A eletroconvulsoterapia em pauta: o cérebro como fetiche

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Dias atrás, no meu percurso cotidiano, passei em frente a uma banca de jornal e notei algo que não havia notado até então: uma fileira de 12 revistas expostas, todas se referindo ao tema cérebro e, quase todas, expunham na capa uma imagem do cérebro. Imediatamente me veio à memória o que aquela mesma banca expunha há cerca de 20 anos atrás: os corpos nus das mulheres. Reflito então: o que aconteceu nos últimos 20 anos que fez com que o cérebro fosse exibido nesse lugar de fetiche?

Não é novidade a tentativa de encontrar uma relação direta entre nossa psique e a estrutura ou funcionamento do cérebro. O tema já aparecia nas discussões filosóficas de Platão e Hipócrates, mas que no século XIX que surge uma ciência do cérebro, o marco teria ocorrido em 1810, com o médico anatomista e fisiologista Franz-Josef Gall e sua cranioscopia: um método de investigação que concebia uma correspondência direta entre protuberâncias e depressões do crânio e do cérebro. Tal método abre o caminho para a frenologia, uma teoria que supunha ser possível analisar as faculdades mentais de um indivíduo por meio da inspeção do seu crânio. No auge desta teoria, o frenologista Alexandre David afirma ter descoberto no desenho da cabeça de Descartes todas as faculdades intelectuais, perceptivas e individuais responsáveis pela filosofia do pensador.

Temos assim, que a procura por compreender o cérebro e ser capaz de relacioná-lo com nosso componente psicológico não é nova, todavia, os aparatos tecnológicos capazes de tornar o cérebro vivo um objeto da ciência, só surgem nas últimas décadas. O termo neurocientista, por exemplo, se estabelece na década de 1990, que é, inclusive, chamada de “década do cérebro”, e se caracteriza por grande investimento em pesquisas nesse âmbito. O surgimento das tecnologias de exames por imagens alimentaram a fantasia de que observar o cérebro pensando, seria o mesmo que alcançar o pensamento em si, como se o pensamento fosse uma espécie de secreção do cérebro.

Fonte: https://bit.ly/2RXCmTO

Chegamos assim ao sujeito contemporâneo, o “sujeito cerebral”, a figura antropológica que incorpora a ideia de que o ser humano é essencialmente reduzível a seu cérebro. Já o termo “neurocultura” é cunhado para explicar o impacto social que o desenvolvimento das neurociências provocou na ciência, na filosofia, na medicina, na educação, na mídia, nas políticas públicas, na arte, ou seja, em todos os campos da cultura, dando ao cérebro um lugar privilegiado.

Um bom exemplo da proporção que essa neurocultura alcançou é notado num programa vespertino de TV da Rede Globo – Encontro com Fátima Bernardes – no qual participa diariamente um médico neurocientista e neurocirurgião, que se dispõe a explicar ou abordar, qualquer tema ali tratado, sob a ótica das dinâmicas neuroquímicas e cerebrais. Numa delas, por exemplo, “o doutor” se dispõe a explicar as fases de um relacionamento amoroso e possíveis modos de fazê-lo “dar certo”, utilizando explicações neuroquímicas. Sob tal ótica, o cérebro não é um órgão objeto da ciência biológica, mas num ator, um agente social, o que torna possível tratar dos entraves das relações amorosas por meio de explicações do funcionamento cerebral. Em última análise, nossos cérebros é que amam ou não amam.

Assim, a cerebralidade parece ser um resultado natural do progresso da ciência e das tecnologias utilizadas para pesquisar o cérebro, no entanto, é preciso compreender o quanto ela pactua com uma ideologia individualista de saúde mental, muito própria da contemporaneidade, no qual tratar-se significa se tornar uma espécie de empreendedor de si mesmo. A popularização das terapêuticas comportamentais e das ferramentas coaching, por exemplo, seguem nessa direção. Apartados de uma noção de coletividade, mergulhados num individualismo narcisista e numa política econômica neoliberal, que defende e valoriza a meritocracia, adotar a ideia de que qualquer fracasso ou dificuldade que uma pessoa enfrente possa ser localizado em seu cérebro, cumpre duas funções ideológicas importantes: oferta respostas individuais para problemas que seriam do laço e do contexto social, e promete, com mais presteza, rapidez e eficiência, indicar os reparos necessários ao cérebro-sujeito.

Fonte: encurtador.com.br/IJKS9

Obviamente, que essas duas concepções, quando associadas, abrem um mercado consumidor importante para as terapias do cérebro. A multiplicação de diagnósticos e medicamentos psiquiátricos se alimenta de tal lógica, mas há outras que também se dispõem a atuar na estrutura ou bioquímica cerebral, tal como a eletroconvulsoterapia, estratégia que tomou à cena nas últimas semanas depois de ser citada, numa nota técnica, como recurso terapêutico indicado dentro das novas diretrizes da política de saúde mental.

O eletrochoque no Brasil – o nome originário dessa terapêutica – se tornou um método historicamente condenado, com o advento dos movimentos para garantia de direitos dos doentes mentais e o fim dos manicômios, atrelados ao movimento da reforma psiquiátrica e a luta antimanicomial. No entanto, tais procedimentos, animados pelo avanço das neurociências, ressurgem com novas denominações, uma roupagem mais humanizada e critérios de indicação mais rigorosos.  A promessa é intervir diretamente no cérebro, a fim de tratar sintomas psiquiátricos graves, persistentes e refratários a outros recursos terapêuticos.

Sem entrar da discussão da eficiência ou não de tal ferramenta em alguns casos pontuais e específicos, onde o risco seja menor que o dano, o mais importante é perguntar: em se tratando de política pública, qual o real impacto que uma tecnologia tão restrita dessas trará para o campo da política de saúde mental? Quem compreende a lógica do SUS e da medicina sanitária que lhe respalda, sabe que investir em tecnologias mais básicas e de maior amplitude de alcance, são muito mais eficazes do que investir nas tecnologias mais complexas e especializadas, além de serem muito mais baratas e de produzirem efeito em cadeia e de longo prazo, pela mudança de cultura e pela formação de compromisso com o coletivo. Nessa lógica, investir em grupos de orientação e em programas de atividade física para hipertensos, por exemplo, é muito mais eficaz do que equipar hospitais para realizar cirurgias cardíacas, e ainda, quanto mais investimos no trabalho de atenção comunitária, tanto menos unidades especializadas em emergência cardíaca serão necessárias.

Fonte; https://bit.ly/2tlW7KY

Sendo assim, resgatar a eletroconvulsoterapia dentro da política pública de saúde mental sem uma discussão ampla – um método historicamente comprometido com as atrocidades de um passado manicomial que ainda tem feridas abertas – já seria controverso apenas por um motivo: por desrespeito ao movimento de luta antimanicomial, um movimento de trabalhadores, usuários e familiares de saúde mental que desconstruiu o modelo desumano dos manicômios, abrindo outro modo de olhar para a doença mental. Além disso, trata-se de uma tecnologia muito especializada que não trará nenhum impacto realmente importante para o campo da saúde mental, nenhum efeito de saúde coletiva, nem de mudança de cultura, ou de aprendizagem social. A eletroconvulsoterapia é apenas resultado desse nosso fetiche pelo cérebro, que produz um tipo de política de saúde mental que não  se interessa por pela promoção de saúde comunitária, pelo cuidado psicossocial, pela inserção social, pela a redução de estigmas ou pelo apoio as famílias.

A grande sacada da política não manicomial – e isso não significou apenas desconstruir o manicômio – foi entender a doença mental como uma questão de responsabilidade coletiva, partilhada, como algo que se instala no laço entre as pessoas e não dentro delas. Tanto é assim, que uma característica peculiar da doença mental é que ela precisa do outro pra existir. Sem o outro, o sintoma do doente mental não seria identificado, por isso, a recusa social e o isolamento é sempre uma constante nesses casos, especialmente nos mais graves. Sob a ótica psicossocial, a doença mental é uma ferida do laço que nos une aos outros, é um desencontro de linguagem, é uma deficiência de afeto. Nesse caso, as terapêuticas que atuam na organicidade dos sujeitos são apenas coadjuvantes no processo de tratamento, o mais importante será restaurar o laço e a comunicação do sujeito com aquilo que ele ama ou deseja. Uma política de saúde mental não manicomial é aquela compreende que uma pessoa adoecida não tem um cérebro doente, ela está com seus laços e vínculos doentes; seu cérebro pode sofrer os efeitos disso, mas não é o local onde se atua terapeuticamente.

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A Identidade Cultural na Pós-Modernidade: para entender o contemporâneo

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Stuart Hall, em sua obra “A Identidade Cultural na Pós-Modernidade”, fala inicialmente sobre a crise de identidade que permeia a vida dos indivíduos na sociedade. A crise de identidade segundo o autor é percebida como parte de um processo de mudança, a qual está interferindo nas estruturas, questões centrais das sociedades modernas e influenciando nos moldes de referência que serviam aos indivíduos como sustentação estável no mundo social. O autor deixa claro que sua intenção ao escrever o livro era de explorar questões relacionadas à crise de identidade cultural: como ela se dá, se essa crise existe e até mesmo quais as dimensões que a mesma está tomando.

Uma das hipóteses levantadas acerca dessa crise é a ideia de que as identidades modernas estão sendo descentradas, ou seja, separadas. Stuart debruça-se sobre esse argumento com o intuito de refletir e compreender quais as consequências dessa fragmentação, além de incrementar o texto com complexidades e análises das contradições que o termo “descentrar” desconsidera.

Fonte: http://zip.net/bttNpl

O livro foi organizado dividido em seis partes e no primeiro capítulo o autor discorre sobre “A Identidade em questão” expondo três definições de identidade: o sujeito iluminista; sujeito sociológico e do sujeito pós-moderno. O autor afirma que existe uma alteração na estrutura que está transformando a sociedade moderna do século XX. Essa mudança se dá a partir da dissolução do cenário cultural em termos de sexualidade, gênero, etnia, raça, etc. o que antes era uma base para o direcionamento como indivíduos sociais. Além disso, a identidade pessoal foi influenciada e agora as pessoas não têm mais um sentido de si, quer dizer, houve uma descentração/ deslocamento do sujeito.

Stuart também coloca que esse deslocamento do indivíduo tanto do seu lugar no mundo social e cultural quanto de si, propicia o surgimento de uma crise de identidade para o mesmo. Ele acrescenta que, se analisadas em conjunto, essas alterações podem significar sobretudo uma modificação da modernidade. Concordamos com essa hipótese, uma vez que as pessoas, em sua maioria, têm em mente a ideia de evolução. Talvez seja a globalização com o advento da tecnologia que subsidiou essa transformação conjunta dos vários aspectos sociais que formam o indivíduo atualmente e que está sendo trabalhado no livro.

De acordo com as concepções de identidade apresentadas pelo autor, o sujeito iluminista é individualista e centrado em si, dotado de razão. Assim, o centro para essas pessoas seria o próprio interior. No entanto, ao apresentar o sujeito sociológico, Stuart pontuou que somente o interior não era suficiente, e que nesse tipo de identidade, há a compreensão de que somos formados a partir da relação com as pessoas que mediam valores, símbolos e sentidos, característicos de uma cultura. Já o sujeito pós-moderno, é aquele que se modifica a partir da forma como é representado ou interpretado, ou seja, torna-se “uma celebração móvel”. Concluindo a primeira etapa da definição de identidade, o autor acredita que condição de permanência, a certeza e a continuidade, são condições que se desmancham no ar nestes tempos pós-modernos, o que justifica a mudança entre os extremos.

Fonte: http://zip.net/bhtMRs

É muito interessante quando o autor traz a ideia de que a “identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia” (HALL, 2013, p.13) e que os indivíduos possuem mais de uma identidade. Assim como ele, acreditamos que para as mais variadas situações, temos uma nova maneira de ser e agir na sociedade, ou seja, a nossa identidade não é coerente, uma vez que, a cada nova representação adquirida formamos várias identidades. Além disso, na visão do autor, as sociedades modernas mudam constante, rápida e permanente e é essa a principal diferença das sociedades tradicionais.

Na segunda parte “Nascimento e morte do sujeito moderno” surge o conceito de descentração do sujeito. Além disso, o autor trata de questões como os impactos da globalização sobre a identidade cultural. Stuart explicita de maneira clara e objetiva que a sua intenção nesse capítulo é mostrar como o sujeito humano é, passando pelos diversos processos que moldaram a sua identidade. O quando o sujeito era individual e centrado e aos poucos se tornou um ser interativo. Na sociedade moderna, o indivíduo já se mostra descentrado.

Nesse momento, o autor trata da morte do sujeito cartesiano, ou seja, sujeito racional, pensante e consciente, bem como cita algumas obras e autores que colaboraram com esse processo na modernidade tardia. Também, faz referência às obras e autores que de certo modo agitaram as bases do sujeito moderno e permitiram estabelecer os descentramentos, uma vez que suas ideias narram os deslocamentos do sujeito por meio de várias aberturas nos discursos do conhecimento moderno, as quais foram comentadas por ele com diferentes tipos de descentração do ser indivíduo.

A primeira descentração seria das tradições do pensamento marxista, a qual afirma que o ser humano faz a sua história somente a partir das condições que lhes são dadas. Já a segunda, surgiu a partir de Freud com a descoberta do inconsciente em que para ele a formação da identidade, sexualidade e desejos têm base em processos psíquicos do inconsciente humano. Ferdinand de Saussure colaborou com a perspectiva de que nós não somos os criadores das afirmações que fazemos, nem dos significados que expressamos na língua.

Fonte: http://zip.net/bttNpn

Michel Foucault colaborou para a definição do quarto modelo de descentramento que é o poder disciplinar, este se preocupa não somente com a vigilância e regulamentação da espécie humana, mas também com o indivíduo e o corpo. O quinto descentramento diz respeito ao impacto gerado pelo feminismo “tanto como crítica teórica quanto como um movimento social” (HALL, 2006, p.45), acreditamos que foi por meio desses novos conceitos que os movimentos sociais ganharam força na pós-modernidade. Stuart acredita que se considerarmos o sujeito do iluminismo como tendo uma identidade fixa e estável, perceberemos que foi descentrado, o que resultou nas várias identidades possíveis (sejam elas abertas, contraditórias, inacabadas ou fragmentadas) do sujeito pós-moderno.

No terceiro capítulo o autor vem falar das identidades culturais desse “sujeito fragmentado”, ou melhor, as identidades nacionais desse mesmo. Então ele faz uma pergunta mais especifica: “Como as identidades culturais nacionais estão sendo afetadas ou deslocadas pelo processo de globalização?” Para responder a pergunta Hall conceitua seu pensamento com duas citações, sendo uma de um escritor mais conservador e a outra de um autor mais liberal. Paralelas a essas, Hall se firma no pensamento mais conservador, que acredita que não nascemos com identidades nacionais mas que elas são formadas e transformadas pelas nossas representações.

Ao nos definirmos, algumas vezes dizemos que somos ingleses ou galeses ou indianos ou jamaicanos. Obviamente, ao fazer isso estamos falando de forma metafórica. Essas identidades não estão literalmente impressas em nossos genes. Entretanto, nós efetivamente pensamos nelas como se fossem parte de nossa natureza essencial (p.47).

Fonte: http://zip.net/bvtM56

Portando essa nacionalização da identidade se fez muito importante. Quando uma nação mergulha nessa identidade criam-se formas de apropriá-las, adjetiva-las. E torná-las um diferencial.

A formação de uma cultura nacional contribuiu para criar padrões de alfabetização universais, generalizou uma única língua vernacular como o meio dominante de comunicação em toda a nação, criou uma cultura homogênea e manteve instituições culturais nacionais, como, por exemplo, um sistema educacional nacional. Dessa e de outras formas, a cultura nacional se tornou uma característica-chave da industrialização e um dispositivo da modernidade (p.49).

Com o decorrer do texto o autor cogita uma nação imaginada, que as diferenças entre as nações encontram-se nas formas diferentes pelas quais elas são imaginadas. Logo mais ele menciona cinco elementos para responder a pergunta: “Como é contada a narrativa da cultura nacional?”.

A primeira é a Narrativa da Nação, “tal como é contada e recontada nas histórias e nas literaturas nacionais, na mídia e na cultura popular”. Já a segunda é a Ênfase nas Origens, “Está lá desde o nascimento, unificado e contínuo, “imutável” ao longo de todas as mudanças, eterno”. A terceira é cidadã por Hobsbawm e Ranger, que chamam de Invenção da Tradição. Posteriormente temos a quarta que é a do mito fundacional, “[…] origem da nação, […] [num passado tão distante que eles se perdem nas brumas do tempo, não do tempo “real”, mas de um tempo “mítico”].”. E por fim a quinta, que é simbolicamente fundamentada na ideia de um povo ou folk puro, “nas realidades do desenvolvimento nacional, é raramente esse povo (folk) primordial que persiste ou que exercita o poder”.

O discurso da cultura nacional não é, assim, tão moderno como aparenta ser. Ele constrói identidades que são colocadas, de modo ambíguo, entre o passado e o futuro. Ele se equilibra entre a tentação por retornar a glórias passadas e o impulso por avançar ainda mais em direção à modernidade (p.56).

A outra seção, ainda do mesmo capítulo, é voltada para a questão de saber se as culturas e as identidades nacionais que elas constroem são realmente unificada. O autor pede ainda para nos atentarmos aos três conceitos ressonantes daquilo que constitui uma cultura nacional como uma “comunidade imaginada”: as memórias do passado; o desejo por viver em conjunto; a perpetuação da herança.

Fonte: http://zip.net/bqtNFl

Anteriormente falamos das identidades nacionais, que foram alguma vez tão unificadas ou homogêneas quanto fazem crer as representações que delas se fazem. Porém, na história moderna, as culturas nacionais têm dominado essa “modernidade” e as identidades nacionais tendem a se sobrepor a outras fontes, mais particularistas, de identificação cultural.Ainda no início do quarto capítulo o autor faz o seguinte questionamento :O que, então, está tão poderosamente deslocando as identidades culturais nacionais, agora, no fim do século XX?”

O mesmo logo dá a resposta: um complexo de processos e forças de mudança, que, por conveniência, pode ser sintetizado sob o termo “globalização”.Apesar da globalização não ser um fenômeno tão recente, ela vem tomando forças e alguns autores argumentam que o efeito geral desses processos globais tem sido o de enfraquecer ou solapar formas nacionais de identidade cultural.

Alguns teóricos culturais argumentam que a tendência em direção a uma maior interdependência global está levando ao colapso de todas as identidades culturais fortes e está produzindo aquela fragmentação de códigos culturais, aquela multiplicidade de estilos, aquela ênfase no efêmero, no flutuante, no impermanente e na diferença e no pluralismo cultural […] (p.73).

De certa forma o que está sendo discutido é a “tensão entre o “global” e o “local” na transformação das identidades.” As identidades nacionais, são as representações vinculados a lugares, eventos, símbolos, histórias particulares. “Elas representam o que algumas vezes é chamado de uma forma particularista de vínculo ou pertencimento”.

Stuart Hall se opõe à natureza fatalista que muitas pessoas atribuem à globalização, as quais a tratam como um movimento que aniquilaria as identidades locais devido à imposição de uma cultura homogênea sobre ela. Para ele, a grande mudança que vem em decorrência da globalização é simplesmente a forma com a qual o “local” e o “global” se relacionam. No entanto, Hall diz que esse referido “local” seria algo totalmente novo, bem como o “global” também o seria, não deixando nunca de se influenciarem mutuamente.

Fonte: http://zip.net/bmtMzf

Outro aspecto a ser analisado é aquele chamado de “geometria do poder, visto que de acordo com a distribuição social de cada localidade, a globalização acontece de formas diferentes para cada grupo, de acordo com suas particularidades, bem como o grau de acesso que tais indivíduos teriam a uma “cultura global”. Tal cultura, segundo o autor, se trataria de uma produção principalmente ocidental, que parte dos antigos países colonizadores, considerados o centro, para as suas antigas colônias, tratadas como “periferias”.

Para Hall, apesar da relação inegavelmente hierarquizada entre antigas metrópoles e suas colônias, a globalização acabava por colocar ambos frente a frente, estabelecendo assim uma relação entre ambas. Ele observa que apesar de tal dominância sócio-cultural, é nas grandes cidades globalizadas que se pode encontrar marcas de diversas outras culturas pelo mundo, como restaurantes especializados em comidas típicas dos cinco continentes, ainda que para os cidadãos de tais centros a origem de tais restaurantes sejam terras distantes paradas no tempo fantasiosamente criadas em suas mentes.

Um ponto importante a se trazer é que para o autor esses cenários distantes fantasiosos não existiriam desta forma justamente porque, apesar da discrepância de acesso em relação aos países desenvolvidos, tais lugares também se globalizam e pluralizam, ainda que em uma velocidade reduzida. Por motivos diversos, os países ocidentalizados vão deixando de fornecer somente bens de consumo aos periféricos, e passam a observar a chegada de tais populações em seus territórios. Essas novas ondas migratórias acarretam em mudanças drásticas na composição social de tais nações, com novas e variadas formas de pertencimento a tais territórios.

Fonte: http://zip.net/brtMFm

Como resposta mudanças bruscas em curtos espaços de tempo, surgem tanto uma busca dos ditos “exóticos” por uma identidade cultural, quanto movimentos reacionários por parte de determinadas camadas dominantes que se consideram prejudicadas por tais transformações. O fato é que tal variedade contribui para o surgimento de pluralidades, sejam políticas, sociais, culturais ou raciais, mesmo dentro de grupos razoavelmente homogêneos

É importante ressaltar que, para Stuart Hall, o grande fenômeno decorrente é o que ele chama de “tradução” de pessoas para novas culturas, visto que um indiano que viva na Inglaterra nunca deixaria de ter em sua formação os princípios trazidos de seu país de origem, mas também carregaria consigo novos princípios adquiridos no novo país. Considerando ainda que ele venha a ter filhos com uma pessoa de um terceiro país, as crianças seriam influenciadas em maior ou menor escala por um número ainda maior de referências culturais, o que enriqueceria ainda mais esta nova práxis globalizada.

FICHA TÉCNICA 

Título Original: A Identidade Cultural na Pós-Modernidade
Autor: Stuart Hall
Editora: DP&A
Ano: 2005

 

REFERÊNCIA:

HALL, Stuart. A Identidade Cultural na Pós-Modernidade. 10a. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2005.

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A demarcação freudiana do feminino: um ser de prazer

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“Olha, eu tenho uma resistência a falar sobre estes assuntos de sexo, penetração, pênis, porque eu já fico achando que você vai me encaixar numa teoria. Eu não estudei psicanálise, mas sempre ouço falarem da inveja do pênis, e tal; eu quero falar, mas não quero que você me encaixe numa teoria.”

                                                          (Maria Rita Kehl, Deslocamentos do Feminino, 2008).

Freud deparou-se com diversos impasses teóricos ao querer definir a mulher.  Suas postulações teóricas sofreram influências da cultura vigente da época, na qual, o lugar destinado a mulher, era da ordem do privado (NUNES, 2000). Mesmo tendo influências culturais em seus Estudos sobre a Histeria, o pai da psicanálise propiciou um lugar de escuta à mulher, permitindo assim que a mesma tivesse voz e desse sentido ao que estava por completo domínio do controle social que demarcava lugares distintos ao homem e a mulher.

A cultura se organiza em torno de vários ideais esperando-se do homem coerência de acordo com o ideal da cultura vigente. Toda manifestação humana é cultura – Família, Estado e Sociedade são os grupos nos quais o homem aloja-se (SANTOS, 1983). Tratando-se de nós, humanos, seres de afeto, o sujeito traça suas relações definindo seus lugares a partir das exigências da sociedade (ex: raça, sexualidade, valores, conduta etc.). Assim nos apropriamos de Foucault (1979), para enfatizar a predominância existente no corpo social, das relações de poder que normatizam e referenciam os discursos perpassados socialmente.[…] em qualquer sociedade, existem relações de poder múltiplas que atravessam, caracterizam e constituem o corpo social e que estas relações de poder não podem se dissociar, se estabelecer nem funcionar sem uma produção, uma acumulação, uma circulação e um funcionamento do discurso (p.179).

O problema do homem com relação à sociedade é totalmente subjetivo. O ser humano achava que a civilização traria a felicidade, proteção. Mas é justamente na sociedade que o sofrimento se desencadeia, pois o grupo e as leis estabelecidas pedem que renunciemos as nossas pulsões, renunciando a nossos desejos. O princípio da racionalidade faz com que o sujeito esteja sobre o governo administrativo, econômico e estético e coube a cultura nos retirar do lugar de animais irracionais e nos posicionar de forma precisa, uma vez que a cultura é quem outorga a precisão, os papéis a serem exercidos na sociedade. Sendo assim, os papéis exercidos socialmente podem nos reconciliar com os limites internos existentes, aceitos ou não pelas normas e ideais estabelecidos (FREUD, 1930).

A cultura é imprescindível, pois é através dela que discursos circulam e permanecem nas sociedades atravessando gerações e fazendo-se parte constituinte de um grupo de pessoas (SANTOS, 1983). A cultura cria em nós o sentimento de culpa que fazem de nós seres humanos. Sendo assim, o aparelho psíquico é decorrente da mesma, nos ajuda a viver restringindo nossos desejos e a vida só é possível enquanto uma vivência cultural.

Questões que caracterizavam a época na qual foi concebida a psicanálise se diferenciam das configurações atuais. Mudanças ocorreram ao longo dos anos, direcionando a desconstrução total ou parcial de modos de ser e posicionar-se frente aos ditames sociais. A história dos atores sociais tomou novos percursos com o desenvolvimento industrial e com o avanço tecnológico permitindo a mulher o início de sua trajetória rumo à independência. Invenções como a pílula anticoncepcional, fecundação in vitro possibilitaram a mulher o controle sobre seu corpo.

À medida em que a sociedade industrial triunfa, ela promove a dissolução de sua moralidade familiar, dos destinos vinculados aos posicionamentos estanques de gênero, aos tabus relacionados à sexualidade e até mesmo à crescente reunificação da domesticidade e do trabalho remunerado (SPINK, 1999, p. 10).

Desde o momento em que nascemos, somos inscritos pela marca da diferenciação sexual carregada de significações imaginárias e marcadas por determinadas posições na ordem simbólica devido às formações de linguagem. Não há possibilidade de escolhas. Seremos meninos ou meninas acolhidos pela mínima diferença sexual de nossos corpos e é com essa diferença que teremos de nos haver para enunciarmos nossa presença no mundo e nossa inscrição enquanto sujeitos de desejo, constituídos pela linguagem passada por nossos pais através da cultura (KEHL, 2008).

O destino do homem é traçado pela busca do objeto perdido na castração, a posse da mãe, seu primeiro objeto de amor. Mas esse objeto nunca será completo, a estrutura do ego se dá pelo manejo dessa perda. A falta é a força motriz do ser humano. É a falta que mobiliza o seu jeito para se reaver com o objeto que o impulsiona a avançar em seus ideais. A angústia vivenciada pelo sujeito é porque perdeu algo, algo que busca na civilização. E não encontra, pois não existe. Contudo, é através da procura que o sujeito encontra a satisfação pela sublimação do objeto, pois, já que não encontra o objeto fica então com o objeto substituto, satisfazendo-se parcialmente (FREUD, 1930).

A função do pai é central na questão edípica, pondo-se em vista, que o Inconsciente nos revela o Complexo de Édipo através de desejos recalcados, desejos primordiais e sempre presentes na história subjetiva do sujeito. Na infância os desejos precisam ser reprimidos diante do exercício provido da lei, processo esse, realizado pela função paterna que cinde a relação simbiótica mãe-bêbe e proporciona um movimento psíquico complexo e persistente na trajetória de vida do indivíduo. Segundo a psicanálise, fatores das experiências infantis repercutem ao longo da vida do sujeito sendo favoráveis ou não a suas vivências subjetivas consigo e com o outro. Outro que sempre estará presente, na medida em que lidar com o eu é se deparar com o que o outro espera do meu eu. Consecutivamente, lidar com o outro é relacionar-se com o que espero do meu eu. Processo contínuo do exercício psíquico em uma atuação cíclica.

Afinal, somos julgados, condenados, classificados, obrigados a desempenhar tarefas e destinados a um certo modo de viver ou morrer em função dos discursos verdadeiros que trazem consigo efeitos específicos de poder (FOUCAULT, 1979, p. 180).

A compreensão das ordenações psíquicas foi proporcionada pelo arcabouço teórico construído por Freud através do entendimento da histeria. Apesar de não ter inventado o modelo de histeria foi Freud quem operou sobre o modelo sensíveis transformações, e assim, foi capaz de acolher as novas questões da cultura de sua época, as quais eram trazidas a ele pelos tipos clínicos prevalentes (mulheres insatisfeitas, que buscavam compreender melhor sua singularidade). Assim, podemos dizer referenciados por Pinheiro (2003), que as postulações da metapsicologia freudiana tem sua base no modelo feminino da histeria.

O processo de subjetivação da mulher passou a ser tema de problematização na psicanálise desde a construção fálico-édipica. Indagações de Freud em sua clínica que tiveram como arcabouço teórico as histéricas permitiram a concepção da psicanálise. A literatura e as diversas manifestações artísticas dão voz ao artista sem que o mesmo precise pronunciar uma palavra, pois sua expressão artística fala do mais puro que há em seu interior, a arte em sua diversidade dá lugar a voz do inconsciente. Voz que Freud proporcionou as mulheres de sua época ao estudar as histéricas. Que se expressavam por palavras escritas e endereçadas ao sigilo de seus diários, que eram como depositário de angústias utilizado pela mulher que não tinha usufruto da livre expressão. Seu falar estava outorgado a ditames sociais dirigidos ao espaço privado e ao controle político do sujeito-mulher que não podia ir contra à representação de poder da época- o homem.

Coforme Kehl (2008),

A histeria é a ‘salvação das mulheres’ justamente porque é a expressão (possível) da experiência das mulheres, em um período em que os ideais tradicionais de feminilidade (ideais produzidos a partir das necessidades da nova ordem familiar burguesa) entraram em profundo desacordo com as recentes aspirações de algumas dessas mulheres enquanto sujeitos (p.182).

Freud não só escutou a histérica como também a leu, pois foi a partir de uma histérica que se iniciou a associação livre e houve a articulação de saberes. A mulher passa a ser inscrita na psicanálise, passando a ser re/pensada não apenas no viés daquela inscrita na falta fálica, mas a partir dos construtos que envolvem o desenvolvimento da menina em mulher e passaram a ser articulados de modo que o feminino pudesse adentrar no contexto social.

Em 1931, Sigmund Freud apresentou seus estudos subsequentes da sexualidade feminina, a qual é recoberta por uma série de indagações teóricas, por não haver algo que a defina com a precisão necessária para o campo científico como é visto no caso da sexualidade masculina. As lacunas existentes no estudo a respeito da mulher podem ser referentes ao investimento teórico-metodológico, aos inúmeros trabalhos realizados com foco no sujeito masculino e ao descaso com o feminino deixando-o fixado ao espaço privado, como sendo o único lugar por direito e dever da mulher.

A complexidade no desenvolvimento da sexualidade feminina é compreendida pelo fato de que a menina terá que abandonar o clitóris, sua principal zona genital, pela vagina, onde o abandono se faz necessário pelo vínculo que há entre pênis e clitóris (pênis defeituoso). Consecutivamente, a troca de objeto original também é realizada e a mãe é substituída pelo pai. Os vínculos mútuos dessas tarefas ainda não estão claros (FREUD, 1931).

Segundo Freud (1931), os efeitos do complexo de castração na mulher são diferentes dos efeitos nos homens. Ela se reconhece como inferior ao homem por ser castrada, e assim, coloca o homem numa posição de superioridade. Três linhas de desenvolvimentos são decorrentes dos efeitos provocados pelo complexo de castração: na primeira a atividade fálica e sua sexualidade são abandonadas, na segunda se detém a esperança de em alguma ocasião conseguir um pênis e na última, caso seja a linha seguida, será atingida a atitude feminina normal na qual o pai é tomado por objeto no lugar de seu objeto original- a mãe, dando início ao complexo de Édipo feminino, que é resultado de um processo bastante demorado e de modo algum superado pela mulher.

Há muito tempo, por exemplo, observamos que muitas mulheres que escolheram o marido conforme o modelo do pai, ou o colocaram em lugar do pai, não obstante repetem para ele, em sua vida conjugal, seus maus relacionamentos com as mães (FREUD, 1931, p. 239).

Em 1924, pela primeira vez, Freud inicia a identificação da diferença no curso do desenvolvimento da sexualidade em meninos e meninas. A identificação das diferenças permitiu a produção de seus artigos direcionados ao feminino: A Sexualidade Feminina (1931) e Feminilidade (1933). Freud deparou-se com dificuldades ao falar de mulher já que seu referencial era o masculino. Concordando com Kehl (2008), situamos que: “[…] para o criador da psicanálise as mulheres permaneceram atadas a este ‘estado de natureza’ pela força das representações das funções reprodutivas do corpo materno […]”. Em contrapartida, a esperança de ser promovido ao estatuto de “seres da razão” é oferecido ao homem pela psicanálise. O modelo fálico-edípico reverberou as concepções de masculino e feminino, proporcionando reformulações importantes relativas às subjetividades masculinas e femininas (CAVALCANTI, 2009), permitindo assim, a mulher adentrar a um novo espaço de compreensão na psicanálise.

Mesmo com o passar dos tempos, ainda é possível observar dificuldades na conquista de um posicionamento sexual na atualidade, as mudanças passaram a ser decorrentes do revolucionário movimento feminista que veio possibilitar o início do apagamento das diferenças sexuais até então vigentes, deslocando a mulher da posição social a qual estava submetida na época em questão. (PINHEIRO, 2003).

Em seu texto Feminilidade (1933), Freud afirma que através da história o enigma da natureza feminina tem feito pessoas quebrarem a cabeça, concluindo que o que constitui a masculinidade e a feminilidade foge ao alcance da anatomia, pois aquilo que lhes é constituinte é uma característica desconhecida. “No entanto, a situação feminina só se estabelece se o desejo do pênis for substituído pelo desejo de um bebê, isto é, se um bebê assume o lugar de pênis, consoante uma primitiva equivalência simbólica.” (p.128) O autor pontua que o desejo do pênis é por excelência um desejo feminino.

Por enquanto, quero chamar a atenção para a inexistência, na cultura em que Freud viveu, de um lugar social para a fala e a produção discursiva de algumas mulheres não suficientemente identificadas com os “ideais de feminilidade” de seu tempo (KEHL, 2008, p.256).

Freud em seus textos não levou em conta o lugar ocupado pela mulher na cultura em que vivia ou sugeriu a restrição ao espaço doméstico e suas extensões, onde em função das limitações da referida “natureza feminina” seria o espaço doméstico o seu “habitat natural”. O discurso sobre as características da mulher na teoria freudiana fundamentam-se na concepção de uma natureza feminina determinada totalmente pelo corpo, ou seja, pelos órgãos genitais da mulher, hipoteticamente impossíveis de simbolização (KEHL, 2008).

Para Freud, existe uma disposição bissexual na mulher já que a mesma, diferente do homem que carrega consigo um único órgão genital, a mulher obtém dois: um análogo ao masculino, o clitóris e o feminino, a vagina. Derivam desse ponto as diferenças do desenvolvimento sexual, pois a mulher no primeiro momento sentiria prazer pelo clitóris, posição masculina, e, no segundo momento o prazer seria sentido pela vagina, endossando à mulher a posição feminina, já que o prazer foi deslocado do órgão tido como ativo para o passivo. Assinalado por Freud (1933) a psicanálise não tenta descrever o que é a mulher, mas indaga como se dá o desenvolvimento da criança provida da disposição bissexual em mulher. Porquanto, descrever o que é a mulher trata-se de uma tarefa difícil de cumprir.

Há pelo menos dois aspectos, porém, que poderíamos considerar intrigantes, os quais Freud não consegue explicar. Inicialmente seria o fato de que na época apareceram muitos relatos de mulheres que possuíam impulsos vaginais desde a primeira infância, diferentemente do que pensava o autor, pois este acreditava que tais impulsos somente aconteceriam na puberdade. Além disso, chamava atenção o fato de que muitas mulheres ainda na idade adulta continuavam sentindo prazer pelo clitóris, fato que ele confessa não conseguir compreender (CAVALCANTI, 2009, p. 99).

O deslocamento de zona erógena da mulher, pontuado por Freud, enfatizava o exercício do papel social da mulher. “Para tanto, o orgasmo vaginal e a sexualidade passiva se adequavam como uma luva aos ditames da maternidade.” (CAVALCANTI, 2009, p. 99). E dessa maneira, a expectativa dirigida à função da mulher de sua época era atendida.

Mais adiante em seu texto de 1933, Freud atribui algumas características femininas que viabilizam a manutenção do casamento e do lar como sendo próprias das mulheres. “Um casamento não se torna seguro enquanto a esposa não conseguir tornar seu marido também seu filho, e agir com relação a ele como mãe” (p. 132-133). Salientando que, grandes números de mulheres mesmo em idade madura continuam dependentes de um objeto paterno, ou propriamente do pai real. A ambivalência vivenciada na fase edípica é de suma importância para as escolhas realizadas pelas mulheres na fase adulta e para a permanência nessas decisões mesmo estando as mesmas fadadas ao fracasso (FREUD, 1933).

Enfim, pelas diferentes configurações da inibição sexual, da histeria e da virilização, as mulheres estariam inscritas nos campos da anomalia e até mesmo da franca patologia libidinal, afastando-se decididamente do encontro com a plena feminilidade, que apenas se daria com a assunção da maternidade (CAVALCANTI, 2009, apud, BIRMAN, 2001, p.25).

O fato do pênis se destacar como suporte corporal para encarnar a função do falo, dá ocorrência à diferenciação produzida pelos efeitos simbólicos na menina e no menino. Na própria teorização da sexualidade construída por Freud a constituição sexual se dá a nível simbólico e não biológico. (PINHEIRO, 2003). Segundo Birman (1999) a crença maior da arrogância masculina em relação às mulheres é acreditar ser portador de um poder superior pelo fato de obter o pênis como atributo do falo. Contudo, não ter o pênis como atributo do falo seria a fonte proverbial de sua inveja, sendo o signo maior da inferioridade das mulheres.

O repúdio dos homens e das mulheres diante da feminilidade vem testemunhar a perda dos emblemas fálicos e narcísicos, pois esta experiência, que se apresenta além da regulação do falo, implica justamente a suspensão do autocentramento da subjetividade, sustentado pelo referencial fálico, onde os homens e as mulheres se protegeriam dessa experiência de inquietação face à sua fragilidade e incompletude (NÉRI, 2005, p.220).   

Ao finalizar o texto de 1933, Freud menciona que descreveu as mulheres na medida em que sua natureza é determinada por sua função sexual e que suas contribuições estão fragmentadas e incompletas, deixando claro que cabe ao leitor aguardar até que a ciência possa dar informações mais profundas e coerentes. Mais coerentes por sua contradição ao descrever a mulher tomada pela referencia de sua função sexual de procriar, onde anteriormente, conclui que o que constitui masculinidade e feminilidade foge ao alcance da anatomia. Portanto, cabe salientar que a feminilidade é alcançada pela mulher como enfatiza o próprio autor, quando o deslocamento de zona erógena é realizado do clitóris para a vagina. (FREUD, 1931).

Neste texto, podemos observar alguns pontos que localizam a mulher na teoria freudiana, bem como a construção de feminino para Freud. A importância da cultura foi essencial por a mesma demarcar o lugar a ser ocupado pela mulher, de maneira que ao ser construído o conceito da teoria referente à sexualidade feminina sistematicamente a cultura da época esteve presente diretamente e indiretamente em seus efeitos no modo de ver e compreender a mulher e no discurso vinculado ao feminino.

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HER: a incompletude palatável

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She’s not just a computer

Antes de tudo é preciso uma afirmação, Her é uma obra sensível, que trata de sentimentos, algo já abordado em outros filmes, livros, músicas e pinturas, mas, que no caso específico desta película, possui um direcionamento e foco que o tornam singular, como será exposto ao longo desta análise. O filme é de 2013, com um orçamento modesto para os padrões atuais, produzido pela Annapurna Pictures, dirigido e roteirizado por Spike Jonze, estrelado por Joaquin Phoenix, Scarlett Johansson, Amy Adams, Rooney Mara e Olivia Wilde.

Este texto tem por objetivo analisar algumas das características simbólicas, narrativas, semióticas e existenciais presentes no filme Her, que pode ser considerado, devido à sua inventividade, como sendo uma pequena obra-prima da atualidade, galardoada com várias indicações e prêmios tanto da grande indústria cinematográfica como premiações de produções independentes. E trazendo consigo uma grande esteira de filmes que tratam da temática da inteligência artificial em nosso tempo em seus diferentes aspectos que formam a estruturação de sua história, Her certamente será objeto de apreço, debates e análises por suas imensuráveis qualidades que extrapolam o âmbito de sua linguagem cinematográfica.

A solidão íntima e coletiva

Figura 2: Theodore em plano aberto e sozinho no seu apartamento. Fonte: Her (2013)

Em 2025 Theodore Twombly nos é apresentado como um homem próximo à meia-idade, que vive solitário em seu amplo apartamento de uma atemporal Los Angeles , trabalhando como escritor numa empresa de envio de mensagens comoventes e emotivas para outras pessoas, numa rotina que combina melancolia, resignação e breves momentos de vislumbre para efemeridades cotidianas. O passado do protagonista nos é apresentado em flashbacks, evidenciando um acumulado de mágoas, ressentimentos e arrependimentos ligados, principalmente, a um malfadado relacionamento ainda a ser superado.

Spike Jonze faz um grande trabalho com seu roteiro, direção de arte e fotografia para que tenhamos uma verdadeira imersão nas fronteiras da inquieta existência de Theodore. A utilização dos contrários nestes quesitos contribui para este exercício de representação e interpretação ao qual o diretor nos faz mergulhar, como, por exemplo, nos ambientes em que o protagonista divide seu espaço com outras pessoas, seja no trabalho, metrô, ruas o seu isolamento é ressaltado com sutis close-ups em seu rosto e ações de desconforto ou desinteresse com a situação, e, do mesmo modo, nos planos abertos, como em seu apartamento, na sacada do prédio ou beira do penhasco a mesma noção e reação de isolamento também é apresentada na composição dos elementos imagéticos imbricados para formar tais cenas introspectivas.

Esta rotina de Theodore é alterada a partir do momento que o mesmo resolve adotar um novo modelo de sistema operacional pessoal super-inteligente (IOS), para que sua solidão seja de alguma maneira preenchida, mesmo que por uma presença virtual. Após uma breve coleta de dados pessoais os parâmetros virtuais do IOS estabelecem as preferências do cliente e, então, a interação entre as duas partes é iniciada, e os rumos de tal relacionamento é que dão o tom de maiores reflexões e antinomias do longa-metragem. E, a partir deste momento é somos apresentados à Samantha, a denominação dada por Theodore à sua IOS, interpretada por Scarlett Johansson, com base nestas informações preliminares.

Figura 3: Theodore aguardando o “nascimento” de Samantha. Fonte: Her (2013)

Mas, há de se fazer uma ressalva sobre Theodore, e este talvez seja o ponto no qual Samantha se encaixa em sua vida. Em nenhum momento da estória contada em Her é mostrado um misantropismo do melancólico escritor de cartas emotivas, pelo contrário, o mesmo possui, mesmo que restrito, um círculo de amigos que, aparentemente, se preocupam com seu bem estar. Neste sentido, Amy Adams, que interpreta a homônima melhor amiga de Theodore, nos convence em seus diálogos, ajudando a compreender o aspecto solitário do cotidiano de ambos e o porquê do impacto da inserção de Samantha em suas vidas. Por isto, não é de se surpreender que Jonze antes das filmagens do longa, fez com que os dois atores ficassem isolados durante horas em uma sala, para que as emoções e interações de ambos se tornassem o mais críveis possível para os apreciadores de sua obra, e o resultado é no mínimo admirável. A simplicidade com que a amizade é retratada reforça a sua importância, inclusive em momentos inesperados, como é caso do anúncio do relacionamento não convencional entre um humano e um sistema operacional, que não causa surpresa na amiga de Theodore, pelo contrário, por esta é reforçada sua atitude de iniciar estre incomum relacionamento, para que se recupere de suas mágoas e angústias recentes após um conturbado relacionamento ainda em cicatrização.

Há simbolismos de Her que merecem destaque no instante em que aparecem na tela. Desta forma, a primeira imagem que teremos “dela” (Samantha) é o momento do icônico carregamento, assemelhando-se a dupla hélice de um DNA, e o seu formato definitivo é uma clara referência à principal referência de inteligência artificial da sétima arte, o sistema operacional HALL-9000, da obra-prima de Stanley Kubrick. No entanto, a surpresa após o programa ser carregado já começa pela sua voz, com uma entonação, interação e afetividade singulares, características completamente diversas de um robô ou inteligência artificial convencional, pois soa próxima, afetuosa e espontânea, que irão marcar todo o desenvolvimento do filme.

E para finalizar esta etapa da análise é importante ressaltar o poderio robótico e virtual da máquina que da o título à obram que, apesar da leveza e doçura dos modos e voz de Samantha, tal poder de seu sistema positrônico nos é entregue em pequenas passagens, como na contagem de árvores, seleção dos e-mails, as correções das cartas, buscas e demais detalhes que chegam a passar despercebidos ao longo da projeção. E, o mais importante destas demonstrações da diferença intelectiva entre o IOS e Theodore é que em momento algum esta condição de raciocínio privilegiado é utilizada por Samantha em relação ao protagonista, sendo que, muitas vezes, é ela quem toma a iniciativa por aprender e apreender não novos conhecimentos ou atalhos matemáticos, mas sim as complexas vias para interpretação e também demonstração dos sentimentos humanos, caminhada esta que se inicia do momento em que a mesma é nomeada quando colocada em funcionamento até o seu adeus, quando quase não apresenta mais características de um ente cujas ações e reações são pré-programadas em seus circuitos e conexões.

Humano apesar de tudo?

Figura 4: Dispositivo móvel para o Sistema Operacional Samantha. Fonte: Her (2013)

O título deste tópico analítico sobre o filme Her faz menção à uma instigante reflexão dos franceses Guy-Manuel de Homem-Christo e Thomas Bangalter, que formam o Daft Punk. E o porquê de tal máxima? Talvez pelo fato desta ser uma das principais problemáticas e também paradoxos trazidos pelo filme em suas mensagens, diálogos e sentimentos, ou seja, qual é a linha que separa uma máquina, a criatura, do ser humano, seu criador, e mais importante ainda, haveria a possiblidade de habilitar a autonomia virtual de um ente mecatrônico ao ponto desta condição se refletir em uma auto-inquirição a respeito de sua própria existência, criação e fim? E ao que se vê e sente em Her esta fronteira não merece questionamento se o sentimento envolvendo a equidade entre os dois entes – criatura e criador – for maior que sua constituição física, seja ela robótica ou biológica.

Em outras obras fílmicas, de longa ou curta duração, a discussão a respeito da transferência, imanência ou transcendência de humanidade para os autômatos criados por nós vem à tona – dotando-os de inteligência e sensibilidade imensuráveis –, muitas vezes superando nossas próprias condições de seres questionadores de nossos próprios propósitos neste mundo. Dentre estas obras podemos citar brevemente: Hal-9000, em 2001: uma Odisseia no Espaço (1968), Motoko Kusanagi em Ghost in the Shell (1995), Maria de Metropolis (1927), o Agente Smith da trilogia Matrix (1999-2003), David Swinton em I.A – Inteligência Artificial (2001),Sheldon e Francesca de I’m here (2010), o Robô de Gigante de Ferro (1999), o ciborgue T-800 em O Exterminador do Futuro II, Wall-E e Eva em Wall-E (2008), Cha Young-goon em Eu sou um cyborg mas tudo bem! (2006), GERTY em Lunar (2009), Roy Batty em Blade Runner (1982) e o curioso e vindouro Ex Machina (2015) estrelado por Alicia Vikander, dentre tantos outros exemplos que poderiam ser elencados aqui. E, de uma forma mais próxima ou distante estes contos fílmicos, por vezes inspirados em uma ou outra obra literária de maior ou menor expressão, podem ser remetidos à algumas grandes referências da transposição da consciência do ser humano para sua criação, como, por exemplo: Pinocchio (1883) de Carlo Collodi,Frankstein ou o Moderno Prometeu (1818) de Mary Shelley e a coletânea Eu Robô (1950) de Isaac Asimov.

O acréscimo dramático de Her, em comparação com estas outras referências fílmicas com temas similares ao seu, se dará por um salto representativo sobre estas questões envolvendo a consci ência existencial de uma máquina, conforme citado anteriormente. No entanto, mais do que uma liberdade para pensar (como é o caso do bicentenário Andrew Martin de Asimov), no caso de Samantha é nos apresentado um questionamento sobre a iniciativa em querer sentir, ou, em nenhum momento isto fica claro na projeção, ao menos emular com a máxima veracidade e profundidade virtual tais sentimentos para com outro ente, neste caso Theodore. E é interessante notar que, fazendo uma contraposição semiótica a A criação de Adão de Michelangelo Buonarotti em 1511 no caso da estória que nos é contada em Her os lados são invertidosjá que de onde deveria advir o racional, neste o IOS de Samantha é que emana o sentimento de cuidar, aproximação e amor e, no que se refere a Theodore, sua racionalidade, receio, insegurança e amarguras passadas fazem com que se torne reticente em muitos momentos do relacionamento que brota entre ele e seu emotivo sistema operacional.

Por fim, façamos novamente uso de outra máxima, também do retro-futurista duo-francês para melhor dialogar com Spike Jonze em sua trama.  Trata-se de um trecho da canção Touchpresente em seu último álbum Random Access Memories (RAM), que expressa a fala dos robôs: “Touch sweet touch; You give me too much to feel; You’ve almost convinced me I’m real, I need something more”. Ou seja, a partir do momento em que foi creditado à máquina o sentimento real entre esta e seu criador, ambos, e não só o IOS necessitam de mais, algo que vá além da própria condição imanente e transcendente de cada um, o que mais para o final da obra se tornará o auge de seu enredo.

A transcendência dual

Figura: Theodore e Samantha
Fonte: Her (2013).

E eis que as cores, ambientação, diálogos e estado de espírito dos personagens ganham outra dinâmica de expressão cenográfica. Os grandes planos abertos aos quais Theodore era enquadrado agora são substituídos pelos closes dos momentos entre ele e Samantha, seja na rua, nos passeios, nos momentos íntimos de seu apartamento (como na canção The Moon Songtocada por ele e cantada por ela), o compartilhamento do seu relacionamento com seus amigos de trabalho, e sua melhor amiga Amy, etc. O figurino de Theodore, que normalmente varia entre as cores rosa, salmão e amarelo agora transferem a acepção de sua mágoa por decepções anteriores para um novo olhar de otimismo perante a descoberta de alguém que o entende como jamais imaginara antes.

O fato de Samantha ser um sistema operacional desprovido de uma corporeidade, incrementa de forma considerável o impacto que sua presença causa em Theodore. E, neste ponto, cabe ressaltar o trabalho de voz realizado por Scarlett Johansson, que, com seu tom rouco e afável aumenta a sensação de humanidade na presença, postura e manifestações sentimentais do IOS. A ausência do contato físico entre os protagonistas da estória só faz com que a incompletude de ambos seja reforçada a medida que esta condição se transforma no propulsor da descoberta de cada um em relação aos sentimentos do outro, amadurecendo de forma gradativa o companheirismo, dialogia, entendimento e beleza do amor que os une, para além do imanente, numa verdadeira transcendência dualística inefável.

E ao menos duas metáforas sobre o corpo são trabalhadas no filme, em ambas o ato sexual ocupa o centro do debate. A primeira delas ocorre nos momentos de imersão da rotina solitária de Theodore, quando este se vê diante de um canal de diálogo anônimo, que, rapidamente, se torna um ato sexual telefônico distante de suas expectativas emocionais. O segundo momento se dá já com a presença de Samantha em sua vida, numa tentativa dela de emular um encontro “físico” entre eles, por meio de uma modelo corporal de aluguel, mas que, novamente, acaba por se mostrar uma frustração por parte do protagonista, devido à diferenciação deste momento com a sua ideação de relacionamento que possui com seu IOS.

E é aqui que podemos observar uma riqueza narrativa sem igual, que enaltece ainda mais a força dos argumentos apresentados em Her, já que é evidenciado de forma crua a abstenção pelo puro prazer corporal do sexo, tantas vezes difundido nos dias atuais como alternativa para uma sociedade dita pós-sentimental. O que Theodore busca, mesmo que de forma platônica, é algo que esteja além, e por ironia de sua história de vida que nos é contada no filme, o mesmo só encontrará tal reconforto dual com um ser acorpóreo, que, gradativamente irá mostra-lo o caminho para a redescoberta de si próprio e da abertura para uma nova trilha compartilhada de seu ser e estar (ou bem estar), mesmo que com um sistema operacional.

Se se é possível estabelecer um ponto crítico sobre a obra de Jonze, este pode ser alocado na temática do próprio amor e do amar, condição esta que é mostrada de forma amistosa nas remanescentes lembranças do protagonista e em sua empolgação progressiva a medida que melhor conhece e se envolve com Samantha. Esta reflexão é necessária pelo fato de não nos ser apresentada, como no caso do fim do relacionamento de Theodore com sua antiga esposa Catherine, os motivos do final da união, e, levando em consideração a alta carga sentimentalista nas expectativas do mesmo sobre relacionar-se, podemos supor a sua relativa prisão platônica, não exatamente na busca de um verdadeiro amor, mas sim, na ideia de amar como ponto de refúgio para suas próprias inquietações existenciais – esta mesma ideia foi trabalhada em outras obras como 500 dias com ela (2009) e Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças (2004) –, que são oferecidas a conta-gotas das primeiras às últimas cenas de Her, para que melhor entendamos suas posturas e pensamentos.

A história contada por Spike Jonze, após estes elementos apresentados, acaba por tomar contornos narrativos inesperados, contribuindo inclusive para a impossibilidade de classificação do gênero aos quais os personagens estão inseridos, ou seja, há momentos em que a ficção científica toma forma, passando pelo drama, comédia romântica, elementos fantásticos, lisérgicos, etc. Mas, apesar disso tudo, é na relação entre um ser humano e uma máquina que as reflexões se voltam, e na maneira como esta ligação pode ultrapassar parâmetros, expectativas e prerrogativas.

A compreensão catártica

Figura: cenas finais de Her. Fonte: Her (2013).

O diretor nos dá algumas pistas dos caminhos que levarão ao final de sua obra, em especial no momento em que Samantha revela para Theodore a intercomunicabilidade entre os IOSs, na formação de uma verdadeira rede de trocas de informações e dados, inclusive, como ela mesma demonstra, na criação de grupos de discussão e associação entre estes entes virtuais. Esta abertura do roteiro é um dos pontos de viragem do terceiro ato do filme, o ponto de causalidade que arrasta a obra para seu derradeiro fechamento. E este fim, que se pauta em uma poética e teleológica viagem a um limbo positrônico, ao qual Samantha é enviada, juntamente com seus iguais do mundo virtual, realça de uma forma intensa, o despreparo de nossa sociedade perante a equalização ôntica e ontológica de nossas criações eletrônicas a nós mesmos.

Deste modo ao longo de Her podemos perceber os indícios do caminho trilhado pelos personagens, Theodore, Samantha e de forma menos enfática Amy, em direção a uma catarse, tendo em vista que suas existências nos são apresentadas, desconstruídas para ao final do filme ser novamente construídas em novos patamares de compreensão íntima de cada um, com o amor e seus desmembramentos como núcleo irradiador de cada epopeia de sensações, emoções, decepções e realizações.

Como diria Victor Hugo “Vós, que sofreis, porque amais, amai ainda mais. Morrer de amor é viver dele.” já que Samantha e Theodore em seu amor um pelo outro perecem em seu arrebol, mas, ao mesmo tempo, renascem cada qual em uma nova condição de compreensão de si para consigo, e de si para com o mundo ao qual fazem parte, jamais sendo os mesmos após terem repartido suas existências um com o outro de forma tão plena, mesmo que efêmera.

Por fim, é difícil o encargo de uma elaboração fraseada ao final de Her, pois, para aqueles que realmente mergulharem na viagem cativa e reflexiva proposta pelo diretor terão em suas mentes o abalo de uma miríade de representações, simbolismos, metáforas e mensagens que são expostas ao longo de suas quase duas horas de duração.

FICHA TÉCNICA DO FILME

ELA

Título Original: Her.
Direção: Spike Jonze.
Roteiro: Spike Jonze.
Elenco Principal: Joaquin Phoenix, Scarlett Johansson, Amy Adams, Rooney Mara.
Ano: 2013.

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