Amar, pertencer, existir: The L Word e Generation Q

Compartilhe este conteúdo:

Quando a gente assiste uma série como The L Word, percebe rapidamente que ela não é só sobre relacionamentos amorosos entre mulheres. É sobre viver de forma autêntica, mesmo quando o mundo ainda insiste em dizer que isso é errado. É sobre tentar se encaixar ou simplesmente se permitir não caber em nenhuma caixinha.

Para quem cresceu sem ver histórias parecidas com a sua na TV, esses personagens funcionam quase como um respiro: “ah, então não sou só eu”. Tem algo muito poderoso nisso. A série original foi revolucionária por mostrar que mulheres lésbicas, bissexuais, queer podiam ser protagonistas de suas vidas com alegrias, erros, conflitos, paixões intensas. E o melhor: sem serem punidas por isso.

Já a Generation Q traz esse mesmo espírito, mas com os olhos voltados pro presente. A nova geração carrega mais diversidade, mais cores, mais histórias possíveis. Fala-se de transição de gênero, não-binariedade, raça, política, redes sociais. Fala-se também de ansiedade, solidão, reconstrução. Tudo isso de forma crua, mas também afetuosa.

Fonte: Showtime

O mais bonito talvez seja perceber como essas histórias tocam a gente. Não porque são perfeitas, mas porque são reais. As personagens erram, se perdem, recomeçam. Às vezes, machucam quem amam, outras vezes se salvam umas às outras. Como todo mundo.

Talvez por isso The L Word ainda faça tanto sentido. Porque fala sobre existir com coragem. Sobre ter que se afirmar o tempo todo, mas também sobre encontrar um lugar seguro onde não é preciso se explicar. E se esse lugar, às vezes, for uma série de TV, tudo bem. Às vezes, só de ver alguém parecida com a gente vivendo sua verdade já é o suficiente para dar fôlego pra continuar vivendo a nossa.

Além da força dos seus temas, The L Word também se destaca como experiência estética. A fotografia intimista, os diálogos intensos e as trilhas sonoras cuidadosamente escolhidas criam um clima quase cinematográfico, daqueles que a gente sente no corpo. Cada cena parece construída para nos convidar a entrar na vida daquelas personagens, como se estivéssemos ali com elas, sentindo tudo junto. Não é só uma série: é um mergulho sensorial em histórias que misturam dor, desejo, pertencimento e transformação. A forma como a câmera se aproxima dos rostos, o cuidado com os silêncios, os espaços de afeto fazem com que The L Word funcione quase como um filme longo, dividido em capítulos, que a gente assiste com o coração na mão. É arte que acolhe.

Fonte: Showtime

 Ficha Técnica

Título original: The L Word

Criadora: Ilene Chaiken

País de origem: Estados Unidos

Emissora original: Showtime

Gênero: Drama, Romance

Número de temporadas: 6

Número de episódios: 70

Período de exibição: 18 de janeiro de 2004 a 8 de março de 2009

Elenco principal: Jennifer Beals (Bette Porter), Leisha Hailey (Alice Pieszecki), Katherine Moennig (Shane McCutcheon), Laurel Holloman (Tina Kennard), Mia Kirshner (Jenny Schecter), Erin Daniels (Dana Fairbanks), Pam Grier (Kit Porter).

Compartilhe este conteúdo:

Transição para a terceira idade e o estresse de minorias de mulheres LGBTQIA+

Compartilhe este conteúdo:

  O estresse em grupos minoritários é específico, único e crônico, afetando especificamente aqueles que enfrentam múltiplas camadas de discriminação. Mulheres LGBTQIA+ idosas podem vivenciar uma sobrecarga emocional tripla, derivada da interseção entre gênero, idade e orientação sexual. 

 O envelhecimento saudável é um processo contínuo de otimização da habilidade funcional e de oportunidades para manter e melhorar a saúde física e mental, promovendo independência e bem-estar ao longo da vida (OPAS). Entretanto, em muitos casos, esse processo pode ser prejudicado por estar inserido num cotidiano carregado de violência, insegurança e discriminação, enfrentado, em suma, por mulheres LGBTQIA+, que, encontrando-se numa posição subordinada socialmente, passam por um estresse capaz de prejudicar a passagem para a terceira idade. Nesse sentido, o presente estudo foi feito para desmistificar como esses eventos ocorrem e a maneira como afetam essas mulheres, focando no envelhecimento que acaba sendo prejudicado no caso desses indivíduos. 

 Atualmente, mulheres de minorias sexuais (lésbicas, bissexuais, transexuais, assexuais etc) são mais propensas a experimentar a solidão após passarem por eventos estressantes durante a vida (Lam & Campbell, 2023). Nesse sentido, a ocupação de posições minoritárias socioeconômicas, por pessoas plurisexuais pode ser um evento que dificulta o processo de envelhescência, essencialmente quando está associado a aspectos como a solidão e estresse minoritário, pois o ambiente em que os idosos residem também moldam esses sentimentos (Lam & Wang, 2022), podendo ser provocadas pelas experiências enfrentadas em razão da orientação sexual dessas pessoas. E fatores como a resiliência diante desses aspectos também são afetados pelo contexto em que mulheres mais velhas estão inseridas, como níveis de estresse crônico pré-existentes, autoconceitos deturpados e qualidade/presença dos apoios sociais disponíveis (Lam & Campbell, 2023). O apoio para mulheres de minorias sexuais pode ser amplamente afetado pela discriminação, em quantidade e qualidade, e uma boa rede de apoio por um grupo de amigos, por exemplo, é significativa para enfrentar eventos relacionados a passagem pra terceira idade, como perdas, acidentes, viuvez, doenças etc. A qualidade das relações interpessoais é um viés para a felicidade, sentimento esse que, quando presente na envelhecência, pode tornar o fenômeno facilitado e fluído. Outras fontes de apoio social são parceiros e filhos (Chen & Feeley, 2014), em suma na passagem para a terceira idade, sendo visto assim, novamente, a desigualdade em que muitas mulheres plurisexuais se encontram, se comparado a mulheres heterosexuais, pois a legislação brasileira impede que mulheres de sexualidades diversas tenham acesso a processos como barriga de aluguel ou adoção, tornando estressante o desejo de filhos em sua instituição familiar, filhos esses que poderiam ser de suma importância no processo de envelhecer, em razão do suporte significativo. Além disso, tal estresse vivenciado na tentativa de ampliar a família pode tornar esse processo ainda mais difícil.

                                                                                                                                                                               Fonte: freepink

  Aliado a esses aspectos, as características individuais podem moldar os níveis e a formação de solidão (Hoang et al, 2022), como oportunidades, restrições sociais e transições de vida. Mulheres LGBT no cotidiano brasileiro estão sujeitas a opressão, violência, depressão, vulnerabilidade, e ainda, se feito um recorte etnico-racial, fatores como a falta de oportunidades e marginalização são potencializados, sendo esses os maiores símbolos do estresse de minorias. Nesse sentido, características que podem reduzir esse ambiente de solidão são uma boa rede de apoio, segurança a que muitas mulheres, dependendo do local de moradia e trabalho, são privadas e atenção aos aspectos psicológicos num meio violento, fomentando uma deturpação na autoeficácia

  O envelhecimento traz à tona desafios de dependência (Mortenson, Sixsmith & Beringer, 2017), exacerbados por elementos como a cultura do overwork, a mesologia, papéis impostos e falso conceito de sucesso, ou seja, a sobreposição do sucesso financeiro pela felicidade (Shawn Ancor, 2010; Renata Abreu, 2016). Essa pressão resulta na “Síndrome da Mulher Maravilha”, onde a busca pela alta performance e multitarefas afeta principalmente mulheres, que enfrentam dificuldade, ao envelhecer, em aceitar a inércia. Nesse sentido, muitas mulheres que passaram a vida sendo autônomas em razão das características do meio a sua volta, que, por vezes, exigia esse tipo de estilo de vida, podem enfrentar dificuldades em aceitar essa inércia. 

  Quando pensamos na difícil realidade vivenciada por pessoas idosas LGBT’s, esse cenário controverso também se integra ao setting terapêutico, que exige uma postura diferente do terapeuta quando recebe esse tipo de demanda de um paciente, pois é evidente que esse grupo enfrenta necessidades e barreiras específicas no cuidado com a saúde mental. Tem-se, portanto, que as mulheres idosas pertencentes à comunidade LGBTQIA+ são mais propensas ao estresse, em razão, além da vivência do ‘estresse cotidiano’, tal qual todos os ser humanos são suscetíveis, dos estressores específicos dos grupos minoritários envolvidos: a misoginia, etarismo e homofobia, por exemplo, que afetam todos os aspectos da vida desses indivíduos (Pachankis, Hatzenbuehler, Rendina, Safren & Parsons, 2015).

                                                                                                                                                            Fonte: freepink

 Os prejuízos na saúde mental de grupos estigmatizados são inegáveis, vitimizações constantes, físicas ou verbais, levam a população ao ininterrupto estado de alerta e consequentemente, a maior propensão a depressão, ideações suicidas, abuso de substâncias e ansiedade, isto é, os desfechos negativos em relação à saúde de grupos estigmatizados são, em sua maioria, fruto do acúmulo constante de estresse (Paveltchuk, Fernanda de Oliveira; Borsa, Juliane Callegaro, 2020). Ademais, é indispensável o reconhecimento dos grupos marginalizados para que seja possível um maior nível de adaptação desses, visto que as etapas serão específicas para cada tipo de comunidade (Meyer, 2003).

  Dessa maneira, é possível concluir que fatores como homofobia, etarismo e misoginia associados trazem desafios consideráveis para a vida de mulheres idosas LGBT’s, que acabam por ter sua trajetória de vida, essencialmente, a transição para a velhice, dificultada. Além disso, torna-se clara a necessidade e a importância de uma rede de apoio eficaz e o acesso a saúde mental e física de qualidade, responsáveis por proporcionar bem-estar, uma vida tranquila e respeitada, boas relações interpessoais e por potencializar a qualidade da autoeficácia e autoestima dessas mulheres, reduzindo níveis de estresse, ansiedade, depressão e sentimento de constante solidão que são problemáticas associadas a essa marginalização enfrentada.

 

Autoria: Beatriz Soares Azevedo Rocha, Gabrielle de Oliveira Ramos Sobreira e Sophia Maria de Sousa Alves

         

REFERÊNCIAS

Mortenson WB, Sixsmith A, Beringer R. No Place Like Home? Surveillance and What Home Means in Old Age. Can J Aging. 2016 Mar;35(1):103-14. doi: 10.1017/S0714980815000549. Epub 2016 Jan 8. PMID: 26742899; PMCID: PMC5567666.

Lam, J., & Wang, S. (2022). Ambiente construído e solidão entre idosos no sudeste de Queensland, Austrália. Jornal de Gerontologia Aplicada, 41(11), 2382-2391. https://doi.org/10.1177/07334648221114345 

Lam, J., & Campbell, A. (2023). Eventos de vida e solidão entre mulheres idosas de diversas identidades sexuais: aplicação do modelo de processo de estresse. Pesquisa sobre Envelhecimento, 45(2), 239-254. https://doi.org/10.1177/01640275221090681 

Chen, Y., & Feeley, T. H. (2014). Social support, social strain, loneliness, and well-being among older adults: An analysis of the Health and Retirement Study. Journal of Social and Personal Relationships, 31(2), 141-161. https://doi.org/10.1177/0265407513488728 

Hoang P, King JA, Moore S, Moore K, Reich K, Sidhu H, Tan CV, Whaley C, McMillan J. Intervenções associadas à redução da solidão e isolamento social em idosos: uma revisão sistemática e meta-análise. JAMA Netw Aberto. 3 de outubro de 2022; 5(10):e2236676. DOI: 10.1001/jamanetworkopen.2022.36676. PMID: 36251294; PMCID: PMC9577679.JULIANE CALLEGARO BORSA, F. DE O. P. A teoria do estresse de minoria em lésbicas, gays e bissexuais. Revista da SPAGESP, p. 41–54, 2020.

ABREU, Renata. Síndrome da Mulher Maravilha: Autodiagnóstico e Autossuperação. Reposicons, [S. l.], p. 1-7, 1 jul. 2016. Disponível em: http://reposicons.org/jspui/handle/123456789/234. Acesso em: 23 set. 2024.

Brasil – OPAS/OMS | Organização Pan-Americana da Saúde (paho.org)

Compartilhe este conteúdo: