População de Rua e Covid-19: reflexões acerca de cidadania e direito à informação

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No Brasil somos cerca de 212 milhões de pessoas, segundo a projeção da população do IBGE (2021), sendo que 222 mil brasileiros se encontram em situação de rua conforme Natalino (2020). No seu dia a dia, as Pessoas em Situação de Rua (PSR) sobrevivem de esmolas, doações, por meios de trabalhos realizados nas ruas (Catar lixo, latinhas, etc.), gerando assim uma forma de garantir algum dinheiro e alimentos. Esses indivíduos que tem como característica principal a convivência nas ruas, são definidos como um:

Grupo populacional heterogêneo, composto por pessoas com diferentes realidades, mas que têm em comum a condição de pobreza absoluta e a falta de pertencimento à sociedade formal. São homens, mulheres, jovens, famílias inteiras, grupos, que têm em sua trajetória a referência de ter realizado alguma atividade laboral, que foi importante na constituição de suas identidades sociais. Com o tempo, algum infortúnio atingiu suas vidas, seja a perda do emprego, seja o rompimento de algum laço afetivo, fazendo com que aos poucos fossem perdendo a perspectiva de projeto de vida, passando a utilizar o espaço da rua como sobrevivência e moradia (COSTA, 2005, p. 3).

A população em situação de rua traz consigo a história, de como foram parar nas ruas: através de fatores psicossociais, de exclusão social, por conflitos familiares, situação de drogadição, alcoolismo, e etc. Na rua encontram uma forma de conforto, porém passam a enfrentar a realidade de estar ali.

Fonte: encurtador.com.br/dfjCE

As PSR sofrem preconceitos. MPDFT (2018, p. 4) cita que “o preconceito e a discriminação em relação à população em situação de rua têm relação com a ideia de que o indivíduo é inteiramente responsável por sua condição de vida precária.”

É importante entender que essas pessoas são indivíduos que também têm direitos, que são seres humanos, que tem direitos resguardados perante a constituição e integram a sociedade brasileira. Mas, que muitas vezes se enxergam como participantes de uma sociedade própria e diferente, o que evidencia a questão da exclusão e “invisibilidade” sofrida por eles.

Fonte: encurtador.com.br/dALQU

Em cartilha produzida e publicada pelo Ministério Público do Distrito Federal, podemos conferir que:

Os artigos 1º, 3º e 5º da Constituição Federal de 1988 prescrevem como fundamento do Estado brasileiro a dignidade da pessoa humana e, como objetivos, a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais, além da promoção do bem-estar de todos sem preconceitos de qualquer natureza. Apesar disso, a realidade das pessoas em situação de rua é bem diferente: elas são alvo de violências, como chacinas e extermínios, espancamentos, retirada dos pertences, óbice no acesso aos serviços e espaços públicos, entre outras ações de cunho higienista, como a expulsão das regiões centrais da cidade  (MPDFT, 2018, p. 5).

Apesar dos eventos que acontecem e são relatados por vários indivíduos, há ações que visam uma melhor qualidade de vida para as pessoas dentro desse contexto, como por exemplo as campanhas de prevenção, doação de roupas e alimentos, bem como ajudas com questões mais complexas, mas como foco principal a garantia de cidadania. Todas essas ações são previstas pela Política Nacional Para a População em Situação de Rua, decretada no ano de 2009 e que tem como objetivo a efetividade da garantia dos direitos voltados para essa população e que visa também, formas de reintegração das mesmas em suas redes familiares e comunitárias (MPDFT, 2018).

Levando em consideração à efetividade da garantia de direitos e a pandemia mundial do novo coronavírus, que chegou ao Brasil no ano de 2020, foram levantadas questões acerca de como essas pessoas, que estão situadas nas ruas, poderiam se cuidar para evitar infecção e como os gestores públicos poderiam agir, já que não há como essas pessoas optarem por um isolamento, como fez parte dos brasileiros, em suas casas (SILVA; NATALINO; PINHEIRO, 2020).

Outra questão a ser considerada é sobre a demora para chegada de informações sobre a pandemia para essas. Muitos não sabiam o que de fato estava acontecendo, mesmo em grandes cidades, o que acabou gerando pânico em muitos, que viram as ruas se esvaziando rapidamente, como foi o caso de Jonas, pessoa em situação de rua na cidade do Rio de Janeiro, citado por Paula (2020, p. 4). Em sua fala Jonas revela: ‘Vi o comércio fechando e diminuindo a quantidade de pessoas na rua, achei pra lá de estranho. Foi uma sensação ruim, de medo até… e eu não sabia o que estava acontecendo.’.

Sabemos que, o Artigo 5º da Constituição Federal cita que é assegurado a todos o acesso à informação, portanto é algo que deve ser pensado em todo território nacional, sendo:

Intimamente relacionado com a dignidade da pessoa humana, o acesso à informação de qualidade atua positivamente na proteção e no desenvolvimento de toda a coletividade, contribuindo para a realização de outros direitos, tais como o direito à saúde, educação, moradia etc (OLIVEIRA, 2013, p. 3).

Sob a perspectiva do direito ao acesso à informação, Honorato e Oliveira (2020), citam estratégias práticas, voltadas para as pessoas em situação de rua, que podem ser aderidas diante da situação atual de pandemia, sendo elas: entregas de kits de higienização como forma de prevenção, bem como máscaras de proteção, distribuição de alimentos, esclarecimentos sobre a doença, disponibilização de recursos para que essas pessoas possas ficar em hotéis populares etc.

O principal patrimônio de um país são as pessoas e não apenas os monumentos e praças da cidade. As autoridades não podem cuidar unicamente dos bens materiais (prédios, ruas, calçadas, canteiros). Elas têm que levar em conta as pessoas que se estabeleceram nos lugares públicos ou que precisam desses espaços para sobreviver. Como diz o artigo 3º da Constituição, o objetivo de nosso País é construir uma sociedade justa e solidária, acabar com a pobreza e diminuir as desigualdades sociais  (MPMG, 2010, p. 34).

É importante lembrar acerca do exercício de empatia e solidariedade para com essas pessoas em situação de rua, podendo sempre que oportuno, levar informação, auxílio de alguma forma que esteja ao alcance, pois, é algo que nós como cidadãos também podemos fazer. No momento atual todos de alguma forma são impactados pela pandemia. Os impactos negativos parecem ser gigantescos, mas podem ser reduzidos através de ações coletivas, de divulgação sobre o assunto relacionado à vulnerabilidade das PSR nesse contexto de pandemia, solicitação de emendas públicas entre outras ações.

Fonte: encurtador.com.br/mBMOY

O indivíduo que está nas ruas foi parar lá por uma série de fatores, e independente de tais fatores, merece respeito e dignidade, por ser humano, merece ter seus diretos garantidos conforme prevê a constituição brasileira e a declaração universal dos direitos humanos, na qual serve para todos, independente dos diversos fatores como religião, condição financeira, cor, sexualidade, entre outros aspectos.

É complicado pensar em saúde mental sem o mínimo de direitos básicos, portanto faz-se necessário a continuação de articulação entre as necessidades básicas de sobrevivência, como alimentação, água para beber, qualidade de sono entre outras, juntamente com ação social, assistência psicológica, assistência de outras áreas, e efetividade da garantia de direitos, para que seja real a possibilidade de uma melhor qualidade de vida para essas pessoas.

Referências:

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Poder Legislativo Constituinte. Disponível em: https://www.senado.leg.br/atividade/const/con1988/con1988_15.12.2016/art_5_.asp

COSTA, Ana Paula Motta. População em situação de rua: contextualização e caracterização. Textos & Contextos (Porto Alegre), v. 4, n. 1, p. 1-15, 2005.

HONORATO, Bruno Eduardo Freitas; OLIVEIRA, Ana Carolina S. População em situação de rua e COVID-19. Revista de Administração Pública, v. 54, n. 4, p. 1064-1078, 2020.

IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Projeções da população: Brasil e unidades da Federação. IBGE, 2020. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/apps/populacao/projecao/index.html

MPDFT – Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Direitos Das Pessoas Em Situação De Rua. Brasília-DF, julho de 2018. 1ª Edição. 2018.

MPMG – Ministério Público de Minas Gerais. Direitos do morador de rua: um guia na luta pela dignidade e cidadania. Agosto de 2010. Disponível em: http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/cao_civel/acoes_afirmativas/pessoasrua/pes_cartilhas/Cartilha%20Moradores%20de%20Rua.pdf

NATALINO, Marco Antônio Carvalho. Estimativa da população em situação de rua no Brasil (setembro de 2012 a março de 2020). 2020.

OLIVEIRA, Ciro Jônatas de Souza. Garantia do direito à informação no Brasil: contribuições da lei de acesso à informação. Revista Âmbito Jurídico [Internet]. Out, 2013.

PAULA, Hermes Candido de et al. Sem isolamento: etnografia de pessoas em situação de rua na pandemia de COVID-19. Revista Brasileira de Enfermagem, v. 73, 2020.

SILVA, Tatiana Dias; NATALINO, Marco Antonio Carvalho; PINHEIRO, Marina Brito. População em situação de rua em tempos de pandemia: um levantamento de medidas municipais emergenciais. 2020.

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Invisibilidade do trabalho nos cemitérios

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A forma de lidar com a morte no Ocidente modificou-se na modernidade, ocasionando cada vez mais o distanciamento deste tema das grandes pautas da sociedade. Segundo Iraha, Silva e Paula (2017), o espaçamento entre mortos e vivos ocorre devido a ascensão do capitalismo, quando os corpos passaram a ser caracterizados como instrumentos de produção tornando a morte um novo sinônimo para fracasso. Também houve o avanço da medicina, pois foi quando a morte passou a ser vista como uma fonte de contaminação, perigo e doença, e todos esses aspectos interferem no modo como os coveiros são vistos na sociedade.

Há um paralelo de conceitos que se cruzam no trabalho nos cemitérios: de um lado observamos o modo como o trabalho faz parte do processo sócio-histórico da sociedade, visto permitir com que o sujeito se afirme em relação a si e aos outros, pois promove a interação do indivíduo com o meio em que está inserido e também é uma fonte de realização, uma atividade transformadora e colaborativa, criado e moldado de acordo com a perspectiva da sociedade; por outro lado, encontra-se o cemitério, não apenas o local físico em si, assim como os símbolos que esse carrega de luto e perda, mesmo a morte sendo uma etapa da vida em que independe do social, crenças ou de qualquer outra coisa, nesse intermédio entre a vida e a chegada da morte há todos os trabalhadores do cemitério que lidam diariamente com esse cenário atípico.

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Ademais, o trabalho traz consigo não apenas uma busca por satisfações materiais e físicas, como também a satisfação pessoal, de ser um agente transformador, sendo a primeira atividade humana que o sujeito modifica o ambiente e a si mesmo para sobreviver. Contudo, a nova morfologia do trabalho trouxe consigo um impacto que se expressa pela precarização do trabalho, impostas pelo capital. Parafraseando Antunes (2009), essa situação contraditória do trabalho humaniza e degrada, liberta e aliena, colocando o trabalho humano como molde em nossas vidas, pois, perpassa não só o meio econômico, mas também os meios sociais, psicológicos e simbólicos que determinam tanto as relações sociais como o desenvolvimento da sociedade.

No cruzamento entre esses conceitos há os coveiros que ficam encarregados do trabalho estigmatizado como ‘’sujo’’, pois a morte não é vista com naturalidade pela sociedade em geral, conferindo à profissão um desprestígio por lidarem com esse fenômeno cotidianamente, além de terem um papel de extrema importância na organização e administração dos serviços fúnebres. Ocorre o contato direto com cadáveres/restos mortais, a realização de exumação, cavar as sepulturas, em virtude disso, esses trabalhadores estão alheios a exposição de sua saúde física; o coveiro precisa cuidados diferenciados em suas atividades, além de ficarem expostos a intempéries climáticas e a fatores estressantes que prejudicam sua saúde mental. Não há chuva ou sol que pare o trabalho deles, muitas vezes ficam expostos ao sol durante muitas horas, assim como não há hora para as atividades realizadas.

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Predominantemente realizada por homens, grande parte desses atuam na área por falta de oportunidades de emprego e baixa qualificação profissional, acarretando na precarização do trabalho, em que seus direitos são violados, como os baixos salários e condições ambientais inadequadas, que comprometem o desenvolvimento social dos trabalhadores. Essa profissão é reconhecida pela Legislação Trabalhista Brasileira através do Código Brasileiro de Ocupações (CBO-2002), registrada no Grande grupo 5- Trabalhadores dos serviços, vendedores do comercio em lojas ou mercados, as famílias 5165 referem-se a trabalhadores de serviços funerários e 5166 se refere aos trabalhadores auxiliares dos serviços funerários. Nesta última localiza-se a ocupação de coveiros, registrada sob o número 5166-10, modificada em 2002 com a revisão do CBO.

O reconhecimento tardio da profissão ressalta a condição de vulnerabilidade e falta de reconhecimento desses trabalhadores, a CBO sinaliza que as principais atividades desenvolvidas por esses trabalhadores são: constroem, preparam, limpam, abrem e fecham sepulturas. Realizam sepultamento, exumam e cremam cadáveres, trasladam corpos e despojos. Além de também serem responsáveis pela “conservação dos cemitérios, máquinas e ferramentas de trabalho. Zelam pela segurança do cemitério” (MTE/CBO, 2002). Como citado anteriormente, o trabalho é uma condição da própria existência do trabalhador, nesse contexto que os sepultadores ocupam tal função, sendo empurrados para ela por causa da própria organização/estrutura social. Ressalta-se também que em virtude da baixa escolaridade dos coveiros, faz com que esses não saibam ou tenham ciência de seus direitos e acabam por se submeterem a condições precárias de trabalho.

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Como diria Rabelo (2014), um dos elementos associados à profissão do coveiro é o preconceito social, que os veem como estranhos ou não os veem (invisibilizando-os), ocorre uma desvalorização desses trabalhadores, olhados com repulsa por trabalharem com a morte, a terra, o autor afirma também que os vivos e os mortos estão ligados por um sistema de crenças, construídos a partir das características socioculturais, que nesse caso olha a morte com horror e repulsa. Além disso, o trabalho com mortos envolve também riscos à saúde, uma vez que, esses trabalhadores estão expostos diariamente ao contato com bactérias de decomposição de corpos e aos desgastes psicológicos fruto do contato frequente com a morte.

No artigo “O trabalho com a morte: saúde e acesso aos direitos sociais dos trabalhadores de cemitérios” realizado em Florianópolis no cemitério de Parintins em 2015, os coveiros relatam a desvalorização e a falta de estrutura que enfrentam no seu dia-a-dia. Por falta de opção, esses trabalhadores vivenciam uma rotina de trabalho exaustiva embaixo de sol e chuva, sem roupas de proteção necessárias o que acarreta na exposição constante a bactérias de decomposição dos corpos e aos riscos de doenças. O presente artigo mostra também que ocorre um grande desamparo de seus direitos sociais garantidos pela Constituição de 1988, uma vez que, há uma ausência de informação sobre seus direitos trabalhistas, seus vínculos empregatícios com a prefeitura e muitos afirmam que suas carteiras de trabalho nunca foram assinadas.

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Uma reportagem feita pelo jornal Edição do Brasil no final de 2019 mostra o preconceito e a invisibilidade que os coveiros sofrem perante a sociedade. Nos relatos trazidos na reportagem, é colocado que a profissão é vista como “ruim” mesmo tendo como uma de suas funções possibilitar para à família uma despedida digna do falecido. Outra reportagem realizada pela UOL em maio de 2020, é mostrado como se encontra a saúde mental dos coveiros em tempos de pandemia. O aumento das mortes causadas pelo covid-19 mais que triplicaram a quantidade de sepultamentos realizados por dia, um dos coveiros na reportagem descreve que, antigamente ele realizava em média 3 a 4 enterros por dia, hoje chega a acontecer 32 no dia e em dias atípicos chegam a ocorrer mais de 60 sepultamentos.

O ritmo de trabalho durante a pandemia não diminui, não há tempo para descanso, emoções ou pensamentos. Na matéria feita pela UOL, os funcionários contam sobre como a rotina de trabalho encontra-se pesada e com poucas horas de descanso, o cansaço físico associa-se com o cansaço mental, pois, encontram-se sempre nervosos e tristes. A angústia causada pelo trabalho, acaba por refletir no âmbito familiar e acrescentam ainda que na pandemia as noites de sono vem piorando e a insônia faz cada vez mais parte de sua rotina, e outra coisa que preocupa os coveiros é o medo frequente de ser contaminado pelo vírus no trabalho e acabar por contaminar suas famílias. Na reportagem mostra ainda que, a prefeitura de São Paulo informa que o Serviço Funerário oferece encontros semanais gratuitos, realizados por estudantes de psicologia, que visa oferecer acompanhamento psicológico aos trabalhadores do cemitério.

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Para enfrentar as dificuldades no trabalho Iraha, Silva e Paula (2017) coloca que esses trabalhadores desenvolvem estratégias como mecanismos de defesa, sendo uma delas, a busca por afastar-se emocionalmente, tratando a morte com atitudes impessoais, muitas vezes diminuindo os corpos a partes de órgãos a procura de não enxergar o corpo como um todo. Outro modo de proteger-se do sofrimento fruto do trabalho colocado por Iraha, Silva e Paula (2017), são as estratégias de defesas coletivas que acontecem por meio da colaboração dos trabalhadores visando trazer uma modificação e transformação da concepção da realidade do sofrimento e outros mecanismos de defesa presentes são a religião e o uso constante e abusivo de bebidas alcoólicas.

Silva (2018) mostra que o consumo do álcool pode estar relacionado a indisciplina e ao absenteísmo e também como um meio de aliviar o mal-estar causado pelo trabalho. Outro modo de defender-se da desvalorização da profissão apresentado por Monteiro et al (2017) é a preferência dos coveiros por serem denominados como trabalhadores braçais, pois, ser visto como trabalhador braçal é mais satisfatório do que ser visto como coveiro, uma vez que, o termo coveiro socialmente é desmoralizado e desprestigiado, e vale ressaltar também que os mecanismos de defesa são utilizados como modo de lidar com as possíveis causas dos danos à saúde dos trabalhados, mas, não os isentam de um possível adoecimento psíquico.

Referências:

ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: ensaios sobre a afirmação e negação do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2009.

CATIVO, Cassia Karimi Vieira; WEIL, Andreza Gomes. O trabalho com a morte: saúde e acesso aos direitos sociais dos trabalhadores de cemitérios. Santa Catarina, 2015.

http://edicaodobrasil.com.br/2019/11/07/coveiros-relatam-preconceito-e-esquecimento-da-sociedade-com-relacao-profissao/

https://www.uol.com.br/vivabem/reportagens-especiais/saude-mental-dos-coveiros-em-meio-a-pandemia/#cover

IRAHA, Isabel de Santana; SILVA, Stéfany Cruz; PAULA, Patrícia Pinto de. Sentidos do trabalho dos coveiros: um estudo exploratório. Minas Gerais, 2017.

MONTEIRO, D.F.B. et al. O trabalho sujo com a morte: o estigma e a identidade no ofício de coveiro. Minas Gerais, 2017.

RABELO, E. A. Morte e mundo-da-vida: análise fenomenológica de experiências de coveiros no cemitério do Bonfim. Minas Gerais, 2014.

SILVA, José Miguel Rosalvo da. Sepulta-a-dor: reflexões sobre os possíveis efeitos do trabalho como coveiro. Campina Grande, 2018.

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Dificuldades existenciais no contexto pandêmico

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Os pesos ocultos da quarentena estão por vezes presos nas realidades de sofrimento, não divulgadas, não levadas em consideração, não fomentadas a partir do incentivo da fala de quem tem sofrido, independente dos pesos ou medidas que esse sentimento tem, em cada subjetividade. Os impactos visíveis ou invisíveis, nossas relações interpessoais, íntimas, estão em constante mudança, e este momento totalmente desafiador, nos joga na posição de necessidade da capacidade da resolução de problemas, ou, a paralisia das nossas faculdades antes normalmente executadas.

A relação cotidiana mudou, e por consequência nossos aspectos relacionais também experimentam neste fenômeno, necessidade de atualização, sendo este termo, longe de ser interpretado como juízo de valor (bom ou ruim), mas é a forma com que o sujeito se insere, ou se expressa, em um movimento orgânico e dinâmico, mas não unilateral, pois se diversifica a partir de uma estrutura psíquica individual e também coletiva, na busca dificultosa da homeostase.

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Posso talvez afirmar que cada um se insere da maneira que cabe, em suas possibilidades e angústias, alguns, o medo do incerto, da possibilidade da incapacidade de retornar a uma realidade antes vivenciada; outros, na precisão de estar sempre, e em constante produção; se Freud estivesse aqui diria que este é nosso sintoma? Seria nossa resistência para não ter contato com o desprazer? Estaríamos tomados pela estrutura egóica? Sabe-se lá se Skinner em um momento como esse, talvez fizesse paralelo sobre estes comportamentos, e diria que é fuga e esquiva, em uma tentativa de reduzir ou eliminar os estímulos aversivos.

Eu mesma, estou tentando pôr panos frios em meus sofrimentos, mas seria muito tolo da minha parte dizer que não estou constantemente lidando com o sofrer, e com a vida que me pressiona a uma glorificação de processos criativos para o sofrimento, as produções, afinal, estamos todos confinados, qual seria então minha desculpa? Nós avançamos no tempo, mas as questões não biológicas, estão constantemente sendo negligenciadas no processo de adoecimento, o que me faz pensar que não avançamos tanto assim.

encurtador.com.br/grDMS

Talvez o leitor esperasse que eu me embasasse em apenas uma teoria, enquanto eu misturava sistêmica, psicanálise, análise do comportamento, e agora, Gestalt e psicologia profunda; quem sabe eu só não esteja buscando incessantemente a quintessência, a pedra filosofal, a individuação, e uma possiblidade de me tornar um sujeito autêntico? Me disponho a deixar parte de mim aqui, e ser… não é sobre pontos finais, ao menos para mim, na maior parte do tempo é sobre interrogações, buscando estar aqui e agora, mas tendo também de resgatar lembranças no fundo do inconsciente, que vez ou outra sussurram ou gritam ao meu ouvido, pedindo atenção, para que eu volte novamente a dar atenção aos meus processos.

Eu enquanto acadêmica me sinto confusa diante de tantas formas de ver o mundo, e enfrentando eu mesma, ao mesmo tempo, para entender quem sou eu no mundo, e o que farei com estes sofrimentos latentes ou abafados pelas implicações sociais. Bem, o contexto não tem sido favorável, na verdade, não sei se algum dia foi, mas me força a crescer. Tive que lidar com o medo da perda de pessoas extremamente próximas, tive de ver o sofrimento de quem passa por uma doença nova, de grande enfermo, observar sobre meus olhos alguém que teve experiência de muito tormento, o que me fez recordar de Jung, e as experiências de “quase morte”, as imagens arquetípicas do self se manifestando.

encurtador.com.br/deIYZ

Mais que nunca, estamos sofrendo, e precisamos dizer, para que não seja tão solitário este sentir. Se eu refletisse nas fases do luto de Elizabeth Kubler-Ross, não conseguiria dizer com precisão em qual fase estou, mas felizmente não é necessária tal linearidade. De raiva a depressão, e talvez eu tenha conseguido chegar em parte, na gloriosa, mas não estável, aceitação… afinal, já entendo que preciso sofrer, e dar voz ao que não consigo dizer. E eu sinto muito por tudo que eu jamais diria neste relato, de tão vasto, vívido, e por ser tão confuso, nem sei como diria. Que sorte a minha seria ser analisanda… por mais doloroso que seja, é difícil fugir do que também sou eu, está comigo, mesmo que eu negue.

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