A Identidade Cultural na Pós-Modernidade: para entender o contemporâneo

Stuart Hall, em sua obra “A Identidade Cultural na Pós-Modernidade”, fala inicialmente sobre a crise de identidade que permeia a vida dos indivíduos na sociedade. A crise de identidade segundo o autor é percebida como parte de um processo de mudança, a qual está interferindo nas estruturas, questões centrais das sociedades modernas e influenciando nos moldes de referência que serviam aos indivíduos como sustentação estável no mundo social. O autor deixa claro que sua intenção ao escrever o livro era de explorar questões relacionadas à crise de identidade cultural: como ela se dá, se essa crise existe e até mesmo quais as dimensões que a mesma está tomando.

Uma das hipóteses levantadas acerca dessa crise é a ideia de que as identidades modernas estão sendo descentradas, ou seja, separadas. Stuart debruça-se sobre esse argumento com o intuito de refletir e compreender quais as consequências dessa fragmentação, além de incrementar o texto com complexidades e análises das contradições que o termo “descentrar” desconsidera.

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O livro foi organizado dividido em seis partes e no primeiro capítulo o autor discorre sobre “A Identidade em questão” expondo três definições de identidade: o sujeito iluminista; sujeito sociológico e do sujeito pós-moderno. O autor afirma que existe uma alteração na estrutura que está transformando a sociedade moderna do século XX. Essa mudança se dá a partir da dissolução do cenário cultural em termos de sexualidade, gênero, etnia, raça, etc. o que antes era uma base para o direcionamento como indivíduos sociais. Além disso, a identidade pessoal foi influenciada e agora as pessoas não têm mais um sentido de si, quer dizer, houve uma descentração/ deslocamento do sujeito.

Stuart também coloca que esse deslocamento do indivíduo tanto do seu lugar no mundo social e cultural quanto de si, propicia o surgimento de uma crise de identidade para o mesmo. Ele acrescenta que, se analisadas em conjunto, essas alterações podem significar sobretudo uma modificação da modernidade. Concordamos com essa hipótese, uma vez que as pessoas, em sua maioria, têm em mente a ideia de evolução. Talvez seja a globalização com o advento da tecnologia que subsidiou essa transformação conjunta dos vários aspectos sociais que formam o indivíduo atualmente e que está sendo trabalhado no livro.

De acordo com as concepções de identidade apresentadas pelo autor, o sujeito iluminista é individualista e centrado em si, dotado de razão. Assim, o centro para essas pessoas seria o próprio interior. No entanto, ao apresentar o sujeito sociológico, Stuart pontuou que somente o interior não era suficiente, e que nesse tipo de identidade, há a compreensão de que somos formados a partir da relação com as pessoas que mediam valores, símbolos e sentidos, característicos de uma cultura. Já o sujeito pós-moderno, é aquele que se modifica a partir da forma como é representado ou interpretado, ou seja, torna-se “uma celebração móvel”. Concluindo a primeira etapa da definição de identidade, o autor acredita que condição de permanência, a certeza e a continuidade, são condições que se desmancham no ar nestes tempos pós-modernos, o que justifica a mudança entre os extremos.

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É muito interessante quando o autor traz a ideia de que a “identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia” (HALL, 2013, p.13) e que os indivíduos possuem mais de uma identidade. Assim como ele, acreditamos que para as mais variadas situações, temos uma nova maneira de ser e agir na sociedade, ou seja, a nossa identidade não é coerente, uma vez que, a cada nova representação adquirida formamos várias identidades. Além disso, na visão do autor, as sociedades modernas mudam constante, rápida e permanente e é essa a principal diferença das sociedades tradicionais.

Na segunda parte “Nascimento e morte do sujeito moderno” surge o conceito de descentração do sujeito. Além disso, o autor trata de questões como os impactos da globalização sobre a identidade cultural. Stuart explicita de maneira clara e objetiva que a sua intenção nesse capítulo é mostrar como o sujeito humano é, passando pelos diversos processos que moldaram a sua identidade. O quando o sujeito era individual e centrado e aos poucos se tornou um ser interativo. Na sociedade moderna, o indivíduo já se mostra descentrado.

Nesse momento, o autor trata da morte do sujeito cartesiano, ou seja, sujeito racional, pensante e consciente, bem como cita algumas obras e autores que colaboraram com esse processo na modernidade tardia. Também, faz referência às obras e autores que de certo modo agitaram as bases do sujeito moderno e permitiram estabelecer os descentramentos, uma vez que suas ideias narram os deslocamentos do sujeito por meio de várias aberturas nos discursos do conhecimento moderno, as quais foram comentadas por ele com diferentes tipos de descentração do ser indivíduo.

A primeira descentração seria das tradições do pensamento marxista, a qual afirma que o ser humano faz a sua história somente a partir das condições que lhes são dadas. Já a segunda, surgiu a partir de Freud com a descoberta do inconsciente em que para ele a formação da identidade, sexualidade e desejos têm base em processos psíquicos do inconsciente humano. Ferdinand de Saussure colaborou com a perspectiva de que nós não somos os criadores das afirmações que fazemos, nem dos significados que expressamos na língua.

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Michel Foucault colaborou para a definição do quarto modelo de descentramento que é o poder disciplinar, este se preocupa não somente com a vigilância e regulamentação da espécie humana, mas também com o indivíduo e o corpo. O quinto descentramento diz respeito ao impacto gerado pelo feminismo “tanto como crítica teórica quanto como um movimento social” (HALL, 2006, p.45), acreditamos que foi por meio desses novos conceitos que os movimentos sociais ganharam força na pós-modernidade. Stuart acredita que se considerarmos o sujeito do iluminismo como tendo uma identidade fixa e estável, perceberemos que foi descentrado, o que resultou nas várias identidades possíveis (sejam elas abertas, contraditórias, inacabadas ou fragmentadas) do sujeito pós-moderno.

No terceiro capítulo o autor vem falar das identidades culturais desse “sujeito fragmentado”, ou melhor, as identidades nacionais desse mesmo. Então ele faz uma pergunta mais especifica: “Como as identidades culturais nacionais estão sendo afetadas ou deslocadas pelo processo de globalização?” Para responder a pergunta Hall conceitua seu pensamento com duas citações, sendo uma de um escritor mais conservador e a outra de um autor mais liberal. Paralelas a essas, Hall se firma no pensamento mais conservador, que acredita que não nascemos com identidades nacionais mas que elas são formadas e transformadas pelas nossas representações.

Ao nos definirmos, algumas vezes dizemos que somos ingleses ou galeses ou indianos ou jamaicanos. Obviamente, ao fazer isso estamos falando de forma metafórica. Essas identidades não estão literalmente impressas em nossos genes. Entretanto, nós efetivamente pensamos nelas como se fossem parte de nossa natureza essencial (p.47).

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Portando essa nacionalização da identidade se fez muito importante. Quando uma nação mergulha nessa identidade criam-se formas de apropriá-las, adjetiva-las. E torná-las um diferencial.

A formação de uma cultura nacional contribuiu para criar padrões de alfabetização universais, generalizou uma única língua vernacular como o meio dominante de comunicação em toda a nação, criou uma cultura homogênea e manteve instituições culturais nacionais, como, por exemplo, um sistema educacional nacional. Dessa e de outras formas, a cultura nacional se tornou uma característica-chave da industrialização e um dispositivo da modernidade (p.49).

Com o decorrer do texto o autor cogita uma nação imaginada, que as diferenças entre as nações encontram-se nas formas diferentes pelas quais elas são imaginadas. Logo mais ele menciona cinco elementos para responder a pergunta: “Como é contada a narrativa da cultura nacional?”.

A primeira é a Narrativa da Nação, “tal como é contada e recontada nas histórias e nas literaturas nacionais, na mídia e na cultura popular”. Já a segunda é a Ênfase nas Origens, “Está lá desde o nascimento, unificado e contínuo, “imutável” ao longo de todas as mudanças, eterno”. A terceira é cidadã por Hobsbawm e Ranger, que chamam de Invenção da Tradição. Posteriormente temos a quarta que é a do mito fundacional, “[…] origem da nação, […] [num passado tão distante que eles se perdem nas brumas do tempo, não do tempo “real”, mas de um tempo “mítico”].”. E por fim a quinta, que é simbolicamente fundamentada na ideia de um povo ou folk puro, “nas realidades do desenvolvimento nacional, é raramente esse povo (folk) primordial que persiste ou que exercita o poder”.

O discurso da cultura nacional não é, assim, tão moderno como aparenta ser. Ele constrói identidades que são colocadas, de modo ambíguo, entre o passado e o futuro. Ele se equilibra entre a tentação por retornar a glórias passadas e o impulso por avançar ainda mais em direção à modernidade (p.56).

A outra seção, ainda do mesmo capítulo, é voltada para a questão de saber se as culturas e as identidades nacionais que elas constroem são realmente unificada. O autor pede ainda para nos atentarmos aos três conceitos ressonantes daquilo que constitui uma cultura nacional como uma “comunidade imaginada”: as memórias do passado; o desejo por viver em conjunto; a perpetuação da herança.

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Anteriormente falamos das identidades nacionais, que foram alguma vez tão unificadas ou homogêneas quanto fazem crer as representações que delas se fazem. Porém, na história moderna, as culturas nacionais têm dominado essa “modernidade” e as identidades nacionais tendem a se sobrepor a outras fontes, mais particularistas, de identificação cultural.Ainda no início do quarto capítulo o autor faz o seguinte questionamento :O que, então, está tão poderosamente deslocando as identidades culturais nacionais, agora, no fim do século XX?”

O mesmo logo dá a resposta: um complexo de processos e forças de mudança, que, por conveniência, pode ser sintetizado sob o termo “globalização”.Apesar da globalização não ser um fenômeno tão recente, ela vem tomando forças e alguns autores argumentam que o efeito geral desses processos globais tem sido o de enfraquecer ou solapar formas nacionais de identidade cultural.

Alguns teóricos culturais argumentam que a tendência em direção a uma maior interdependência global está levando ao colapso de todas as identidades culturais fortes e está produzindo aquela fragmentação de códigos culturais, aquela multiplicidade de estilos, aquela ênfase no efêmero, no flutuante, no impermanente e na diferença e no pluralismo cultural […] (p.73).

De certa forma o que está sendo discutido é a “tensão entre o “global” e o “local” na transformação das identidades.” As identidades nacionais, são as representações vinculados a lugares, eventos, símbolos, histórias particulares. “Elas representam o que algumas vezes é chamado de uma forma particularista de vínculo ou pertencimento”.

Stuart Hall se opõe à natureza fatalista que muitas pessoas atribuem à globalização, as quais a tratam como um movimento que aniquilaria as identidades locais devido à imposição de uma cultura homogênea sobre ela. Para ele, a grande mudança que vem em decorrência da globalização é simplesmente a forma com a qual o “local” e o “global” se relacionam. No entanto, Hall diz que esse referido “local” seria algo totalmente novo, bem como o “global” também o seria, não deixando nunca de se influenciarem mutuamente.

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Outro aspecto a ser analisado é aquele chamado de “geometria do poder, visto que de acordo com a distribuição social de cada localidade, a globalização acontece de formas diferentes para cada grupo, de acordo com suas particularidades, bem como o grau de acesso que tais indivíduos teriam a uma “cultura global”. Tal cultura, segundo o autor, se trataria de uma produção principalmente ocidental, que parte dos antigos países colonizadores, considerados o centro, para as suas antigas colônias, tratadas como “periferias”.

Para Hall, apesar da relação inegavelmente hierarquizada entre antigas metrópoles e suas colônias, a globalização acabava por colocar ambos frente a frente, estabelecendo assim uma relação entre ambas. Ele observa que apesar de tal dominância sócio-cultural, é nas grandes cidades globalizadas que se pode encontrar marcas de diversas outras culturas pelo mundo, como restaurantes especializados em comidas típicas dos cinco continentes, ainda que para os cidadãos de tais centros a origem de tais restaurantes sejam terras distantes paradas no tempo fantasiosamente criadas em suas mentes.

Um ponto importante a se trazer é que para o autor esses cenários distantes fantasiosos não existiriam desta forma justamente porque, apesar da discrepância de acesso em relação aos países desenvolvidos, tais lugares também se globalizam e pluralizam, ainda que em uma velocidade reduzida. Por motivos diversos, os países ocidentalizados vão deixando de fornecer somente bens de consumo aos periféricos, e passam a observar a chegada de tais populações em seus territórios. Essas novas ondas migratórias acarretam em mudanças drásticas na composição social de tais nações, com novas e variadas formas de pertencimento a tais territórios.

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Como resposta mudanças bruscas em curtos espaços de tempo, surgem tanto uma busca dos ditos “exóticos” por uma identidade cultural, quanto movimentos reacionários por parte de determinadas camadas dominantes que se consideram prejudicadas por tais transformações. O fato é que tal variedade contribui para o surgimento de pluralidades, sejam políticas, sociais, culturais ou raciais, mesmo dentro de grupos razoavelmente homogêneos

É importante ressaltar que, para Stuart Hall, o grande fenômeno decorrente é o que ele chama de “tradução” de pessoas para novas culturas, visto que um indiano que viva na Inglaterra nunca deixaria de ter em sua formação os princípios trazidos de seu país de origem, mas também carregaria consigo novos princípios adquiridos no novo país. Considerando ainda que ele venha a ter filhos com uma pessoa de um terceiro país, as crianças seriam influenciadas em maior ou menor escala por um número ainda maior de referências culturais, o que enriqueceria ainda mais esta nova práxis globalizada.

FICHA TÉCNICA 

Título Original: A Identidade Cultural na Pós-Modernidade
Autor: Stuart Hall
Editora: DP&A
Ano: 2005

 

REFERÊNCIA:

HALL, Stuart. A Identidade Cultural na Pós-Modernidade. 10a. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2005.