de início precoce), se caracteriza por um declínio rápido das funções cognitivas. Esses casos são mais raros, correspondendo a 10% do total, e observa-se um acometimento familiar em sucessivas gerações diretamente relacionado a um padrão de transmissão autossômico dominante ligado aos cromossomos 1, 14 e 21 (SENI, 1996; ENGELHARDT et al., 1998 apud TRUZZI & LAKS, 2005).

 

Alice foi fazer os exames temendo deparar-se como uma doença como o Câncer, então, depois de algumas consultas e acompanhada pelo marido (a pedido do seu médico), recebe o diagnóstico devastador: tinha Alzheimer e, como estava no subgrupo de portadores da doença “antes dos 65 anos”, teve que dolorosamente concluir que suas funções cognitivas seriam afetadas rapidamente. Além disso, havia, também, uma grande possibilidade de seus filhos virem a ter os mesmos sintomas no futuro, pois nessas situações a doença é transmitida geneticamente.

Ironicamente, a inteligência de Alice e sua vida dedicada à produção de conhecimento contribuíram para atrasar o diagnóstico, já que ela foi capaz de pregar peças em seu cérebro e encontrar artifícios para mascarar sua doença, sustentando a efetividade dos processos mentais por mais tempo. Assim, quando o problema veio à tona, a estabilização tornou-se menos efetiva e a deterioração cognitiva mais rápida.

 

“Eu sempre fui muito guiada pelo meu intelecto, pelo meu modo de falar, pela minha articulação. E agora vejo as palavras na minha frente e não consigo me expressar. Não sei quem sou, não sei o que mais vou esquecer.” (Alice)

O devastador entendimento de que aquilo que a define é o que lhe será bruscamente tirado marca o início da complexa jornada de Alice. O rápido progresso da doença e suas consequências para a família é retratada de forma sensível e direta. Vimos como alguns tentam se esquivar de responsabilidades, como outros tentam manter a esperança em uma possível cura e há aqueles (como Lydia, sua filha mais nova, interpretada por Kristen Stewart) que escolhem permanecer por perto e aceitar que ainda há uma Alice, mesmo que as lembranças de quem ela fora não reflitam a pessoa que ela é.

 

“Sou uma pessoa vivendo no estágio inicial de Alzheimer. E, assim sendo, estou aprendendo a arte de perder todos os dias.” (Alice)

 

O que há de mais especial no filme é a interpretação de Julianne Moore, pois através das suas expressões, especialmente do seu olhar, e o tom da sua voz, vimos Alice pouco a pouco desaparecendo ou, quem sabe, abrigando-se em algum universo ainda não explorado de sua mente. Com ela, iniciamos o processo de esquecimento, a estranha arte de perder, vimos suas tentativas de manter as palavras na memória a partir do uso de jogos em seu smartphone, de suportar entender a brevidade da vida ao lembrar-se das histórias que ouvia de sua mãe:

“Quando eu era bem nova, na segunda série, minha professora falou que borboletas não vivem muito, algo em torno de um mês, e fiquei tão chateada. Fui para casa e contei para a mamãe. E ela disse: ‘É verdade. Mas elas têm uma linda vida’. E isso me faz pensar na vida da minha mãe, na da minha irmã. E, de certa forma, na minha vida.” (Alice)

E tudo isso é, por vezes, devastador porque a coloca frente a frente com o estágio mais latente da fragilidade humana: a inevitável constatação de que somos breves, frágeis e vivemos cercados por medo. Há um constante desamparo em Alice, ou melhor, em todos nós, mesmo que nossas habilidades cognitivas tentem criar mecanismos para nos manter firmes em meio a um universo em movimento, sem delimitações claras, talvez um universo indiferente (como diria Carl Sagan).

Abaixo, na íntegra, o discurso de Alice em sua última palestra. Um fato interessante é que ela havia escrito um texto extremamente científico sobre o Alzheimer, mas sua filha a orientou a dizer algo sobre o que, de fato, sentia e não uma mera descrição de sintomas, assim ela o fez:

“A poetisa Elisabeth Bishop escreveu: ‘A arte de perder não é nenhum mistério; tantas coisas contêm em si o acidente de perdê-las, que perder não é nada sério’. Eu não sou uma poetisa. Sou uma pessoa vivendo no estágio inicial de Alzheimer. E assim sendo, estou aprendendo a arte de perder todos os dias. Perdendo meus modos, perdendo objetos, perdendo sono e, acima de tudo, perdendo memórias.

Toda a minha vida eu acumulei lembranças. Elas se tornaram meus bens mais preciosos. A noite que conheci meu marido, a primeira vez que segurei meu livro em minhas mãos, ter filhos, fazer amigos, viajar pelo mundo. Tudo que acumulei na vida, tudo que trabalhei tanto para conquistar, agora tudo isso está sendo levado embora. Como podem imaginar, ou como vocês sabem, isso é o inferno. Mas fica pior.

Quem nos leva a sério quando estamos tão diferentes do que éramos? Nosso comportamento estranho e fala confusa mudam a percepção que os outros têm de nós e a nossa percepção de nós mesmos. Tornamo-nos ridículos. Incapazes. Cômicos. Mas isso não é quem nós somos. Isso é a nossa doença. E como qualquer doença, tem uma causa, uma progressão, e pode ter uma cura. Meu maior desejo é que meus filhos, nossos filhos, a próxima geração não tenha que enfrentar o que estou enfrentando. Mas, por enquanto, ainda estou viva. Eu sei que estou viva. Tenho pessoas que amo profundamente, tenho coisas que quero fazer com a minha vida. Eu fui dura comigo mesma por não ser capaz de lembrar das coisas. Mas ainda tenho momentos de pura felicidade. E, por favor, não pensem que estou sofrendo. Não estou sofrendo. Estou lutando. Lutando para fazer parte das coisas, para continuar conectada com quem eu fui um dia. 

‘Então, viva o momento’, é o que digo para mim mesma. É tudo que posso fazer. Viver o momento. E me culpar tanto por dominar a arte de perder. Uma coisa que vou tentar guardar é a memória de falar aqui hoje. Irá embora, sei que irá. Talvez possa desaparecer amanhã. Mas significa muito estar falando aqui hoje. Como meu antigo eu, ambicioso, que era tão fascinado em comunicação. Obrigada por essa oportunidade. Significa muito para mim.”  Alice

 

Lydia: O que eu acabei de ler, você gostou?
Alice: O quê?
Lydia: Sobre o que era?
Alice: Amor. Sobre amar.
Lydia: Isso mesmo, mãe. Era sobre o amor.

Em “Para sempre Alice”, vimos como uma pessoa, em um dado contexto, reage à sua própria deterioração, como ela avalia cada fase desse processo (quando ainda tem condições para isso) e observamos as decisões que ela é capaz de tomar quando o futuro é, de fato, totalmente incerto ou certo de uma forma muito ruim. Em algumas das decisões de Alice podemos fazer um paralelo com o filme Amour, em que a morte passa a ser uma possibilidade menos angustiante do que imaginar uma vida na qual você não se reconheça.

Alice aprendeu a ser autossuficiente desde muito cedo, afinal sua mãe e irmã morreram quando ela era bem jovem, e seu pai era um alcóolatra. O pensar a fazia existir. Daí quando sua mente se torna um labirinto e as palavras deixam de formar discursos ou, até mesmo, meras sentenças, quando não há como resgatar lembranças da memória, pois nela esse conceito estava caótico ou totalmente perdido, fica aquela sensação estranha que, talvez, a Alice tenha deixado de existir. Porém, o filme também é sobre esperança, por isso que, ao final, quando vimos uma Alice quase sem voz, balbuciando com dificuldade algumas palavras, mas entendendo (ainda que parcialmente) o significado de um texto recitado por sua filha, tem-se um vislumbre de alguém que ela foi e isso, naquele momento, é tudo.

 

TRUZZI, Annibal; LAKS, Jerson. Doença de Alzheimer esporádica de início precoce.Rev. psiquiatr. clín.,  São Paulo ,  v. 32, n. 1,   2005 .   Available from http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-60832005000100006&lng=en&nrm=iso. access on  20  Jan.  2015.  http://dx.doi.org/10.1590/S0101-60832005000100006.

 

Mais filmes indicados ao OSCAR 2015: http://ulbra-to.br/encena/categorias/oscar-2015


FICHA TÉCNICA DO FILME

PARA SEMPRE ALICE

Título Original: Still Alice
Direção: Richard Glatzer, Wash Westmoreland
Roteiro: Lisa Genova (livro), Richard Glatzer, Wash Westmoreland
Elenco Principal: Julianne Moore, Kristen Stewart, Alec Baldwin, Kate Bosworth
Ano: 2014
Compartilhe este conteúdo:

O Alzheimer, uma avó e um neto

Compartilhe este conteúdo:

 

Uma história de amor e gratidão que envolve os mais fortes sentimentos, um livro diferente e que protagoniza a história entre um neto e sua avó, tudo isso não seria novidade, exceto, quando envolve como causa principal o Alzheimer, uma doença em que, as causas e curas, são de pouco conhecimento pela classe médica científica. Toda essa história de amor incondicional, acabou sendo contada em um livro: Quem, eu? Uma avó. Um neto. Uma lição de vida, Editora Belas Letras, 240 páginas.

O (En)Cena entrevistou o autor, um dos protagonistas, o neto Fernando Aguzolli Peres, 22 anos, nascido e criado em Porto Alegre. Há seis anos, sua avó, que lhe dedicou boa parte da vida, foi diagnosticada com uma doença muito peculiar, o Alzheimer. Foi então que ele decidiu abandonar todos os projetos e dedicar tempo possibilitando a uma melhor qualidade de vida para a avó, Nilva Aguzzoli, apelidada carinhosamente de, “Nonna Nilva”.

A história, começa com o autor revelando a vida difícil enfrentada por sua avó, filha de imigrantes Italianos e que nasceu em fevereiro de 1934 em Caxias do Sul-RS. Diante de dificuldades financeiras, e com a separação dos pais, dona Nilva, teve que abandonar a escola e começar a trabalhar logo aos 13 anos de idade.

Quem pensa que o conteúdo é somente tristeza, vai se surpreender com histórias humorísticas vividas e contadas por “Nonna Nilva”. Como o principal sintoma do Alzheimer é o esquecimento, vovó Nilva se envolvia em situações divertidas que certamente podem arrancar risos dos leitores, uma estratégia do autor que, durante a fase doentia da avó, acreditou e usou de risos e gargalhadas como filosofia e terapia de estratégia para retardar o avanço do Alzheimer. “Tem duas formas, rir dos outros ou rir com os outros, eu escolhi rir com minha avó”, lembra o neto.

O livro tem a intenção de alertar e informar sobre o diagnóstico e os cuidados para com esses idosos que sofrem de Alzheimer. “Estamos vivendo mais, mas ao passo que envelhecemos voltamos a ser como crianças e precisamos de cuidados”, alerta o autor, lembrando ainda que depois do diagnóstico, os estudos e as orientações apontavam para o abandono do idoso doente. “Não abandonei a minha vida, apenas inseri minha avó nela”, diz.

Dona Nilva, faleceu no ano de 2013, e deixou como legado toda essa história emocionante de dedicação e solidariedade e que pode ser conferida ainda, com a entrevista exclusiva concedida pelo autor para o En(Cena).

En(Cena) – Você é jovem e demonstra preocupação com uma doença que atinge cada vez mais a população brasileira. Diferente da maioria dos jovens, acabou se dedicando ao bem estar de sua avó, por que? 

Fernando Aguzolli – Por gratidão! Não sei quanto aos outros jovens, e acho que cada um tem a sua história, mas eu tive uma avó maravilhosa, coruja e muito dedicada. Ela também deixou um momento importante de sua vida para se tornar vó, eu viria a retribuir esse gesto alguns anos depois, cuidando dela em um momento delicado, quando vivíamos o Alzheimer. Na nossa família a geração do meio – meus pais – sempre incentivaram essa aproximação entre neto e avó, proporcionando momentos maravilhosos, lembranças positivas e uma amizade incrível. Isso certamente contribuiu para a decisão que tomei na sua velhice, me tornar pai!

En(Cena) – De onde partiu a ideia de transferir toda essa história para um livro?

Fernando Aguzolli – Primeiro criei a fanpage facebook.com/vovonilva, onde compartilhava nosso dia a dia através de fotos, vídeos e postagens cômicas com nossos diálogos. Era uma forma que encontrei pra trazer um pouco de informação pra quem não conhecia o Alzheimer, e também mostrar uma perspectiva mais leve de convívio com a doença. Foram os próprios curtidores da página que sugeriram um livro, e dessa forma passei a escreve-lo ao lado da vovó, mas sem a pretensão de lançá-lo. Como ela veio a falecer durante esse processo, achei que seria uma linda homenagem finalizar o livro e publicá-lo. E foi o que fiz!

En(Cena) –  Você descreve histórias de humor vividas por sua avó. O que pretende transmitir para o leitor com tais relatos?

Fernando Aguzolli – Pretendo mostrar que a formalidade entre gerações as vezes atrapalha, e que quando desconstruímos essa formalidade podemos criar uma relação mais próxima, uma amizade onde com muito bom humor e amor, diversas situações complicadas podem ser atravessadas! Não é por utilizar o bom humor como fuga da doença que eu passo a encarar o Alzheimer com menos importância, muito pelo contrário, a família também encontra-se doente, e o bom humor é uma ótima alternativa pra que posssamos lutar contra a depressão e seguir oferecendo uma ótima qualidade de vida ao idoso doente.

En(Cena) – Sua avó abandonou tudo quando criança para estudar e trabalhar, depois de adulta teve que se dedicar para cuidar de você em sua infância. Que relação você faria desse ciclo completo com a sua decisão de abandonar e dedicar seu tempo a ela, um gesto de gratidão?

Fernando Aguzolli –  Não, o livro não diz nada disso. O livro diz que ela teve que sair do colégio aos 13 anos para trabalhar, ela sempre amou estudar mas não teve condições, e então entrou para uma fábrica onde ficaria por muito tempo. E não, ela não TEVE que dedicar a cuidar de mim, justamente o contrário, meus pais eram muito presentes, minha avó TOMOU essa decisão para de fato participar da minha criação, se tornar avó de corpo e alma. Foi uma decisão, que – aí sim – como disseste, vim a retribuir por gratidão quando deixei minhas obrigações atemporais de lado para lidar com um período que não voltaria mais tarde!

En(Cena) – Quando decidiu deixar a vida profissional para cuidar da sua avó, foi muito criticado por amigos ou parentes?

Fernando Aguzolli – Não, alguns me sugeriram reduzir cadeiras ou outras medidas que não cabiam ao momento, mas com o convívio comigo e minha avó foram percebendo que era inviável fazer de outra forma, e então meus amigos me deram apoio total, 100%, inclusive fazendo visitas a vovó, indo lá pra casa nos dias em que eu não podia sair e nos levando pra passear. Eles são fantásticos!

En(Cena) – A criação de uma página no facebook, hoje com quase 100 mil curtidas, você esperava tanta repercussão?

Fernando Aguzolli – Hoje a página está com quase 100 mil elos de uma ‘corrente do bem’, onde todos compartilham suas vidas e buscam ali a esperança de aprender a lidar com uma doença galopante, cada vez mais presente na vida do brasileiro. Nunca esperei a repercussão que a nossa história ganhou, conquistou, mas fico feliz em saber que o brasileiro está dando valor a uma boa história, assim talvez mudemos nossas prioridades e passamos a enxergar o idoso, a velhice e suas doenças com outros olhos.

En(Cena) – Quando sua avó não te reconhecia como neto, o que isso te causava?

Fernando Aguzolli – Ela sempre dizia: “eu não sei quem tu és, mas sei que te amo muito”, isso já me deixava feliz, o que importa é saber que ela me ama e tem noção desse sentimento, saber que esse sentimento pulsa mesmo que a lembrança lhe falhe. Então me sentia alegre em saber que ela estava lutando contra a doença automaticamente, enquanto o sentimento se mostrava ali! Mas claro, muitas vezes me entristeci, normal, mas é por não entendermos que na verdade não é culpa deles, nada é pessoal, eles estão passando por um processo do envelhecimento que traz obstáculos como esse, temos que aceitar uma hora, ou vamos enlouquecer!

En(Cena) –   Qual a historia ou momento de esquecimento causado por sua avó que você lembra e considera mais engraçado ou marcante?

Fernando Aguzolli – Ela vez que outra acordava procurando um cachorro que não tínhamos em lugares onde ele não caberia. Era muito engraçado pois ela levantava na madrugada meio cambaleante em busca do tal cachorro. Eu ficava louco pois sabia que aquilo devia ter vindo de um sonho bem provavelmente, mas não adiantava procurar, a solução era sair com ela em busca do totó até ela esquecer o que estava procurando e voltar pra cama! haha…

En(Cena) – Após a morte da sua avó, como foi a sua adaptação de voltar a um novo estilo de vida?

Fernando Aguzolli – Minha vida segue sendo nossa história, quer dizer, eu continuo vivendo nossa história. O livro esta aí fazendo um baita sucesso, mostrando que as pessoas tem carência por boas histórias e estão abertas a compartilhar boas experiências, estou dedicando meu tempo a isso e tem sido uma rotina muito gratificante.  Penso em voltar pra faculdade, mas agora pra psicologia, não mais filosofia, e também penso em arriscar outro livro, sobre outra temática! haha

En(Cena) – O que você pode reforçar para pessoas que estão ou que possam enfrentar a situação que você viveu?

Fernando Aguzolli – Mantenham a paciência, respeitem seus limites e sorriam muito, nunca sozinhos, sempre com aqueles que amamos. Compartilhar a dor, seja compartilhando nossas histórias ou nos aproximando do sofrimento alheio, não implica em sofrermos todos juntos, mas assim podemos livrar aquele que por uma dificuldade passa e sofre! Compartilhe sorrisos com avós, pai, mãe, netos, amigos, irmãos…essas lembranças serão muito importantes!

FICHA TÉCNICA

QUEM, EU? UMA AVÓ. UM NETO. UMA LIÇÃO DE VIDA

Editora Belas Letras

Autor: Fernando Aguzzoli
ISBN: 9788581741826
Formato: 15x22cm
Páginas: 240
Preço de Capa: R$ 34,90

Compartilhe este conteúdo:

Linguagem e desenvolvimento em “O Enigma de Kaspar Hauser”

Compartilhe este conteúdo:

“Vocês não ouvem os assustadores gritos ao nosso redor que habitualmente
chamamos de silêncio?”

(Prólogo do Filme O Enigma de Kaspar Hauser, 1974).


O filme “O Enigma de Kaspar Hauser”, Herzog 1974, narra a história real do misterioso homem encontrado na praça pública de Nuremberg – Alemanha –, em 1828, com apenas uma carta destinada ao oficial da guarda. É nesse cenário, da Alemanha do século XIX, que a trama do filme se desenrola e traz muita reflexão para todos.

Essa é uma história que possibilita diversos focos de discussão, sejam eles no campo filosófico, psicológico, sociológico etc. O roteiro do longa, em si, deixa margem para que tais análises possam ser feitas, destacando importantes pontos da história e trazendo diálogos que demonstram a evolução do personagem central. Apesar das diversas possibilidades de pontos a serem abordados, detenho-me nas consequências do isolamento que Hauser vivenciou.

Kaspar Hauser viveu enclausurado durante grande parte de sua vida, sendo alimentado por um homem misterioso, que lhe dava apenas pão e água – motivo pelo qual, mais tarde, Hauser não consegue comer carne e beber álcool –, cresceu sem ter contato social, privado da linguagem, sendo assim não desenvolveu muitas características sociais.

Segundo Borges e Salomão (2003) a linguagem é uma das primeiras formas pela qual o indivíduo se socializa, além disso, é através dela que é possível a criança ter contato com vários aspectos sociais, antes mesmo de aprender a falar.

E é justamente nesse ponto que Hauser sofreu grande déficit, pois o isolamento ao qual foi submetido o impediu de ter acesso a linguagem e, consequentemente, ele teve que passar, posteriormente, por um processo de aprendizagem intenso, aprendendo em pouco tempo o que poderia ter aprendido ao longo da sua vida.


Além disso, a criança é levada, pela linguagem, a compreender o mundo de forma abstrata, pois os signos lingüísticos levam o sujeito à abstração. De acordo com Saboya (2001), para Hauser, aparentemente não foi satisfatório conhecer o mundo pela linguagem e seus signos e nesse sentido a autora ainda ressaltou que, para Vygotsky o pensamento e a linguagem surgem de forma independente e unem-se posteriormente numa espécie de linguagem interior, que forma a maior parte do pensamento maduro. A autora ainda afirmou que a educação permite a abstração, porém Hauser não foi submetido a isso.

Uma das passagens do filme que retrata esse fato é a incapacidade de Hauser em distinguir o que era sonho e o que era real, quando estava na clausura. Além disso, existe um diálogo no filme que vale ser destacado:

Hauser: Não entendo, só um homem muito grande poderia ter construído isso (ele olha para a torre). Eu gostaria de conhecê-lo.

Tutor: Não é preciso ser tão grande para construí-la, pois existem andaimes. Entenderá quando o levar a uma construção. Você morou nesta torre, atrás daquela janela. Não se lembra?

Hauser: Isso não é possível, pois só tem alguns passos de largura. Quando estou dentro do quarto e olho para a direita, a esquerda, a frente e para trás, só enxergo o quarto. Quando olho para torre e depois me viro a torre desaparece, então o quarto é maior que a torre.

Esse diálogo mostra claramente que Hauser não pensava de forma abstrata e sim de forma literal, sem conseguir compreender o mundo a sua volta. A capacidade de abstração, que surge através da interação social e da linguagem, não foi desenvolvida por Hauser, fazendo com que ele não conseguisse absorver certas explicações que exigiam o pensamento abstrato. Tal dificuldade vai sendo percebida ao longo do filme, mesmo através da maneira como o protagonista olha para tudo a sua volta, com olhar de ingenuidade e curiosidade.

De acordo com Rocha (2005), para Piaget, aprendizagem é a obtenção de determinada resposta, que foi adquirida através de uma experiência particular. Já o desenvolvimento é definido como a aprendizagem em si, que proporciona a formação de conhecimentos. Assim, Hauser não foi apenas privado da aprendizagem, mas também ficou impossibilitado de se desenvolver devidamente, sem conseguir demonstrar emoções, compreensão acerca do que via e ouvia. Suas reações eram mais instintivas e não racionais.

Existe dentro da sociedade uma variação de contextos, que é marcada pelos diversos modelos de utilização da linguagem, que é oferecida pela cultura, através dos modos de vida e das interações distintas do meio social dos sujeitos (BORGES e SALOMÃO, 2003). Essa variação de contexto possibilita aos indivíduos a aquisição de diferentes comportamentos, linguagens, características etc, porém, por não ter tido acesso ao meio social, Hauser não teve contato com os vários contextos existentes na sociedade local, o que o limitou aos comportamentos instintivos e o privou de desenvolver a linguagem.

Apesar de Hauser ter vivido por muito tempo sem contato com outras pessoas, sem contato com a linguagem, sua capacidade de aprender permaneceu. Isso é perceptível, pois ao passar a viver em sociedade ele foi aprendendo a falar e agir de acordo com os parâmetros sociais, do contexto em que estava inserido. Essa aprendizagem trouxe resultados a longo prazo, pois tudo lhe era desconhecido, estranho e de difícil compreensão. Logo, o que uma criança poderia aprender em menos de um dia, Hauser levava mais tempo para aprender. O desenvolvimento tardio lhe trouxe alguns prejuízos, porém ainda assim ele foi capaz de pensar, sentir, aprender.

O Enigma de Kaspar Hauser não é apenas um filme contando a história de um homem que viveu socialmente isolado, é também um filme que retrata a importância da interação social, da convivência com a linguagem, mostrando que apesar da subjetividade humana e das características individuais de cada sujeito, o desenvolvimento é possível através da socialização, da dinâmica entre organismo e ambiente.

FICHA TÉCNICA:

O ENIGMA DE KASPAR HAUSER

Ano: 1974
Direção: Werner Herzog
Duração: 109 minutos
Gênero: Biografia, Drama Policial
Países de Origem: Alemanha

 

Compartilhe este conteúdo: