Núcleo de atendimento oferece serviços de Psicologia para a comunidade

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O Núcleo de Atendimento a Comunidade do CEULP/ULBRA, vem oferecendo serviços voluntários desde sua inauguração oficial no ano de 2008 em Palmas-TO. Os serviços oferecidos pelo Núcleo tem o intuito de colaborar através de um trabalho de transformação a nível social, humanizado e de articulação com os serviços médicos e escolas, integrando educação e saúde.

Dentre os serviços ofertados, o de psicologia tem em suas diretrizes projetos de apoio as comunidades e que também possam garantir uma boa prática para os acadêmicos.  O atendimento clínico do núcleo é gratuito e pretende através de projetos terapêuticos, perceber outras questões do sujeito e não somente as questões psicológicas, entendendo os pacientes como um ser psicossocial.

Quem explica é a entrevistada, psicóloga, Mariana Miranda Borges, 24 anos, CRP-09/8365 Goiás, Coordenadora do Serviço de Psicologia no Núcleo de Atendimento a Comunidade.  Ela diz que os principais casos de procura pelos serviços de psicologia, são para alunos com maiores dificuldade de aprendizagem e mulheres com sintomas de depressão. “Em certos casos as pessoas procuram o atendimento apenas como um lugar para desabafar”.

 Foto: Walquerley Ribeiro

En(Cena) Como funciona os serviços de Psicologia no Núcleo de Atendimento a Comunidade?

Mariana Miranda Borges – O Serviço de Psicologia funciona dentro do Núcleo de Atendimento a Comunidade, onde o Ceulp/Ulbra presta serviços à comunidade. Neste Núcleo há trabalhos desenvolvidos pela Biomedicina, Serviço Social, Direito, Fisioterapia, Enfermagem e Psicologia. Apesar de todas estas ciências estarem juntas no mesmo prédio, não há interação entre elas, o que torna uma limitação desta prática. Mas focando na Psicologia, os atendimentos são realizados na sua maioria pelos estagiários do curso de Psicologia supervisionados por professores com experiência clínica de no mínimo 02 anos. A pessoa que deseja receber atendimento psicológico deve ligar no Serviço de Psicologia, marcar o acolhimento, comparecer no dia do acolhimento. Depois, na semana seguinte será feita a devolutiva, onde será explicado o que poderemos fazer pelo caso, o que deve ser atendido em outro local. O caso irá para fila de espera e quando tiver compatibilidade de horários entre os alunos e os usuários, inicia-se o atendimento.

En(Cena) – Quem pode ser beneficiado com os serviços?

Mariana Miranda Borges – O atendimento é disponibilizado para todas as pessoas da comunidade de qualquer idade, cor ou etnia. No entanto, não prestamos atendimento para alunos do curso de Psicologia do Ceulp/Ulbra devido o curso ser grade aberta, sendo possível o aluno estudar com o seu terapeuta. Entende-se que isto poderá interferir na relação terapeutica. Além dos alunos, não realizamos avaliações periciais, já que são os estagiários que prestam os serviços, não são peritos.

En(Cena)  –  O que prevê as diretrizes do curso de psicologia?

 Mariana Miranda Borges – No momento, seguimos as diretrizes de 2011. Mas se fizermos uma restrospecção histórica das diretrizes, em todas elas mencionavam que o curso de Psicologia deveria ter no projeto pedagógico a construção de um Serviço de Psicologia que fizesse uma articulação com as necessidades da comunidade. O SEPSI (Serviço de Psicologia CEULP/ULBRA),faz este trabalho, promovendo serviços que tem sido pouco atendido pelo SUS (psicoteratepia individual e em grupos, avaliação psicológica e neuropsicológica). Além disto, a partir deste trabalho foi percebido uma necessidade de articular a rede de atendimento. Desta forma, surgiu o estágio de Articulação Institucional.

En(Cena)  – Já foram feitas pesquisas de interesses internos, quais os resultados?

 Mariana Miranda Borges – Já foram realizados 03 Trabalhos de Conclusão de Curso sobre a clientela  do SEPSI (Serviço de Psicologia CEULP/ULBRA), uma em 2010 que foi dos atendimentos em geral; outra um ano depois fizeram uma pesquisa a partir da maior demanda da clinica infantil; e a última foi do perfil de atendimento dos clientes em 2013. Apesar de terem realizadas três pesquisas os resultados foram semelhantes, apontavam que a maior demanda da clínica eram crianças com dificuldade de aprendizagem, em 2010 a maior parte dos clientes era da região norte e 2013 havia modificado para região de Taquaralto. Considerando a demanda adulta, a maior parte são mulheres com sintomas de depressão.

En(Cena)  –  Qual a demanda de atendimento diário?

Mariana Miranda Borges  – A quantidade de atendimento por dia varia um pouco devido o horário de disponibilidade dos alunos e do cliente. Esta realidade faz com que existam dias como na segunda e na quinta que há poucos atendimentos, com uma média de 29 pessoas e dias como quarta, sexta e sábado uma média de 44 pessoas.

En(Cena)  –  Como é desenvolvido um projeto terapêutico?

Mariana Miranda Borges– O Projeto Terapêutico Singular – PTS é feito a partir do Acolhimento. O Acolhimento é o primeiro momento que o cliente chega no serviço, o qual ele será acolhido e o estagiário irá procurar conhecer aquela pessoa por inteiro, não apenas, o que traz aqui, mas também as potencialidades, os ambientes que convive. Estas informações são importantes, porque nos ajuda a entender de forma holistica aquele sujeito e compor um projeto que possa modificar o contexto dele. O PTS é integrado com os atendimentos oferecidos na Clínica e outros os quais forem necessários para o bom desenvolvimento do caso.

Mariana em atividade no SEPSI – Foto:Walquerley Ribeiro

En(Cena)  – O atendimento realizado por um acadêmico tem o mesmo efeito que um profissional formado?

Mariana Miranda Borges – Acredito que sim, uma vez que os estagiários tem uma boa formação acadêmico. Além disto, o resultado do atendimento psicológico depende muito da relação que é construída entre o terapeuta e o cliente. Então, se o aluno conseguir construir vínculo com o cliente tem uma grande probabilidade de fazer um bom trabalho.

En(Cena)  –  No âmbito acadêmico, qual a importância para os alunos do curso de psicologia?

Mariana Miranda Borges – Através do SEPSI (Serviço de Psicologia CEULP/ULBRA),os acadêmicos passam a vivenciar a prática do que foi estudado no curso. Além disto, começam a construir a prática deles, como profissionais. Neste primeiro momento com orientação a fim de que reflita sobre este processo.

En(Cena) Quais as dinâmicas mais usadas para desenvolvimento das atividades psicológicas?

Mariana Miranda Borges– Entrevista psicológica, testes psicológicos, ludoterapia.

En(Cena)Qual a sensação de ser acadêmica, estagiária e hoje coordenadora de um Núcleo de psicologia?

Mariana Miranda Borges – Crescimento e reconhecimento. Entendo também que o fato de ter sido estagiária no SEPSI, acadêmica deste curso e hoje, coordenadora, me possibilitou estar nos diversos lugares deste local e olhar por todos estes ângulos, me faz ter uma compreensão do todo ao propor algo. Desta maneira, estas experiências facilitaram a minha prática profissional.

 

Contatos

Endereço: AV. JK, Quadra 108 Norte, Alameda 12, Al 10
Plano Diretor Norte, Palmas Tocantins
Cep: 77.016-524
Telefone: (63) 3223-2015

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Movimento pela vida – colocando vida no movimento

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Imagine um encontro de pessoas, das mais diversas raças, cores e credos. Mas que, ao priorizar a vida, oferecem várias formas de vivê-la, em várias esferas: espiritual, artístico, científico, filosófico e – acima de tudo – humano. Assim foi a 15ª Edição do o Movimento Pela Vida, realizado em Palmas/TO, entre os dias 12, 13 e 14 de setembro de 2014, no Campus da Universidade Federal do Tocantins (UFT).

Foto: Ruam Pedro Francisco de Assis Pimentel

Já na abertura, fomos abençoados e colocados em direção ao sagrado, seja Ele qual for. Estavam presentes representantes de mais de 10 religiões, e cada um, conforme sua espiritualidade “abençoou” o evento (o abençoar está entre aspas pois em algumas espiritualidades não se tem a crença da benção). As energias positivas estavam no ar, as vibrações entraram em sintonia, os espíritos da luz já haviam sido chamados… então iniciou o 15º Movimento Pela Vida.

Foto: Ruam Pedro Francisco de Assis Pimentel

No dia seguinte a programação seria vasta, muitas opções, ir em todas era impossível, confesso que me senti indeciso muitas vezes. Mas para ajudar a decidir, procurava alguma atividade que não era de meu costume, ou ainda não tinha tido oportunidade de participar. Com esse objetivo em mente, na primeira manhã joguei búzio e tarô e fiz uma consulta de radiostesia, que conforme as vibrações emitidas por meu corpo/mente fazia mover um pêndulo que me informava algumas coisas em relação a minha vida, saúde, amigos, casa, e outros. Para finalizar a manhã assisti um documentário, repleto de entrevistas, com as mais variadas pessoas dos mais variados âmbitos, tratando a respeito do Eu, da felicidade/tristeza, e propósitos da existência humana.

Foto: Ruam Pedro Francisco de Assis Pimentel

Só por essa manhã já teria valido a pena. Estava inquieto com os temas expostos. Mas voltando a mim, sai a tirar fotos pelo campus da UFT, até o almoço (gratuito). Isso é algo que quero enfatizar, O Movimento Pela Vida não cobra nada (R$) dos participantes. Mesmo com tantas opções e coisas para fazer, o número de participantes, a meu ver foi bem reduzido. Tinha filas para os atendimentos individuais, porém para as atividades em grupos não se fazia presente quantidades significativas de pessoas, com algumas exceções.

Continuando com minhas descobertas e aventuras, participei de uma oficina de teatro, onde descobri o teatro de Augusto Bual, que inspirado pela pedagogia do oprimido de Paulo Freire cria o teatro do oprimido, que antes que nada é a participação do público na peça, afinal de contas, o que seria do teatro sem o público? Descobrir essa técnica foi apossar-me de uma ferramenta a mais para minha futura profissão.

Como o tempo passa e com o término das oficinas, fui procurar outra atividade, me deparei com um tema ainda não muito conhecido nem explorado por mim, astrologia. Declaro que é necessário ter uma cabeça muita aberta para entender bem a astrologia. Talvez eu não tenha, não entendi com destreza. Pretendo pesquisar mais o tema (depois que passar as provas da faculdade).

Com a cabeça girando e o corpo também, me despedi desse dia. O dia em que decidir me movimentar pela vida. Algumas horinhas de sono, e… Bom dia! Amanheceu, fiz a rotina matinal e corri para o último dia do Movimento Pela Vida, este foi um dia… um dia… mágico, espiritual, humano.

Foto: Ruam Pedro Francisco de Assis Pimentel

Fiz massagem pela primeira vez na minha vida, e espero muito que não seja a última, pois é algo de outro mundo, só pode, e quero ir para este outro mundo novamente. Ao sair da sala de massagem me sentia em outra atmosfera, me direcionei ao Tai Chi Chuan, que pelo controle da energia e direcionamento da mesma, me senti vivo. Agora sim eu poderia afirmar que estava em outro mundo, ao término da atividade entrei num encontro que se apresentavam flautas xamânicas, algo inacreditável, sopros, sons, de natureza, de espíritos, o som do Sagrado. Estava praticamente em contato com o Sagrado depois de tudo isso.

Foto: Arquivo pessoal

Ao me dirigir para o refeitório, me deparei com uma oficina de circo, ali, digo que pseudoaprendia arte do tecido e do malabarismo com claves. Almoço. Conversa. Depois de ajudar a guardar as coisas do circo, fui para um encontro com o Islã, descobri mais dessa religião, desse modo de viver, e participei de seu momento em contato com o Sagrado. Momento incrível.

Assim foi minha participação no 15° Movimento Pela Vida. Espero participar de muitos outros “movimentos”!

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Criminalidade Feminina

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A mulher era sinônimo de beleza, sensibilidade e de inferioridade sexual e intelectual, cumprindo o seu papel natural na reprodução da espécie e no cuidado dos filhos, o que define, a mulher esposa, mãe e guardiã da casa.

Com a constituição de 1988, a mulher foi se libertando, tomando o seu papel na sociedade, e junto com essa evolução vieram a autonomia, as conquistas e as obrigações. A participação feminina no mercado de trabalho possibilitou o exercício da coragem em meio às conquistas e oportunidades, onde o dever  moral masculino passou a ser ignorado.

Mulheres que por terem casamentos frustrados e viverem em situações humilhantes, acabam dando um jeito, sozinhas. Há aquelas que buscam na religião uma mudança, outras nos familiares, mas as que não viram outra saída, partiram para o ilícito.

Sabe se que o número de mulheres encarceradas é menor que dos homens, mas  dados revelam que nos últimos anos a população carcerária feminina cresceu em relação ao universo masculino. Segundo o levantamento do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias feito em 2011, a maioria das mulheres encarceradas tem idades entre 18 e 24 anos (26%) e a minoria composta por mulheres com mais de 60 anos (1%).

“Não há uma única razão para que pessoas cometam delitos, há uma gama de variáveis envolvidas, podendo ser desde casos em que há o contato com o delito através de namorados, companheiros, até casos de busca de subsistência”, explica a advogada e professora universitária Luciana Avila. A advogada trabalhou na assistência a pessoas encarceradas  por 10 anos.

Luciana Avila – Foto: Arquivo Pessoal

 

É cada vez maior a presença da mulher em delitos relacionados a entorpecentes e também a crimes interpessoais  violentos, como roubos, seguidos ou não de morte, e sequestro.  Algumas mulheres continuam a se envolver na criminalidade, devido a suas relações amorosas, e não encontram outra saída a não ser servir de cúmplice.

“São diversas as histórias, desde uma mãe que foi presa por furtar um caderno e dois lápis para que o filho pudesse ira a escola, até  de uma moça que a menos de um a semana de ser liberada por indulto, fugiu da penitenciaria porque o seu companheiro que também  encontrava preso estava fugindo”,  relata Luciana.

De acordo com o livro “Falcão: Mulheres e o tráfico”, de Celson Athayde e MV Bille, mulheres estão chegando a posições de chefia nas bocas de fumo e realizam trabalhos de execução de pessoas.

De acordo pesquisa, 87% das mulheres encarceradas possuem filhos, a maioria vem de comunidades pobres e possui baixa escolaridade e qualificação profissional.

A maioria das presidiárias são “chefes de família”. As crianças já sem o referencial materno e por vez paterna são sentenciadas a perderem vínculos familiares, e acabam levadas ao sistema prisional. Dados estatísticos  dizem que 78% dos que chegam a idade adulta viram presidiários antes dos 22 anos (fonte ONG Pró-Vida).

 “Deve-se lembrar que a grande maioria das encarceradas do Brasil são pobres, com ensino fundamental incompleto, e não possuem recursos para contar com uma defesa jurídica de maior qualidade”, alerta a advogada.

A realidade é que grande parte das mulheres que ingressam no sistema prisional traz uma historia de violência sofrida, seja com a separação e a necessidade de oferecer o essencial para os filhos, seja pela falta de oportunidade diante da necessidade financeira, seja por relação afetiva ou amor bandido, o certo é que elas arriscaram e o resultado é que, a maioria cedo ou tarde, se dá mal.

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(En)Cena – A Saúde Mental em Movimento

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Você, que está lendo este conteúdo neste Portal, sabe o que é o (En)Cena – a Saúde Mental em movimento? Há 3 anos, comemorados no último dia 18, o projeto de extensão (En)Cena foi lançado pelos cursos de cursos de Psicologia, Comunicação Social e de Sistemas de Informação do Centro Universitário Luterano de Palmas – CEULP/ULBRA.

Desde esta data, mais de mil trabalhos foram publicados nos mais diversos formatos: fotografia, desenho, roteiro, relato, entrevista, poesia entre outros. No (En)Cena, as discussões são em torno da temática da saúde mental, porém, com abordagens diferenciadas, não fixando-se apenas a conteúdos teóricos e técnicos.

Em entrevista, a professora doutora Irenides Teixeira fala sobre o projeto (En)Cena e as perspectivas do Portal para os próximos desafios.

 

Irenides Teixeira, coordenadora do (En)Cena, durante a divulgação do portal na EXPRO 2013. Foto: Arquivo (En)Cena

(En)Cena – O (En)Cena surge com o objetivo de discutir saúde mental. Afinal, o que é saúde mental? Por que essa temática foi escolhida para ser discussão?

Irenides Teixeira – Encontramos na literatura inúmeros conceitos para “Saúde Mental” que poderiam ser citados aqui, sem desprezar nenhuma das ciências do conhecimento é que a equipe do (En)Cena parte do pressuposto que Saúde Mental é a capacidade que cada sujeito tem de lidar com as adversidades do cotidiano de forma plena, sem perder a noção de Si e do Outro. A temática da Saúde Mental fez parte desde o início do desenvolvimento do projeto. Inquietações de professores dos cursos de Psicologia, Comunicação Social e de Sistemas de Informação do CEULP/ULBRA, o portal nasce basicamente da ideia de dar visibilidade a experiências que acontecem nos serviços de saúde e de saúde mental. Sabedores de que nem todas as experiências se adéquam a artigos científicos é que a equipe teceu, no coletivo, as seções que fazem parte de sua proposta. Escolhemos o 18 de maio – Dia da Luta Antimanicomial – em 2011, para lançar o portal (En)Cena – A Saúde Mental em Movimento, um espaço de troca de experiências e também um espaço de divulgação do que acontece no campo da saúde mental. O lançamento aconteceu como parte da programação do evento Teares, atividade da disciplina Projeto Experimental II – Ação Comunitária do curso de Comunicação Social cuja proposta foi promover uma campanha de conscientização sobre saúde mental. Na ocasião houve uma mesa redonda que contou com as reflexões do professor Silvio Yasui, psicólogo e doutor em saúde mental, da Universidade Estadual Paulista (UNESP); Mardônio Parente, Psiquiatra e Doutor em Psicologia; pela professora de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Tocantins (UFT), Patrícia Orfila e também pelo secretário de saúde do município de Palmas, Samuel Bonilha.

 

Equipe do (En)Cena no lançamento do portal em maio de 2011. Foto – Arquivo (En)Cena

 

(En)Cena – Qual é a grande vantagem de ser uma mídia colaborativa, em que pessoas de diversas realidades e contextos podem contribuir no desenvolvimento de conteúdos do Portal?

Irenides Teixeira – O (En)Cena já nasceu sob o viés da cultura da colaboração e do compartilhamento que ganha potência com o trabalho que fazemos nas redes sociais. Isso se deve, principalmente, por ele ser desenvolvido por professores e alunos dos cursos de Comunicação Social, Psicologia e Sistemas de Informação e ainda pelas parcerias que foram acontecendo. Para se ter ideia, estabelecemos parcerias com redes de serviços de saúde mental como, por exemplo, os CAPS de Palmas, Porto Nacional e Dianópolis; com as Secretarias Municipal e Estadual de Saúde do Tocantins, com a Política Nacional de Humanização – PNH e ainda com diversas instituições de ensino.

Essas parceiras se materializam, ao longo desses três anos, na publicação de mais de 1.200 trabalhos no portal, na participação da equipe em eventos nacionais e internacionais, tais como: Encontro Nacional de Psicologia Social –  ABRAPSO, Recife (2011); X Congresso de Saúde Mental e Direitos Humanos, Córdoba, Argentina (2011); I Congresso de Psicologia do Cerrado (CONPCER); 35º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação / INTERCOM. Fortaleza – CE  (2012); Política Nacional de Humanização do SUS. Florianópolis – SC (2012), no I Encontro de Apoiadores em Humanização do Tocantins. Palmas – TO  (2012); II Congresso Internacional de Saúde Mental e Reabilitação Psicossocial, Porto Alegre/RS (2012); VIII EREP Norte e Nordeste, São Luis/MA (2012). As parcerias permitiram ainda que em maio de 2012 o evento (En)Cena na Praça: Saúde Mental em Rede, em Palmas-TO, fosse um sucesso.

 

Equipe acerta os últimos detalhes do evento (En)Cena na Praça: Saúde Mental em Rede, 2012. Foto – Arquivo (En)Cena

TV Jovem Palmas na cobertura do evento (En)Cena na Praça: Saúde Mental em Rede, 2012. Foto – Arquivo (En)Cena

 

Equipe do (En)Cena comemora o sucesso do evento (En)Cena na Praça: Saúde Mental em Rede2012. Foto – Arquivo (En)Cena

A Coordenadora do (En)Cena em articulação com Terezinha Moreira e Ricardo Teixeira, Consultores da Política Nacional de Humanização – PNH durante o I Encontro de Apoiadores em Humanização do Tocantins, 2012. Foto – Arquivo (En)Cena

Acadêmicos voluntários do (En)Cena atuam na cobertura do I Encontro de Apoiadores em Humanização do Tocantins, 2012. Foto – Arquivo (En)Cena

O portal (En)Cena é apresentado aos participantes do II Congresso Internacional de Saúde Mental e Reabilitação Psicossocial, Porto Alegre/RS, 2012. Foto – Arquivo (En)Cena

O portal foi parceiro da Coordenação Estadual de Saúde Mental do Tocantins na organização do 1º Seminário Tocantinense da Saúde Mental em Movimento com o Intersetor em Palmas-TO (2012) e ainda do Ministério da Saúde e Política Nacional de Humanização – PNH no Seminário Norte de Humanização, em Manaus-AM (2013). Nesses eventos a equipe do (En)Cena foi responsável pelo registro, documentação e divulgação nas redes sociais. A atuação, bem como os resultados, chamou a atenção do Ministério da Saúde que proporcionou que 18 pessoas da equipe fizessem parte da cobertura do evento IV Mostra Nacional de Experiências em Atenção Básica / Saúde da Família em Brasília/DF, em março de 2014.

 

Equipe do (En)Cena durante a cobertura do evento Seminário Norte de Humanização em Manaus, 2013. Foto – Arquivo (En)Cena

            Equipe do (En)Cena em momento de descontração durante o evento Seminário Norte de Humanização em Manaus, 2013. Foto – Arquivo (En)Cena

 

Equipe do (En)Cena com o pessoal da PNH que organizou o evento Seminário Norte de Humanização em Manaus, 2013. Foto – Arquivo (En)Cena

Equipe do (En)Cena durante a cobertura do evento IV Mostra Nacional de Experiências em Atenção Básica / Saúde da Família em Brasília, 2014. Foto – Arquivo (En)Cena

Integrantes da Equipe do (En)Cena presentes na IV Mostra Nacional de Experiências em Atenção Básica / Saúde da Família em Brasília, 2014. Foto – Arquivo (En)Cena

Nessas oportunidades encontramos pessoas com experiências de vidas diferenciadas que nos proporcionaram relatos que foram transformados em textos, áudios, vídeos, desenhos e fotografias. É muito gratificante ver pessoas de várias partes do Brasil e com várias formações culturais falando sobre loucura, saúde mental.

(En)Cena – O Portal (En)Cena já publicou mais de 1.200 conteúdos em diversos formatos: áudio, vídeo, texto, poesia, fotografia, desenho… Qual é a importância de trabalhar com essa liberdade de linguagens?

Irenides Teixeira – Desde o início do projeto pensamos em diferentes seções que oportunizassem manifestações distintas de pensamento sejam por professores, acadêmicos, artistas, profissionais e usuários dos serviços de saúde. A diversidade de seções bem como a liberdade de linguagens foram essenciais para a riqueza de temas veiculados pelo (En)Cena.

As seções do portal são: Cenas (publicação de trabalhos imagéticos – fotos, desenhos, pinturas e videos), Desterritorialize-se (publicação de textos sobre temas variados, não ligados a seus campos de conhecimento e que tragam a saúde mental como eixo transversal.), Em Cartaz(espaço destinado a resenhas, críticas e reflexões a respeito de obras – tais como: livros, filmes, exposições etc. – e eventos atuais que sejam relevantes para o tema da saúde mental), Entrevistas(divulgação de entrevistas feitas com pesquisadores, autores, gestores e especialistas em saúde, assim como as realizadas com usuários, familiares de usuários e profissionais de serviços de saúde mental, e que digam respeito ao tema de interesse do portal), Escritos (espaço que visa à publicação de narrativas que se deixam moldar em poesias, contos, crônicas, romances e narrativas), Insight (local reservado para textos teóricos, reflexões, críticas e comentários, de autoria da equipe do portal ou não, sobre temas contemporâneos que tragam a saúde mental como eixo transversal), Personagens (ambiente destinado a histórias de personagens, reais ou fictícios, pessoas ou instituições, que têm suas vidas e trajetórias relacionadas de alguma forma à saúde mental ou à loucura), Roteiros (seção onde se pode divulgar relatos de experiências ocorridas em serviços de saúde que, embora fujam do formato acadêmico tradicional, impõem-se por sua necessidade e por sua importância na produção do conhecimento relacionado à área), Trilhas (uma espécie de sarau musical sobre o passado, o presente e o “proto-futuro” da produção discursiva em Saúde Mental e onde se publicam fragmentos de sonoplastia textual datados, mas com reverberação atemporal, e interpretados-dublados sob a estética da peça radiofônica). Temos ainda Notícias e Reportagens que divulgam os eventos e acontecimentos na área e ainda temas de interesse da sociedade.

(En)Cena – Estar imerso no contexto universitário faz do (En)Cena uma plataforma de comunicação mais dinâmica?

Irenides Teixeira – Acredito nas possibilidades que temos de estabelecer redes. Nessa lógica, é inegável que estarmos na Universidade amplia a possibilidade de contatos. Cada colaborador, com a sua rede, se faz importante nessa tessitura subjetiva de conhecimento em prol da temática Saúde Mental. Por exemplo, sou graduada em Processamento de Dados, Comunicação Social e em Psicologia (três áreas de conhecimento distintas), tenho formação em Fotografia, Turismo e Arteterapia, fiz mestrado e doutorado em instituições diferentes. Isso significa conhecer pessoas com olhares distintos acerca do cotidiano. Nessa lógica, um convida o outro e assim tecemos esse projeto que já não faz parte mais de uma equipe de professores e alunos que pensaram o projeto. O (En)Cena é parte de cada um que publica textos, que curte, que comenta, que compartilha, que divulga, que sugere temas – dessa prática é que surgiram as séries temáticas –, que apóia de alguma forma para que ele permaneça no ar. Manter a meta de publicar um trabalho por dia é tarefa árdua que sem esses colaboradores seria impossível continuar.

 

   

   

   

   

   

   

   

   

Séries temáticas lançadas no (En)Cena

 

(En)Cena – No dia 18 de maio, também lembrado o dia da luta antimanicomial, o (En)Cena completou 3 anos de lançamento. Pra você, qual foi ou é a maior conquista do Portal?

Irenides Teixeira – É certo que ultrapassar a marca dos 1.200 trabalhos publicados, de ganharmos dois prêmios regionais e um nacional como melhor portal e de termos em média 12 mil acessos semanais nos deixa envaidecidos, mas não dá a dimensão da importância que o (En)Cena tem na vida das pessoas. Desenvolvemos ao longo desses três anos tecnologias de cuidado para com o outro que seria impossível relatar aqui. Recebemos mensagens com caráter de denúncia por maus tratos em hospitais, de pedido de ajuda para compreender alguns transtornos mentais, de agradecimento por trazer à web temas que os interessam e ainda mensagens de apoio. Isso nos motiva a continuar.

O (En)Cena é ainda espaço de formação, pois são os alunos que desenvolvem as artes visuais que dão vida ao portal, são eles que ilustram as poesias, que fotografam, que editam, que entrevistam, que divulgam nas redes sociais, que desenvolvem a interface. São esses alunos, orientados por seus professores,  que em seus estágios e TCCs pensam melhorias para o portal.

São várias as conquistas que corro o risco de não conseguir elencar aqui. Mas, não podia deixar de citar algumas instituições de ensino que se fizeram presente no portal com a publicação de trabalhos: UNB – UNIFENAS – UFRGS – USP – UDF – UNITINS – UFBA – IF-SC – UNICAMP – UNITRI – UFVJM – UNIMAR ITPAC/PORTO – UFSC – UERJ – UFT UNISINOS – UEL – UFC – UFMG – UFES – UFPB – CESUMAR UNIFOR – UFRJ – UNEB –  UNESP – UFSM – UFPR – IFES – PUC/CAMPINAS – UNI/POTIGUAR entre outras.

Hoje, acessado em mais de 120 países, podemos dizer o portal é um território em que pessoas ligadas ou não aos serviços de saúde militam pela causa.

(En)Cena – Qual a sua expectativa para o projeto?

Irenides Teixeira – O (En)Cena atingiu números muito altos que dá a dimensão de seu crescimento. Para se ter ideia, em 2011 tivemos 39.658 acessos, em 2012 155.342 e em 2013 chegamos a 366.055. Em 2014 esse número vem aumentado progressivamente. Isso só aumenta a nossa responsabilidade com todos os que acreditam na proposta. Quanto as nossas expectativas, posso citar algumas que fazem parte dos nossos planos e que já estão em desenvolvimento: aplicativos para dispositivos móveis, o terceiro layout do portal e tornar o (En)Cena acessível para os deficientes visuais e ainda disponibilizar alguns dos conteúdos em outros idiomas. Sonhos a parte, acredito que mantermos o (En)Cena funcionando já é um desafio que vale a pena.

 

                    

O primeiro layout lançado em maio de 2011 e o segundo layout lançado em dezembro de 2012.

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Cofo da leitura e escrita na escola indígena

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Despertar nas crianças o interesse pela leitura e escrita. Com este objetivo, desde o início deste ano, o projeto de extensão Cofo da leitura e escrita é desenvolvido na escola indígena Waikarnãse, localizada na Aldeia Salto, no município de Tocantínia (TO) a 90 quilômetros da capital Palmas.

Na entrevista, a professoraMaria Aparecida da Rocha Medina, mais conhecida como Cidinha, conta ao (En)Cena sobre o despertar do projeto desenvolvido pelo Centro Universitário Luterano de Palmas (CEULP/ULBRA) e como são esses encontros com as crianças Xerente.


Professora Maria Aparecida da Rocha Medina, coordenadora do projeto Cofo da leitura e escrita na escola indígena. Foto: Arquivo do Projeto

 

(En)Cena – Para entendermos, o que é o cofo? Por que o projeto tem esse nome?

Maria Aparecida – O Cofo é um artefato indígena, confeccionado com folhas de buriti. Ele é utilizado no transporte de mandioca, milho, banana e outros alimentos da roça para a aldeia. Quando cheio, passa-se a alça do cofo na testa é assim que é transportado.

Considerando o valor cultural e utilitário do cofo, colocamos o nome do projeto de “Cofo de leitura”. Isso porque o cofo está sendo pouco utilizado, uma vez que a maneira dos indígenas não desenvolve mais as atividades tradicionais: plantar roça e transportar os alimentos. Muitos que antes viviam do cultivo da roça exercem  funções que ocupam grande parte do tempo, como cargo de funcionários públicos, prestação de serviço em outras funções. Acabam por comprar grande parte dos  alimentos consumidos na aldeia em supermercado das cidades de Tocantínia.

 


Professora Maria Aparecida apresentando o Cofo da Leitura às crianças indígenas. Foto: Arquivo do Projeto

Entretanto, para ressignificar o sentido do cofo e a sua importância no contexto cultural do povo Xerente, pensou-se em colocar esse nome do projeto, atribuindo ao tradicional cofo o artefato de transportar livros. Durante o momento de leitura na aldeia, a professora enche o cofo de livros e passa entre as crianças para que elas escolham o livro que desejam ler.

 


Cofo utilizado para guardar literaturas. Foto: Arquivo do Projeto

(En)Cena – E por qual motivo escolheu-se trabalhar com as crianças Xerente da escola indígena Waikarnãse?

Maria Aparecida – Nos 18 anos que estou em Palmas, o primeiro povo que tive contato foi com os Xerente. Embora tenha admiração e carinho pelos demais povos: Karajá, Javaé, Krahô, Apinajé, Krahô kanela, por meio do trabalho no Magistério Indígena. Mas é com os Xerente que o contato é mais freqüente e a cada ano a nossa convivência se fortifica. Talvez seja por ser mais próximo a Palmas e a gente está sempre se encontrando. Seja em trabalho na aldeia com os alunos da Ulbra, seja em atividades culturais que venham desenvolver na universidade. Em nível de universidade, já são quase 10 anos de parceria. Nós levamos acadêmicos à aldeia, e de vez em quando, vem um professor indígena para vivenciar praticas didáticas e metodologias na universidade.

 


Aluna da escola Waikarnãse procurando livros no Cofo. Foto: Arquivo do Projeto

 

Além da estreita relação com o povo Xerente, por meio dos projetos e trabalhos acadêmicos, também passei um tempo na aldeia Salto Kripre, desenvolvendo minha pesquisa de mestrado. Esse contato mais direto de permanência convivendo com eles proporcionou-me rica experiência e grandes descobertas, antes eram apenas superficiais.

Durante a pesquisa com os professores e as observações em sala de aula, vi o desafio que é alfabetizar um Akwe, uma vez que as crianças são falantes da língua materna, portanto, alfabetizadas nas duas línguas.


Contação de histórias desenvolvida pelo projeto. Foto: Arquivo do Projeto

 

A educação dos povos indígenas, tradicionalmente ágrafos era um atributo dos mais velhos que transmitiam os conhecimentos oralmente aos mais novos. Na cosmologia tradicional Xerente, segundo Medina (2013), ler era uma ação cotidiana de decifrar os sinais da natureza, o movimento das coisas e a relação destas com os espíritos protetores que os ajudavam a compreender ao menor sinal da natureza e interpretar os seus significados.

Com o acesso à sociedade ocidental e a intensa relação de contato fez-se adentrar a escrita e a leitura na cultura a partir da catequização, depois, como estratégia para dialogar com os brancos. E, atualmente, o acesso à leitura e a escrita são direitos garantidos da Constituição de 1988, por meio de uma educação diferenciada, bilíngue e intercultural.

A leitura e a escrita, como em todas as modalidades e níveis de ensino é essencial para o desenvolvimento de habilidades e competências na formação de leitores e escritores, bem como no exercício de cidadania. Dessa maneira, é um processo em construção.


Crianças escolhendo livros no Cofo. Foto: Arquivo do Projeto


Atividade de desenho e pintura com crianças Xerente. Foto: Arquivo do Projeto

 

Na escola Xerente, as crianças são alfabetizadas na língua materna. Só a partir do 3º ano inicia-se o processo de construção da letro- escrita da Língua Portuguesa, embora o contato com a 2ª língua é uma constante na aldeia. Ao acessar os textos da 2ª língua no livro didático, elas deparam com leituras extensas e descontextualizadas da realidade sociocultural, dificultando ainda mais a compreensão, conforme declarou um professor indígena durante a minha pesquisa.


Encontro do projeto na Aldeia Salto. Foto: Arquivo do Projeto

 

Diante do exposto, uma maneira de contribuir com essa comunidade, a qual me acolheu e sempre está aberta às ações pedagógicas dos cursos de licenciaturas da ULBRA, foi desenvolver esse projeto em parceria com o cacique e diretor da escola e a e a equipe de professores. Sem eles é impossível alguém de fora desenvolver um projeto, principalmente quando se trata da leitura, considerando a língua e a cultura diferentes dos atores principais.

 


Atividade do projeto de extensão. Foto: Arquivo do Projeto

 

Segundo os PCNs (1998), a leitura tem como finalidade formar leitores competentes, capazes de compreender o mundo e descrevê-lo por meio da escrita, em diferentes contextos socioculturais, onde o uso do texto tem o seu significado. Na sociedade ocidental, historicamente letrada, o exercício da leitura e da escrita sempre foram vistos como atributos de poder da classe dominante. Enquanto o “outro” conformava-se apenas com a codificação das frias letras do seu nome, desenhadas para legitimar o poder dos dominadores por meio do voto. Para os indígenas, apropriar dessas habilidades é escrever a sua própria história.


Alunos buscando livros no Cofo. Foto: Arquivo do Projeto


Criança concentrada fazendo leitura. Foto: Arquivo do Projeto


Crianças durante atividade desenvolvida pelo Cofo. Foto: Arquivo do Projeto

(En)Cena – De quais formas o projeto alcançará o objetivo de desenvolver a habilidade da leitura e escrita nestas crianças? Quais são as metodologias utilizadas?

Maria Aparecida – Sabemos que é na relação com a comunidade social que a criança desenvolve as múltiplas linguagens: corporal, verbal oral e não verbal e a escrita. A linguagem corporal e verbal é bem aflorada nas crianças, o que facilita a escrita e a leitura. As crianças gostam de livros. Elas se encantam os livros, principalmente com relação às produções recentes de histórias e mitos na língua Akwen, escritos pelos próprios professores e lideranças Xerente. Essas produções estão inseridas na sala de aula e fazem parte do processo de formação de leitores.

Na 2ª fase do ensino fundamental são cobradas dos alunos a leitura e a escrita escolarizada. Como estes têm planos de prosseguirem os estudos, de certa maneira isso os estimula o envolvimento no projeto.


Aluna da escola indígena Waikarnãse em momento de produção textual. Foto: Arquivo do Projeto

Por isso, acreditamos que esse projeto na escola indígena pode colaborar no desenvolvimento dessas competências, principalmente com as crianças do 4º e 5º anos, os quais são mais exigidos quanto a leitura, a compreensão e interpretação de textos nos anos seguintes. Nesse caso é necessário articular metodologias e técnicas de leitura, partindo da experiência e expectativa de mundo das crianças indígenas, envolvendo diferentes gêneros literários contextualizados, textos verbais e não verbais produzidos por eles próprios, pois a competência linguística e a prática discursiva se constroem produzindo e lendo textos significativos.

Nessa perspectiva inicialmente fizemos um diagnóstico para saber o nível de leitura e de escrita que se encontram os alunos da escola para assim, selecionarmos e confeccionarmos livros e histórias correspondentes a cada nível, sendo estimulados a potencializá-los gradativamente. Pretendemos, com isso, desenvolver uma prática que favoreça a reflexão crítica e a lógica do pensamento sistêmico das crianças, estabelecendo relações com as atividades culturais, os mitos, as histórias e crenças da cosmologia Xerente.


Leitura e contação de histórias com crianças Xerente. Foto: Arquivo do Projeto

Para melhor dinamizar o trabalho, atendemos os alunos em horário contrário ao da aula. Os alunos do turno vespertino participam do turno matutino do Cofo de Leitura e os alunos da manhã, participam do no período vespertino. Há momentos em que se envolvem todos os alunos daquele turno, como também, momentos com atividades específicas aos alunos.

O trabalho consta da estimulada a oralidade com contação de histórias dos antepassados pelos pais e anciãos da comunidade. Algumas dessas histórias serão gravadas e transcritas na língua materna, o que vai depender da disponibilidade de tempo de algum professor para escrever em Akwen. Com isso, pretendemos manter a tradição de sentar-se nos terreiros para ouvir e contar histórias como acontecia até alguns anos, antes da chegada da televisão e demais tecnologias na aldeia, como lembra um professor.

Esperamos que as crianças da escola Waikarnãse, na aldeia Salto, envolvidas nesse projeto sejam despertadas para o prazer da leitura e da escrita, significando as histórias tradicionais e desenvolvendo competências que levem a mudanças sociais e intelectuais no processo de ensino e aprendizagem.

(En)Cena – Como têm sido o contato entre vocês? A escola recebeu bem o projeto e as práticas dele? Há alguma resistência?

Maria Aparecida – A minha relação com o diretor que é também cacique da aldeia e com os professores é boa, respeitosa. Com eles tenho aprendido muito. Inclusive a compreender e respeitar o tempo deles.   Enquanto na nossa sociedade capitalista, a correria é desenfreada, na sociedade Akwe o tempo é vivenciado com qualidade, o suficiente para manter as relações comunitárias entre os clãs.


Troca de experiências entre alunos da escolaWaikarnãse. Foto: Arquivo do Projeto


Crianças Xerente durante atividade do projeto. Foto: Arquivo do Projeto


Alunos produzindo textos e ilustrações. Foto: Arquivo do Projeto

(En)Cena – Qual é a reação das crianças da escola Waikarnãse durante os encontros? Elas gostam das atividades do Cofo?

Maria Aparecida – As crianças Xerente são extremamente curiosas. Quando o carro do Cofo de Leitura chega à aldeia, elas saem correndo, carregando os irmãos menores.  É aquela correria. Às vezes nem esperam organizar o cofo e o material do projeto.  Elas pegam aleatoriamente os livros. E passam rapidamente as folhas, logo trocam e se deixar, passa todos os livros e gibis. Com jeito e ajuda de um professor que fala na língua, as crianças se acalmam e organizamos o trabalho que sempre inicia com uma leitura de história por professor ou ancião. Depois é que iniciamos com a leitura de contos, histórias, mitos. Ao final as crianças espontaneamente recontam a história do seu jeito.


Chegada da equipe do projeto Cofo à escola indígena. Foto: Arquivo do Projeto


Alunos participando das atividades de leitura e produção de texto. Foto: Arquivo do Projeto


Crianças lendo durante momento do projeto. Foto: Arquivo do Projeto

 

(En)Cena – Por causa do projeto Cofo de Leitura e Escrita, o povo da Aldeia Salto vive novidades e novas práticas de leitura e escrita. Você acredita que esse projeto é também uma maneira de reforçar as tradições deste povo?

Maria Aparecida – Esse é um dos objetivos do Cofo: envolver a comunidade, e estamos trabalhando para que isso ocorra. Para tanto, foram distribuídos livros para as crianças lerem em casa com a família. O livro foi colocado em uma bolsa reciclada. Ela assinou uma ficha de locação do livro. O intuito é a criança ter esse contato individual e familiar por meio do livro. Assim conhecerá diferentes gêneros literários. E, posteriormente essa prática ajudará a crianças descobrir o gênero predileto é mais atrativo para sua leitura pessoal. No próximo encontro cada criança fará um comentário do livro que levou para casa. Vamos ver como será esse processo!


Projeto Cofo da Leitura e Escrita. Foto: Arquivo do Projeto


Crianças que participam do Cofo. Foto: Arquivo do Projeto

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A (des)educação do olhar no contexto da cidade: exercícios de conjugar o verbo reparar

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O médico só disse: Se eu voltar a ter olhos, olharei verdadeiramente
os olhos dos outros, como se estivesse a ver-lhes a alma.
A alma, perguntou o velho da venda preta, ou o espírito?
O nome pouco importa, foi então que, surpreendentemente,
se tivermos em conta que se trata de pessoa que não passou por
estudos adiantados, a rapariga dos óculos escuros disse:
Dentro de nós há uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos
.
(SARAMAGO, 2005).

 

 

 

A presente reflexão traz algumas considerações sobre o projeto de ensino “A (des)educação do olhar”, desenvolvido junto ao curso de Pedagogia da Universidade Federal do Rio Grande – FURG, mas que também envolve discentes de outras licenciaturas. A (des)educação pode ser substituída pelo vocábulo desnaturalização, na medida em que nossos olhares possam estar sobremaneira acostumados a ritos e processos de banalização do que é visto/enxergado no cotidiano das sociedades contemporâneas.

Embora o projeto envolva outros professores e disciplinas, é aqui ponderado pela professora de Metodologia de Ensino de Ciências Sociais, cujos quefazeres enfatizam relações sociais e os conceitos de tempo e espaço. Em respeito ao trabalho realizado em parceria com colegas, o texto é escrito na primeira pessoa do plural, ratificando a dimensão da cooperação.

As intensas e rápidas transformações sociais têm colocado em xeque e desafiado, no campo formativo, modos de ensinar e produzir conhecimento, e isto também se aplica à docência universitária.

Temos presenciado mudanças profundas nos sujeitos discentes que chegam às nossas salas de aula. Culturas, até então silenciadas e/ou marginalizadas historicamente, começaram a entrar na Universidade e a trazer em suas bagagens maneiras distintas de pensar, estudar, conceber, produzir e expressar conhecimento.

Ao mesmo tempo em que versões diferentes da história afloraram no espaço educativo institucionalizado, ajudando a ver um mundo mais diverso, novos desafios também emergiram, como a despadronização de olhares homogeneizados sugeridos, em boa parte, pelas mídias mais utilizadas e a publicidade.

Entrevista[i] recente com um profissional – food style – revelou o quanto de fantasia e simulacro é usado na publicidade de alimentos, por exemplo. O especialista em efeitos especiais explicou tratar-se de uma arte de esculturas e demonstrou como produz simulações de belíssimos copos de bebidas geladas, sem gelo e sem bebida. Nesse sentido, podemos inferir que o que somos estimulados a consumir não tem nenhum compromisso com a realidade palpável de sabores, aromas, consistências, estados físicos etc.

Além disso, nossos sentidos passam a aspirar a algo que nunca teremos como satisfazer plenamente. Daí, talvez, não raro, a sensação de vazio que segue ao consumo movido pela necessidade artificialmente produzida.

Nesse universo cada vez mais difuso, conceitos sobre a beleza, por vezes, aparecem muito estereotipados (e estandardizados) na sala de aula. Cinema, literatura, pintura, música entre outras expressões da arte e da cultura também encontram resistência se ultrapassam os modelos expostos com frequência e exaustão nas mídias cotidianas. “Narciso acha feio o que não é espelho” sentenciou Caetano Veloso na canção Sampa, tempos atrás.

Ocorre, ao mesmo tempo, dessa uniformização do olhar, uma espécie de anestesia dificultadora de que crianças, jovens e adultos sintam em profusão, mergulhados que estamos todos num tempo de rapidez, pragmatismo, utilitarismo e relações superficiais.

Fraga (2013), em sua tese sobre formação de professores de Geografia, trata com especial atenção dois conceitos retirados da literatura: “cuidar”, de Machado de Assis e “reparar”, de Saramago. Este nos empresta a lição: “Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara”.  A reflexão do autor em “Ensaio sobre a cegueira” deixa claras distinções conceituais e filosóficas sobre a questão. Posteriormente, Saramago escreveu em seu blog:

Quando eu era pequeno, a palavra reparar, supondo que já a conhecesse, não seria para mim um objecto de primeira necessidade até que um dia um tio meu (creio ter sido aquele Francisco Dinis de quem falei em As pequenas memórias) me chamou a atenção para uma certa maneira de olhar dos touros que quase sempre, comprovei-o depois, é acompanhada por uma certa maneira de erguer a cabeça. Meu tio dizia: “Ele olhou para ti, quando olhou para ti, viu-te, e agora é diferente, é outra coisa, está a reparar.[ii]

Absortos em nós mesmos (entretanto sem enxergar-nos) estamos com dificuldade para reparar no outro e encontrar na alteridade a completude do que somos na brevidade do que vivemos. Não notamos nossa existência no mundo, não reparamos no outro, não somos notados, portanto não existimos? Daí, supomos parte da crise que nos assola e fragiliza nossa saúde mental.

Há também que levarmos em conta que o sentido da ternura, com certa frequência, esvazia-se frente ao “complexo de Alexandre”, denominação de Restrepo (1998) à banalização do conceito ternura e ao seu enclausuramento no âmbito do privado, tornando-o irrelevante no espaço público.

É contrário à vivência da ternura localizá-la dentro do campo do normativo, não porque se trate de uma realidade impronunciável, mas sim por uma razão maior: as éticas impositivas parecem ter chegado a seu fim, por isso a educação em valores deve ser articulada ao campo de uma estética sugestiva que nos permita abandonar a esfera tirânica dos decretos para inscrever-nos na trama de uma educação do gosto e a sensibilidade. (RESTREPO, 1998, p. 9 -10).

É essa ética impositiva, de que nos fala o autor, que desejamos combater mediante o arejamento de subjetividades, proporcionando aos sentidos experimentações estéticas/relacionais diversificadas, que envolve o contato com a produção cujo acesso é pequeno, inexistente ou, ainda, despercebido aos estudantes. Ao nos defrontar com o estranhamento, surpreendermo-nos e descobrirmos novos padrões para nossa maneira de olhar, talvez estejamos de certa forma deseducando nossos sentidos, tirando-os dos campos normativos aos quais foram submetidos ao longo dos processos formativos, aproximando-os de uma estética sugestiva com gosto e sensibilidade.

“Para enxergar as coisas nas suas antigas proporções, como posso tornar-me de novo criança?”, questiona Bosi (1994). Enxergar as coisas de outro jeito, feito uma criança que se espanta com a brisa ou o sol no rosto… Isso significa sair da “anestesia” na qual fomos mergulhados e vivenciar momentos de “estesia”, isto é, fazer uso de nossos sentidos e sentimentos, de uma maneira mais ampla e profunda, a nosso favor, a serviço da nossa humanização. Para tanto, a experimentação é fundamental: em interfaces com a cidade, suas narrativas, arte, culturas, memórias, epistemologias.

Duarte Jr. (2002) propõe a construção de uma “personalidade cultural”, cuja mediação é dada pela linguagem, pois “educar-se é, primeiramente, adquirir a visão de mundo da cultura a que se pertence; educar-se diz respeito ao aprendizado dos valores e dos sentimentos que estruturam a comunidade na qual vivemos” (p. 59).  Educar-se, inclusive, para olhar e reparar!

Experimentar, portanto, nas Licenciaturas, equivale a apostar que docentes e discentes podem produzir novas formas de estar no/com o mundo, permitindo-se reparar e explorar outras porções de si.

Essa experimentação tem sede: é a cidade, com suas idiossincrasias e relações. É ela o espaço privilegiado para o alargamento do olhar.  Rios (2012) problematiza o significado de habitar uma cidade, entendendo que “existe um forte enlaçamento entre os espaços materiais e os universos simbólicos e que, no caso das cidades, esse laço deve ser considerado e valorizado em termos históricos e culturais, assim como no campo pedagógico” (p. 265).

Foto: Cristiano Mascaro

O projeto de ensino “A (des)educação do olhar”, na formação de professores, pretende ser aliado de paradigmas humanizantes e, com colegas professores e estudantes de Licenciaturas, percorrer caminhos nessa direção, seja através de visitas a Museus, Memoriais, Casas de Cultura e outros locais guardiões de memórias, arte, invenções, seja pela interlocução com filmes, documentários, ou, ainda, pela realização de oficinas e vivências em espaços diversos de modo a enriquecer a sala de aula com outras possibilidades educativas. A ideia é agregar, trocar e valorizar culturas e conhecimentos.

A (des)educação do olhar na janela do tempo-espaço

No ano de 2010, juntamente com as colegas professoras Ana Cristina Coll Delgado e Simone Barreto Anadon, do Instituto de Educação, empenhamo-nos em proporcionar algumas “estesias” (DUARTE JR, 2002) a estudantes de Pedagogia, em contraposição às “anestesias” (idem) entorpecedoras de sentidos e afetividades. Foi, também, intenção mobilizar racionalidades plurais de modo a auxiliar na apropriação de um tempo-espaço complexo como o contemporâneo.

Realizamos naquele ano duas viagens: a primeira deu-se à cidade de Porto Alegre, na qual duas Mostras foram visitadas: “Ivo viu a uva: mudanças e permanências na educação republicana”[iii], no Museu Júlio de Castilhos e “Portinari na Coleção Castro Maya”[iv], no Museu de Arte do Rio Grande do Sul – MARGS.

Nessa viagem, em especial, percebemos que o próprio deslocamento físico à capital gaúcha promoveu movimentos palpáveis: as estudantes se maquiaram, arrumaram o cabelo, prepararam petiscos para a viagem, contaram-nos aspectos de suas vidas. A aproximação física e horizontal (éramos todas viajantes, mulheres e aprendizes) entre discentes e docentes ajudou na compreensão e na justaposição de diferentes culturas e percepções.

A segunda viagem foi denominada “Sob as pedras da cidade” em referência às memórias que aí se produzem (BOSI, 1994), e envolveu roteiro orientado ao Centro Histórico e ao Museu da Baronesa na cidade de Pelotas, RS. Mesmo próximas (cerca de 60 km de distância) e em permanente intercâmbio, face à grande quantidade de estudantes e trabalhadores que circulam de um local para o outro, facetas históricas, geográficas, artísticas, culturais de um lado e do outro, continuam desconhecidas por boa parte de rio–grandinos e pelotenses.

Planejamos e cumprimos um roteiro a pé, com a colaboração do Prof. Dr. Carlos Alberto Ávila Santos da UFPel, o qual nos auxiliou a realizar, por exemplo, a leitura de prédios e monumentos que compõem parte do acervo patrimonial de Pelotas, em especial o construído no período das Charqueadas[v].

Contabilizamos que cerca de 150 pessoas tenham participado dessas atividades e, na época, pensamos em realizar um estudo longitudinal com estudantes que fizessem parte das experiências, até o último ano de graduação, pois havia discentes de vários semestres, o que permitiria um planejamento mais adequado e uma compreensão melhor dos sujeitos e (prováveis) desdobramentos em suas formações.

Essa intenção, entretanto, não se efetivou em virtude das rápidas mudanças no grupo de professores que originou o trabalho: o contexto de cada docente falou mais alto e deixou em suspensão o projeto.

Em 2013, o trabalho foi ressignificado e saídas de campo foram projetadas, juntamente com outras vivências na sala de aula, incluindo narrativas e experimentações. Atividades como leituras de obras imagéticas, análises de filmes, visitas a espaços de cultura da cidade foram estimuladas, bem como indicações de livros, filmes, profiles de artistas e suas obras. Comentários sobre exposições e divulgação de agendas[vi] na cidade e região foram sistematicamente socializados com as turmas envolvidas.

Inspirados pelo conceito “unidade vivencial” (VIGOTSKI, 2008), apostamos mais intensamente na probabilidade de cada estudante desenvolver descobertas particulares e partilhá-las com o outro, num fomento da alteridade. Para o autor, essa é a “unidade fundante do humano, condição própria e singular em cada momento do ser e estar das crianças” (p. 221). Talvez seja essa a qualidade que Bosi (1994) reivindicava, anteriormente neste texto, para voltar a ver como criança e se espantar mediante o, aparentemente, conhecido.

Nesse ano, participaram mais efetivamente estudantes de Pedagogia diurna e História, e novas parcerias docentes foram constituídas, especialmente com os professores Carmo Thum, do Instituto de Educação e Solismar Fraga Martins, do Instituto de Ciências Humanas e da Informação. Essas parcerias foram favorecidas pelos intercâmbios presenciais na instituição, assim como pelo respeito e consideração entre os colegas professores. A esfera relacional, portanto, é essencial a esse tipo de projeto.

Neste artigo, apresentamos apenas a primeira etapa que consistiu numa saída de campo à cidade de Porto Alegre, na qual estudantes de três turmas da Pedagogia e uma de História interagiram com a Mostra Narrativas Poéticas[vii] da Coleção Santander Brasil no Santander Cultural. A visita foi agendada e contou com monitores no auxílio da sua exploração, trazendo impactos positivos à maneira de olhar a proposta.

Outras duas Mostras compuseram essa vivência: “De Humani Corporis Fabrica”[viii] e “Mostra Pintura Brasileira”[ix], ambas na Pinacoteca do Museu de Arte do Rio Grande do Sul – MARGS.

Quarenta e seis discentes e dois docentes participaram das atividades e os desdobramentos dessa ação ficaram a cargo dos professores com suas respectivas turmas, dando ênfase à fruição e à sensibilidade.

Fazemos um parêntese para destacar que os resultados mais animadores têm repercutido no curso de Pedagogia, quer na adesão, pois é facultativa, quer no envolvimento com o processo e/ou na reverberação nas aprendizagens: discentes passaram a comentar obras, criaram vídeos e narrativas, buscaram produções afins na internet, descobriram na cidade espaços culturais e artísticos, inseriram diferentes linguagens nas atividades propostas, investiram em projetos investigativos no espaço local, entre outros.

Na turma de Pedagogia (2º ano diurno), propusemos como continuidade às vivências anteriores um exercício de “viagem pedagógica” (RIOS, 2012). Segundo este autor, na condição de “viajante”, permitimo-nos sair do lugar comum de clichês sobre um local. Como viajante, cada estudante foi desafiado a estranhar seu olhar em relação a sua cidade: na rua, no percurso para a universidade, nas praças, enfim, ressignificar olhares e percepções.

Cerca de quinze “viagens” foram realizadas em distintos espaços, e renovamos a compreensão sobre a importância da imersão e da conjugação do verbo reparar nos processos formativos. Escreveram estas estudantes:

Dei-me conta de que este era um pedaço da minha história perdido no tempo, ou melhor, na falta de tempo que faz com que as pessoas não levantem a cabeça ao andar pela rua. A partir daí, atravessei a rua e fui admirar, olhar com “os olhos da alma”, para aquela parte da minha história (K, Pedagogia, 2013).

Lembrei da fábrica, passo todos os dias por ali e tenho muita vontade de entrar. Ao passar pela frente, ou quando chego à lateral, olho e percebo o quanto é grandioso. Fiquei triste ao saber que está vendido e que ali será um residencial que irá manter apenas a fachada… “Viajando” nesse local, comecei a me lembrar de que minha avó e tia-avó já haviam trabalhado na fábrica… (C, Pedagogia, 2013).

Ontem e hoje, saí mais cedo para ir à Universidade, pois queria admirar o que não conseguia perceber até então. Havia outras pessoas na rua, dois cachorrosdo lado direito, na calçada, um vento mais forte e mais frio, um muro foi pintado… Hoje, já não estava assim, o vento diminuiu, colocaram a porta em uma casa que está em reforma, havia crianças com uniforme colegial, carros estacionados. É incrível como algo novo, por menor que seja, tenha tanta força de transformar uma paisagem, de te causar estranheza. (L, Pedagogia, 2013).

Os movimentos promovidos pela “viagem” passaram pela memória e em sua dimensão afetiva revigoraram sentimentos identitários (POLLACK, 1992). Por mais simples que pareçam as descobertas, é bom lembrar que a simplicidade e a dimensão do pequeno são muito difíceis de serem experimentadas face ao predomínio do global ante o local. Olhares sobre espaços-tempos foram lançados na ruptura da distração ou, pensando pelo avesso, justamente em função dela, ao levantar a cabeça e reparar na rua.

“O acaso vai me proteger enquanto eu andar distraído”[x], cantaram os Titãs, sugerindo que a vida seja melhor percebida e vivida “como ela é”.

A apropriação da paisagem como elemento vivo, social, com movimento incessante, por sua vez, redimensionou o conceito de cidade, aproximando-o do cotidiano dos estudantes e desvelando responsabilidades na construção do espaço citadino. As “coisas” não são assim por acaso; relações sociais as produziram. A cidade dos cães nas calçadas, das crianças uniformizadas, das fábricas desativadas constitui um “local onde se reúnem multiplicidades de trajetórias distintas e para onde convergem inúmeras práticas sociais e narrativas, tantas vezes solidárias quantas outras discordantes” (OLIVEIRA JR, 2009, p. 24).

Dimensionar este trabalho é muito difícil posto que vivências, embora localizadas fora da pessoa, sejam vividas de maneiras particulares (VIGOSTSKI, 2008). Esperamos, entretanto, que estudantes ampliem percepções, desnaturalizem olhares e instalem em suas singularidades uma “personalidade cultural” (DUARTE JR, 2002), capaz de enriquecer sua relação consigo, com os outros e com a cidade onde constroem suas existências.

Referências:

BOSI, Eclea. Memória e sociedade – lembranças de velhos. 3. ed. São Paulo: Cia das Letras, 1994.

DUARTE JR. Francisco. Fundamentos estéticos da educação. 7. ed. Campinas, SP: Papirus, 2002.

OLIVEIRA JR, Wenceslau Machado de. Grafar o espaço, educar os olhos. Rumo a geografias menores. Pro-posições. Campinas, v. 20, n. 3 (60), p. 17-28, set./dez. 2009.

POLLACK, Michel. Memória e identidade. Revista Estudos Históricos. Rio de Janeiro, v. 5, n. 10, p. 200-215, 1992. Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br Acesso em: 11/01/2014.

PORTUGAL, Jussara Fraga. Quem é da roça é formiga!: Histórias de vida, itinerâncias formativas e profissionais de professores de Geografia de Escolas Rurais. (tese) Universidade do Estado da Bahia, 2013.

RESTREPO, Luis Carlos. O direito à ternura. Petrópolis: Vozes, 1998.

RIOS, Guillermo A. As cidades como cenários de uma aprendizagem integradora. Em Aberto. Brasília, v 25, n. 88, p. 163-174, jul./dez. 2012.

SARAMAGO, José. Ensaio sobre a cegueira. São Paulo: Cia de Letras, 2005.

VIGOTSKI, Leon S. A brincadeira e o seu papel no desenvolvimento psíquico da criança. Tradução e análise: Zoia Prestes. Revista Virtual de Gestão de Iniciativas Sociais. Rio de Janeiro, n. 11, p. 23-35, jun. 2008. Disponível em: http://www.ltds.ufrj.br/gis/ Acesso em: 20/11/2013.


[i]Programa Estilo Arte 1. Canal Arte 1. 11/01/2014.

[ii]SARAMAGO, José. Reparar outra vez. Outros Cadernos de Saramago. Disponível em: http://caderno.josesaramago.org/30069.html Acesso em: 11/01/2014.

[iii]A Mostra revelou aspectos da história da educação no Rio Grande do Sul, abordou a educação brasileira e riograndense, no recorte temporal compreendido entre o final do século XIX e a década de 1950, do século XX.

[iv]A Mostra apresentou acervo da coleção de gravuras, desenhos e pinturas do Museu da Chácara do Céu, uma das unidades do Museu Castro Maya, no Rio de Janeiro, detentor do maior acervo público do artista.

[v]As Charqueadas constituíram a indústria da carne salgada que predominou no município no séc. XIX, sendo a responsável pela construção de palacetes, teatros e praças que ornam a cidade ainda hoje.

[vi]Semanalmente notícias sobre eventos, projetos, filmes, etc., de jornais impressos e virtuais, blogs, boletins, programas de TV, correspondências e outras fontes, especialmente as locais, foram partilhadas na sala de aula. Essas fontes também ajudam a definir as saídas de campo.

[vii]A exposição levou ao público gaúcho a Coleção Santander Brasil de obras de arte. Reuniu trabalhos de pintores como Cândido Portinari, Di Cavalcanti, Tomie Ohtake e poetas como Antonio Cícero, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade e Vinicius de Moraes. Os curadores propuseram um diálogo entre as artes visuais e a poesia brasileira.

[viii]  A exposição abordou as relações entre arte e medicina oferecendo uma versão ampliada e contemporânea do assunto, no período entre meados do séc. XIX e a contemporaneidade.

[ix]Pinturas da coleção particular de artistas gaúchos, sediada no Rio Grande do Sul, de José Antonio e Hieldis Martins. A mostra coletiva reuniu obras de Pedro Weingärtner, Ado Malagoli, Iberê Camargo, Britto Velho, Ilsa Monteiro, Milton Kurtz, Siron Franco e Leopoldo Gotuzzo.

[x]REIS, Nando; ANTUNES, Arnaldo. Epitáfio. A melhor banda dos últimos tempos da última semana, 2002. (CD)

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Fisioterapia Aquática na APAE de Palmas – TO

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Alongamentos, fortalecimento muscular e treino funcional no meio aquático são algumas das práticas realizadas no projeto de extensão Fisioterapia Aquática na APAE de Palmas – TO do Centro Universitário Luterano de Palmas (CEULP/ULBRA). Coordenado pela professora fisioterapeuta Luciana Furtado, o trabalho do projeto com a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) teve início em 2010, quando o CEULP/ULBRA construiu uma piscina terapêutica especial para este tipo de modalidade na Associação. Desde esta data, os alunos apaeanos são atendidos semanalmente por acadêmicos do curso de Fisioterapia e supervisionados por docentes da mesma área.

O (En)Cena entrevistou a professora Luciana Furtado, coordenadora do projeto Fisioterapia Aquática na APAE de Palmas – TO, para conhecer como essas atividades promovem qualidade de vida às crianças apaenas.

 


Professora Luciana Furtado, coordenadora do projeto Fisioterapia Aquática na APAE de Palmas – TO

 

(En)Cena – Em quê consiste a fisioterapia aquática? Essa atividade terapêutica exige preparação de algum recurso para a realização dela, como, por exemplo, uma piscina específica ou material diferenciado?

Luciana Furtado – A fisioterapia aquática consiste na prática de técnicas fisioterapêuticas específicas para o meio aquático utilizadas para a promoção da reabilitação física e funcional de pacientes. Os atendimentos devem ser realizados num espaço destinado a atividades aquáticas que seguem normas da vigilância sanitária e contam com uma piscina com estrutura e temperatura da água específica para esses atendimentos.

Criança sendo atendida por acadêmicos do projeto

 

(En)Cena – Por que vocês escolheram a comunidade apaeana para as práticas do projeto e por que a escolha da fisioterapia aquática?

Luciana Furtado – A maioria das crianças da APAE tem deficiência física que compromete seu desenvolvimento motor adequado e consequentemente causa prejuízo na deambulação e realização de suas atividades funcionais. Certos princípios físicos da água associados a manejos fisioterapêuticos específicos conferem maior liberdade e funcionalidade aos movimentos que seriam difíceis de serem executados no solo, o que permite, de acordo com a doença de base, estimular o ganho progressivo de flexibilidade, força, equilíbrio e de habilidades funcionais.

A instituição APAE conta uma piscina terapêutica e a disponibiliza para profissionais fisioterapeutas de instituições parceiras para que possam atender a grande demanda de crianças com deficiência encaminhadas pelos médicos para esse atendimento.


Alunos da APAE recebendo atendimento

(En)Cena – Como é a aceitação dos alunos da APAE? Eles demonstram gostar das atividades desenvolvidas pela fisioterapia aquática?

Luciana Furtado – É visível o bem estar e a alegria das crianças durante os atendimentos, o que motiva os acadêmicos voluntários a se interessarem por essa área de atendimento.

 

(En)Cena – Que resultados o projeto obteve no que diz respeito à saúde física e psíquica das crianças atendidas? Houve melhora de qualidade de vida?

Luciana Furtado – Nesses anos de realização do projeto temos observado resultados de melhora física, funcional e até mesmo relatos de melhora do bem estar psíquico pelos professores cuidadores dessas crianças, aspectos esses, fundamentais na garantia de uma boa qualidade de vida a essa população.

 

(En)Cena – Os pais e cuidadores das crianças atendidas também acompanham o processo terapêutico desenvolvido na APAE? Qual é a importância desse acompanhamento? Eles são orientados sobre cuidados ‘pós-hidroterapia’?

Luciana Furtado – A maior parte das crianças vai até a escola através do ônibus escolar e passam o dia inteiro na instituição enquanto seus pais trabalham. Assim há pouco contato desses pais com os profissionais da saúde atuantes nessa instituição, mas muitas vezes passamos orientações destinadas aos pais através dos professores cuidadores dessas crianças, e quando os pais podem comparecer, assistem aos atendimentos e recebem orientações e são esclarecidos quanto a seus questionamentos no cuidado à suas crianças. Já o contato e orientações com os professores cuidadores é pontual a cada atendimento.


Acadêmicos atendendo alunos apaeanos

(En)Cena – Na grade curricular do curso de Fisioterapia existe alguma disciplina específica sobre hidroterapia? Como têm sido a participação dos acadêmicos como voluntários nesse trabalho?

Luciana Furtado – Há no curso de Fisioterapia do CEULP-ULBRA a disciplina de Fisioterapia Aquática onde há teoria e prática dos princípios e técnicas que regem esses atendimentos. Os voluntários mostram-se motivados, participativos e atuantes em todo o processo de reabilitação proposto pelo projeto de extensão.

 


Alunos voluntários do projeto Fisioterapia Aquática na APAE

 

(En)Cena – A vivência ‘universidade e comunidade’, na Fisioterapia Aquática na APAE de Palmas, é geradora de bons resultados?

Luciana Furtado – Os resultados são uma via de mão dupla: tanto as crianças beneficiam-se da reabilitação pela fisioterapia aquática, quanto os acadêmicos, professores e a instituição CEULP-ULBRA em si, beneficia-se das atividades filantrópicas realizadas na APAE, construindo nos acadêmicos a responsabilidade social, humanística e ética embasada no conhecimento científico e vivenciada no vínculo terapeuta-paciente.

 


Atendimentos hidroterapêuticos na APAE

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A Educação em uma comunidade autorreconhecida kilombola: A vivência da Comunidade Morada da Paz – CoMPaz

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A Comunidade Morada da Paz (CoMPaz5) é uma comunidade autorreconhecida kilombola sustentável ecológica espiritual fundada em 2002 no município de Triunfo/RS, em Vendinha à 52 quilômetros de porto Alegre (capital do Rio Grande do Sul) com o objetivo de promover a sustentabilidade ambiental como caminho para uma melhor qualidade de vida. Desde então, realiza ações e projetos intergeracionais nas áreas de educação, saúde, meio ambiente, cultura de paz e cultura afro-brasileira, sendo recentemente reconhecida pela Secretaria de Cultura do Rio Grande do Sul como Ponto de Cultura Omorodê, que significa infância no dialeto africano yorubá.

Somos autorreconhecidos kilombolas sustentáveis ecológicos e espirituais porque somos predominantemente negros e negras e compartilhamos um jeito de ser e de viver que tem uma origem ancestral e se fundamenta na identidade que construímos na relação comunitária, baseada em uma hierarquia de saberes, na espiritualidade e na conexão que estabelecemos com o solo sagrado que nos acolhe, onde a  natureza e todas as divindades que a constituem são respeitadas e reverenciadas.

A CoMPaz nasceu em 2003, a partir do sonho de homens e mulheres que de 1998 a 2002 estavam buscando estudar e aplicar no cotidiano princípios e valores presentes em várias tradições filosóficas e religiosas, como a

solidariedade, a ética, a unidade, a determinação, assim como construir um jeito de ser e viver mais integrado à espiritualidade, à natureza e que trouxesse benefícios a todos os seres sencientes. O grupo constituído nessa época chamava-se Cosmos – Grupo Universalista de estudos e Aplicabilidade da Mediunidade e Paranormalidade e fazia estudos e ações baseadas na literatura que trata do movimento litúrgico afro-brasileiro, budista, espírita, xamânico.

Este ensaio é um relato de experiência, onde iremos analisar como ocorre a educação no território da CoMPaz, observando principalmente a dinâmica com os o-madês, que em uma livre interpretação do dialeto africano yorubá significa crianças. Na cosmovisão matricial africana, a qual estamos conectados, a criança é a dona do mundo, o homem é o zelador da comunidade, a mulher a guardiã da continuidade da vida e os anciões os guardiões da memória ancestral.

Destacamos que a CoMPaz está inserida na área rural do município de Triunfo/RS (Região Metropolitana de Porto Alegre), tendo 4,2 hectares de tamanho, possuindo no seu interior mata nativa, açude, pomar, animais domésticos, silvestres e a presença de 6 clãs. Atualmente residem na CoMPaz 16 pessoas, mas estamos sempre recebendo interessados(as) em intercâmbios, vivências ou peregrinações.

Na Comunidade Morada da Paz o processo educacional dos o-madês é constituído através da integração de todos os adultos que partilham a guardiania e o seu zelo. Há um momento semanal onde ocorre o ipadê (circulo) dos cuidadores, espaço onde são compartilhadas impressões, percepções, sensações e orientações voltadas à educação dos o-madês. As orientações podem ser direcionadas individual ou coletivamente aos o-madês ou aos seus progenitores dependendo das necessidades específicas.

Autor: Mestre Paraquedas, 2014.

A educação na CoMPaz é orientada a partir dos princípios da Comunidade e das cosmovisões matricial africana, indígena (mbya-guarani) e budista tibetana, onde o respeito aos anciões e ancestrais é um traço marcante do seu jeito de ser e de viver.

Os o-madês realizam diariamente suas preces práticas que tem como proposta trabalhar o sentido e o significado do fazer a atividade, seja ela cuidar dos animais, laborar na horta ou preparar a alimentação. Em todas as preces práticas os o-madês são acompanhados por um gba oya nkan (responsável no dialeto yorubá).

Existe na CoMPaz o projeto Escola da Terra Pura para implantação de um centro de educação holística no território sagrado, onde os o-madês possam aprender através de vivências teórico-práticas, orientadas pela agroecologia, filosofia, espiritualidade com turmas multi-idades. Hoje, a CoMPaz está se preparando para esse momento, como mostra a foto abaixo.

A espiritualidade é um componente primordial do movimento educativo da CoMPaz. A participação nos ritos e ipadês por parte dos o-madês são estimuladas como etapas dos seus processos de formação. Nos ipadês há a permanente troca de saberes e fazeres, a partilha de vivências, que esclarece e fortalece cada um e todos na comum unidade.

 Vivência intergeracional na Horta CoMPaz 2014. Acervo institucional.

Os itans, histórias e contos sobre a cosmovisão (visão de mundo) matricial africana, sobretudo da nação yorubá contribuem para o processo de educação em comunidade e são contados diariamente no território sagrado da CoMPaz constituindo-se em um recurso pedagógico tanto para os adultos quanto para os o-madês se (re)conectarem com suas raízes ancestrais. Geralmente quem faz a contação de histórias na CoMPaz é um ancião do território, uma yabá ou um baba, que são os guardiões da tradição oral.

A Colônia de Férias Curumim-O-Madê que acontece desde 2008 na segunda quinzena de fevereiro durante 4 dias é um importante momento de partilha na CoMPaz, onde são acolhidas crianças do entorno e da região metropolitana para uma série de vivências do cotidiano comunitário, jogos, brincadeiras e oficinas.

Contação de Histórias na CoMPaz, 2011. Acervo institucional.

As diferenças que as crianças da CoMPaz observam entre o jeito      de ser e de viver que orienta a sua educação e o que é estimulado pelo sistema capitalista através do apelo ao consumismo e ao individualismo principalmente, são abordadas com muito diálogo, sempre visando o esclarecimento, não a imposição de ideias, pois acreditamos que assim eles serão adultos mais conscientes das escolhas que venham a fazer nas suas vidas.

Os movimentos educativos da CoMPaz também se realizam na escola onde as crianças da comunidade estudam, na localidade de Rua Nova, em Montenegro/RS, local em que os seus anciões ministram palestras, mini-cursos e oficinas voltadas aos professores e aos estudantes.

Estamos sempre buscando firmar novas parcerias e alianças com pessoas e instituições afinizadas com os nossos princípios e valores, independente de sua origem étnica, religiosa ou procedência. Hoje a CoMPaz participa de várias redes locais, regionais e nacionais, além de contar com uma rede de colaboradores desde a sua fundação, a Rede de Envolvimento Solidário (ReSol), tecida através de encontros promovidos em seu território, como seminários e vivências integradoras. Desde 2012 existe a Rede de Educadores CoMPaz que congrega parceiros e aliados da Comunidade que cooperam nas suas atividades ministrando oficinas nas áreas de artesanato, agroecologia, dança, matemática, literatura, português, teatro e contação de histórias.

Podemos considerar que a educação para a vida na CoMPaz é uma práxis contínua e ininterrupta, que como diria o saudoso Gonzaguinha “revela a beleza de sermos eternos aprendizes”.

Finalmente, analisando a nossa vivência sob a perspectiva da educação, percebemos a veracidade do itan africano que revela que para se educar um o-madê é necessário o somatório de esforços e a integração de toda uma comunidade.

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Em que momento nos tornamos tão insensíveis à dor do outro?

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Hoje pela manhã, chegando ao trabalho, passei por um acidente de trânsito. Um carro atravessado na avenida, uma moto caída e um corpo que jazia sob um lençol branco. Cheguei para trabalhar tenso, preocupado (“será alguém conhecido?”), curioso, sim, sobre como se dera o acidente e também muito pensativo: quem era aquela pessoa? como estaria sua família? teria deixado filhos em casa? ou pais que chorariam a morte de um filho que partira cedo demais? teria essa pessoa sentido a morte se aproximar? sofrera, chorara, antes de morrer?

Fiquei meio que inundado destes sentimentos. Breve, muito rapidamente, vi pela internet detalhes sobre o acidente. Soube que era uma jovem de vinte e cinco anos e mais alguns detalhes de como tudo aconteceu. E já foi o suficiente para ficar mais e mais incomodado pensando em sua família, seus pais, seus irmãos, enfim, quem ficou e que por ela irá sofrer.

Logo apareceu, em um site de notícias, uma imagem do seu corpo no chão, ainda sem o lençol que a cobriria logo depois, que mostrava claramente as marcas da tragédia. Sangue e a brutalidade do acontecido estavam ali, para quem quisesse ver. Logo apareceu ali no Facebook a imagem original da qual o site de apoderara.

A partir dali aquela pessoa e sua tragédia, bem como a tristeza de toda a sua família, se transformou em uma imagem que parecia merecedora de ser curtida, compartilhada, comentada. E assim o foi. Em poucos minutos foram mais de duzentos compartilhamentos, um sem número de curtidas e centenas de comentários que iam se avolumando, tanto em quantidade quanto em insensibilidade à dor do outro.

Aos comentários que buscavam oferecer algum consolo (como se uma mãe ou um pai, em sua dor, fossem olhar cada foto de sua filha morta no chão para ler o que haviam escrito sobre ela buscando obter alguma forma de conforto) se misturavam centenas de outros que, detentores do saber, atribuíam a responsabilidade pelo acontecido ora à jovem, ora ao motorista do outro veículo. Como se já não bastasse a dor de quem perdeu um parente e o sentimento de culpa que, independente do que aconteceu, já devia pesar sobre a cabeça do outro motorista.

Palavras como “cabeça estourada”, “muita imprudência”, “que tragédia”, “esse infeliz tá solto e vivo”. Alguns poucos entenderam que a crueldade não estava somente no acidente em si, mas na insensibilidade de quem compartilhava uma imagem tão triste: “Isso não é foto de postar no face. Imagina a família dela vendo isso”; “lamentável……mas a foto é muito forte para os parentes e amigos”.

Em que momento a ânsia de sermos divulgadores de uma imagem tão brutal, nos impede de pensar que do outro lado pode estar um parente, um amigo, enfim, alguém muito próximo que acabará tendo sua dor ampliada pela nossa insensibilidade?

Em que momento não conseguimos nos colocar no lugar do outro para imaginar o quanto nos seria dolorido ver nosso filho, nosso irmão, nosso amigo, em uma imagem terrível e brutal compartilhada por pessoas a quem esta dor, na maioria das vezes, nem diz respeito?

É! Em que momento nos tornamos tão insensíveis à dor do outro?

Nota:

Texto escrito no dia 16 de outubro, quando imagens fortes de um acidente em Palmas, Tocantins, tomaram conta da rede social Facebook e de alguns portais de notícia. Após a grande repercussão da indignação das pessoas com essa atitude as imagens foram removidas dos sites de notícias e de vários perfis da rede social. O autor julgou o tema pertinente para ser registrado no (En)Cena.

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