11 de outubro de 2022 Pollyanna Silva Carvalho
Insight
Compartilhe este conteúdo:
Em pleno 2022, ano de Copa… digo! Nos últimos anos temos visto a história de grandes eventos serem criados, vivenciamos grandes feitos em prol da humanidade, mas também observamos situações críticas e alarmantes, dentre elas a pandemia do Covid-19 é a que mais se destaca.
Neste ano as coisas não são diferentes, grandes eventos se iniciaram, outros estão acontecendo e alguns ainda estão por vir (Dá-lhe Hexa!). O último grande evento que se iniciou e ainda está em curso é a política nacional e estadual no Brasil.
Fonte: l1nq.com/TpJ6g
A escolha do Presidente, Senadores, Deputados Federais, Governadores e Deputados Estaduais ocorreram no último dia 02 de outubro de 2022. Para o cargo principal, a apuração de votos se mostrou bem diversificada.
Sem externar opinião política ou qualquer viés que possa influenciar o espectador, os dados oficiais demonstram que, para presidente, os candidatos mais votados receberam, respectivamente, 57.259.504 (cinquenta e sete milhões duzentos e cinquenta e nove mil e quinhentos e quatro) votos para o 1º lugar e, 51.072.345 (cinquenta e um milhões e setenta e dois mil e trezentos e quarenta e sete) votos para o 2º lugar.
Um fato que chama bastante atenção é a quantidade de Abstenções, no total, cerca de 32.770.982 (trinta e dois milhões setecentos e setenta mil e novecentos e oitenta e duas) pessoas se abstiveram de votar, um número extremamente significativo que, caso tivessem votado, com certeza definiriam as eleições ainda em primeiro turno.
Mas então, por que não votaram? Além disso, por que certas pessoas votaram no político A ou no B? E a pergunta mais importante, o que o Inconsciente Coletivo nos diz sobre isso?
Óbvio que de forma inconsciente você já deu sua opinião sobre cada uma das perguntas, certo? Bom, vamos lá!
O estudo sobre o inconsciente coletivo é muito extenso, porém, a fim de reduzi-lo em uma pequena explicação, podemos resumi-lo como sendo uma parte da psique que não pertence exclusivamente a um único indivíduo e suas experiências pessoais, mas de todos aqueles que ali residem.
Fonte: Google Imagens
Jung fala que o inconsciente coletivo é devido a hereditariedade, de modo que é algo que sempre esteve presente e não foi vivenciado exclusivamente por uma pessoa. Para simplificar trago o exemplo do Arquétipo da mãe. Independente da cultura, viés político, quando se fala da figura materna, todos pensam unanimemente na proteção e cuidado que todas as mães possuem, mesmo que suas histórias sejam totalmente incompatíveis e de classes sociais incomunicáveis.
Dito isto, temos que o inconsciente coletivo é algo que se faz presente, de forma inconsciente, na vida de grande parcela da sociedade, seja através de suas crenças e valores ou por uma questão episódica que ocorreu na sua região geográfica.
Outra informação relevante sobre o inconsciente coletivo é que Jung, em suas pesquisas, o dividiu em doze principais arquétipos que são comumente presentes na sociedade.
Respondida a última pergunta, agora fica mais fácil compreender e responder as duas primeiras.
A política, principalmente nos períodos de eleição, pode ser comparada a uma grande entrevista de emprego em que o empregador é o público votante que definirá quem irá representa-lo por um período (talvez) de quatro anos de mandato.
Fonte: l1nq.com/OKgEl
Ocorre que para sejam eleitos, os políticos (vamos definir nesse texto que políticos são somente as pessoas que levam esse ofício como uma “profissão”, ok?) acabam por terem que utilizar-se de diversos recursos para atrair a maior quantidade de votos possíveis para garantir a ocupação de sua cadeira no cargo que almeja.
Uma das artimanhas que já é muito conhecida pelos políticos profissionais é a exploração dos arquétipos. Ora, não é incomum observamos propagandas em que colocam o candidato X que pretende ocupar o cargo Y alegando que ele é a única opção viável para salvar o país.
O arquétipo do herói é um dos mais utilizados nesse meio, principalmente no atual cenário de eleições presidenciais em que os candidatos se apresentam como antagonistas de ideais e caráter, com pautas extremamente definidas. Ambos buscam descreditar os argumentos do adversário para enaltecer a própria candidatura.
Arquétipos como o governante, o prestativo, o homem comum, até mesmo o inocente é usado neste cenário para atrair o maior público possível que se identifique com o candidato de sua preferência. É claro que existem outros fatores que induzem um indivíduo a escolher entre o político A ou B, mas vamos desconsidera-los neste texto.
Mas e a abstenção, como podemos explica-la? Bom, usando o raciocínio acima indicado é possível observar que, na maioria das vezes, aqueles que exercem o poder de escolha da presidência do país o fazem por se identificar com aspectos particulares de cada candidato. Viés político, pauta ideológica, projetos de governança, até mesmo histórico de erros e acertos. Podemos inferir que a auto identificação com o candidato ou a expectativa deste ser aquilo que almeja para solucionar os problemas pessoais é o que contribui para dar o voto.
Na contrapartida, a abstenção é exatamente a falta desta identidade similar, seja por decepção ou mesmo por questões ideológicas ou, simplesmente, por não estarem se comunicando de forma adequada com este público através dos arquétipos.
Uma coisa é certa, na política e em qualquer aspecto social, não é possível agradar a todos, mas é necessário que a maioria democrática opte por aquele que irá ditar o futuro do país.
REFERÊNCIAS
JUNG, Carl Gustav. Os arquétipos e o inconsciente coletivo.Tradução: Maria Luíza Appy, Dora Mariana R. Ferreira da Silva]. – Perrópolis, RJ. ed. Vozes, 2000.
DESCONHECIDO. ELEIÇÃO PARA PRESIDENTE. Portal G1. Disponível em: <https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2022/apuracao/presidente.ghtml> acesso em 10 out 2022.
Compartilhe este conteúdo:
Saúde mental e visibilidade: efeitos de uma produção audiovisual
18 de abril de 2022 Bruno Riordan de Oliveira
Insight
Compartilhe este conteúdo:
Na incorporação de profissionais em serviços de saúde mental, incluímos declarações de clientes que, frequentemente, sofrem estigmatização ou deslegitimação. Os do Grupo Viver, que ocorrem no Centro de Atenção Psicossocial II Capilé (CAPS II Capilé), de São Leopoldo (RS), acharam um artificio para enfrentar esses discursos.
Pesquisas têm sido mecanismos para causar nos serviços de saúde mental. Tem experimentos em que os próprios clientes são líderes de produções. Entre essas, determinadas se originou em documentários revelando-os como meio de intervenção ao ilusório coletivo estruturado factualmente sobre o louco, estingando o interprete para afirmar regalias e manifestar a diversidade, mudando o ‘usuário-coadjuvante’ para o lugar de ‘usuário-protagonista’, como um sujeito que pretende projetar seus projetos de vida. Ao almejarem mudar a sociedade, reformulam a metodologia desinstitucionalização de atuais significados à loucura.
A criação audiovisual propicia visibilidade de uma inovadora imagem da loucura. O Filme ‘Arte e loucura’, criado com o projeto teatral Nau da Liberdade, preiteou ao prêmio em um dos festivais de cinema mais famosos do País. A loucura se expõe no cinema em especial através de documentários, em evidência brasileira ‘Em nome da razão’ (1979), ‘Imagens do inconsciente’ (1987), ‘Estamira’ (2005), ‘Procura-se Janaína’ (2007), ‘Ruínas da loucura’ (2009) e ‘Holocausto brasileiro’ (2016). As obras são beneficiadas para acesso e resgate de documentos de memória sobre as condutas de cuidado em saúde mental, instrumento de reflexão sobre o que do passado se atualiza no presente.
Temos apesar disso que entregar que tenho o panorama dos clientes sobre as próprias obras. Membros de produções audiovisuais propiciam espaços públicos ser uma oportunidade de experimentar e ampliar a importância de um saber sobre a humanização e não discriminação dos loucos nos: da comunidade, colocando-se nos loucos; dos acadêmicos e capacitados, para excelente atendimento; e, em especial, pela família, que convivem com o cliente.
As investigações sobre essas criações audiovisuais e como mensagens dos reconhecimentos expostos indicam para o reconhecimento do mecanismo para garantir o estrelato, a autoridade da autoridade para os métodos de reconhecimento e a superioridade da instituição.
REFERÊNCIAS
Retratos do Cotidiano da Saúde Mental Brasileira. 2017 dez. 28 [acesso em 2018 abr 11]. 1 vídeo (53 min 15s). Publicado pelo canal Grupo Viver. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=yMlKleylTmE.
Christofoletti R. Ensaio-fílmico: cinema, loucura e resistência. São Paulo: Cultura Acadêmica; 2013. (Coleção PROPG Digital – UNESP). [acesso em 2018 abr 19]. Disponível em: http://hdl.handle.net/11449/109276.
Ateliê de Vídeo, um dispositivo clínico coletivo no campo da atenção psicossocial [tese]. Niterói: Universidade Federal Fluminense; 2015. 182 f.
Levy VLS. Oficinas terapêuticas e produção de vínculo em CAPS AD. Cad. Bras. Saúd. Ment. 2016; 8(19):97- 106.
Pereira FS. O recurso audiovisual como instrumento de emancipação na saúde mental: um estudo da TV Sã na ONG inverso de Brasília [monografia]. Brasília, DF: Universidade Católica de Brasília; 2015. 59 p.
Freitas F. Documentário e loucura: Outras Linguagens, outros olhares. In: Anais eletrônicos do 1º Simpósio de Comunicação e Tecnologias Interativas – LECOTEC, 2008, Bauru. Bauru, Universidade Estadual Paulista, 2008. [acesso em 2017 abr 18]. Disponível em: http://www2.faac.unesp.br/pesquisa/lecotec/eventos/simposio/anais.html.
Compartilhe este conteúdo:
Coletivo Online em Goiás e Tocantins abre inscrições para capacitação de jovens
Estão abertas as inscrições para o Coletivo Online, programa de empregabilidade 100% digital, do Instituto Coca-Cola Brasil, que conecta jovens de 16 a 25 anos, moradores de comunidades de baixa renda, com oportunidades no mercado de trabalho através de uma rede de mais de 400 parceiros empregadores. As inscrições devem ser realizadas até 21 de Junho ou enquanto houver vagas.
As aulas do Coletivo Online acontecem duas vezes por semana. O programa online, que tem abrangência nacional, é gratuito e oferece videoaulas curtas e objetivas durante 6 semanas. Esse formato permite que o jovem faça o curso de qualquer lugar, a qualquer momento, através de seu WhatsApp, aplicativo amplamente utilizado.
O conteúdo do Coletivo Online é focado em temas do mundo do trabalho, elaboração de um plano de vida, planejamento financeiro, construção de currículo, e como se preparar para entrevistas e processos seletivos. Quem assistir às videoaulas e fizer as atividades práticas recebe um certificado de conclusão e, ao final do curso, os participantes são convidados a se cadastrarem nas comunidades de vagas do programa, podendo se candidatar aos processos seletivos de uma rede de parceiros empregadores.
Além da faixa etária, o outro requisito para participar é ter concluído o ensino médio ou estar cursando. Para fazer sua inscrição, acesse o link.
Fonte: Arquivo Pessoal
Atuação que gera impacto
A iniciativa faz parte da plataforma Coletivo, que conta também com o bem-sucedido programa Coletivo Jovem. Desde o início de sua implementação, em 2009, a plataforma Coletivo já impactou mais de 256 mil jovens em comunidades brasileiras espalhadas em 22 estados mais o Distrito Federal — incluindo as suas duas versões: o Coletivo Jovem, com aulas presenciais, e o Coletivo Online, com turmas 100% digitais.
Desses, mais de 77 mil tiveram acesso ao mercado de trabalho. Apenas em 2020, 7.500 se formaram nas aulas dos programas presencial e online, sendo 68% negros e 70% mulheres. De acordo com a pesquisa da Plan Avaliação, 41% dos participantes do Coletivo Jovem, interessados em oportunidades de emprego, estavam inseridos no mercado de trabalho até 6 meses depois da conclusão do curso. No caso do Coletivo Online, 78% dos jovens acreditam que o curso contribuiu para o desenvolvimento pessoal e a taxa de empregabilidade deste programa será aferida em 2021.
Mais informações: Em Goiás pelo telefone: (62) 99944 5743.
Fonte: Arquivo Pessoal
Sobre a Coca-Cola Bandeirantes
A Coca-Cola/Bandeirantes é uma empresa do segmento de bebidas do Grupo José Alves que atua nos setores de Bebidas para os estados de Goiás e Tocantins há mais de 30 anos. Criada em 1987, promove mais de 2.900 empregos diretos e 5.200 indiretos. A empresa possui um centro produtor situado no município de Trindade, em Goiás, com treze centros de distribuição em cidades polos em Goiás e no Tocantins. Atende diretamente 254 cidades e mais de 30.000 pontos de vendas.
Produz, distribui e vende de forma exclusiva os refrigerantes da Coca-Cola Brasil em sua área de atendimento, e ainda faz a distribuição e venda exclusiva das bebidas da Cervejaria Heineken. Sucos, chás, energéticos e isotônicos da Leão Alimentos e Bebidas, além da linha de águas minerais Crystal Lia e Energético Monster.
Como a sustentabilidade está no DNA da empresa, ela investe fortemente em projetos socioambientais, como o Projeto Coletivo, cujo objetivo é construir junto às comunidades carentes do país, um projeto de melhoria de vida através da capacitação de jovens das classes CDE para o mercado de trabalho, Programa Coletivo Reciclagem, apoio às cooperativas e empresas de reciclagem com o incentivo a reciclagem de embalagens PET. A previsão para 2030 é que 100% das embalagens inseridas no mercado sejam recolhidas (Coletivo Reciclagem), contribuindo para a preservação do meio ambiente, minimizando os impactos ambientais provocados pelo acúmulo dos resíduos e embalagens não retornáveis.
Compartilhe este conteúdo:
Luís Paulo Lopes: “É preciso passar pelo aflitivo fogo da transformação que queima nossas ilusões infantis”
“O homem contemporâneo é como uma criança vislumbrada em um parque de diversões, correndo extasiada para brincar nas atrações; e, neste frenesi, acaba ficando perdida e logo chora em desespero sem saber para onde ir”, diz terapeuta junguiano
Falar de Psicologia Analítica geralmente é um fascínio, pois é uma abordagem que nos remete ao estudo dos símbolos, mitologias, arquétipos e da própria psique humana, temas esses que ao longo da humanidade sempre estiveram em alta e que trazem consigo uma forma de entendimento através dos seus significados e a importância dos mesmos para nossa vida.
Nessa entrevista o psicólogo, professor e terapeuta junguiano Luis Paulo Lopes destaca algumas perspectiva da abordagem, bem como suas percepções acerca do cenário atual e o contexto histórico de construção da Psicologia Analítica no Mundo e no Brasil. Também comenta de forma clara sobre vários mal entendidos e pré-conceitos acerca da abordagem e do seu fundador, Carl Gustav Jung, bem como sobre a sua ruptura com Sigmund Freud, pai da psicanálise.
(En)Cena – Por que você trilhou esse percurso? O que foi que te interessou nessa área?
Luís Paulo Lopes – Cheguei em Jung quando era ainda bastante jovem. Após o segundo grau, entrei para a faculdade de biologia, quando tive uma crise psicológica muito intensa e desagregadora que eu não saberia nomear através da psiquiatria, e nem acho que seria o caso. Nessa ocasião, fiquei muito invadido por conteúdos do inconsciente que me tiraram completamente a liberdade; o que me levou a uma reclusão de praticamente um ano em casa, e em meio à muitas questões; certamente aquelas grandes questões da humanidade. Este momento, talvez tenha sido o mais difícil da minha vida até hoje; era um desafio tremendo sair de casa e me relacionar com outras pessoas. Eu vivia aprisionado num mundo de imagens difíceis; era como se eu tivesse sido dilacerado, como Osíris, quando Seth o desmembra e espalha seu corpo pelo Egito. No mito, Isis é quem faz o trabalho de reunir, aos poucos, os pedaços do corpo de Osíris para poder reconstituí-lo. Foi mais ou menos isso que aconteceu comigo nesta época, e aí começa então, uma busca que definiria meus caminhos.
Inicialmente, era uma busca para sair daquela condição aterradora, como se um forte instinto de sobrevivência tivesse despertado em mim e me dizia para encontrar um caminho; do contrário eu ficaria para sempre preso naquela condição. Vida ou morte, esta era a minha sensação. Comecei a me interessar pela psicologia transpessoal, e encontrei um autor muito interessante chamado Stanislav Grof. Naquela época, eu devia ter uns 18 ou 19 anos. Grof mencionava Jung, e fiquei interessado em conhecer o que o sábio de Zurique dizia. Comecei a ler alguma coisa de Jung; no início comprei o “fundamentos de psicologia analítica”, que hoje integra “a vida simbólica vol.1”; são os 5 primeiros capítulos (as conferências de Tavistock). Eu não conseguia entender nada do que estava escrito ali, mesmo sendo um texto onde Jung tem uma linguagem um pouco mais acessível. Eu lia e não conseguia entender, mas fiquei com uma “pulga atrás da orelha” e então comecei a ler livros de comentadores, introdutórios, como “introdução à psicologia junguiana” e coisas do tipo. Assim, fui começando a entender um pouquinho melhor aquela teoria difícil, estranha e fascinante. Após estes estudos introdutórios, consegui começar a ler alguma coisa de Jung nas “Obras Completas”; embora meu entendimento não fosse muito bom, continuava estudando mesmo sem conseguir compreender totalmente. Minha sensação era a de que havia encontrado um grande tesouro, e foi isso que me manteve insistente apesar das dificuldades que tive inicialmente para compreender a teoria junguiana.
Com o tempo, fui me apropriando deste olhar e conseguindo compreender melhor; até que chegou um momento da minha trajetória em que precisei fazer uma escolha. Até então, cursava a faculdade de biologia e estudava psicologia por conta própria; e finalmente decidi começar a cursar psicologia. Durante um tempo, fiz os dois cursos ao mesmo tempo; cursava biologia a noite e psicologia de dia; e foi um ano dessa forma, até me formar em biologia e, alguns anos depois, em psicologia.
Quando me formei em biologia, comecei uma pós-graduação em psicologia junguiana, e cursei junto com a graduação em psicologia. Cerca de um ano após concluir a pós-graduação, fui chamado para ser professor no mesmo curso, que era na Universidade Veiga de Almeida, na época. Como professor, as coisas começaram a ficar mais sérias e precisei estudar ainda mais para poder ensinar, e, com certeza me ajudou a aprofundar muito mais na teoria junguiana. Ainda nesta época, tive algumas experiências muito significativas que, no entanto, mantinha em total sigilo em relação às pessoas que estavam a minha volta. Estas experiências me exigiam elaborar algumas questões muito fundamentais, como por exemplo “o que é a realidade?” ou “o que é a consciência?”. Minhas elaborações sobre essas questões eram bastante incomuns e cheias de paradoxos; o que me levantou a suspeita de que talvez estivesse enlouquecendo, pois não encontrava nada parecido com as minhas conclusões em lugar nenhum. Entretanto, tive um grande alívio quando, por acaso, descobri o advaita vedanta, ou vedanta não-dual, de Shankaracharya. Encontrei aí, com muita surpresa, elaborações sobre a realidade muito semelhantes as minhas próprias e pude respirar tranquilo; pois alguma outra pessoa já havia visto as coisas que eu também estava vendo. Esse momento marcou o início do meu interesse pelas tradições espirituais e a mitologia; que são muito importantes para mim até hoje.
Voltando a Jung… seu pensamento me chamava atenção pela grande profundidade. A sensação que eu tinha era de que Jung possuía uma vivência muito profunda e autêntica naquilo que ele ensinava. Ele não olhava o fenômeno a partir de fora, mas falava de dentro. Possuía uma vivência do inconsciente; o que ficou claro posteriormente com a publicação do “Livro Vermelho” e, agora dos “Livros Negros”, que trazem registros das vivências mais íntimas de Jung neste vasto e misterioso campo chamado inconsciente.
Fonte: Arquivo Pessoal
(En) Cena – Luis, você falou uma coisa, que foi um diferencial do Jung em relação a psicanálise, ele não nega a análise redutiva do Freud principalmente no que se refere às neuroses, mas aí ele aposta também na perspectiva teleológica, que é para onde aponta esses sintomas. Nesse momento que ele fez a ruptura com Freud parece que ele inaugurou uma psicologia bastante moderna, ele dizia que para ser analista tem que ser analisando também, o analista tem que se submeter ao seu próprio processo de análise também, por um colega. Você acha que a psicologia se perdeu muito nesse processo? Isso é mais uma regra da psicologia analítica, da psicanálise por exemplo? Porque ele (Jung) diz que você não pode pedir para o seu cliente/paciente ir além do que você mesmo foi. Como você vê isso? E foi ele que inaugurou isso, o Jung?
Luís Paulo Lopes – Eu gosto do termo terapeuta, prefiro até do que analista. Me vejo como um terapeuta que pode estar como analista se a situação assim exigir. Jung coloca como sendo uma questão ética de grande importância que o terapeuta viva a própria vida com seriedade. Estou me referindo à vida com V maiúsculo; com a participação do inconsciente. Portanto, não me refiro à vida estéril de sentido como nos é ensinada pelo espírito desta época; onde temos como único objetivo tornamo-nos boas engrenagens de uma máquina cega. Me refiro à Vida que realiza o seu próprio sentido, isto é, que realiza quem realmente somos; e que para tal, exige que passemos pelo aflitivo fogo da transformação que queima nossas ilusões infantis e, também, pelo terrível desamparo que faz nascer um sentido a partir de nosso centro interior; nos forjando, gradualmente e na medida do nosso ato, em um individuum. Penso que é justamente isso que Jung quer dizer quando afirma que “ser normal é a meta dos fracassados”; isto é, a individuação me parece uma condição indispensável para que se realize com qualidade o ofício de terapeuta. É a questão do curador ferido. Aquilo que realmente somos está profundamente mergulhado no inconsciente e como que anseia ardentemente ser realizado conscientemente. Perceba que me refiro a um inconsciente bastante distinto daquele preconizado por Freud, ou o inconsciente do recalque; mas a um inconsciente criativo, como algo vivo, que intenta a construção de um caminho no sentido de sua própria realização e que, para isso, precisa da colaboração do ego. Esta é uma gigantesca diferença entre Freud e Jung. Note que não se trata mais de curar um problema específico, tal qual o pensamento médico tradicional preconiza e que está presente também em Freud (embora a psicanálise o tenha superado atualmente). A cura, em nosso caso, é como que um processo vivo, com um curso que lhe é próprio, que nasce a partir do inconsciente e é catalisada, por assim dizer, pela relação com o terapeuta e o trabalho clínico. Não se trata, absolutamente, de acessar conteúdos sexuais reprimidos, embora possa também envolver isso.
Se analisarmos os famosos casos clínicos discutidos por Freud, veremos se tratar de neuroses que foram supostamente curadas a partir da técnica psicanalítica. Havia a ideia de um procedimento quase médico – a psicanálise –, que prometia a cura das enfermidades psíquicas através de seu método quase infalível. Não deixo de notar o caráter de propaganda que está implícito nas discussões dos casos clínicos de Freud; o que pode ser perfeitamente compreendido se considerarmos o contexto histórico em que Freud se esforçava para mostrar o valor científico da psicanálise. O método freudiano, era focado na anamnese e, na redução das fantasias transferenciais a suas causas biográficas, comumente associadas ao complexo de Édipo. Entretanto, o inconsciente vivo ou criativo formulado por Jung muda a forma como se entendia o processo analítico; pois, não se trata mais de voltar ao passado para encontrar a origem do problema no conteúdo recalcado (análise redutiva), mas, além disso, em nos indagarmos sobre a finalidade do processo inconsciente; isto é, a análise deixa de apontar unicamente para o passado e passa a apontar para o futuro; quer dizer, para a construção de um caminho em colaboração com o inconsciente, no sentido da realização da finalidade deste último em colaboração com o ego. É isso o que Jung chamava de cura da cisão neurótica da personalidade.
O foco não é mais eliminar um problema, mas (em muitos casos) atravessar estados psíquicos difíceis e, assim, produzir uma renovação da personalidade. Jung traz várias definições sobre a neurose, a partir de vários ângulos distintos, por isso, não há como definir de uma forma simples a neurose na perspectiva junguiana. Apesar disso, Jung nos permite pensar a neurose como uma espécie de doença sagrada; nesse sentido, uma experiência iniciática criada pelo inconsciente com a finalidade de produzir uma passagem; isto é, que aponta para um fim específico. Essa é uma diferença importante entre Jung e Freud; o inconsciente junguiano, por assim dizer, abarca o inconsciente do recalque freudiano e vai além, pois é também um inconsciente criativo que aponta para uma finalidade e busca produzir uma totalidade, quer dizer, uma nova atitude que una a consciência e o inconsciente.
Jung traz inovações que são absolutamente relevantes e tornam a psicologia junguiana bastante distinta em relação à psicanálise freudiana. Em grande medida isso ocorreu pelo fato de Jung ter tido uma grande influência do romantismo alemão, por suas experiências do inconsciente (como as descritas no livro vermelho), e por ter bebido das tradições espirituais do mundo inteiro e, especialmente do esoterismo ocidental. Jung conhecia mitologia, conhecia os textos sagrados e esotéricos das principais religiões do mundo. Existe uma busca milenar muito mais antiga do que a psicologia contemporânea por isso que os antigos sintetizavam no símbolo da ressurreição, da salvação, da iluminação, do ouro filosófico dos alquimistas ou outros símbolos análogos. A mentalidade contemporânea, impregnada de racionalismo e materialismo, entende esses símbolos de forma extremamente concreta e poderíamos até dizer, ingênua. Jung permite um novo olhar, simbólico, sobre toda essa literatura; e assim, podemos extrair uma espécie de tintura extremamente valiosa para o campo psicológico. Há elaborações riquíssimas em outras tradições que são absolutamente úteis para a psicologia contemporânea. Penso que nossos esforços devem considerar tudo isso que já foi produzido no campo do espírito e não vejo sentido em querer inventar novamente a roda. Toda árvore precisa ter as raízes saudáveis e Jung tinha excelentes referências em sua biblioteca particular. A psicologia junguiana está afinada com esse material muito mais antigo e podemos ver essas fontes citadas pelo próprio Jung ao longo de sua obra; principalmente em seus escritos sobre a alquimia, que mostram um Jung mais maduro e com um conhecimento enciclopédico sobre essas tradições. Apesar de considerar Jung como fazendo parte de uma tradição mais antiga, acho que seu grande trunfo foi ter desenvolvido uma ciência psicológica moderna e com bases epistemológicas extremamente sólidas. Ele traz uma bagagem importante de milênios de experiências acumuladas; apesar disso, não aborda nenhuma dessas tradições a partir de uma perspectiva metafísica, mas, aplicando com rigor uma perspectiva simbólica, observa todo esse material como imagens psíquicas; isto é, como um fenômeno estritamente psicológico.
Fonte: Arquivo Pessoal
(En) Cena – Você concorda que a resistência que o Jung obteve, parece que agora vem diminuindo, de certa forma? Há a ampliação de espaços de diálogo com a psicologia analítica, principalmente na academia, nas universidades, talvez de forma tardia em relação a psicanálise freudiana… Você acredita que o Jung ainda hoje é incompreendido? Pois em artigos científicos é muito comum ver as pessoas se referindo à psicologia analítica como uma espécie de misticismo, elas aparentam não entender o sentido mais profundo inclusive do que seria o Místico e de que forma isso pode ser analisado pelo prisma psicológico.
Luís Paulo Lopes – Com certeza. Jung é não somente mal compreendido, mas, também utilizado para justificar formas de pensar que são absolutamente distintas da dele. Podemos ver isso com clareza na apropriação da teoria junguiana pelo movimento new age; o que somente acentua o preconceito em relação à psicologia junguiana e dificulta sua inserção nas universidades. Sou supervisor clínico em uma universidade e quando inicio uma turma nova, costumo perguntar: “o que vocês pensam sobre Jung?”. Já escutei algumas lendas, no mal sentido do termo, como uma ideia de que Jung aborda coisas mágicas ou metafísicas. Uma ideia de que a psicologia junguiana não é tanto psicologia assim e, por isso, não deveria ser tomada com seriedade. Esse mal entendido normalmente é desfeito com facilidade depois da primeira aula. Quando os alunos conhecem um pouco da teoria junguiana, costumam se interessar bastante e, não tenho dúvidas, começam a levar a sério como qualquer outra abordagem psicológica. Acho que isso em parte se dá por uma campanha difamatória que se iniciou no passado e, até hoje, ainda se estende. Quando houve a ruptura da sociedade psicanalítica de Zurique (Jung) com a de Viena (Freud), iniciou-se uma verdadeira guerra difamatória abastecida por calúnias. Jung não foi o único que sofreu por isso; poderíamos trazer outros autores que foram alvos de campanhas difamatórias como Ferenczi, Adler, Reich e vários outros. Inclusive há um livro do Shamdasani, “Os arquivos Freud”, onde o autor faz uma maravilhosa pesquisa historiográfica utilizando principalmente cartas escritas pelos psicanalistas do Círculo de Viena e de Zurique da época; e você percebe este falatório. Predominavam os argumentos a partir de falácias, “ad hominen”.; tentava-se desacreditar o homem, a pessoa, a personalidade, para descreditar toda sua obra. Freud tinha a pretensão de que sua psicanálise fosse considerada como única possibilidade de psicologia profunda e sentia-se profundamente incomodado com as dissidências de seus antigos colaboradores.
Entretanto, parte da fama de Jung como místico provinha do próprio Jung; precisamos reconhecer isso. Depois da publicação do “Livro Vermelho” tivemos acesso a uma série de experiências místicas do próprio Jung e pudemos perceber o quanto essas experiências foram cruciais para a criação de sua psicologia. Agora, com o lançamento dos “Livros Negros”, este debate certamente será novamente aquecido no campo junguiano. Hoje, está muito claro que o interesse de Jung pelo esoterismo e por místicos de várias épocas e tradições não era somente uma curiosidade intelectual, visto que ele mesmo viveu uma série de experiências extraordinárias que poderíamos muito bem denominar como experiências místicas. Entretanto, este é um fato absolutamente rodeado por preconceitos, mesmo dentro do campo junguiano. Alguns chegam a chamar as experiências de Jung de psicóticas, o que é uma flagrante falta de compreensão sobre a natureza da experiência mística; muito embora, ambas sejam experiências do inconsciente coletivo, por assim dizer. A questão, portanto, não é negar as experiências místicas de Jung, mas de considerar a experiência mística a partir da perspectiva psicológica do próprio Jung. Ele nos permite considerar estas experiências a partir de uma perspectiva que não é nem psicopatológica, nem metafísica. Jung considerou com seriedade estas experiências e, inclusive, reconheceu a importância delas para o campo da saúde mental. Quando passou a utilizar o método da imaginação ativa, na prática, introduziu a experiência mística no setting analítico a partir de uma perspectiva absolutamente psicológica. Os antigos gregos utilizavam a palavra “gnose” para designar um tipo de conhecimento que, poder-se-ia dizer, provém diretamente do inconsciente coletivo e que teria um efeito absolutamente transformador. A “gnose” se refere a um conhecimento que não cabe nas palavras e que, embora seja anterior à própria imagem, só pode ser exprimido e ampliado através das imagens. Penso que deveríamos levar isso muito mais a sério, pois o próprio campo junguiano contemporâneo passou a ver com preconceito este aspecto do pensamento de Jung, por pura ignorância. E, na tentativa de proteger Jung das acusações de místico, passou a minimizar a importância da experiência mística na vida e na obra de Jung; jogando, quase que literalmente, a criança fora junto com a água do banho.
Fonte: encurtador.com.br/adlG6
(En) Cena – Já havia, naquela época, uma política de cancelamento, sim?
Luís Paulo Lopes – Havia sim. Freud tinha pretensão de criar uma psicologia que oferecesse uma resposta única para o problema da psique. Hoje sabemos o quanto essa pretensão era fantasiosa. A pluralidade do campo psicológico contemporâneo está aí para provar. Freud, por exemplo, considerava a libido como tendo uma qualidade fundamentalmente sexual, e não estava disposto a aceitar qualquer outra possibilidade de olhar que dissesse o contrário. Este tipo de posição de Freud fez com que Jung, várias vezes, o acusasse de dogmatismo. A questão da libido é um bom exemplo de um ponto de divergência radical entre Freud e Jung que acabaria colaborando decisivamente para a ruptura entre ambos. Jung afirmava, por exemplo, que o instinto de nutrição era anterior ao instinto sexual e, além disso, que outros instintos eram igualmente importantes, inclusive o que chamou de instinto religioso. Jung traz o inconsciente coletivo com sua multiplicidade de formas arquetípicas como sendo o fundamento psíquico mais radical e a libido como energia pura e simples em seu movimento de progressão, represamento e regressão; impulsionando a transformação das imagens em um processo que parte de uma causa e busca uma finalidade específica. Para Freud, isso era uma ameaça sem precedentes, pois questionaria toda a sua psicanálise. Imagine este fato em um contexto onde a psicanálise sofria constantes ataques e tentativas de desqualificação; e, ainda lutava para se estabelecer como um campo que gozasse de algum prestígio social.
(En)Cena – E como fica a Psicologia analítica, neste ínterim? E no Brasil, qual o perfil acadêmico dos adeptos da teoria?
Luís Paulo Lopes: Podemos pensar na chegada da psicologia junguiana aqui no Brasil com a Dra. Nise da Silveira. Ela organizou grupos de estudos em sua casa que atraíram muitas pessoas interessadas em estudar Jung; e isso, muito antes da tradução das obras completas de Jung para o português. Meus principais professores de psicologia junguiana estudaram com a Dra. Nise, que foi a grande ponte para a chegada da psicologia junguiana no Brasil. Graças a ela e à importância do trabalho que ela desenvolveu com a psicose no antigo Hospício do Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro, a obra junguiana passou a ser estudada com seriedade no Brasil. Não fosse isso, talvez não estaríamos tendo esta conversa aqui hoje.
A psicologia junguiana teve uma difusão lenta no Brasil. Os junguianos sempre foram pouco numerosos e somente alguns se dedicaram a seguir uma carreira acadêmica. Hoje em dia, não é fácil pensar no mestrado em psicologia junguiana, principalmente a depender do estado em que resida; pois, são poucos os professores que orientam pesquisas neste campo. Mas, esse cenário vem mudando muito rapidamente. Cada vez mais, há professores junguianos nas universidades. Os cursos de pós-graduação em psicologia junguiana se alastram por todo o país, assim como muitos institutos junguianos que não têm ligação com alguma universidade. Percebo que a possibilidade do virtual e das plataformas online, herança da pandemia do coronavírus, tem permitido uma expansão ainda maior do campo junguiano. Muitos eventos importantes como palestras, grupos de estudos, aulas pelo youtube, lives, seminários e congressos têm acontecido através destes novos recursos. Hoje, é muito fácil para o estudante encontrar algum grupo ou curso para iniciar os estudos na teoria junguiana; basta procurar pelo facebook. Entretanto, advirto para que procurem analistas ou professores sérios, pois não é incomum encontrarmos coisas pela internet que não são de qualidade. Veremos como isso vai caminhar. Mas, tudo aponta para um grande crescimento do pensamento junguiano no campo da psicologia brasileira. Há um programa de pós-graduação em psicologia junguiana na PUC-SP, por exemplo. Creio que isso é algo muito significativo sobre a penetração da teoria junguiana nas universidades brasileiras.
(En)Cena – Tem um pela Universidade Federal do Paraná, tem também pela Universidade Federal do ABC Paulista, há também algo na UNIP, mas são poucos em relação a quantidade de programas de Mestrado, porque Doutorado é mais difícil ainda… pois bem, Luís, mudando um pouco de assunto, aparentemente há uma disputa muito grande dentro do próprio Brasil entre as diferentes formas de fazer a leitura do Jung. Qual sua opinião sobre isso?
Luís Paulo Lopes – Acho que as diferentes abordagens são inevitáveis, pois, em psicologia, o objeto de estudo é também o sujeito do mesmo estudo. Temos essa interessante peculiaridade em relação às demais ciências, o que torna a psicologia algo extremamente plural e complexo. É possível olhar para a alma a partir de diferentes perspectivas e, apesar da possibilidade da objetividade, o componente subjetivo, ou equação pessoal (como chamou Jung), tem grande importância na elaboração da teoria. Por isso, ao falar sobre psicologia, precisamos falar sempre no plural – psicologias. O psicólogo, devido a essa pluralidade, costuma estar à vontade para lidar com diferentes epistemologias; com diferentes pontos de vista. Podemos considerar que embora todas as abordagens psicológicas tenham uma validade relativa, nenhuma jamais terá validade absoluta. No campo junguiano não é diferente. Jung fez um trabalho definitivamente monumental; o que permitiu diferentes linhas de desenvolvimento teórico a partir deste ponto inicial. Podemos considerar três principais correntes de pensamento dentro do campo junguiano: a psicologia junguiana clássica (principalmente os autores que estiveram mais próximos de Jung), a psicologia junguiana desenvolvimentista (que produziu mais diálogos com a psicanálise) e a psicologia arquetípica (de James Hillman). Há, atualmente, um grande autor chamado Wolfgang Giegerich, que traz uma abordagem distinta em relação às outras três e parece ter força para criar uma quarta corrente de pensamento no campo junguiano; veremos. Essa pluralidade dentro de um mesmo campo não é sem tensões, como seria de se esperar. De qualquer forma, as disputas e alfinetadas mútuas entre os diferentes autores são sinal de saúde; pois, significa que a psicologia junguiana está bastante viva e pulsante, produzindo novos conceitos e ideias. Isso quer dizer que a psicologia junguiana não se enrijeceu em um dogmatismo e, é exatamente isso que garante que nosso campo prospere e avance para o futuro.
É importante avançar, pois estamos no século XXI e não mais na primeira metade do século XX. Quais são os problemas da nossa época? O quanto nós, hoje, conseguimos enxergar e que o próprio Jung não podia, devido ao limite imposto por sua época? Por exemplo, hoje, temos um pensamento feminista dentro da psicologia junguiana que não seria possível na época de Jung. Essa corrente traz algumas críticas importantes em relação ao machismo do próprio Jung. As críticas internas são sempre mais poderosas do que as críticas que vem de fora e, pelo mesmo motivo, são potencialmente mais transformadoras. As críticas de psicanalistas em relação a Jung, por exemplo, costumam ser risíveis; sem fundamento e baseadas em lendas criadas pelas campanhas difamatórias do passado. Coisas do tipo que não se deve nem perder tempo para responder. Mas, as críticas internas são diferentes, pois vem de quem realmente conhece a teoria junguiana. São estes autores que podem fazer críticas bem fundamentadas e, pelo mesmo motivo, criar desdobramentos teóricos.
Fonte: encurtador.com.br/xCIN3
(En)Cena – Em termos de produção de literatura junguiana no Brasil, como você considera que está no momento?
Luís Paulo Lopes – Acho muito importante que haja uma produção robusta de literatura junguiana nacional; e, principalmente que considere as especificidades da psique brasileira. Todo povo tem uma história que influencia radicalmente a psicologia do indivíduo. Quais são os fantasmas que habitam esta terra chamada Brasil e que ainda hoje nos assombram a todos de uma maneira ou de outra? Vivemos, por exemplo, numa terra que, há não muito tempo, foi palco de uma brutal de escravidão. A tortura pública e a brutalidade eram banais nestas terras há não muito tempo atrás e permanecem bastante vivas nas periferias e presídios, por exemplo. Seria mais fácil se esquecer de tudo isso e continuar como se nada estivesse acontecendo; não à toa dizem que o brasileiro tem pouca memória. Entretanto, o inconsciente se recusa a esquecer aquilo que a consciência preferiria fingir que nunca existiu. Quais são os nossos traumas culturais? E como eles nos influenciam ainda hoje? Tenho visto um esforço significativo entre alguns junguianos brasileiros no sentido de produzir pesquisa e literatura exatamente nesta área tão importante. Destaco Walter Boechat e Roberto Gambini. É bastante animador perceber este movimento na psicologia junguiana nacional. As editoras Vozes e Paulus são grandes colaboradoras na difusão do pensamento junguiano, nacional ou internacional; e temos revistas de psicologia junguiana ligadas a SBPA (Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica) e a AJB (Associação Junguiana do Brasil). Mas, apesar disso, em termos gerais, penso que ainda escrevemos pouco no Brasil e, ainda estamos longe de poder ostentar uma produção de literatura junguiana significativa e capaz de dialogar com os principais autores internacionais.
(En)Cena – Em relação à Anima Mundi, como é que você vê esse resgate da alma do mundo?
Luís Paulo Lopes – O conceito junguiano denominado como processo de individuação me parece um caminho para pensar esta questão, muito embora seja um conceito que levante certas polêmicas e divergências no pensamento pós-junguiano. Particularmente, considero que para uma correta compreensão sobre o que Jung chamou de processo de individuação é preciso mergulhar no pensamento dos antigos alquimistas; e nesta área, somente a experiência em seu próprio e privado laboratório e a gnose que daí pode nascer, poderia trazer alguma elucidação. Por exemplo, considero o conceito de “cultivo da alma”, em Hillman, como algo absolutamente distinto em relação ao que Jung chamava de processo de individuação. Tenho pensado, embora ainda não tenha chegado a uma conclusão definitiva, se não poderíamos considerar “o cultivo da alma” hillmaniano e a individuação junguiana como formas distintas de subjetivação, válidas para diferentes tipos de pessoas. Isso teria importantes desdobramentos clínicos.
O mito da queda de Sophia trazido pelos antigos gnósticos nos ajuda a pensar essa questão. Sophia teria gerado filhos sem o consentimento do Pai e sem a participação de seu consorte, o Cristo. Sophia e Cristo como uma sizígia, refere-se ao tema largamente desenvolvido pelos alquimistas da união entre a Alma e o Espírito. A Alma, portanto, originalmente estaria indissociavelmente unida ao Espírito, porém, quando decidiu gerar filhos sem a participação deste último, deu à luz aos Arcontes, seres ignorantes em relação aos desígnios do Pai. Os Arcontes, por sua vez, são comumente representados pelos sete planetas que estão associados aos metais que o alquimista deveria transmutar para a produção do ouro. O mito narra como Sophia foi aprisionada na matéria e como é violentada e oprimida pelos Arcontes que a impedem de retornar à sua morada eterna; até que não podendo mais encontrar consolo nas ilusões da matéria, em estado de profunda privação, Sophia se arrepende de seu erro e implora por seu consorte e salvador, o Cristo. Somente após esta união da Alma com o Espírito, Sophia é gradualmente liberta da submissão em relação aos Arcontes e se aproxima de seu verdadeiro fundamento. Esta é a Sophia discutida por Jung como sendo o quarto grau de desdobramento da anima e associada ao Eterno Feminino ou à Sabedoria Divina. Embora as imagens sejam muito mais enigmáticas do que os conceitos, penso que exprimem muito melhor uma ideia universal.
(En)Cena – Isso é o próprio processo de individuação?
Luís Paulo Lopes – Certamente. O processo de individuação não tem nenhuma relação com o que o senso comum chama de “auto realização”. Pelo contrário, o que se entende hoje como “auto realização” seria equivalente a estar totalmente perdido e definido pelo espírito da época; por isso, está longe de ser uma solução, mas, na verdade é um sintoma do problema que desafia a humanidade, a ignorância. O processo de individuação, ao contrário, fala sobre a transformação do homem no sentido de seu próprio centro e que só pode ser realizada a partir do indivíduo. Me lembro de uma passagem em que Jung diz que o maior trabalho político, social e espiritual que podemos fazer é integrar a nossa própria sombra e, assim, parar de projetá-la nos outros. Tendo a concordar com esse ponto de vista. Nossa cultura dominou a técnica como nunca na história da humanidade, entretanto, espiritualmente somos como crianças birrentas disputando pelos melhores brinquedos. Veja o perigo desta situação se considerarmos a existência da bomba atômica.
É preciso mergulhar profundamente no passado para que as raízes de nossa cosmovisão se estabeleçam na terra fértil dos grandes espíritos da humanidade. Nos tempos atuais, é preciso ter muito cuidado com a novidade, que tenta vislumbrar o homem a se perder na superficialidade; tornando-o ainda mais escravo da ignorância. Assim como a flor arrancada logo perece por ser privada de suas raízes, também o homem contemporâneo adoece quando é desligado de seu passado e privado da sabedoria dos antigos sábios. Precisamos de uma nova pedagogia, não somente para as crianças, mas sobretudo aos adultos. Uma pedagogia enraizada na tintura dos grandes espíritos que passaram por este mundo; para que a tão importante novidade de que tanto necessitamos hoje seja um novo ramo nesta antiga árvore da sabedoria. Mas, a pretensão pueril do homem moderno olha para o passado com desdém, afirmando se tratar de um tempo obscuro de superstição e ignorância; e assim, vangloria-se com suas próprias invenções como se fossem tremendamente superiores. Entretanto, a maioria não passa de vãs distrações que fazem com que o homem se perca cada vez mais no lodo escuro da ignorância; e assim, segue destruindo o mundo. O homem contemporâneo é como uma criança vislumbrada em um parque de diversões, correndo extasiada para brincar nas atrações; e, neste frenesi, acaba ficando perdida e logo chora em desespero sem saber para onde ir (normalmente a problemática da segunda metade da vida). Se a cosmovisão não tiver longas raízes que penetrem profundamente no passado, na terra dos grandes espíritos da humanidade, ficará restrita à superfície desta época. O homem permanecerá como uma criança mimada, a doença mental crescerá como erva daninha e o mundo continuará a ser destruído. Esta é a minha definição para a miséria espiritual da nossa época.
(En)Cena – Aos 63 a 64 anos, Jung falava continuamente que o que diferencia muito ele – inclusive de Freud – é que ele era um homem ambivalente, imperfeito. Como você enxerga isso?
Luís Paulo Lopes – Ele e todos nós; sem dúvida nenhuma. Jung deixa claro que a individuação não é um caminho para a perfeição, mas para uma maior integridade. Integridade implica ter consciência da própria escuridão, das próprias imperfeições; e conviver com elas de forma consciente. Entretanto, ao tentarmos ser perfeitos, fechamos os olhos para tudo aquilo que não se encaixa na perfeição que imaginamos e, por isso, nos alienamos de nós mesmos; precisamente, a definição de neurose para Jung. Mas, convenhamos, admitir nosso lado sombrio é algo tremendamente difícil e nós joga em conflitos penosos e no desamparo arquetípico. Entretanto, este mesmo desamparo pode ser muito bem o início de um processo (penoso, é verdade) de nascimento de um individuum; isto é, fala sobre a possibilidade da cura de cisão neurótica da personalidade. Esta cisão neurótica faz com que a mão direita haja sem saber como a mão esquerda está agindo, como Jung certa vez afirmou; entretanto, mesmo com a superação da cisão neurótica, o homem continua tendo uma mão direita e outra esquerda, muito embora, agora elas possam estabelecer uma relação. Esta é a nossa ambiguidade fundamental e insuperável. Há uma boa passagem bíblica atribuída a Jesus que serve bem como imagem simbólica para essa verdade psicológica: “Eu não vim para chamar justos, mas pecadores” (Marcos 2:17). Quem conhece as discussões de Jung sobre a relação simbólica entre Cristo, o conceito de Self e o processo de individuação, compreende essa analogia sem nenhuma dificuldade.
Fonte: encurtador.com.br/frvAI
(En)Cena – Pode ser que alguns terapeutas junguianos tenham um sistema pré-moldado, pré-definido, um sistema cognitivo, do ponto de vista da compreensão dele do mundo, e ele não consegue fazer essa separação, fora do espectro da autoridade, e as vezes ele passa a impressão de que o processo de individuação se aproxima daquele “Ideal Asceta” que o Nietzsche criticava dentro do Cristianismo. Você enxerga dessa forma? Como é que se pode desmistificar isso, ou como o paciente pode perceber isso?
Luís Paulo Lopes – Quanto mais o homem se aproximar de um ideal, mais distante estará de si mesmo. Por isso, os ideais de perfeição necessariamente produzirão uma sombra de igual intensidade que tenta compensar o ideal sobre o qual a consciência está identificada. Veja o exemplo do nazismo na Alemanha; o ideal de perfeição, beleza e pureza ariana carregava de forma subterrânea o horror, a feiura e a sujeira da sombra alemã. Enquanto o povo alemão estava possuído por este ideal de pureza, era incapaz de perceber que ele mesmo era o monstro repugnante que tentava derrotar, e assim, o perseguia projetado em seus inimigos. Vivemos algo muito semelhante hoje em dia no Brasil com o ideal do cidadão de bem, por exemplo. Veja o quanto é sedutor um ideal como esse; pois afirma que aquele que se identifica com ele é uma pessoa perfeita, como se estivesse salva do diabo que habita a sua própria casa. Qualquer ideal deste tipo, não importa se é político, religioso, ou de qualquer outra natureza, produz este mesmo efeito. A integração da sombra, para Jung, significa tornar-se humano, ou seja, um pecador. Veja como poderia ter sido salutar se o povo alemão tivesse tomado consciência do pecado que carregava, mas que era incapaz de reconhecer. Nesse sentido, a individuação não significa “subir no pódio” como o espírito desta época gastaria de pensar, mas ao contrário, é “cair do cavalo”. É levar um tombo do alto de sua inflação. A identificação com esta persona heroica ou santa é desfeita e o ego precisa confrontar a natureza sombria da alma. É necessário manter a tensão entre os opostos para que a integração aconteça; nesse sentido é exigida coragem para encarar a verdade de que somos todos pecadores.
(En)Cena – Por fim, gostaria que você falasse um pouco sobre o “necessário manter a tensão” para, a partir disso, integrar…
Luís Paulo Lopes – Manter a tensão, suportar a tensão… Jung discute o conceito de função transcendente, como uma função que unifica a consciência e o inconsciente, os opostos, em um terceiro termo, uma nova atitude. Quando o ego finalmente encara os aspectos sombrios da alma, um conflito irrompe. O conflito tende a ser uma experiência aflitiva e, por isso, a tendência natural é que o oposto inconsciente que está incomodando as pretensões unilaterais da consciência, seja reprimido novamente; e assim, o conflito cessa sem qualquer resolução. Não quero dizer com isso que os conflitos devam ser solucionados, pois como Jung nos ensina, os grandes conflitos humanos são contradições insolúveis. Tentar encontrar uma solução para eles é impossível, pois a consciência é naturalmente unilateral e, portanto, incapaz de considerar uma solução que inclua ambos os opostos. Tudo o que a consciência pode fazer é suprimir o conflito. Este é o motivo pelo qual é preciso sustentar ou suportar o conflito; pois se não podemos solucioná-lo, só nos resta suportá-lo para que não nos alienemos de nosso lado sombrio. Se o conflito for sustentado tempo suficiente, da tensão entre os opostos surge um terceiro elemento que unifica os opostos, a função transcendente. Há uma ampliação da consciência devido a integração do inconsciente e, a partir desta nova perspectiva da consciência, agora ampliada, o antigo conflito perde a importância; e mesmo que não tenha sido definitivamente solucionado, realizou o seu propósito.
Compartilhe este conteúdo:
O SUS por novas lentes: o produto da informação e a experiência
Epidemias, hanseníase, AIDS, varíola. Vacinação obrigatória. Saúde ao alcance apenas dos trabalhadores de carteira assinada, assegurados pela previdência social. Custos altíssimos de tratamentos. Pessoas morrendo por falta assistência em saúde. Movimentos sociais, constantes lutas pela ampliação de direitos e cidadania. Fatores que influenciaram estreitamente para surgimento do SUS. E a concepção do que hoje é saúde como um direito de todos e dever do Estado. O relato aqui apresentado trata-se de uma vivência de estágio e o contato concomitante com a disciplina de Saúde, Bioética e Sociedade.
Fonte: https://goo.gl/C6N5Kg
Meu contato com o SUS de modo geral é comum aos jovens do século XXI que pouco sabem e se interessam pelo sistema. Como usuária, ao procurar tratamento de saúde e alívio para dores, recebia atendimento e solução para o problema. Porém na minha perspectiva de leiga o SUS era apenas isso, a certeza de ter um lugar falho, que eu poderia recorrer quando a “dor apertasse” ou a doença se instalasse. De modo que, se antes dessas vivências eu fosse falar ou avaliar o programa provavelmente traria muito mais coisas negativas do que relevantes. Remetendo ao caos na saúde brasileira, as grandes filas de espera para receber qualquer atendimento, a escassez de materiais, a superlotação, aos relatos de outros usuários, reportagens de jornais, a situação dos Hospitais Gerais, etc.
Fonte: https://goo.gl/BEU52p
Apossando-me daquele velho discurso, “SUS não muda, e nem adianta esperar muita coisa, afinal é público”. A falta de informação e conhecimento sobre o serviço gera pessoas alienadas, que acreditam e percebem apenas de acordo com experiências ruins passadas ou ouvidas e segue reproduzindo discursos do senso comum. De maneira que ao invés de atuar como agentes de mudanças, estão constantemente em busca de atribuir culpas e falhas a outros. Tencionando percorrer caminhos cada vez mais fáceis. Situações essas que começam de nós usuários, profissionais, povo que possuem direitos, mas esquece também dos deveres e compromisso com o SUS.
Espaço que se encontra lotado de especialistas no apontar problemas, mas escasso de pessoas que apresentam soluções, assumem responsabilidades com a visão de sociedade e cidadania. Aspirando unir forças para formação de um sistema melhor. Prova disso são as rivalidades presenciadas nos estádios entre torcedores, nas redes sociais pela divergência de opiniões, em tempos de política nas escolhas de representantes, na intolerância religiosa. Literalmente coisas simples de lidar, mas que tornou sinônimo de caos, guerras e até mortes nos dias atuais. Não conseguimos exercer de forma madura nem a democracia e a liberdade de expressão, imagina as demais coisas.
Vivemos em uma sociedade enraizada na cultura egoísta que não pensa no coletivo, mas obriga este a concordar com ele, não segue regras e assume compromissos, pois sempre tem um “jeitinho brasileiro” pra tudo. Corrupções são justamente produto de pensamentos e atitudes egoístas. Atitudes essas que começam por atos pequenos, inofensivos até chegar em congressos, políticos e refletir em toda uma sociedade, pois são parte de um povo, da cultura de um país. Daí eu te pergunto será mesmo que o problema é do SUS? E digo o problema não é do SUS. Mas está nele diariamente, pois somos nós, são os representantes que escolhemos, sendo então dilemas e responsabilidades que devem ser assumida por todos.
Fonte: https://goo.gl/2WLfLF
A experiência que tive como estagiária de psicologia no SUS me obrigou a enxergar diferente, e a trocar minhas lentes por essas que trago no presente. Por tempos me encontrei focada apenas nas falhas e opiniões do senso comum, e claro na revolta de usuária que como todos, espera por um serviço eficaz, humano e completo. Pois sim, para esta troca eu precisei passar para o outro lado, e comprovar quantas falhas e faltas há, como o SUS caminha em meio a grandes dificuldades. Contudo o mais bonito de ver é que apesar das grandes dificuldades e burocracias ele ainda acontece.
Foi em meio a tantos problemas que encontrei também pessoas fazendo a diferença sem medir esforços para o sistema funcionar. Na competência de promover saúde, prevenir doenças e se comprometer com um povo, com um país. Nem que para isso seja preciso levar toda equipe até casa de quem necessita ainda que essa casa seja a rua, o indivíduo precisa e é alcançado. Como é possível encontrar hoje profissionais excelentes em um trabalho conjunto aos consultórios de ruas, UBS fluviais, agentes comunitários de saúde, equipes domiciliares (NASF) fazendo cumprir o dever: “…um direito de todos”.
Fonte: https://goo.gl/vtBcvG
Quando há pessoas que se comprometem e assumem responsabilidades sendo capazes de enxergar a riqueza que é levar saúde a quem precisa. Independente do político corrupto que desviou a verba do SUS, os materiais que faltaram, ele vai funcionar, e isso faz valer a pena cada centavo que continua sendo pago. Porque não depende apenas desses políticos para que aconteça, mas depende de usuários e profissionais capacitados que lutam por aquilo que é de todos, entendendo o valor do que foi conquistado com muito esforço e hoje é oferecido de forma universal. Pois é assim que o sistema em sua grande maioria é percebido por profissionais que o compõem, dando a assistência adequada ou não a população.
Fonte: Agentes comunitários e Psicóloga do NASF (Arquivo pessoal)
Por fim, concluo esclarecendo que o SUS não é imutável, não é serviço de graça e nem apenas para pobres. É para pessoas que o procuram independente de raça, condição financeira, pois ele é universal de direito para todos. Integral que considera o ser humano como um todo. Regional organizado de forma articulada com outros serviços. Descentralizado que divide seu poder em 3 níveis de governo. Atua com a equidade de acordo com as necessidades distintas de cada um. E conta com a participação popular no seu dia-a-dia para construção de um sistema melhor.
Compartilhe este conteúdo:
Acordo Coletivo dos amostrados dos pontos de encontro
Como diz a clássica canção de Hal David A house is not a home; uma casa pode ter toda estrutura necessária para abrigar uma família, mobília e aquecimento, mas uma casa não é um lar se não houver abraço, atenção, apoio e cuidado.
Recordamos também de Zezé, personagem do romance juvenil Meu Pé de Laranja Lima de José mauro de Vasconcelos, que apesar de ter familiares ao seu lado, se sentia sozinho por não ter um carinho de pai ou afago de mãe, ou seja, por não ter um lar.
Propomo-nos, a contribuir no aprimoramento de uma Casa Abrigo, para que se aproxime de umlar. E foi um grande desafio, a experiência de vivenciar a rotina de uma instituição que recebe crianças com histórico de abuso e abandono. Essa vivência produziu algo singular em nossa formação.
O lugar dispõe de uma estrutura física adequada para que uma criança se desenvolva e evolua como qualquer outra. O desafio diário da equipe é tornar essa instituição em um lar, onde as crianças recebam carinho e atenção de seus pais sociais, e juntos possam caracterizar uma família, ou o mais próximo possível desse núcleo tão importante no desenvolvimento humano.
Foi evidente no convívio de seis meses com os pais dessa Casa Abrigo, o quão é difícil o que aqui propomos. Cada criança traz consigo histórias e experiências distintas e requerem cuidados e atenção específica. Por outro lado, os cuidadores mobilizados com as especificidades dessas crianças, com o abandono e maus tratos comuns em cada caso, ou talvez por defesa, automatizam suas práticas, e acabam tratando iguais os diferentes, e o que deveria ser singular, passa a ser coletivo. Assim, criam uma aproximação íntima e ao mesmo tempo distante de cada criança.
Eis aí o imbróglio de um estabelecimento instituído, que a muito custo se mantém, tem suas limitações e necessidades, reconhece o desejo de suprir a necessidade emocional de cada criança, mas por ser uma instituição- casa e não um lar, não sabe como fazê-lo.
Tentamos auxiliá-los nessa e em outras demandas surgidas nesse caminhar, e formulamos, junto aos educadores (pai e mães sociais), um grupo de apoio na tentativa de estabelecer processos de autoanálise e autogestão; conceitos comuns do movimento institucionalista ou análise institucional; que propõe que os próprios coletivos se deliberem, produzam saberes sobre si mesmos e se organizem para melhor gerir suas atuações.
As provocações, como o previsto, produziram mais questionamentos do que respostas, o desconforto na descoberta de uma atuação alienante, incomodou a todos, incluindo nós. Como pode se trabalhar tanto tempo sem mesmo pensar o porquê ou quais as implicações desse labor? Percebemos neles inquietações, e juntos levantamos reflexões que indicavam a eminência de mudanças em suas atuações. Eles estiveram comprometidos todo o tempo, colocaram-se em análise e apontaram formas diferentes de atuar, para transformar a casa em um lar, evidenciando a singularidade de crianças e cuidadores, tratando com equidade as diferenças de cada um.
Assim, finalizamos nossa intervenção em meio aos questionamentos. Certamente o processo que construímos vai repercutir na atuação nossa e dos educadores, talvez não como houvéssemos planejado, porém o incômodo recorrente ao término das reuniões nos faz crer em uma mudança positiva na práxis de todos os envolvidos, cada um a sua maneira e no seu tempo.
É mais comum do que imaginávamos, tomar a forma do instituído e se acomodar em sua atuação, sem perceber. É muito tênue a linha que divide a reflexão e o comodismo. A autocrítica e a ação foram os produtos do processo de autoanálise e autogestão que foram estabelecidos no grupo de educadores sociais, e apesar de reconhecer as dificuldades de instaurar mudanças em uma instituição, esperamos ter contribuído para que essa casa se torne um LAR.
Nota: Texto produzido por acadêmicos de Psicologia do CEULP/ULBRA para a disciplina Intervenção da Psicologia na Educação ministrada pelo professor Jonatha Rospide.
Compartilhe este conteúdo:
Concretude da autogestão como reinvenção das lutas de massas (ou Assim, nunca voaremos!)
24 de outubro de 2012 José Anezio Fernandes do Vale
Insight
Compartilhe este conteúdo:
O que precisamos é de um jeito de fazer democracia que esteja grudado na nossa pele, e que faça cada vez mais pessoas sentirem que sua pele pode ter o dom de emanar democracia. Talvez o nome “democracia” não seja tão bom, já esteja muito desgastado, usado para mentiras. Então vou usar outro termo, igualmente polêmico, ou ainda mais: nossas peles precisam emanar autogestões.
A autogestão, é o que me parece, é o principal problema da psicologia do artifício. Para quem não sabe, já há algum tempo que vem sendo feito esse esforço: sistematizar uma série de ideias oriundas de diversas teorias psicológicas, cruzá-las com pesquisas e diversas formas de investigar a natureza da psique, e assim formular um novo campo de conhecimento, dedicado à instrumentalização das pessoas oprimidas e exploradas para a sua libertação através da luta coletiva. Parece-me que as próximas investigações vão continuar teimando em repetir o que todas até aqui já nos disseram: que se trata de um problema de autogestão.
Quero começar a formular essa problemática, no seio da psicologia do artifício, trazendo uma questão concreta para o movimento estudantil de psicologia da UFES, para o movimento estudantil de psicologia e para o movimento estudantil da UFES (assim como, acredito, para todo tipo de movimento social e para todo o movimento socialista, hoje!): o fortalecimento e crescimento das vanguardas deve ser causa ou consequência do fortalecimento e crescimento das bases?
Hoje, ao contrário do que desejamos, temos poucas pessoas de fato implicadas na luta transformadora. O modo corrente de pensar e de viver, é fundado na ideia de que os interesses individuais são o único parâmetro possível, e que a dedicação a interesses coletivos é, ou perda de tempo, ou loucura, ou um atalho para atingir posições de status, e assim usar essas posições para atender a interesses próprios. Diante deste individualismo, vanguarda e massas estão esvaziadas. Isso não é, porém, uma condição irreversível, e a vanguarda hoje é exatamente aquele setor pequenino da sociedade que busca inflamar nas massas a vontade de tomar posição contra o individualismo e contra a atual sociedade.
Porém, há um desafio posto às vanguardas, que acho que elas não compreenderam por completo: como fazer uma multidão, composta por uma infinidade de indivíduos tão diferentes, com tantos interesses distintos, se mobilizar coletivamente em torno de seus interesses coletivos, e legitimar essa pequena elite crítica e pensante como vanguarda?
O primeiro passo, entendo eu, é justamente despir as vestes da arrogância. Precisamos entender que não temos o programa completo da transformação, que essas massas precisam ser cativadas não a comprar o programa que nós, minoria iluminada, construímos, e sim a construí-lo junto conosco. Para isso, é claro, é preciso aceitar a dura situação em que estamos: construir tal programa é trabalhoso, e à primeira vista, nenhum pouco atrativo a quem já está em cômodas posições. Portanto, nosso desafio passa por desmistificar a comodidade em que cada indivíduo das massas está inserido, e mostrar que a condição atual não só é degradante, mas pede um empenho coletivo.
Porém, esse processo de desmistificação se torna mais difícil quando a realidade aparece para as pessoas como inalterável. Quando a construção deste projeto parece ser da mesma natureza que a reforma da atual sociedade, através da política convencional (essa que todo mundo conhece cotidianamente como A política), fica muito difícil atrair as pessoas para a construção coletiva. Na verdade fica difícil até para nós, que já estamos até o pescoço de tão dentro dessa luta (nós, que somos supostamente vanguarda), participar deste processo de transformação. Por isso o que se põe como desafio é justamente isso: inventar formas imanentemente democráticas de decidir como a vida vai funcionar daqui pra frente. Eis o problema da autogestão.
Não devemos reunir as massas e depois começar a experimentar a autogestão. É através do convite para as experiências de autogestão que devemos trazer as massas ao protagonismo da transformação social.
Retomo o problema que coloquei acima. A vanguarda fragilizada que temos hoje, não deve ter como preocupação prioritária o seu próprio fortalecimento (não que isso deva ser deixado de lado! De forma alguma! Mas não deve ser o carro-chefe de sua ação!). Ao invés de se dedicar a uma autoconstrução, iludida de que, se reestruturando, ela será capaz de posteriormente fortalecer e reestruturar as massas, eu proponho outro caminho: entendo que o crescimento quantitativo e qualitativo das vanguardas deve vir como consequência “natural” do crescimento quantitativo e qualitativo das massas. Precisamos entender cada indivíduo como uma importante conquista, e entender que no convencimento político de cada pessoa, se abre o caminho tanto para seu crescimento qualitativo na luta estudantil e socialista, quanto para o convencimento político de outras pessoas a partir daí (crescimento quantitativo). Precisamos fazer da autogestão uma experiência de democracia urgente, apaixonante e compreensível para cada pessoa concreta, e não apenas um utópico e intangível objeto a ser perseguido, como se a democracia no cotidiano daquelas e daqueles que lutam fosse confinada ao campo do futuro.
Insisto que o movimento estudantil, assim como todo o movimento socialista, está confinado ao constante fracasso, caso não se reinvente neste aspecto mais elementar, que é: nunca perder a oportunidade de fazer cada indivíduo se sentir parte de uma construção coletiva, e ao mesmo tempo fazer cada contribuição individual ecoar enriquecendo, da maneira mais imediata possível, os processos coletivos.
A democracia precisa ser palpável, compreensível, precisa ter papel pedagógico ininterrupto na vida de cada uma das pessoas que o movimento socialista organiza. A autogestão precisa ser algo simples de explicar por qualquer transeunte nas ruas da cidade, porque algo vivido de fato (e não apenas teorizado) por cada pessoa em suas comunidades, em suas associações de moradores, em seus conselhos de fábrica, em seus sindicatos, em seus conselhos de escola, grêmios, centros e diretórios acadêmicos, em cada um de seus espaços vividos. A vanguarda que temos hoje, precisa sim se aperfeiçoar, precisa sim se formar politicamente, precisa sim repensar seus modelos organizativos, mas o que ela precisa se dedicar com mais afinco, é a entender que vanguarda não sabe mais do que base, que a palavra da vanguarda nunca pode valer mais do que a palavra da base, e que a base só respeitará de fato a vanguarda quando não se tratar de uma relação de obediência a uma liderança, e sim de uma relação de confiança nas pessoas que dedicam com afinco sua vida à militância. Essas pessoas são admiradas, porque admiram sua base, porque dedicam sua voz a ser voz desta base, porque fazem com que essa base aprenda o que é socialismo com a inteligência da pele (uma autogestão que paira no ar, que se faz tensa nas musculaturas, e não apenas na verbalidade). Uma vanguarda que se posiciona de tal maneira, que não perde oportunidade de fazer a opinião de cada indivíduo e de todo o coletivo ser aplicada da forma o mais imediata possível, naturalmente conquista o coração de novas pessoas para esse exercício de dedicar a vida com afinco à militância. O crescimento qualitativo e quantitativo de qualquer vanguarda, só vai ocorrer de forma saudável, se for assim.
Não estou defendendo qualquer basismo ou qualquer assembleísmo mesquinho. Precisamos apresentar para nossas bases a importância de formas indiretas, mediadas, de deliberação. Precisamos entender que, em certas circunstâncias, será necessário tomar decisões que não podem fazer a consulta individual a cada membro das coletividades envolvidas, e é por isso que delegamos a certas pessoas, em certos momentos, a função de decidir certas coisas. Porém, não podemos continuar na atual postura idiota da quase totalidade da esquerda, de achar que o conjunto da população explorada vai ver sentido em nossos rituais de militância, em que convidamos as massas à ação revolucionária, mas a grande maioria dos próprios quadros das nossas organizações, entidades, coletivos, partidos, mal participa dos processos decisórios sobre como serão essas ações. Nós naturalizamos que é “mais prático”, “mais rápido”, “mais eficiente”, “menos desgastante”, ou qualquer coisa do tipo, utilizar as boas e velhas formas de deliberação acumuladas pelo movimento socialista (e que não devemos jogar fora, enfatizo!). No entanto, acho que precisamos dar um espaço cada vez mais restrito às formas indiretas, mediadas, de deliberação, e não cometer o erro brutal de usá-las no momento em que está em nossas mãos a possibilidade “um pouco mais trabalhosa” de escutar a opinião da maior quantidade de indivíduos possível, e permitir que essas opiniões enriqueçam a formulação coletiva que buscamos. Isso educa as pessoas para a sociedade em que não seremos mais alienadas e alienados da gestão de nossas vidas.
Autogestão é um modo de gerir a vida que precisamos entender como aplicar em cada caso, e até nesse sentido vale a pena escutar as pessoas ao invés de chegar com fórmulas prontas. Que nós, vanguardas, levemos ideias, mas deixemos que as mãos das massas as moldem, ou mesmo que as descartem e as substituam por ideias trazidas por essas massas. Não estou dizendo que as ideias das massas são em si melhores do que as das vanguardas, estou dizendo apenas que o oposto não é sempre verdade, como nos acostumamos de forma viciada a acreditar, convencidos por interpretações equivocadas de algumas experiências verdadeiras.
Sim, a vanguarda tem seu papel indispensável. Sim, sua existência é inevitável, independente das muitas formas que ela possa tomar. Mas o que a psicologia do artifício tenta trazer neste momento é uma verdade sobre seres humanos, que não pode continuar sendo ignorada pelo movimento estudantil e pelo movimento socialista: ações baseadas em saberes estranhos aos nossos corpos, repelem nossos corpos. Quando nossos corpos se reconhecem em certas ações a agir, e em certos saberes, nossos corpos agem. A verdade revolucionária não está pronta, ela está sendo criada a cada nova luta travada pelo movimento socialista, e ou a gente desfaz os edifícios burocratizados de luta que alienam decisão e ação, e edifica novos instrumentos de luta, em que lutar faça sentido para os corpos das exploradas e dos explorados, das oprimidas e dos oprimidos; ou estamos destinadas e destinados a rodar em círculos, sob os comandos massageados de uma vanguarda tão desorientada quanto as massas (ou mais), enquanto achamos que estamos aprendendo a voar.