Melancolia

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Ela se sentia inquieta, assim como se não desse conta de acompanhar os movimentos acelerados ao seu redor, tudo estava se tornando pesado e complicado, tudo que havia construído e que acreditava veio abaixo. 

Assim… Num deslizar pelos dedos ela foi se indo, ensopando-lhes os pés, escorrendo pelas valas criadas por seus entorpecidos pensamentos. 

Necessitava parar, necessitava exercer a mais simples das funções: Respirar, mas isso lhe parecia difícil. Enfim, não queria nada, queria mergulhar neste vazio, dar-se com ele, chafurdar-se nele, porque coisa alguma mais lhe aprazia. 

Culpava-se ainda, fez promessas de mudanças, porém sua amiga insinuava-lhe que se entregasse e ela sem titubear se rendeu ao chamado e entregou sua mão trêmula a ela, sua amiga melancolia.

A melancolia é um dos sentimentos mais exaltados pelos poetas. Em termos poéticos, a melancolia toma ares de beleza, da alma que se interioriza em um profundo quedar de pensamentos, uma lágrima furtiva, uma saudade de não sei o que, um cismar numa tarde de outono onde as folhas que caem encolhem mais a alma do pensador. Comumente a melancolia é associada pelos poetas ao vazio e a falta.

Mas que sentimento é este, como se instala, o que sentimos, como nos comportamos, o que seria este não sei o que nos leva a buscar no mais profundo dos abismos as respostas que às vezes nem nos importa mais.

Das conversas que José Castello teve com o poeta João Cabral, resultou no livro João Cabral: o homem sem alma, onde o mesmo dizia que, tinha um buraco no peito, explicando que, “Não é dor. Não é mal-estar. Não é nada. Ao contrário: falta alguma coisa”, completa dizendo, “Falta uma coisa, fica o buraco, e você tem de carregá-lo”.  (João Cabral: o homem sem alma/ Editora Rocco, 1996).

Alguns estudos vão dizer que na atualidade a melancolia foi substituída pelo termo depressão, portanto no decorrer do texto daremos um parecer que discorda desta premissa, pois ambas sempre causaram grandes males aos indivíduos, mas se diferem em alguns pontos.

Os estados melancólicos tomaram ares de vazio intenso e difícil de ser definidos, sobre esta indefinição Oliveira, (2004) nos afirma que a melancolia, “Tem sido objeto de estudo na medicina, motivo de reflexão para os filósofos, inspiração para os poetas e escritores”. E reitera ainda que “desde a Antiguidade até os dias atuais encontramos referências ao sofrimento humano expresso através desse afeto, bem como a dificuldade em se definir esse estado de sentimento de maneira satisfatória” (OLIVEIRA, 2004, p.93)

Pois bem, entre poetas, teorias e filosofias façamos um caminho em busca de respostas que cheguem perto da definição dessa tal melancolia.

Muitas vezes julga-se que a melancolia é um estado d’alma corriqueiro, quase como fugaz, assim como uma situação de acabrunhamento, no entanto estes estados podem evoluir como manifestações que se generalizam e fazem moradas permanentes em algumas psiquês. 

Fonte: Pixabay

A melancolia assim como a anedonia (são primas irmãs), se desenvolvem dentro de um quadro de apatia generalizada, um que absoluto de falta de ânimo, tendo como características além destas citadas acima um tédio mordaz e uma inércia doentia.

Um indivíduo melancólico está inerte em seu vazio, este sentimento de vazio é como se houvesse um “oco” por dentro como se lhe tirassem ou arrancassem tudo, e ainda assim, apresenta-se como um peso que não se suporta cravado na alma. Porém o raciocínio e a concentração permanecem intactos.

Difere-se da tristeza, pois tristeza é um sentimento referente a alguma perda, ou a alguma ocorrência natural do dia a dia e sua duração pode ser de horas ou poucos dias, não acarretando sérios prejuízos ao indivíduo.

Difere-se também da depressão, pois na depressão o desempenho, o raciocínio e a concentração são afetados, ou seja, acontecem alterações químicas no cérebro e podem ter causas genéticas.

Mas qual é a origem da melancolia quem se ocupou de denominá-la, saibamos mais a respeito.

Fonte: Pixabay

A palavra melancolia foi criada pelo Grego Hipócrates, o pai da Medicina, por volta do século IV a.C. e vem da junção das palavras “mélas” (negro) e “cholé” (bílis) – ou seja, o significado primário é “bílis negra”. Na época, Hipócrates definiu a então doença a partir de um conjunto de sintomas como tristeza profunda, olhar fixo no infinito e perda de apetite. Séculos depois, o psicanalista austríaco Sigmund Freud (1856-1939) definiu a melancolia como um luto sem perda, processo patológico que necessita de abordagem e tratamentos específicos.

Em Luto e Melancolia (1914-1915) de Freud, ele cita que se sentia incapaz de retratar este afeto, pois a seu ver ele era dotado de um caráter ambíguo e controverso, pois se por um lado, era apontada como estímulo poético, de outro, é tida como uma patologia. Assim sendo, o psicanalista faz uma comparação entre os sintomas do luto e da melancolia, o primeiro parece de ordem natural, no segundo, conduz para uma origem patológica. 

Schopenhauer (1862), dizia que estes sentimentos eram atributos dos mais bem dotados de inteligência, reiterando ainda que muito conhecimento não seja carona para a felicidade.  Dizia ainda que,

 “Ao subir a escada da expectativa de realizações dos desejos não existe a opção de descer […] gradualmente, degrau por degrau, só existe a queda livre, e quanto maior a altura maior é a queda (o sofrimento) do indivíduo” (DEUS, Schopenhauer e o sofrimento, p. 117).

Entre os suspiros apaixonado dos poetas que alardeiam a melancolia e dela tecem seus mais ricos ensaios “A melancolia é a felicidade de se ser triste”. (Victor Hugo), ou por estarmos constituídos pelo id, seria-nos benéfico julgar que os apontamentos de Schopenhauer nos vestiriam bem, ou seja, se estamos melancólicos, logo, somos inteligentes, um cunho de humor é salutar em qualquer peça. 

Porém, apontamentos teóricos nos trazem que na modernidade estamos a mercê de uma era nitidamente marcada pelas incertezas das certezas absolutas, destituídas de descrições, deixando os sujeitos com fragilidades que não sabem lidar, com sentimentos de vulnerabilidade, assim como órfãos em sinaleiros, indivíduos sem direção. 

Como se não bastasse os indivíduos não mais se relacionam, somos uma paisagem nos campos de tela, sentimos exaustão de nós e do outro, sentimos melancolia pelas saudades de imagens de um passado que talvez nem tenhamos vivido. Idealizamos que o outro nos aperceba mesmo que nós mesmos não o façamos. A este respeito, Friedrich Nietzsche diz que, “O homem é mais sensível ao desprezo que vem dos outros do que ao que vem de si mesmo.”

A melancolia advém de longa data e podemos somar a ela mais de dois mil anos de história deixando em cada canto seu legado poético, teórico e filosófico.

 Na contemporaneidade, entre prozacs, Fluoxetinas, Clozapinas e Escitaloprams,. “A melancolia foi para o “spa”, emagreceu, subsiste apenas como um subtipo, uma forma grave de depressão maior, com sintomas físicos correspondendo ao conceito de endógeno.” (CORDÁS, 2002, p.95). 

Vamos nos atropelando, neste mundo líquido, nos esvaindo, dando a mão à nossa mordaz amiga melancolia que invariavelmente também é chamada de depressão, e até isso se torna melancólico, tira-nos a poesia que servia de ancoradouro para possíveis explicações mais suaves e humanas.  

Erroneamente ou não, pesquisas e estudos profundos estão sendo desenvolvidos e com certeza em um futuro próximo, poderemos dar o nome correto a este buraco no peito, este se esquecer de si mesmo.

Referências

BENTO Rodrigues Edilene, 2008. MELANCOLIA E POESIA TECIDAS EM FLOR E ANJOS: DIÁLOGO MELANCÓLICO ENTRE AS POÉTICAS DE AUGUSTO DOS ANJOS E FLORBELA ESPANCA. Disponível em: https://pos-graduacao.uepb.edu.br/ppgli/download/dissertacoes/Dissertacoes2008/Disserta%C3%A7%C3%A3o%20Edilane.pdf. Acesso em 06/10/2022

DEUS, Rocha Flávio, 2021. A Filosofia de Schopenhauer na narrativa do jovem

Werther de Goethe. Disponível em: DOI: http://dx.doi.org/10.5902/2179378648538. . Acesso em 06/10/2022

NORONHA Heloisa. 2020. EQUILÍBRIO.Cuidar da mente para uma vida mais harmônica. Disponível em: https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/redacao/2020/12/26/melancolia-o-que-e-e-como-lidar-com-ela.htm. Acesso em 04/10/2022

NUNES Homero. Na solidão, triste e desiludido: a morte dos grandes pensadores em meia dúzia de tristes fins. Disponível em: http://lounge.obviousmag.org/isso_compensa/2014/12/na-solidao-triste-e-desiludido.html. Acesso em 06/10/2022

SANTA CLARA, José Carlos. 2008. O problema econômico dos estados depressivos: uma leitura metapsicológica para a melancolia. Disponível em: http://livros01.livrosgratis.com.br/cp052615.pdf. Acesso em 06/10/2022

SANTA CLARA, José Carlos. 2007. Melancolia e narcisismo: a face narcísica da melancolia nas relações do eu com o outro. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-44272007000200009. Acesso em 06/10/2022

OLIVEIRA, Ana Paula. 2020. A LEITURA COMO MELANCOLIA: MEMÓRIA, PRESENTE E VAZIO NA CRÍTICA DE JOSÉ CASTELLO. Disponível em:  https://rd.uffs.edu.br/bitstream/prefix/3861/1/OLIVEIRA.pdf. Acesso em 06/10/2022

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Amanda Leite estreia Exposição Fotográfica Existências Mínimas

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Docente da UFT tem longa trajetória com criação de fotografias que mesclam realidade/ficção e desassossegam o olhar do espectador. 

No dia 14 de junho de 2019, às 19h, a profa. Dra. Amanda Leite, da UFT, irá inaugurar a Exposição Fotográfica Existências Mínimas na Galeria do Sesc/TO, em Palmas. A exposição estará aberta ao público até o dia 29 de julho e será possível também agendar visitas mediadas pelo e-mail ou pelo telefone: (63)3212-9922. A visitação é gratuita!

A exposição faz parte da pesquisa que Amanda desenvolve sobre “Fotografia contemporânea e Processo Criativo”. Além disso, é um processo decorrente de uma atividade integrante ministrada por Amanda no curso de Pedagogia da UFT, campus Palmas. Na mesma temática, Amanda também ministra disciplina no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Sociedade (PPGCom), denominada “Narrativas Contemporâneas: Fotografia e Comunicação”.

Fonte: Divulgação

Na pesquisa de pós-doutoramento de Amanda, realizada na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), abordou estes temas e produziu a série “Existências Mínimas”, que força o espectador a olhar para o seu próprio cotidiano por outras perspectivas e escalas, num jogo criativo que mescla realidade/ficção e desassossega o olhar do sujeito.

A exposição já esteve no mês de abril de 2018, na Galeria da Casa do Lago, na cidade de Campinas/SP e agora estará na Galeria do Sesc, em Palmas. Em setembro deste ano a exposição seguirá para a cidade de João Pessoa e ficará ao longo do mês em exibição na Galeria da Pinacoteca (UFPB).

Fonte: Divulgação

Mais sobre Dra. Amanda Leite

Amanda Leite é doutora e mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Pesquisadora e professora no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Sociedade e no curso de Pedagogia da Universidade Federal do Tocantins (UFT). É coordenadora do Coletivo 50 graus – Grupo de Pesquisa e Prática Fotográfica, colaboradora da Revista Fhox de fotografia, editora na Revista Observatório (UFT/Seção Visualidades). Tem vasta experiência em estudo de textos atuais e experimentação em laboratório de criação fotográfica. Em suas produções, envolve a participação de estudantes de diferentes níveis de ensino, convidados a explorar a fotografia muito além de suas bordas.

Acompanhe novidades no site da artista e também pelo instagram.

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Pessoas excessivamente voltadas para si mesmas tornam-se frias, diz Alberto Nery

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Psicólogo referência em Logoterapia também alerta que universidades devem ampliar os campos teóricos, hoje focado na Psicanálise ou nas linhas comportamentais

O (En)Cena entrevista o professor da Faculdade de Psicologia do Centro Universitário Adventista de São Paulo – UNASP, Alberto Domeniconi Nery, que vem desenvolvendo um profícuo trabalho de divulgação da Logoterapia, abordagem de base humanista e fenomenológica ainda pouco explorada nas universidades brasileiras.

Na entrevista, Alberto Nery chama a atenção para a retomada do processo de ‘coisificação’ do ser humano, como se o mesmo fosse um homem-máquina. Além disso, alerta para os riscos do fim das utopias, o que acaba gerando um cenário de desesperança e medo. No mais, dentre outros aspectos, Nery destaca a importância de o psicólogo dialogar com várias áreas do conhecimento, como religião, filosofia e sociologia, processo que só enriquece a atuação profissional.

Alberto Nery é mestre em Psicologia Social e do Trabalho pela USP (2014), possui graduação em Teologia pelo Centro Universitário Adventista de São Paulo (1999) e graduação em Psicologia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2005). Atualmente cursa o Doutorado em Psicologia Social na Universidade de São Paulo, atua como Psicólogo Clínico e professor na Faculdade de Psicologia do Centro Universitário Adventista de São Paulo – UNASP, além de ter experiência de atuação como professor, capelão e pastor em igrejas e instituições da Igreja Adventista do Sétimo Dia.

(En)Cena – Qual o panorama do ensino da Logoterapia nas universidades brasileiras?

Alberto Nery – Na verdade, a presença da Logoterapia nas universidades brasileiras ainda é muito pequena. A maior parte das pessoas com as quais converso, tanto aquelas que já conhecem a teoria, quanto aquelas que estão conhecendo através de uma aula, palestra ou conteúdo que postei nas redes sociais, acabam me falando a mesma coisa: que durante a graduação nunca ouviram falar da Logo. Esse foi o meu caso, por exemplo. Então o que acaba acontecendo é que depende muito do professor, principalmente os de teorias humanistas-existenciais, teorias da personalidade, história da psicologia… Se eles não falam, a Logo não aparece. É uma pena.

As universidades brasileiras em geral preferem ensinar psicanálise e psicologia experimental e suas variantes. Mesmo a psicologia humanista-existencial tem pouco espaço. No Unasp-SP, onde leciono, não temos uma disciplina específica de Logoterapia, mas em todas as disciplinas que ministro, faço questão de mostrar a teoria. Além disso, oferecemos a prática clínica de Logoterapia nos últimos semestres.

A partir das minhas experiências, entendo que deveria haver mais espaço para Logoterapia na Universidade, pois o interesse dos alunos é enorme. As supervisões ficam sempre cheias e com lista de espera… Há um desejo dos estudantes de Psicologia em conhecer outras teorias e assuntos, e a Logoterapia atende essa necessidade, principalmente pela sua perspectiva holística, que abre espaço para um olhar positivo sobre a espiritualidade humana.

(En)Cena – Viktor Frankl foi um grande exemplo de fé no futuro e de resiliência… estes conceitos estão em xeque, na contemporaneidade. Quais as consequências psicológicas decorrentes da degradação das utopias?

Alberto Nery – A consequência direta é uma vida voltada apenas para si mesmo e para o momento que a pessoa vive. As pessoas se tornam mais frias. A perda da esperança no futuro é um dos piores golpes que a sociedade recebe, pois prejudica o desenvolvimento de projetos de vida que envolvem o que está por vir. Essa aliás é uma das características mais fortes da contemporaneidade.

(En)Cena – Há um aspecto transcendente na obra de Frankl. Isso se coaduna com a noção de lançar-se para o futuro. Seria uma boa alternativa para uma sociedade excessivamente imediatista?

Alberto Nery – Totalmente. A Logoterapia incentiva o indivíduo a viver de forma responsável no presente, compreendendo que aquilo que faz hoje irá se refletir no seu futuro. Além disso, apresenta a noção de transitoriedade da vida, o que nos leva a entender que o presente, seja ele bom ou ruim, vai passar, por isso precisamos nos planejar para o que está por vir também.

(En)Cena – Ao que parece, uma das bases epistemológicas da Logoterapia é a Fenomenologia, que faz uma forte crítica ao positivismo ou a ‘coisificação’ do ser humano – a partir do conceito de homem máquina. Parte da Psicologia flerta com esta ideia. Qual a sua opinião sobre o assunto?

Alberto Nery – Pois é, parece que vivemos uma espécie de “revival” das tendências reducionistas e deterministas da passagem do séc 19-20. As mesmas que Frankl e os representantes da Psiquiatria Existencial tanto criticaram. Dessa vez, no entanto, elas se apresentam sob a bandeira da Psicologia Evolutiva e das Neurociências. A meu ver, os efeitos diretos disso são os mesmos que Frankl já apontou no passado. A tendência de olhar para o ser humano como uma “máquina que precisa ser consertada”, e a falta de expectativas positivas em relação ao ser humano. O que prejudica o processo de evolução do mesmo. Mais uma vez, citando Frankl: “se olhamos para o ser humano como ele é, fazemos dele alguém pior. Precisamos olhar o seu potencial, para que ele seja o que pode vir a ser…”

(En)Cena – Atualmente, quais teóricos do cenário internacional vem tocando os estudos em Logoterapia?

Alberto Nery – Estive no último Congresso Mundial de Logoterapia em Moscou, e fiquei animado com o que vi. Muitos teóricos ao redor do mundo levando a Logoterapia adiante. Não daria para citar todos aqui, mas os que me chamaram mais a atenção foram: Dr. Carl Becker (um americano radicado no Japão), Dr. Haddon Klingberg (EUA), Dr. Geronimo Acevedo (um dos pioneiros na América Latina) e o Dr. Marshall Lewis (EUA). Fora isso temos o Dr. Alexander Bathyanny que dirige o Instituto Viktor Frankl de Viena. Mas obviamente estou simplificando aqui, pois há muitas pessoas desenvolvendo a Logoterapia no mundo atualmente.

(En)Cena –  Por que muitos psicólogos ainda não conseguem compreender a interface entre a Psicologia e a Espiritualidade? Há uma diferença substancial entre Espiritualidade e Religião, sim?

Alberto Nery – Eu diria que o problema é que os psicólogos, de maneira geral, sequer têm a oportunidade de estudar o tema nos diferentes programas de graduação e pós-graduação. Como não há espaço para este assunto, então a maioria dos psicólogos não está preparada para lidar com o mesmo. Em alguns casos ainda se ensina que espiritualidade ou religiosidade não é um assunto que deva ser tratado na clínica, isso é um absurdo dado que mais de 90% da população brasileira se classifica como religiosa em algum grau.

Então o que temos na verdade, é uma falta de oportunidades para se ensinar e discutir o assunto. Por outro lado, sempre que o tema é trazido à tona, pelo menos da parte dos estudantes em psicologia, o interesse é grande. Na Universidade de São Paulo, por exemplo, nós temos vários grupos de estudos voltados para essa psicologia religião espiritualidade. Há mais de 30 anos o professor Geraldo Paiva desenvolve essa área, e mais recentemente o professor Wellington Zangari tem promovido o estudo da psicologia da religião e espiritualidade e liderado esses grupos.

Meu orientador, o Dr. Esdras Vasconcellos, pioneiro no estudo e ensino do stress no Brasil, é outro representante da Psicologia na USP que abre o caminho para o estudo da Religiosidade e da Espiritualidade sob a perspectiva da Psicologia da Saúde, tanto em suas aulas como nas dissertações e teses que orienta. Além disso temos a presença do Professor Francisco Lotufo, uma das referências na área, lecionando regularmente no Instituo de Psicologia da USP.

Certamente, hoje no Brasil, a Universidade de São Paulo é um dos lugares mais abertos a esse tipo de estudo. Mesmo sendo uma universidade laica. Creio que isso já está ajudando a mudar esse cenário. Quanto a diferença entre religiosidade e espiritualidade, entendemos que sim, ela existe. E de maneira bem simplificada diríamos que a religião é um sistema de crenças e práticas mais formalizado, ela é a forma, é como a religiosidade se mostra em boa parte dos casos. Já a espiritualidade, tem mais a ver com o conteúdo, com a atitude daquele que crê em algo ou alguém. Não é necessariamente formalizada ou institucionalizada. A espiritualidade pode acontecer na religião ou fora dela basicamente. Essa seria uma das diferenças fundamentais.

(En)Cena –  Quase sempre um bom profissional de Psicologia não fica circunscrito apenas a esta área de saber. É comum ter psicólogos que também se graduam e/ou se especializam em Filosofia, Sociologia, Teologia, Pedagogia e Neurociência, só para citar alguns exemplos. Quais suas outras áreas de interesse/pesquisa? Por quê?

Alberto Nery – No meu caso as áreas de interesse são múltiplas. Minha primeira formação foi em teologia e trabalhei dentro dessa área por quase 15 anos. Ainda hoje é um dos meus grandes interesses em termos de leituras e estudos pessoais. No entanto filosofia também ocupa um lugar importante.  Até porque, a meu ver, é impossível compreendermos o indivíduo contemporâneo sem estudar filosofia e também a sociologia.

Como estou na área do ensino, a pedagogia também faz parte dos meus interesses, não tem como fugir. E das Neurociências nós não podemos escapar, uma vez que ela é parte importante da psicologia. Enfim acho que eu me enquadro no cenário que você descreveu… Assim como muitos outros psicólogos. Nós pertencemos a uma área que nos permite esse olhar múltiplo e colocar isso em prática é essencial. Em termos práticos e de pesquisa tenho estudado principalmente a psicologia da religião, a psicologia da saúde e a psicologia clínica. Minhas pesquisas e estudos estão praticamente todos dentro dessas áreas de abrangência e principalmente, nas zonas de intersecção entre elas.

(En)Cena – O senhor está à frente do Instituto de Psicologia e Logoterapia, em São Paulo, e tem uma forte presença nas redes sociais, com a divulgação das ideias de Frankl. Já há formação on-line oferecida pelo instituto? Em que pé se encontra?

Alberto Nery – O IPLOGO (Instituto de Psicologia e Logoterapia) é o Instituto que eu criei. É uma ideia relativamente nova, que surgiu com o primeiro curso livre de Logoterapia que ministrei em 2017. Desde 2018, iniciei um curso de formação presencial com duas turmas. Na medida em que comecei a divulgar o meu curso e o trabalho do meu Instituto, principalmente através do meu Instagram @logoterapiabr, foi surpreendente o fato de que a grande maioria das pessoas que me procuravam e procuram, são de outros lugares e apresentam uma demanda de uma formação em cursos on-line.

Em função disso no momento estou trabalhando para dar o curso presencial ao modelo Ead. Em agosto abrirei inscrições para a primeira turma de formação em Logoterapia on-line do Brasil. A expectativa que tenho é a de conseguir atingir um número de pessoas que não teria acesso a uma formação em Logoterapia de outra forma. Vale lembrar que iniciativas dessa natureza já são realizadas com sucesso nos Estados Unidos e na Austrália.

(En)Cena –  O senhor também tem uma carreira na docência do ensino superior. Como é conciliar a clínica com a docência?

Alberto Nery – Sim, eu também leciono em um curso de graduação em psicologia no Unasp-SP, e realmente a conciliação da clínica com a docência é um desafio, uma vez que ambas exigem bastante da gente. Por outro lado, a docência nos obriga a estarmos em constante atualização e estudando sempre, o que acaba tendo um impacto positivo na clínica, uma vez que estamos sempre bem preparados. Mas o grande desafio, creio que seja a questão do tempo disponível. Então acabamos fazendo alguns malabarismos para dar conta de ambas as atividades

(En)Cena –  O que mais gostaria de destacar?

Alberto Nery – Gostaria de destacar, que a meu ver, embora com algumas décadas de atraso, finalmente a Logoterapia está encontrando seu lugar na psicologia brasileira. Vejo iniciativas em diferentes lugares, e vejo principalmente o grande interesse dos psicólogos no assunto. Isso é muito importante, porque trata-se, a meu ver, da teoria mais adequada para compreensão do indivíduo contemporâneo.

E, além disso, é uma teoria que pode ser estudada em conjunto, em paralelo com outras. Sendo assim, o conhecimento da Logoterapia só acrescenta em termos de teoria e prática para os psicólogos, ainda que eles sejam de diferentes abordagens. Então, creio que nos próximos anos, ouviremos falar cada vez mais sobre a Logoterapia e teremos cada vez mais logoterapeutas atuando no Brasil. Particularmente, tomei isso como uma missão pessoal e tenho me esforçado para que o cenário mude. Não tenho dúvidas de que isso irá acontecer. Obrigado pela oportunidade de falar da Logoterapia aos alunos da ULBRA.

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Sobrecarga de estímulos e sede de sucesso minam a condição humana, diz psiquiatra

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Lincoln  Almeida reflete sobre o panorama da saúde mental e os crescentes casos de doenças autoimunes

Em entrevista para o (En)Cena, o médico psiquiatra Lincoln José Cueto de Almeida, que também tem experiência na docência do ensino superior,  aborda os riscos da falta de aprofundamento da Psiquiatria nas questões que verdadeiramente afligem as pessoas, para além da medicalização. Com uma visão acurada, Lincoln traz um panorama amplo sobre temas como saúde mental, pós-humano, trans-humanismo, psicanálise e psicologia. E aborda que o excesso de desejos e ausência de paz são questões para serem levadas em consideração por aqueles que buscam minimizar o sofrimento.

O psiquiatra tem pós-graduação pela Universidade Complutense de Madrid-Espanha e Servizio di Saluti Mentale de Trieste-Itália – este último, berço da reforma psiquiátrica no mundo; é especialista em psiquiatria pela AMB e ABP, além de mestre em Ciências da Saúde pela Universidade de Brasília. No mais, é ex-professor de psicopatologia e psicofarmacologia no curso de Psicologia do CEULP/ULBRA, e aluno do curso de pós-graduação em Esquizoanálise, Esquizodrama e análise institucional pela Fundação Gregório Barenblitt. Lincoln também é autor do livro Entre Borboletas e Salmões (2009).

Confira, abaixo, a integra da entrevista.

(En)Cena –  O filósofo Byung-Chul Han destaca que, hoje, o drama humano não é mais os vírus e bactérias, mas sim as demandas de ordem neuronais. Como a Psiquiatria encara este momento?

Lincoln Almeida – Há cerca de dois anos tive o privilégio de ler o ‘pequeno-grande’ livro de Byung-Chul Han, ‘A Sociedade do Cansaço’. Junto a ele, outras obras como ‘Sapiens’ e ‘Homo Deus’ ajudaram a tornar claro o que há muito vinha se construindo em mim de forma nebulosa e intuitiva, isto é, a certeza visceral de que há um processo de mutação transformando a essência do que significa ‘Ser Humano’. Uma mudança sem precedentes na História, tão intensa que concordo plenamente com Harari (Sapiens e Homo Deus) quando afirma estarmos numa verdadeira encruzilhada civilizatória com grandes riscos de deixarmos, em décadas, de sermos humanos para nos transformarmos em outra espécie: pós-humana, trans-humana ou super-humana…

Não temos mais, segundo Byung-Chul Han, inimigos externos que nos ameaçam maciçamente como foi em outras épocas: bactérias, vírus, epidemias de fome, guerras, impérios totalitários etc., (claro que tudo isso ainda existe, mas são focos espalhados, longe de se constituírem a regra). A esse modo anterior de funcionamento ele denominou “Paradigma Imunológico”, ou seja, diante de um inimigo, o sujeito se arma, protesta, se defende e luta; seja essa ameaça uma bactéria ou um soldado. Todavia, no mundo atual globalizado, supostamente já no controle dos flagelos externos, o indivíduo tem agora um excesso de cargas internas (positivismo) que engendra um modo de funcionamento a que o autor chamou de “Paradigma Neurológico”. Neste, se insere um indivíduo sobrecarregado de estímulos, sedento por sucesso, por consumir tudo o que for possível, por se parecer com aquilo que a Civilização do Espetáculo (Mário Vargas Llosa) determina como sendo o protótipo da normalidade contemporânea. A avidez pela prosperidade, assim como a obsessão pelo desempenho é tão grande que se fracassar, sobrevém uma significativa sensação de culpa. É um indivíduo que dorme mal, toma estimulantes, vive estressado, irritado e vazio, tendo a solidão e a exaustão como características marcantes. Sofre de um total enlouquecimento do sistema imunológico que não consegue mais reconhecer o que é uma ameaça externa daquilo que faz parte dele mesmo, passando confusamente a atacar o próprio sujeito, física ou mentalmente. Nunca se teve como agora no século XXI tantas enfermidades autoimunes, crônicas e transtornos mentais em escalada crescente.

Doenças como a esclerose múltipla, o lúpus, cardiopatias, câncer, diabetes, depressão, autismo, déficit de atenção, burnout, entre outras, são a tradução do excesso de positivismo, – na linguagem do autor -, provocando o sistema de defesa a atacar o próprio corpo ou a própria mente, crendo que esteja protegendo o organismo de uma ameaça qualquer. Como fala Byung-Chul Han: “O indivíduo é agressor e vítima ao mesmo tempo”. Já Harari, mesmo não abordando desta forma o tema, mostra que nosso genoma ainda é o mesmo de dezenas de milhares de anos atrás, sendo totalmente inadaptado à avalanche de mudanças velozes da nossa civilização: alimentação, ingestão maciça de remédios, agrotóxicos, antibióticos, hormônios, substâncias geneticamente modificadas, estressores sociais, excesso tecnológico, entre outros; o que, em última análise, leva a situação para o mesmo campo: mudanças imensas e velozes não acompanhadas pelos registros biológicos e psicológicos, fazendo enlouquecer os sistemas defensivos orgânicos… Sobre isso, entretanto, creio que a Psiquiatria parece se comprometer ou argumentar muito pouco, pois continua fixada em sua marcha transloucada para descobrir nomes modernos de transtornos, padronização e medicalização de comportamentos. Com isso, não soma, mas subtrai ainda mais da imensa riqueza da subjetividade humana, transformando enfrentamentos existenciais em nomes complexos e fabricando remédios para tratar doenças que ela mesma nomeia. E o que é mais curioso, ao invés dessas supostas doenças diminuírem, elas só aumentam progressivamente.

Os modernos e eficazes remédios não fazem desaparecer ou diminuir, por exemplo, a depressão, pois ela só tem aumentado em escala global. Seria talvez como fazer uma analogia entre a varíola e sua vacina, isto é, quanto mais aperfeiçoada e combativa a vacina, mais casos de varíola iam surgindo no mundo! Obviamente esse raciocínio é absolutamente impossível, já que a eficiência da vacina é medida pela diminuição ou extinção das doenças que combatem! O mesmo pensamento valeria para as cardiopatias, diabetes, hipertensão etc., que só têm aumentado ao invés de diminuírem. Trata-se de um assunto, não obstante, longo e polêmico que não teria como ser aprofundado aqui. Mas, sinceramente, não vejo um comprometimento da Psiquiatria, enquanto campo do saber, em construir pontes, fazer a correlação entre o que acontece com o sujeito (novos sintomas/patologias) e as formas dele estar no mundo.

Ela ainda busca se legitimar como ciência médica, entranhada agora num conluio com a bilionária indústria farmacêutica, criando diagnósticos e patologizando o cotidiano. Talvez seja, junto com o processo de imbecilização que vivemos, o arauto desse novo ser que citei anteriormente, pautado pela des-humanização ou trans-humanização, fundido ao aço frio da robótica, à plasticidade do silicone e ao domínio absoluto da Inteligência Artificial. A Psiquiatria, de maneira geral, está ocupada em tratar sintomas e não mais pensar o humano nas suas complexas dimensões. Consegue trazer alívio a muitas vidas, sem dúvidas, mas a um preço cada vez mais alto, caso o uso desses remédios siga excessivo e absurdo como tenho visto.

(En)Cena – Até certo tempo, a Psiquiatria estava – de alguma maneira e no campo da intervenção terapêutica – atrelada às epistemologias da Psicologia, com ênfase nas teses da Psicologia Analítica e das Ciências Comportamentais e, claro, da própria Psicanálise. Este panorama se alterou?

Lincoln Almeida –  Claro, mudou muito. Todo o atrelamento da visão terapêutica ainda visava compreender o humano como um todo em suas dimensões biológicas, psíquicas e sócio espirituais. Não é mais o que vemos no mundo líquido de Bauman, consumista e vazio de sentido, onde só há espaço para o alívio rápido. Não há tempo dentro do sujeito, não há tempo fora do sujeito (família, trabalho), não há tempo no profissional que também sofre um processo de coisificação, pois ele experimenta de igual maneira, em sua pele, toda a pressa contemporânea, sendo sua competência medida apenas pela eficiência das drogas que aliviam o paciente. Uma sociedade, portanto, que prima pelo Desempenho (Byung-Chul Han). Não penso ter sido a Psiquiatria que se empobreceu, mas o humano que se deixou levar pela imposição de desejos fantasiosos, infinitos e supérfluos por tudo aquilo pode ser consumido insaciavelmente. Gilles Kepel, no livro ‘A Revanche de Deus’ denuncia essa derrocada cosmopolita das utopias terrenas e das consequências catastróficas de desamparo e vazio na alma.

(En)Cena – Melanie Klein defende que quem come da árvore do conhecimento será expulso, impreterivelmente, de algum paraíso. Diante de uma sociedade marcada pela informação, estamos todos condenados ao sofrimento psíquico?

Lincoln Almeida –  Não penso exatamente assim. Melanie Klein falava mais da perda do Paraíso quando alguém se dá conta de si, quando toma da árvore da ciência este conhecimento. E isso se trata de um momento de crise, ou seja, da falência de algum modelo construído pelo sujeito, ao mesmo tempo em que há uma obscuridade no seu porvir… É um momento de dor, de limbo, de desterritorialização, mas também de grande potencial de crescimento e mudança. Este conhecimento de que Klein fala é a dor da visão, da compreensão, do insight.

Bem, nesse sentido penso ser o contrário do que vivemos hoje. A informação da qual você se refere, ao meu ver, nada oferece de conhecimento profundo, ao contrário, ela ludibria (pelo excesso e superficialidade) a capacidade de se conhecer e se reconhecer. O processo de conhecimento exige tempo, repetição, investimento, entrega e coragem, ou seja, tudo aquilo que é desprezado hoje em dia na cultura do imediatismo e do espetáculo; da imagem no lugar da palavra; das notícias fugazes das redes sociais em detrimento da análise dos fatos e seus contraditórios. Não há espaços para o insight, só para o entorpecimento dos sentidos. Outro dia enquanto assistia o filme Dumbo de Tim Burton, vi na fileira da frente uma mulher que passou o filme todo fixada na tela de seu celular, ora filmando Dumbo, ora visitando fotos intermináveis em redes sociais e publicando recortes do que filmava… Será que ela sabia em que filme estava? O que foi apreendido e sentido efetivamente por ela da história de Dumbo? Essa é a nossa realidade atual, não há espaço para a degustação lenta do processo do conhecimento, só imagens e textos rápidos que passam e nada deixam, a não ser o cansaço e o mal-estar que logo se transformam em ansiedade impulsionando o sujeito a buscar mais de algo que ele sequer sabe do que se trata.

A tecnologia traz avanços fantásticos na qualidade e expectativa de vida, na cognição pragmática, sem dúvidas, mas produz um ônus terrível e, talvez, fatal à nossa espécie: o excesso de estímulos, o vazio, o nada, o previsível, o distanciamento e até a aniquilação do humano. Forja almas consumidas em repetições fugazes, explodidas, suicidas, imediatistas, solitárias, drogadas… É um preço alto que pagamos, alto demais, eu penso.

(En)Cena – Como foi sua experiência com Saúde Mental na Itália?

Lincoln Almeida – Foi linda. Lá pude viver, em Trieste, um gueto de resistência contra a coisificação. Berço da Reforma Psiquiátrica no mundo (Lei 180 de 1978 – Lei Basagliana), tentou utopicamente (uma utopia criativa) resgatar o potencial humano para além dos sintomas, do controle diagnóstico e terapêutico. Foi uma experiência que frutificou no mundo todo, mas que hoje decaiu, pois cada vez menos há espaço para sermos humanos. Vivemos ainda na ilusão de combater às drogas, no sentido mais militar do termo. Estamos, como disse, vivendo uma era de homogeneização e coisificação. Mas, creio que ainda temos chance de mudar, aproveitando o que a tecnologia nos dá de melhor e alterarmos o rumo dessa crise civilizatória, nos agarrando ao humano que ainda somos.

Em Trieste pude entender porque coube numa especialidade médica o termo antipsiquiatria (Laing e Cooper). Será possível imaginarmos termos como ‘anticardiologia’ ou ‘antipediatria’? Claro que não. Negar que o coração ou que a infância respectivamente existam é impossível, pois são fatos mensuráveis, palpáveis, visíveis, auscultáveis… Mas, com as chamadas doenças mentais, foi possível construir toda uma corrente filosófica muito bem embasada que negou a enfermidade mental, colocando-a como uma criação surgida, dentre outras razões, nas relações de poder entre oprimidos e opressores (M. Foucault, Thomas Szasz etc…). Não entrarei nessa dialética agora, isso é papo pra outra hora…

(En)Cena – Qual sua abordagem teórica preferida, na Psicologia?

Lincoln Almeida – Na realidade acho o termo Psicologia inadequado, pois sendo no singular, pressupõe existir uma única Psicologia. Mas, claro que não é. São Psicologias! Várias escolas, tendências e métodos pra todo gosto dentro da diversidade do humano. A meu ver não existe ainda construção teórica mais profunda e abrangente do que a Psicanálise. Como corpo teórico que trata da formação do aparelho psíquico, nada a suplantou e, digo mais, ainda é para a posteridade. A genialidade de Freud ainda é para o futuro. Já, como método, podemos dizer que além de ter se tornado elitista, não encontra ressonância nos dias atuais em uma cultura que prima pela superficialidade, controle e alívio imediato dos sintomas.

A adequação de psicoterapias como a Psicanálise se faz cada vez mais necessária em todos os sentidos, e, como diria o psicanalista Joel Birmam, já não cabe mais ficar procurando o sujeito oculto causador de conflitos. Cabe agora à Psicanálise uma dimensão estética e ética. Isto é: ajudar o indivíduo e ser quem ele é, e que ele aceite os outros como os outros são.

Freud viveu e pensou dentro de uma época vitoriana e assim aplicou uma metodologia própria àquela sociedade burguesa e reprimida. Mas, assim como Da Vinci, Galileu, Cristo, Buda em suas respectivas épocas, nada, no contexto temporal de suas construções teóricas ou filosóficas, tira a enorme envergadura que representam para a humanidade.

(En)Cena – Em sua opinião, o que levou a este boom de problemas psicológicos na contemporaneidade?

Lincoln Almeida – Muita coisa: a falência das utopias terrenas, principalmente a do modelo econômico neoliberal; do comunismo enquanto projeto político mundial; o descortinamento de dogmas religiosos que vieram por terra com a tecnologia; a velocidade extrema das mudanças trazidas pelo universo virtual; o consumismo excessivo como a grande religião do momento; a migração dos excluídos e colonizados do mundo para os países de primeiro mundo (a africanização e islamização da Europa, a latinização dos Estados Unidos…), além da falência do paradigma científico que prometia resolver os principais problemas da humanidade…

Não posso me esquecer aqui da mãozinha que a Psiquiatria tem dado. À medida que privilegia sintomas como sendo doenças, favoreceu os chacais das multinacionais farmacêuticas a patrocinarem pesquisas para venderem mais e mais remédios. Com isso foram unificadas as classificações diagnósticas e quase todo comportamento humano que fuja de uma normatização estabelecida tem nome de doença, a ponto de Allem Frances, um dos idealizadores do DSM 5 (Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais – 5a edição) denunciar o abuso e excesso de diagnósticos em seu livro ‘Diagnóstico Psiquiátrico’. Apenas por curiosidade, cito aqui dois exemplos: descobriu-se há anos um remédio chamado Bupropriona (batizado inicialmente de Wellbutrin) para depressão. Notou-se, entretanto, que muitas pessoas usando esse remédio perdiam a vontade de fumar. Os fabricantes pegaram o mesmo remédio e, bingo! Deram a ele outro nome (Zybam) que passou a ser vendido para tratamento do tabagismo. Toda uma mídia milionária foi direcionada a isso, praticamente incutindo no ideário das pessoas que se tratava de dois remédios distintos para uso distintos. Com isso as vendas foram multiplicadas.

Outro exemplo: na França existiam ‘menos’ esquizofrênicos que nos Estados Unidos. Não por questões estatísticas, mas porque a França era muito mais tolerante com os sintomas e enquadravam os pacientes em várias outras categorias diagnósticas, reservando a esquizofrenia para um composto sintomático em especial. Já, nos EUA, não havia esta distinção e quase tudo que era psicótico, diagnosticado como esquizofrenia. Com a unificação diagnóstica do CID 10 (Código Internacional da Doenças – 10a ed.) e do DSM, voilá! O índice de esquizofrenia no mundo passou a ser de 1% da população e não se fala mais nisso. Ficaram mais fáceis as pesquisas unificadas e a indústria farmacêutica passou a vender muito mais. Mas, e como se mudou o diagnóstico? Bem, um grupo altamente seleto se reúne em algum lugar do planeta de tempos em tempos e diz: ‘Isso aqui é doença, isso aqui não é.’ Por votação, a maioria vence! Sim, assim são construídos os diagnósticos em psiquiatria a grosso modo. Esses exemplos não se tratam de teorias da conspiração, mas de uma consequência natural de um mundo que não consegue ser regido por nada que não seja a lógica do lucro acima de tudo e de todos. Pra quem se interessar recomendo ler: ‘A verdade Sobre os Laboratórios Farmacêuticos’ de Marcia Angell e ‘A Anatomia de Uma Epidemia’ de Robert Whitaker.

(En)Cena – Como está a sua atuação clínica em Palmas?

Lincoln Almeida – Procurando ser coerente com aquilo que creio, dentro dessa forte e gigantesca onda que ameaça tombar o navio humano, numa tempestade silenciosa e sem armas, como nunca vista na História. A prescrição de remédios é conveniente e muito bem-vinda em várias situações, e, para algumas pessoas, é a única coisa que as alivia. Porém, as medicações quando indicadas, não devem ser a finalidade única de um tratamento, uma vez que remédio não trabalha a dinâmica psíquica e não muda ninguém, muda sim a vida da pessoa, para o ‘bem’ ou para o ‘mal’. Além disso, por remédios, não deve se entender apenas a química da droga, pois o conceito é muito mais amplo e nos arremete à Grécia antiga: Pharmakon.

Trata-se da interação do sujeito que prescreve e daquilo que é prescrito, podendo ser qualquer coisa que traga alívio, mudança ou cura. Remédio pode ser psicoterapia, yoga, meditação, espiritualidade, amor, compaixão… O que sim tem se tornado cada vez mais complexo e angustiante é que as pessoas não têm mais espaço para se questionarem, para falar e ouvir.

Querem mudanças mágicas e rápidas. Muitos que buscam ajuda, mal sabem por que estão diante do profissional e pouco querem saber de si mesmo. Querem apenas alívio. Essa é a onda que varre lenta e, talvez irremediavelmente nossa espécie: transformar-se em outra coisa, sem contradições, paradoxos poesia ou qualquer outra forma de dor, incluindo o amor; regida não mais pelo registro da natureza, como já fomos um dia, mas por uma nova forma de inteligência, meio bicho, meio máquina.

(En)Cena – Qual a sua dica para os estudantes e/ou jovens profissionais de Psicologia, na práxis da profissão?

Lincoln Almeida – É difícil generalizar uma resposta, pois, dentro do plural da Psicologia, cada um encontrará a linguagem que melhor se sentir e se adequar. Mas, seja qual for a linha adotada, jamais se esqueça da humanidade que ainda há dentro de cada um e daquele com que você irá interagir, sejam pacientes, clientes, colaboradores, alunos etc. A profissão deve ser pautada pela ética, coerência, idoneidade e respeito. Ainda não há outra profissão mais voltada para o humano que a Psicologia. Não tenha medo de estudar a fundo outras linhas e formas de pensar. Isso só enriquece o capital de conhecimento e promove o estabelecimento de conceitos, principalmente quando se deixa de lado dogmas e crenças que não se devem misturar à prática profissional.

(En)Cena – É possível alcançar um equilíbrio mental ou, de fato, a vida é marcada por uma sazonalidade e uma intermitência desmedida?

Lincoln Almeida – O filósofo italiano Michele Federico Sciacca fala: L’uomo questo squilibrato (O homem, este desiquilibrado). Ou seja, a tendência ao desiquilíbrio é uma constante no coração humano, parecendo sempre estar à espreita, levando o sujeito a se entregar às demandas pulsionais e aos desejos sempre insaciáveis. Ou ainda, como diria o poeta do século XIX Adelmar Tavares: “Nossa alma é uma criança, que nunca sabe o que faz. Quer tudo que não alcança, quando alcança, não quer mais.”

Parece-me, de fato, que a busca por equilíbrio é permanente em nossa vida, pois assim que é alcançado, qualquer acontecimento pode fazer com que seja perdido. Tudo é impermanente. Tudo passa, tudo se esvai. Daí penso que o estado interior mais importante a ser alcançado é a paz. Podemos ter saúde, mas não ter paz; podemos ter felicidade e não ter paz; dinheiro, poder, conquista e tudo mais, sem paz. Mas, tendo paz, tudo mais pode coexistir.

(En)Cena – O que mais gostaria de abordar?

Lincoln Almeida – Sei que pareci pessimista em minhas respostas, mas não se trata de pessimismo, pois é uma realidade factual tudo isso que estamos vivendo. Já transcendi a briga interna entre: isso é bom ou ruim? Certo ou errado? Vivo outra fase onde busco apenas o que é essencial para a vida, procurando eliminar o que distrai e desvia. Busco relatividade e leveza.

Acho que a tecnologia tem vertentes fantásticas e maravilhosas, mas ela deve estar sob nosso controle, pois é também demoníaca e fatal, a medida em que pode assumir o controle sobre nós e corroer as únicas coisas que nos fazem verdadeiramente humanos: afetos, crenças, sonhos, partilhas, encontros e utopias. Fora disso seremos apenas animais cibernéticos regidos por algoritmos. Isto está para além do bem e do mal, parecendo estar mais para o risco de simplesmente varrer a humanidade de uma forma silenciosa e não bélica. Não sei o que será do mundo, mas quem o sabe? Sei que vejo, como nunca antes, pessoas se suicidando por falta de sentido ou por não suportarem limites; pessoas se drogando mais e mais por um buraco negro e fundo em suas almas; pessoas procurando ajuda nos consultórios, mas tendo cada vez menos queixas palpáveis, se referindo apenas a ‘coisas inominadas’: estresse intenso, vazio, cansaço, irritação, insônia… Com isso, só desejando alívio a todo custo. Vejo pessoas trabalhando loucamente (gastando seus preciosos tempos de vida) para poderem comprar cada vez mais, sem se perguntarem se aquilo que desejam importa mesmo pra ela ou pra sua família; vejo pessoas correndo mais e mais, sem terem de fato pra onde ir ou sabendo onde querem chegar…

Buscar alternativas que promovam a paz interior penso que, no mundo como está, seja o principal caminho a trilhar. Como se faz isso? Talvez desejando menos, suportando mais, priorizando o que de fato é fundamental, abrindo mão daquilo que não seja necessário… Não sei, cada um deve escolher qual o melhor caminho, focá-lo e trilhá-lo. O que as pessoas precisam é ressignificar suas vidas e não apenas se drogarem com os arsenais lícitos e ilícitos existentes em abundância; ou ainda, receberem carimbos de bipolaridade ou déficit de atenção e, passivamente, permitirem que eles passem a definir suas existências. Sou sim, após muitos anos, como psiquiatra e psicoterapeuta, um crítico, não da Psiquiatria, mas do que ela se tornou.

Creio e sou apaixonado na capacidade humana de dar a volta por cima, ainda que muitas vezes só se consiga fazer isso aos quarenta e cinco minutos do segundo tempo, rompendo com qualquer prisão e engessamento empobrecedor; encanto-me ainda com o Ser, mesmo que agora, anestesiado, se lance descuidado ao mar bravio dos códigos binários de Matrix e se distancie perigosamente das praias azul-turquesa do Amor Feinho de Adélia Prado.

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Uma infância diferente que precisa ser entendida

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A infância na contemporaneidade é muito diferente da de outrora, essa diferença de certa forma dificulta a interação dos adultos com as crianças, pois os adultos projetam suas infâncias onde brincavam nas ruas com muitas outras crianças, geralmente com pés descalços, se sujando e com muita interação social, como a infância ideal.

Essa idealização faz com que as crianças da atualidade sejam vistas de forma errada, causando até mesmo diagnósticos psiquiátricos errôneos, pois não levam em consideração a atual infância e sim a ideia de uma que hoje seria quase impossível existir.

As crianças hoje não vivem de maneira tão livre como antigamente, não passam mais horas diárias brincando na rua com os vizinhos, uma vez que essa atividade agora é vista como muito perigosa e de fato não se pode mais deixar os filhos na vizinhança sem vigilância pois o mundo não é mais tão seguro como antigamente.

Fonte: https://bit.ly/2DFEc9U

Dessa forma, o jovem que está com seu desenvolvimento tanto psicológico, físico e social a todo o vapor, acaba tendo um contato muito menor com a sociedade em comparação com as crianças de uma geração não muito distante. Portanto são muito mais influenciados por meios de comunicação que têm contato na segurança de sua casa, assim muitas crianças hoje são bombardeadas pela mídia por todo o lado e não sabem o que fazer com tanta informação.

O que é preocupante nesse cenário é que, tanto essa idealização que os adultos têm da infância, quanto esse contato reduzido com o outro e aumentado com a mídia podem acabar adoecendo as crianças. Dados publicados no jornal de Brasília neste ano de 2018, porém coletados em 2015 apontam que o suicídio de crianças e jovens de 10 à 14 no Brasil cresceu alarmantes 65%.

Para que esse quadro volte a diminuir teríamos que diluir o saudosismo que existe com o modelo de infância antigo, pois esse muitas vezes ao levar a diagnósticos errados faz com crianças em plena formação física e psíquica, comecem a tomar remédios pesados que causam dependência e também dificulta o desenvolvimento, principalmente o cognitivo, assim podendo levar esse indivíduo a desenvolver algumas doenças psíquicas e em casos extremos o colocar nas estatísticas apresentadas no parágrafo anterior.

Outra forma que se apresenta para que essas crianças não sejam erradamente vistas como doentes ou facilmente manipuladas pelas mídias é a educação, onde escola e pais teriam que pressupor que os pequenos não são tão ingênuos como eram antigamente e dessa formar tentar manter sempre uma relação mais horizontal onde o jovem também tem voz, assim desenvolvendo o relacionamento interpessoal deste tanto em casa quanto na instituição de ensino.

Fonte: https://eonli.ne/2Iq4oUZ

Se mesmo após todo este cuidado a mais que agora é necessário ter com a criança ela ainda for diagnosticada por uma equipe multidisciplinar com algum problema, nesse ponto sim se deve falar de tratamentos seja ele com ou sem medicamentos. Lembrando que os pais podem apenas querer que a criança tenha um acompanhamento profissional mesmo sem diagnostico, por prevenção ou qualidade de vida.

Por se tratar de crianças, ou seja, pessoas que ainda não possuem uma capacidade de expressão muito desenvolvida e que tampouco tem uma noção de que está indo a um psicólogo para falar sobre seus problemas, o lúdico é bastante utilizado no tratamento, pois nas brincadeiras e jogos eles recriam sua realidade para que assim essa possa ser analisada. A presença de ao menos um cuidador é necessária no começo do tratamento, variando de paciente a paciente o cuidador pode ser retirado do ambiente terapêutico com o tempo ou continuar acompanhando o tratamento.

Em grande parte dos casos o acompanhamento terapêutico ajuda tanto a criança tida como problemática a melhorar, quanto a desenvolver ainda mais uma criança que vai à terapia apenas por prevenção. Também existe casos de famílias que têm demasiada preocupação e que acabam cobrando muito de crianças, essa exacerbação tanto na preocupação quanto na cobrança faz com que as crianças se afastem dos familiares e por isso muito dos psicólogos ao tratar de crianças preferem utilizar a terapia familiar.

Fonte: https://bit.ly/2R8ItWd

Há alguns projetos que são especializados no tratamento psíquico na infância, como por exemplo o Centro de atenção psicossocial infanto juvenil (CAPSI) que está presente em várias cidades brasileiras e presta atendimento ambulatorial, individual e em grupo a crianças e adolescentes com transtornos psíquicos, como por exemplo transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), transtornos de ansiedade, transtornos de conduta, transtornos de tique, transtorno de humor, psicoses, autismo e gagueira.

Os atendimentos prestados no CAPSi têm a presença de profissionais das seguintes áreas psicologia, fonoaudiologia, serviço social, neuropsicológica, neurologia, psiquiatria infantil, clínica geral e terapia ocupacional, tudo isso para se ter o melhor atendimento possível.

Fora os atendimentos feitos por esses profissionais uma coisa que chama atenção também no CAPSi é que em muitos deles são oferecidas diversas oficinas para incluir os jovens, algumas delas são de leitura, arte, atividade musical, de criatividade e várias outras, que ajudam muito essas crianças a serem estimuladas.

Pensando assim é necessário que os pais ou cuidadores procurem sempre mais de uma opinião de especialistas antes de passarem a medicar seus filhos, pois o mesmo pode ter grande perca no desenvolvimento cognitivo se ingerir uma medicação indevida.

Fonte: https://bit.ly/2xLcNyc

Além disso fica claro que para cuidar da saúde mental da criança é necessário, entender que a infância já não é a mesma que era pouco tempo atrás, que crianças precisam de alguma forma segura ter contato com outras crianças para aprender a socializar, também é preciso ter o conhecimento de que as elas já não são ingênuas como eram antigamente e por isso, mais do que nunca, precisam ser ouvidas e entendidas.

 

Referências:

http://www.saude.go.gov.br/?unidades=centro-de-atencao-psicossocial-e-infanto-juvenil-capsi,

https://www.holiste.com.br/saude-mental-infancia-adolescencia/, www.jornaldebrasilia.com.br/cidades/suicidio-cresce-o-numero-de-mortes-de-criancas-e-adolescentes/,

http://www.revistaeducacao.com.br/a-crianca-contemporanea/.

 

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Livraria Leitura recebe evento de estudantes do Ceulp

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Encontro contará com professores do Ceulp/Ulbra e UFT

Ocorrerá no dia 11 de setembro de 2018, às 19h na Livraria Leitura de Palmas, o evento “Leituras Contemporâneas” organizado pelos acadêmicos da disciplina Sociedade e Contemporaneidade, ministrada pelo Prof. Esp. Sonielson Luciano de Sousa, do Ceulp/Ulbra. Neste primeiro evento, o enfoque será para a área de Humanas e Psicologia.

Para participar da ação, que contará com palestra seguida de bate-papo, serão convidados professores do Ceulp/Ulbra e da Universidade Federal do Tocantins (UFT). Eles irão intervir a partir da indicação de um livro. O primeiro tema é sobre “empregabilidade” e o evento será gratuito e aberto ao público, valendo hora-atividade para acadêmicos.

Fonte: https://bit.ly/2ONh1Mo

Sonielson Luciano de Sousa é filósofo (UCB), mestrando em Comunicação e Sociedade (UFT), bacharel em Comunicação Social (Publicidade – Ceulp/Ulbra), pós-graduado em Educação, Comunicação e Novas Tecnologias; é sócio-fundador do jornal e site O GIRASSOL (desde 1999). Atualmente é professor universitário no Ceulp/Ulbra nas disciplinas de Filosofia, Antropologia, Sociedade e Contemporaneidade, além de editor do Portal EnCena.

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#CAOS2018: Atuação do Psicólogo a partir de Tecnologias Sociais é tema de minicurso

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O minicurso é parte da programação do CAOS 2018 que acontece no Ceulp até o dia 25 de maio.

Ocorreu na tarde dessa terça-feira (22) nas dependências do CEULP/ULBRA, o minicurso “A atuação do Psicólogo a partir de Tecnologias Sociais” como parte da programação do Congresso Acadêmico de Saberes em Psicologia – CAOS 2018.  A mediadora Viviane Paiva é Psicologa, especialista em Filosofia Contemporânea e especialista em Redes de Atenção a Saúde.

Viviane relatou sobre sua vasta e rica experiência em trabalhar em CAPS e Hospitais, o que mudou seu olhar, abrindo possibilidades de pensar em sua própria forma de atuar. Teve descobertas que constituiu a sua formação enquanto pessoa e profissional. E aconselha os futuros profissionais a se desafiarem, saírem da zona de conforto e encontrarem possibilidades de crescimento e mudanças sociais.

A Psicóloga passou alguns videos, tais como: holocausto brasileiro (que relata horrores de um hospício mineiro); Em nome da razão (Documentário sobre um manicômio de Barbacena – Minas Gerais); e Hotel Laide (Uma pensão de apoio, de modo a auxiliar quem queira deixar o crack e outras drogas).  Paiva mostrou tais documentários e abriu para a reflexão sobre a importância do psicólogo pensar novas tecnologias para desvelar violências psicológicas e físicas, deixando marcas de compreensão da necessidade de um tratamento humanizado.

Por fim a psicologa declara que muitas pessoas que são consideradas ´´loucas“ estão nas cadeias ou vivendo nas ruas. Surgindo o desafio, que é a necessidade da junção da psicologia com tecnologias leves e pesadas para resgatar a dignidade destas pessoas, de modo a não reproduzir o comportamento de apoio a repressão, de tratamentos de choque ou tratamentos medicamentosos excessivos. A atuação com boas políticas de atuação pode mudar práticas e formas de se produzir saúde.

Mais informações podem ser obtidas no site do evento: http://ulbra-to.br/caos/edicoes/2018#programacao

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“Psicologia e Tecnologias” é tema do CAOS

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Submissões de trabalhos são até 3 de maio e inscrições até 21 de maio

O Congresso Acadêmico de Saberes em Psicologia (CAOS) do Ceulp/Ulbra em 2018 acontecerá nos dias 21 a 25 de maio. Em sua 3ª edição, a programação conta com palestras, mesas-redondas, comunicações orais, sessões técnicas, seminários clínicos, minicursos, intervenções culturais e outras atividades.

Sobre a temática desta edição, que trata sobre Psicologia e Tecnologias, a coordenação do evento esclarece que a Psicologia é pressionada a dar respostas a este momento histórico desafiador. “Isto porque toda transformação de ordem social e tecnológica remete primeiramente a um movimento cuja gênese está na subjetividade. É a vontade humana, consciente ou inconsciente, que gera volição e, depois, as mudanças, no que Freud já relatava sobre o pensamento como o ensaio da ação”, comenta.

Ainda de acordo com a coordenação, o profissional de Psicologia da contemporaneidade deve apropriar-se de narrativas e intervenções que levem em conta as novas configurações afetivas mediadas pelo uso de tecnologia. “O profissional também deve perceber a tecnologia como condição indissociável e inalienável à vida, logo, produto da engenhosidade humana, extensão mesma deste ser humano ainda em processo de investigação na sua dimensão psicológica”, conclui.

Pela primeira vez, o Caos ocorrerá conjuntamente com os cursos de Ciência da Computação, Engenharia de Software e Sistemas de Informação do Ceulp/Ulbra na realização do 20º Congresso de Computação e Tecnologias da Informação (Encoinfo), devido à temática ser sobre os desafios da Psicologia frente às mudanças e demandas provocadas pela revolução tecnológica.

As inscrições para o evento podem ser realizadas até dia 21 de maio e a data limite para submissão de trabalhos para apresentação é 03 de maio. Acesse a página www.ulbra-to.br/caos/edicoes/2018 e saiba mais sobre valores e programação do Congresso.

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Pseudo-necessidades na cultura contemporânea

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Cultura é todo aquele complexo que inclui o conhecimento, os objetos de arte, as crenças, as regras sociais, os costumes, os tipos de relações interpessoais, os instrumentos e todos os hábitos e habilidades adquiridos pelo ser humano através das instituições do qual faz parte. Assim também podendo ser definida como um conjunto de ideias e práticas sociais. Além disso, estudar cultura é dar ênfase às atividades, aos objetos e aos símbolos compartilhados.

O termo citado acima é alvo de crítica e questionamento pela falta de contribuição da sociedade contemporânea para um avanço cultural pós-modernista. O ensaio “A civilização do espetáculo” de Vargas Llosa traz reflexões sérias sobre qual o caminho que a cultura está traçando atualmente.

A cultura, na contemporaneidade, perdeu o seu significado tradicional, está vazia de conteúdo e foi substituída por outro sentido. Para entender o conceito de cultura, Mario Vargas Llosa (2013) baseia-se em alguns ensaios que debateram sobre o tema. Apesar de terem perspectivas distintas, os autores concordam que a cultura está passando por uma profunda crise e entrou em decadência.

Segundo o modelo de T. S. Eliot, em 1948, a cultura está estruturada em três instâncias: indivíduo, grupo ou elite e sociedade em seu conjunto, na qual cada uma mantém certa autonomia e está em conflito com as outras, dentro de um contexto social coeso. Além disso, ele afirma que a alta cultura é patrimônio de uma elite e que deve ser assim. No entanto, a elite não deve ser vista como classe privilegiada ou aristocrática, em sua totalidade. Cada classe possui a cultura que produz e que lhe convém, havendo discrepâncias relacionadas à condição econômica de cada uma (LLOSA, 2013).

Ainda segundo o autor, a ideia sobre a transmissão da cultura à totalidade da sociedade, através da educação, está destruindo a “alta cultura”, pois o único modo de alcançar a democratização universal da cultura é deixando-a pobre e superficial. É necessário que na sociedade, haja culturas regionais que alimentem a cultura nacional, fazendo parte dela, mantendo sua própria característica e desfrutando de certa independência.

Fonte: https://goo.gl/uA16vS

A cultura é transmitida através da família, e logo após, a principal transmissora foi a Igreja. É importante ressaltar que cultura é diferente de conhecimento. Segundo Llosa (2013, p. 10), a primeira refere-se a “[…] uma propensão do espírito, uma sensibilidade e um cultivo da forma, que dá sentido e orientação aos conhecimentos”. Já o segundo, tem relação com uma evolução da técnica e das ciências.

É necessário lembrar que cultura e religião denotam significados distintos, porém a cultura nasceu dentro da religião, mesmo que a evolução histórica tenha se distanciado dela. T. S. Eliot, ao abordar sobre religião, refere-se ao cristianismo, que fez da Europa o que ela é. Além disso, a ideia de sociedade e de cultura remete a estrutura do céu, do purgatório e do inferno na Commedia de Dante, sendo que quem castiga o mal e premia o bem é a divindade, através de uma ordem intocável (LLOSA, 2013).

Após vinte anos dos escritos de Eliot, George Steiner, em 1971, trouxe algumas notas para a redefinição da cultura. Para ele, a religião mantém um estreito laço com a cultura, mas pouca dependência em relação à “disciplina cristã”. A vontade que objetiva a arte e o pensamento profundo nasce de “uma aspiração à transcendência, é uma aposta em transcender” (STEINER apud. LLOSA, 2013, p. 12). É esse o caráter religioso de toda cultura.

Ao falar sobre a cultura pós-moderna em seu ensaio, Steiner afirma que o homem culto precisa de um conhecimento básico de matemática e ciências naturais para poder entender as conquistas que a ciência realizou e que continua realizando em outros campos do saber. Além de suas aplicações que são surpreendentes quanto às criações da literatura (LLOSA, 2013). Além disso, “pode ser que a cultura já não seja possível em nossa época, mas não será por essa razão, pois a ideia de cultura nunca significou quantidade de conhecimentos, e sim qualidade e sensibilidade” (LLOSA, 2013, p. 14).

Um dos fatores que Llosa aponta como causadores da falta de qualidade e sensibilidade é o consumo excessivo de bens industriais, que leva a fabricação de produtos que muitas vezes não são necessários, mas que como a moda e a mídia colocam como algo importante, as pessoas adquirem e tentam de todas as formas se adequarem a esses padrões, a esse fenômeno dá-se o nome de  “reificação”. Tal fenômeno gera nas pessoas um distanciamento do outro, tornando-as vazias, sem preocupações com as relações sociais ou com qualquer outra forma de relação de caráter coletivo, fazendo com que vivam cada vez mais isoladas, levado-as a não conhecer o outro.

Fonte: https://goo.gl/ZAhRuQ

Ainda segundo o autor, o surgimento de uma cultura global seria uma aproximação dos continentes, fazendo com que crenças e valores culturais dos diversos países sejam levados em conta. A criação dessa cultura seria um artifício usado para uma venda de produtos em massa, para que o mesmo produto seja usado pelo maior número de pessoas, mesmo que essas pessoas sejam de países, de culturas e formas de viver distintas. Um exemplo usado pelo autor é o dos filmes, que são lançados em todo o mundo, atingindo todas as classes sociais, sem ter como pré-exigência uma formação intelectual elevada, fazendo com que qualquer pessoa consiga assistir. Llosa (2013, p. 16) diz que “não só a informação rompeu todas as barreiras e ficou ao alcance de todo o mundo, como também praticamente todos os setores da comunicação, da arte, da política, do esporte, da religião etc., sofreram os efeitos transformadores da telinha.” Isso mostra  como essa cultura de massas influência em todas as áreas de uma sociedade.

Uma das coisas que o autor mostra através no decorrer do texto são as consequências negativas dessa cultura-mundo, e como essa cultura condiciona as pessoas a viverem de forma submissa a esses padrões criados. “A cultura-mundo, em vez de promover o indivíduo, imbeciliza-o, privando-o de lucidez e livre-arbítrio, fazendo-o reagir à “cultura” dominante de maneira condicionada e gregária, como os cães de Pavlov à campainha que anuncia a comida” (LLOSA 2013, p. 16).

O autor frisa as diferenças culturais do passado para as diferenças dos dias atuais, que ele denomina “entretenimento”. Ele mostra que no passado as obras eram criadas para atravessar gerações, e serem apreciadas por diversas pessoas em vários momentos da história, enquanto as atuais são criadas para serem apreciadas momentaneamente, para suprir necessidades  imediatas, e que serão substituídas por outras obras diferentes, de grande sucesso, e da mesma forma como a antecessora ela será substituída por outra obra, e esse processo será contínuo, porque a cultura tem sido vista como entretenimento. O autor deixa claro como a ideia de cultura tem sido vista, quando ele diz: “Cultura é diversão, e o que não é divertido não é cultura” (LLOSA, 2013, p. 17).

Ele também mostra que no decorrer do seu livro a forma como a cultura tem sido transformada, deu lugar a uma nova cultura, cheia de produtos que se fizerem sucesso são vistos como bons, e que o único valor existente neles é o conferido pelo mercado.

Fonte: https://goo.gl/fz9NKK

Vargas Llosa e a cultura

A cultura está vinculada ao momento pós-moderno e globalizado. Desse modo, Gonçalves (2015) ao falar sobre a obra A civilização do espetáculo, diz que, o termo cultura, envolve conhecimentos preconcebidos pelo homem ao longo da história, através da crítica à sociedade do espetáculo. Além disso, o desenvolvimento cultural de uma população é mostrado pela civilização e pelas transformações que ocorrem nas relações sociais, nas técnicas manipuladas, nos fatores econômicos e na criação artística. Sendo assim, de acordo o autor, essa evolução culminou em uma civilização efêmera.

Ainda segundo o autor, essa civilização efêmera “pouco contribui para o avanço intelectual, sociocultural e econômico, interferindo sobremaneira na identidade cultural das sociedades modernas” (p. 561). É importante enfatizar que as civilizações transmitem culturas, que podem ser complexas, por meio de instituições como a família, escola, Igreja, Estado e grupo no qual se faz parte (GONÇALVES, 2015). Caso não cumpram esse papel de maneira efetiva, pode haver uma deterioração da cultura e a civilidade de um povo, prejudicada.

Para Llosa, sua obra está envolvida pela cultura, sendo uma realidade autônoma que é moldada por valores éticos e estéticos, ideias, arte e literatura. Além disso, todas influenciam a vida social. O autor também fala que a cultura e o processo de civilização também são formados pelas redes sociais, internet, televisão, cinema e jornalismo sensacionalista, alcançando todas as classes sociais de forma acessível e sem o requerimento de formação intelectual (GONÇALVES, 2015).

A autora ressalta com embasamento no livro Civilização do espetáculo, que a cultura deveria assumir o vazio deixado pelas outras áreas do conhecimento. E não é isso que tem ocorrido, de acordo com Llosa. Segundo ela, os avanços tecnológicos estão fazendo com que a cultura vise o entretenimento, sem se importar com a crítica, levando à superficialidade. Esses avanços deveriam contribuir para o aprimoramento da própria sociedade, exigindo dos seus membros um aperfeiçoamento maior, pois tudo está à disposição de todos, isto é, as informações estão à disposição de todas as pessoas. Dessa forma, ela conseguiria realmente ser uma sociedade do espetáculo.

 

Fonte: https://goo.gl/434PdU

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo permitiu obter um panorama de como a cultura perdeu o seu significado tradicional e para entender isso diferentes autores opinaram a respeito. Pode-se notar que a cultura é vista como patrimônio de uma elite e que cada classe possui a sua, havendo diferenças em relação à condição econômica. Além disso, ela também se refere a uma propensão de espírito, uma sensibilidade e um cultivo.

É percebido que a cultura e religião possuem significados diferentes, mas que ela nasceu dentro da religião. A cultura pouco depende da disciplina cristã, no sentido em que ela aspira à transcendência. Ela também não significa quantidade de conhecimentos, mas sim qualidade e sensibilidade. No entanto, o consumo excessivo faz com que as pessoas tentem adequar-se a esses padrões – fenômeno da “reificação”. Esse fenômeno gera um distanciamento entre as pessoas, deixando-as vazias e sem preocupações com relações de caráter social e coletivo.

É notado que o surgimento de uma cultura global vem para aproximar os continentes com o intuito de vender produtos em massa para diferentes pessoas do mundo com seus próprios estilos de vida e cultura. Além disso, o viés negativo dessa cultura-mundo priva o indivíduo de lucidez e livre-arbítrio, condicionando o indivíduo a reagir à “cultura” dominante.

Verificou-se também que a cultura e o processo de civilização são formados pelos valores éticos, arte, literatura, redes sociais, internet, televisão, cinema, jornalismo sensacionalista e outros. Dessa forma, as classes sociais podem ter acesso à cultura sem precisar de qualquer formação intelectual. Além disso, os avanços tecnológicos fazem com que a cultura vise o entretenimento, tornando-a muito superficial. Por isso, esses avanços deveriam colaborar para o desenvolvimento da própria sociedade, pois assim conseguiria ser uma sociedade do espetáculo.

Em suma, o ensaio de Mario Vargas Llosa se contrapõe a respeito da ideia de banalizar a arte, a literatura, a política e o jornalismo. Através de uma visão dura e detalhista, o autor faz uma análise da contemporaneidade e da degradação que ela vem causando para cultura, tornando-se assim, um tema crítico e de grande relevância para as esferas acadêmicas.

Fonte: https://goo.gl/ZpQNxf

 

REFERÊNCIAS

GONÇALVES, Andreia Santos. Vargas Llosa e a cultura. Revista sociedade e estado, volume 30, número 2, p. 561-564, maio/agosto, 2015.

LLOSA, Mario Vargas. A civilização do espetáculo. 1. ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2013. Livro em PDF.

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